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Liberalização comercial, distribuição e emprego

Trade liberalization, distribution and employment

RESUMO

O artigo aborda aspectos da economia política da liberalização do comércio. Examinamos as razões para o estabelecimento de práticas protecionistas, os custos sociais de tais práticas e a relação entre conflitos distributivos e protecionismo, enfatizando a formação de coalizões distributivas. Aplicamos esses conceitos e ideias ao caso brasileiro, a fim de examinar os efeitos distributivos da estrutura protecionista que prevaleceu até o final dos anos 80 e as possíveis mudanças ao longo dos anos 90. Por fim, desenvolvemos um modelo macroeconômico para explorar os efeitos da liberalização na distribuição funcional da renda e da demanda agregada.

PALAVRAS-CHAVE:
Liberalização comercial; protecionismo; grupos de interesse

ABSTRACT

The paper approaches aspects of the political economy of trade liberalization. It examines the reasons for the establishment of protectionist practices, the social costs of such practices and the relation between distributive conflicts and protectionism, emphasizing the formation of distributive coalitions. We apply these concepts and ideas to the Brazilian case in order to examine the distributive effects of the protectionist structure which prevailed until the late 1980’s and the potential changes over the 1990’s. Finally, we develop a macroeconomic model to explore the effects of liberalization on the functional distribution of income and aggregate demand.

KEYWORDS:
Trade liberalization; protectionism; interest groups

1. INTRODUÇÃO

A economia brasileira caracteriza-se hoje por três medidas que, computadas em conjunto, dariam origem a um dos piores índices de performance estrutural do mundo: estagnação, inequidade distributiva e pobreza. É natural, portanto, que nos perguntemos sobre os reflexos das novas diretrizes de política previstos para os próximos anos sobre a distribuição de renda e sobre a geração de empregos. Este trabalho dedica-se a responder parte dessas perguntas relativas às mudanças na política industrial e, em particular, à liberalização comercial.

O trabalho começa com duas seções que se poderia dizer abordam aspectos da economia política da liberalização comercial. A seção 2 trata dos motivos para o estabelecimento de práticas protecionistas e dos custos sociais resultantes dessas práticas. A seção 3 examina a relação entre conflito distributivo e proteção, buscando destacar a formação de coalizões defensivas entre agentes que, em outras instâncias, têm interesses antagônicos. Na seção 4 aplicamos parte dos conceitos e ideias desenvolvidas nas seções anteriores ao caso brasileiro, examinando os efeitos distributivos da estrutura de proteção prevalecente até fins da década de 80 e as possíveis alterações ao longo dos 90. A seção 5 discute, através de um modelo macroeconômico, os cenários a respeito dos efeitos da liberalização sobre a distribuição funcional da renda e sobre o nível de demanda agregada e emprego. A seção 6 apresenta as principais conclusões, com ênfase nas seções 4 e 5.

2. MOTIVOS E CUSTOS DO PROTECIONISMO

Os modelos de comércio internacional reivindicam a superioridade do livre mercado sobre esquemas protecionistas. Naturalmente, porém, em face das imperfeições do mercado e dos custos de transação, é possível, com base nesses mesmos modelos, encontrar argumentos do tipo second-best que justifiquem medidas de proteção. Práticas monopolistas ou oligopolistas nos mercados de bens ou fatores, no exterior ou no mercado doméstico, por exemplo, impossibilitam a obtenção do resultado first-best e legitimam a adoção. de políticas de intervenção no comércio internacional.1 1 V. Hillman (1989, pp. 8-18).

Ainda que os modelos tradicionais deem ênfase à eficiência, os aspectos distributivos são fundamentais na discussão sobre políticas comerciais. De fato, como procuramos mostrar ao longo das seções que se seguem, eles são em grande medida decisivos, pois as alterações na distribuição de renda oriundas de mudanças nas políticas comerciais mobilizam os agentes econômicos que passam a tentar interferir no processo decisório. Nesse sentido, a política comercial resulta da barganha entre grupos sociais e setores produtivos.

Mesmo os modelos mais simples permitem ilustrar a importância do conflito distributivo entre ganhadores e perdedores com a liberalização comercial na definição do padrão de comércio em um país. Seguem-se dois exemplos.

Na variedade de modelos Heckscher-Ohlin, os fatores com mobilidade são indiferentes quanto à política comercial, pois sua remuneração independe da estrutura setorial da produção. Para os fatores fixos, ou fixos pelo menos no curto prazo - como de fato o são o capital e um segmento da força de trabalho -, a mudança na política comercial pode levar a ganhos e a perdas de renda. A liberalização prejudica os fatores específicos de uma indústria, que perde os rents derivados da proteção. Isso faz com que esses fatores ou agentes favoreçam e se empenhem em prol de esquemas de proteção.

O segundo exemplo diz respeito a um mundo com duas mercadorias cujos preços estão dados no mercado internacional; e a um país, totalmente fechado para o comércio com o resto do mundo, em que a distribuição das duas mercadorias entre os habitantes é aleatória. Assim, dadas as preferências dos habitantes, é determinado o preço relativo de equilíbrio entre as duas mercadorias no país. Esse preço, a não ser por enorme coincidência, difere do preço internacional. Em uma situação como essa, a liberalização do comércio beneficiaria uma parte dos habitantes e prejudicaria outra. Os beneficiários seriam aqueles que possuem a mercadoria com preço relativo maior no mercado internacional que no mercado doméstico; os demais seriam perdedores.

Se a oportunidade de transacionar com o resto do mundo permitir ganhos agregados - de modo que a renda nacional seja maior -, é possível criarem-se esquemas redistributivos em que todos os habitantes saiam ganhando com a liberalização do comércio. Em princípio, os beneficiados teriam um incentivo para repartir com os perdedores seus ganhos com o comércio. Os perdedores, desde que bem recompensados, teriam também razões para preferir a liberalização. Nessas circunstâncias, o livre comércio seria superior ao sistema autárquico.

O impedimento à adoção do livre comércio nessa situação pode estar associado à existência de custos de transação para a identificação e operacionalização do esquema de redistribuição. Se esses custos forem demasiado elevados, os perdedores terão interesse em barrar qualquer iniciativa liberalizante. Mesmo não sendo altos os custos, poderá haver por parte dos perdedores potenciais receio de que o esquema acordado não venha a ser implementado, ou, se implementado, de que haja sonegação por parte dos ganhadores.

Esses são apenas simples exemplos em que questões distributivas afetam a escolha da política comercial. Na seção 3 examinamos com mais detalhes o modo como, a partir do conflito distributivo entre ganhadores e perdedores com a liberalização comercial, se formam coalizões bloqueadoras de grupos que, em outras circunstâncias, teriam interesses conflitantes.

Independentemente dos fatores que levam a práticas protecionistas, o fato é que elas tendem a engendrar ineficiência, e nesse sentido podem comprometer o crescimento econômico. O protecionismo cria nichos legislativos e burocráticos dedicados à geração de regras e administração dos esquemas. Afora isso, muitas das decisões sobre liberação de licenças para importar, sobre isenções fiscais etc. são tomadas por órgãos relativamente autônomos. Tudo isso contribui para o aparecimento de lobbies especializados em obter vantagens junto a esses nichos. O esforço humano dedicado por burocratas e lobistas em suas atividades é improdutivo do ponto de vista social, sendo por isso uma fonte de ineficiência.

Outras fontes de ineficiência da proliferação de práticas protecionistas são a desinformação e a incerteza que criam, por um lado, e a ausência de critérios globais, por outro. Isso é tão mais verdadeiro quanto maiores a descentralização e a autonomia dos órgãos decisórios. A descentralização e a autonomia fazem com que as regras nem sempre sejam consistentes entre si, ou consistentes com uma estratégia global. Imagine-se que uma agência decisória isente uma indústria das tarifas de importação a fim de tomar suas exportações mais competitivas, mas que outra agência resolva reduzir os incentivos creditícios desta mesma indústria. A ausência de consistência gera sinais distorcidos com efeitos deletérios sobre a decisão de investimento e produção da indústria. Por outro lado, a setorialização das decisões reduz o grau de aderência à estratégia global, com óbvios efeitos sobre a alocação dos recursos públicos e sobre a eficácia da política econômica.

A taxa de investimentos também é afetada pela proteção na medida em que a competitividade das empresas depende dos custos dos bens de capital. Se o setor de bens de capital é protegido, o custo do investimento para a empresa doméstica tende a ser superior àquele da concorrente internacional.

Por último, cabe mencionar os efeitos da proteção sobre os incentivos dos produtores para tornar suas mercadorias mais competitivas. Os investimentos em novas técnicas e produtos e na formação da força de trabalho tendem a ser menores nas indústrias mais protegidas. Quando esse é de fato o caso, os consumidores são prejudicados no curto prazo, e o desempenho da indústria fica comprometido no longo prazo, principalmente em um cenário de queda na proteção.

Os argumentos apresentados acima parecem suficientes para justificar a adoção de políticas liberalizantes. Para sumariar: a liberalização tende a gerar ganhos de eficiência por aumentar o poder de compra dos consumidores finais, reduzir os desperdícios associados ao esforço humano dedicado à administração das agências decisórias e a atividades de lobbie e rent-seeking, reduzir os custos e melhorar a qualidade dos investimentos, e ensejar incentivos para investimentos em tecnologia e formação da força de trabalho.

3. PROTECIONISMO E DISTRIBUIÇÃO DA RENDA

A regulação governamental das atividades econômicas tem um forte conteúdo redistributivo. No caso do comércio internacional isso é particularmente verdade: as barreiras à importação, os regimes especiais de importação e os incentivos creditícios e fiscais à exportação atuam sobre a alocação de recursos públicos, e sobre o poder de mercado e vantagens competitivas dos agentes privados.

Em nome de um projeto nacional ou regional de desenvolvimento, alguns setores são escolhidos para se beneficiar de proteção tarifária ou administrativa contra a concorrência internacional, e para obter licenças especiais de importação, crédito subsidiado ou isenção fiscal. Os subsídios de modo geral implicam um imposto negativo para os grupos beneficiados, que devem ser financiados por mais impostos pagos pelos demais contribuintes ou por crescimento da dívida pública. Significam, portanto, uma redistribuição de renda da sociedade para os setores subsidiados.

Por outro lado, as licenças especiais de importação bem como barreiras não tarifárias à importação dão aos setores beneficiados melhores condições competitivas, que se traduzem em poder de mercado e rents econômicos. De forma indireta, portanto, há uma redistribuição de renda dos consumidores para as empresas com acesso a licenças e proteção administrativa.

Talvez o ponto mais sutil sobre a relação entre regulação do comércio e distribuição diga respeito ao aparecimento de alianças entre grupos que em outras circunstâncias têm interesses antagônicos. Trata-se da aliança entre capital e trabalho no âmbito de urna mesma indústria ou setor que goza de tratamento preferencial.

Em um certo sentido, trabalhadores, gerentes e acionistas entram em um processo de barganha pela divisão dos rents gerados em uma firma. Os três grupos de agentes têm capacidade de afetar o desempenho da empresa e incorrem em custos para se transferir para outra empresa ou setor. Logo, existe um incentivo para, através da cooperação entre eles, melhorar o desempenho da empresa. Os rents gerados são, entretanto, divididos entre todos os agentes envolvidos, e não apenas entre os acionistas, como resulta do modelo neoclássico.2 2 V. Aoki (1984).

A proteção e demais instrumentos de regulação aumentam os rents a serem divididos. Se há de fato divisão dos rents, trabalhadores, gerentes e acionistas têm interesse na manutenção do tratamento preferencial.

A Tabela 1 a seguir compõe uma matriz social dos favorecidos e desfavorecidos com três instrumentos de regulação do comércio: as barreiras tarifárias e não tarifárias à importação, os regimes especiais de importação e os incentivos fiscais e creditícios à exportação.

Tabela 1
Regulação e distribuição

A liberalização, ao tentar reduzir e uniformizar os instrumentos de administração do comércio internacional, afeta assimetricamente os agentes mencionados na Tabela. Os setores favorecidos pela regulação reagem contra as medidas, dando origem a uma barganha política pelo timing e amplitude do processo de liberalização.

Cabe aos legisladores e administradores públicos administrar a barganha entre grupos interessados na regulação do comércio internacional. Entre os modelos de administração de conflitos desse tipo, privilegiamos o que vê nos administradores públicos e políticos agentes que procuram maximizar seus ganhos políticos a partir do peso dos apoios e repúdios associados a cada medida. Isso não significa que os políticos e burocratas não levem em conta agendas políticas ou partidárias nem convicções pessoais, mas apenas que, ademais, buscam maximizar o apoio político de suas decisões.3 3 V. Amadeo e Banuri (1991) e Hillman (1989, pp. 25-7).

Tomemos o caso da redução e uniformização das barreiras à importação: perdem os trabalhadores, gerentes e acionistas dos setores até então protegidos e ganham os consumidores e compradores de insumos das empresas protegidas. No caso de uma democracia direta em que a decisão se dá por meio de um plebiscito e cada cidadão tem direito a um voto, como observa Hillman (1989HILLMAN, A. (1989). The Political Economy of Protection. Oxford: Harwood Academic Publishers., p. 43), a ingerência dos administradores públicos é reduzida (eles podem no máximo manipular as informações ao longo da campanha), e os legisladores (políticos) não têm qualquer papel.

No caso da redução das barreiras à importação de um produto específico, as chances de sucesso são grandes, pois os consumidores, em maior número que os agentes associados à indústria protegida, têm interesse na liberalização. Se esta é generalizada, o resultado é menos cristalino, pois o voto dos consumidores será ponderado pelo interesse específico de cada um. Se a economia produz apenas bens comercializáveis (de modo que todos os consumidores participam também da produção de bens protegidos), e há expectativa generalizada de perda de competitividade, é possível que a liberalização não vingue. Mas se apenas uma pequena parcela dos agentes estiver associada às empresas protegidas, de novo a vantagem quantitativa dos consumidores prevalecerá no resultado do plebiscito.

O exemplo da democracia direta não se aplica à grande maioria dos casos. O caso mais frequente é o da democracia representativa, em que os políticos votam em nome da população. Nesse caso, a vantagem quantitativa dos beneficiados pela liberalização nem sempre é decisiva. A ação de lobbies atuando em nome de pequenos grupos que têm muito a perder com a liberalização pode render mais beneficias para os políticos que os custos de renunciar a seus compromissos com o consumidor-eleitor. Os ganhos da liberalização para o consumidor final podem ser pequenos, ou desconhecidos, o que dificulta a adesão a qualquer movimento organizado de pressão. Além disso, há aqui uma situação em que a tendência a atuar como free-rider do lado dos consumidores é maior que do lado dos agentes-produtores. As perdas para estes últimos podem ser enormes, e sendo um grupo relativamente pequeno, torna-se mais fácil para os líderes cobrar contribuição para a campanha. Já os consumidores, em número muito maior e com ganhos individuais relativamente menores, têm forte incentivo a evitar os custos da organização e mobilização, na suposição de que sua participação é desprezível para o resultado final.

Esses argumentos levam a crer que os agentes-produtores em geral têm uma ação coletiva mais eficaz que a dos consumidores, tornando a liberalização comercial um emaranhado de barganhas entre grupos específicos e o governo, com pequena participação dos consumidores. Os grupos tentam preservar tanto quanto possível os instrumentos de proteção de suas respectivas indústrias.

A ação de grupos específicos, afetados diretamente pela mudança no padrão de regulação, passa a ser fundamental na análise dos processos de liberalização. Por conta disso, passamos a seguir a examinar em detalhe o modelo de “demanda por proteção” de Wallerstein (1987WALLERSTEIN, M. (1987). “Unemployment, collective bargaining, and the demand for protection”. American Journal of Political Science.), que chama a atenção para os incentivos à coalizão entre acionistas (ou empregadores) e trabalhadores para barrar a redução das barreiras à importação de uma indústria específica. A importância desse modelo está em destacar o interesse comum que une empresas e trabalhadores de uma mesma indústria diante da ameaça da liberalização. O argumento principal está em que a proteção aumenta o nível de emprego, os lucros e o salário real, e por isso gera uma coalizão entre empresas e trabalhadores a seu favor.

O modelo parte da hipótese de que a firma representativa de uma indústria maximiza lucros (h):

h = R p , L w L

onde R=receitas de vendas, p=preço do produto, L=nível de emprego e w=salário nominal. O sindicato maximiza a renda esperada dos filiados. Toma-se N como o número de filiados e r como o salário de reserva dos trabalhadores, isto é, o rendimento que teriam se não estivessem empregados. Supõe-se que a probabilidade de um trabalhador representativo estar empregado é dada por t=t(L/N), isto é, uma função positiva do nível de emprego. Assim, quanto maior o nível de emprego, menor a probabilidade de um trabalhador ser demitido. Assim, a renda esperada do trabalhador é dada por:

u = t w + 1 - t r

Supõe-se que a empresa e o sindicato cooperam de modo a maximizar suas respectivas funções e objetivos. A receita de vendas deve ser dividida entre empresa e trabalhadores, o que significa que os interesses são, em princípio, antagônicos. A firma deve levar em conta os interesses do sindicato, que tem seu poder de barganha assegurado pela capacidade de controlar a oferta de trabalho e a existência do salário de reserva. A solução cooperativa gera um resultado eficiente no sentido de que as oportunidades de ganho mútuo serão esgotadas na negociação. Para obter a solução cooperativa, supõe-se que a firma maximiza seus lucros com a restrição de que a renda esperada dos trabalhadores é no mínimo igual a uma constante c. A maximização dá origem à seguinte condição:

R L w + w r d t / d L L / t = O

Fazendo t(L/N)=L/N - a probabilidade de emprego é igual à taxa de emprego-, tem-se que dt/dL=1/N e (dt/dL)(L/t)=1, e a condição de maximização passa a ser

R L = r (1)

ou seja, a firma empregará trabalhadores como se estivesse pagando o salário de reserva. O salário de fato pago a cada trabalhador empregado será maior que o salário de reserva, e dependerá dos rents apropriados pela firma.

Os ganhos da negociação (G) são dados pela diferença entre o que recebem trabalhadores e empresa na situação de acordo e o que receberiam na situação de ausência de acordo:

G = N u r + h O

O equilíbrio de Nash para a divisão dos ganhos entre empresa e trabalhadores gera a seguinte solução:

w = a R / L + 1 - a r (2)

onde a representa o conjunto de convenções que regula a barganha salarial e o poder relativo de barganha das partes negociantes. As equações 1 e 2 determinam os níveis de emprego e salário, e, portanto, lucros.

A proteção contra competidores internacionais restringe a entrada de concorrentes no mercado ou fixa o preço acima do internacional. Um aumento da proteção terá por resultado o crescimento do preço (p), cujo efeito sobre emprego e salário pode ser obtido diferenciando-se as equações 1 e 2 com respeito a p. Pode-se mostrar que o efeito sobre salários e emprego, bem como lucros, será positivo. A conclusão a que chega Wallerstein (p.743) é que “os benefícios mútuos recebidos por trabalho e capital na indústria protegida constituem a origem das alianças políticas entre sindicatos e empresas em cada indústria”.

4. POLÍTICA INDUSTRIAL E SALÁRIOS E PREÇOS RELATIVOS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA

Nesta seção examinamos até que ponto se pode perceber uma relação entre a política industrial brasileira prevalecente até fins da década de 80 e a distribuição de renda. Com base nos resultados dessa análise, procuramos fazer algumas inferências sobre o futuro com base nas diretrizes da nova política industrial. Desde já é importante que fique claro que essa análise é precária, devido à própria precariedade das informações disponíveis. Em particular, os dados sobre proteção, especialmente proteção não tarifária, não são divulgados de forma sistemática e são, além disso, de difícil quantificação.

A noção de distribuição de renda aqui utilizada procura evidenciar as relações estabelecidas nas seções 2 e 3, que tratam da relação entre regulação do comércio internacional e distribuição setorial da renda. Para isso levantamos informações sobre o movimento de salários e preços relativos na indústria brasileira. A ideia central é observar se existe alguma relação entre o movimento de salários e preços relativos e a estrutura de proteção (Tabela 2)4 4 Os dados sobre salários, preços e produtividade foram calculados a partir da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE.

Tabela 2
Salários relativos e proteção

A classificação dos setores resulta de sua ordenação segundo o nível do salário relativo em dezembro de 1985 e sua trajetória entre 1976 e 1990. Com base nesse critério, três categorias foram identificadas:

  1. a primeira arrola os setores industriais em que os salários são altos (em relação à média da indústria em 1985) e que aumentaram entre 1976 e 1990. Nesse grupo, há setores cujo salário médio é 50% mais alto que a média da indústria, caso das indústrias mecânica e química;

  2. a segunda categoria é composta pelos setores em que os salários relativos são baixos e caíram; aí estão setores como alimentação, têxtil e vestuário e calçados;

  3. no terceiro grupo, composto por apenas duas indústrias (fumo e papel), os salários relativos estavam abaixo da média em 1985, mas cresceram nos últimos 15 anos. Outra medida do movimento dos salários relativos é apresentada na coluna 3 da Tabela 2.5 5 Para mais detalhes sobre a computação das medidas usadas a seguir, v. Amadeo (1991). Os dados nessa coluna são uma medida relativa de sobre-indexação salarial, isto é, da variação relativa (ao movimento da indústria geral) do índice de sobre-indexação dos salários de uma indústria. A sobre-indexação dos salários na indústria j é dada pela seguinte relação:

s j = w j / p

onde w. mede a taxa de variação dos salários ao longo de um ano e p a taxa de variação J do índice de preços ao consumidor. A cada mês pode-se computar a relação S.=s./s, onde s é o índice de sobreindexação médio da indústria. Sempre que S.>1, a sobreindexação do setor j terá sido maior que a média. Ao longo de um período de tempo qualquer, um ano, por exemplo, a performance do setor j relativamente à média pode ser medida pela relação

S u m t S j - 1

onde Sum, indica o somatório ao longo de t períodos. A coluna 3 na Tabela 2 compara o somatório de S.-1 entre 1976 e 1990 para cada setor industrial. Como era de se esperar, essa medida é positiva no caso dos setores cujos salários relativos cresceram ao longo do período.

No caso dos preços relativos, computamos uma medida análoga, apresentada na coluna 4. A medida de sobre-indexação dos preços refere-se ao comportamento do índice de preços no atacado dos produtos de uma indústria vis-à-vis dos seus custos diretos de produção, e mede, portanto, o comportamento da margem de lucro. Os custos dividem-se em custos do trabalho e custos materiais diretos (insumos, energia etc.). A composição entre os dois tipos de custo varia de acordo com a indústria. Na indústria j a variação anual dos custos diretos é dada por:

c j = a j w j + 1 - a j e j

onde aj é a parcela dos custos laboriais e e. a taxa de variação dos custos não laboriais. O índice de sobre-indexação do preço na indústria j é dado então por:

e i = q / c i

onde qa mede a taxa de variação do preço no atacado da indústria j. A relação Pj=ej,/e, sendo e o índice médio de sobre-indexação da indústria, mede a sobre-indexação relativa à indústria do setor j. Como no caso dos salários, sempre que Pj>1, as margens de lucro no setor j estarão crescendo mais (ou caindo menos) que a média. Ao longo de um período qualquer, a medida Sum, (Pj - 1) dá uma ideia da performance relativa do setor. A coluna 4 apresenta essa medida no período 1976-1990 para cada indústria.

Há boas razões para se supor que, em uma indústria em que os setores têm graus variados de poder de mercado (devido a diferenças entre barreiras à entrada, inclusive proteção), os rents a serem repartidos entre empresas e trabalhadores sejam também diferentes. Além disso que, tudo mais constante, quanto maior o tamanho (ou crescimento) dos rents em um setor relativamente à média da indústria, maior o tamanho (ou crescimento) de salários e das margens de lucro. Espera-se, portanto, uma correlação positiva entre as medidas de margens e salários relativos. A cláusula de ceteris paribus, nesse caso, esconde fenômenos nada desprezíveis: diferenças intersetoriais na qualificação da força de trabalho e no poder de barganha sindical, mudanças no perfil da demanda doméstica e internacional e inovações tecnológicas são alguns exemplos. Esses qualificativos indicam que, em princípio, os movimentos de margens e salários relativos em cada setor podem não apresentar correlação positiva; e, se for de fato positiva, que os motivos podem ser espúrios.

A despeito das dificuldades mencionadas e do nível elevado de agregação dos dados, pode-se explorar a relação entre o movimento de margens e salários relativos a fim de identificar a presença ou não de correlações positivas. Tomando as medidas de sobre-indexação relativa de salários e preços (colunas 3 e 4 da Tabela 2) como indicadores dos movimentos de salários e margens relativos, nota-se em primeiro lugar que, em pelo menos quatro setores (química, material elétrico, fumo e papel), a correlação não é positiva. Nos demais setores, pode-se notar que sempre que a medida de movimento do salário relativo é positiva, a medida de movimento da margem também é, indicando que salários e margens tiveram performances similares.

Que variáveis estruturais ou associadas à política industrial poderiam ser examinadas para entender melhor o movimento de salários e margens de lucro? Em primeiro lugar pode-se explorar a relação entre o grau de concentração industrial e as medidas distributivas. A correlação encontrada é positiva e muito acentuada entre concentração e as trajetórias de salários e margens. O grau de concentração médio é significativamente mais alto nas indústrias em que os salários são altos e cresceram nos últimos 15 anos; e é baixo onde os salários são baixos e caíram. As exceções são as indústrias mecânica e de perfumes, sabão e velas.

Nota-se, em segundo lugar, que os salários são altos e cresceram nas indústrias produtoras de bens de capital, insumos básicos e bens de consumo duráveis; que são baixos e caíram nas indústrias tradicionais, produtoras de bens de consumo não duráveis. Se é que se pode estabelecer uma relação positiva entre dinamismo setorial e remuneração dos fatores, era de se esperar que, em uma economia que transita do nível médio para níveis mais altos de renda per capita, os setores tradicionais perdessem terreno. Isso porque são setores cuja demanda tem baixa elasticidade de renda. Em princípio, portanto, isto é o que se passa no Brasil: os setores dinâmicos de consumo final (material de transporte elétrico) e intermediários (mecânica, química, extração mineral, metalurgia) crescem mais rapidamente, e isso se reflete no movimento de salários e margens relativos.

Entretanto, há um fenômeno perverso no caso brasileiro. Devido à iniquidade distributiva e à pobreza, enquanto os dados estruturais indicam a transição para uma indústria mais moderna, refletindo inclusive a diferença entre as elasticidades-renda dos produtos, uma parcela significativa da população não tem suas necessidades de consumo de produtos tradicionais (alimentos, bebidas, vestuário e calçados) satisfeitas. Isso significa somente que a redução da pobreza teria efeitos importantes na demanda dos produtos de consumo não duráveis.

Por último, passemos às variáveis de comércio internacional. É importante notar que ao longo da década de 90, enquanto a propensão da indústria a importar (importações como proporção da oferta total) situou-se em torno de 5%, a propensão a exportar (exportações como proporção do produto) cresceu de 9,7% em 1980 para 12% em 1989. Mais relevante é notar que as indústrias com melhor desempenho exportador foram as produtoras de insumos básicos (química, papel, metalurgia) e as de material de transporte. São as indústrias que estão na parte superior da Tabela 2.6 6 Os dados citados estão em Fritsch e Franco (1991).

O desempenho da balança comercial brasileira ao longo da década de 80 deve-se à combinação de políticas de restrição administrativa de importações (barreiras não tarifárias) e de incentivos à exportação. A incidência dessas medidas varia de indústria para indústria. Não se pode estabelecer qualquer relação entre as variáveis distributivas examinadas aqui e a incidência de barreiras tarifárias à importação. Como mostra o ranking da proteção efetiva na Tabela 2, há setores relativamente mais e menos protegidos nas três categorias de indústrias.

Sabe-se, porém, que, além das barreiras tarifárias, há outras formas de proteção, e que estas últimas foram muito mais relevantes na orientação dos fluxos de comércio internacional no Brasil nas últimas décadas. Entre as barreiras tarifárias, podem-se mencionar as de tipo aduaneiro (ou fronteiriças, segundo Fritsch e Franco) e não aduaneiro (não fronteiriças). As primeiras referem-se a restrições que vão da emissão discricionária de guias de importação até a simples suspensão de importações. Estas últimas ganharam terreno ao longo dos anos 80 devido a dificuldades no balanço de pagamento, sendo de longe o tipo mais importante de barreira não tarifária aduaneira usada no período. Como se observa na penúltima coluna da Tabela 2, a suspensão de importações incidiu principalmente sobre os produtos tradicionais de consumo não durável, e também sobre os setores de borracha, material elétrico e eletrônico e material de transporte. Os setores mais protegidos nessa instância foram, portanto, aqueles em que os salários são baixos, e tanto o desempenho dos salários quanto das margens relativas foram inferiores à média. Nesse sentido, a relação entre proteção e distribuição é inversa à esperada.

Há, entretanto, um conjunto de instrumentos discricionários que não aparece nas medidas tradicionais de proteção. Trata-se das barreiras não aduaneiras - em que se destacam as práticas de licitação do governo e cessão de crédito subsidiado, que privilegiam produtos com elevado grau de nacionalização - e das medidas de incentivo fiscal e creditício às exportações. Em ambos os casos, as indústrias beneficiadas ao longo da década de 80 foram as que se encontram na parte superior da Tabela 2: indústrias de bens de capital, de insumos básicos, de material de transporte e de eletroeletrônicos. Esses foram os setores estratégicos do II PND: tinham acesso a regimes especiais de importação, compunham o núcleo das indústrias fornecedoras do governo ou estatais e receberam incentivos à exportação. O dinamismo das indústrias contempladas por essas medidas obviamente repercute sobre o poder de mercado das firmas e, assim, sobre a capacidade de obter rents econômicos.

A conclusão parcial a que chegamos é que o grau de concentração industrial e a estratégia de substituição de importações e promoção de exportações nos últimos 15 anos explicam, ao menos em parte, o comportamento dos salários e margens relativos. Nesse sentido, não foi a proteção tradicional, mas as formas menos tradicionais, através do dinamismo que emprestaram a certos setores, as responsáveis pelo movimento das variáveis distributivas.

A questão natural a essa altura refere-se aos efeitos da nova política industrial. Essa política pretende reduzir e unificar as tarifas e eliminar as restrições não tarifárias à importação. De fato, as restrições aduaneiras ou fronteiriças já foram eliminadas. Isso significa que a suspensão de importações de bens de consumo não duráveis já não existe, e, portanto, que as tarifas passarão a ser o melhor indicador do grau de proteção aduaneira. Entre as mudanças nos graus de proteção tarifária das indústrias, é importante notar que as indústrias de material de transporte e material eletroeletrônico tornam-se mais protegidas, e os setores de produção de matérias plásticas, têxtil e de vestuário e de calçados terão menos proteção tarifária em 1994 que em 1985.

Porém, talvez o mais relevante a notar é que, como observam Fritsch e Franco, não há um esforço comparável na eliminação de restrições não aduaneiras. Mais que isso, a decisão sobre a aplicação desses instrumentos é extremamente segmentada ou setorializada, o que significa que não há tendência à uniformização nesse caso. Continuarão, portanto, beneficiados os setores que o têm sido até aqui, vale dizer, que produzem bens de capital e insumos básicos.

Mantidas as tendências mencionadas, a nova política terá um viés distributivo muito claro: continuará a favorecer os setores mais favorecidos até aqui. Isso pode significar o aprofundamento da disparidade salarial, bem como a manutenção de um perfil da oferta que não privilegia a produção de produtos tradicionais. Nesse sentido, a política não se coaduna com o eventual esforço para melhorar a distribuição de renda e reduzir o grau de pobreza, dado que o seu sucesso dependerá da capacidade de produção dos setores de bens de consumo não duráveis.

5. ABERTURA, DISTRIBUIÇÃO E EMPREGO

Nesta seção, analisamos o efeito de uma política de abertura comercial, concentrada na redução do nível de proteção à produção interna, na distribuição funcional da renda e na geração de empregos. Mostramos, utilizando um modelo macroeconômico de uma economia aberta, que o ajuste pode se dar através de quatro variáveis, fundamentalmente: a distribuição funcional da renda, o nível de emprego, a produtividade e a relação salário/câmbio. Mostramos que, se a margem de lucro é insensível a reduções do nível de atividade e a reduções nos preços relativos dos produtos importados, o ajuste se fará através de um aumento da taxa de desemprego. Quanto mais sensível for a margem de lucro às variáveis acima mencionadas, mais o ajuste se dará através de um aumento da participação dos salários na renda e menos através da taxa de desemprego. Além da taxa de desemprego e da margem de lucro, o ajuste pode ocorrer também através de aumentos da produtividade, pressionada pela concorrência advinda do aumento das importações. A outra variável de ajuste possível, que no caso do Brasil é de difícil operacionalização devido às elevadas taxas de inflação, é a relação salário/câmbio.

Em uma economia como a que pretendemos descrever, duas relações de equilíbrio são fundamentais7 7 A apresentação detalhada do modelo encontra-se em Amadeo e Camargo (1991). : em primeiro lugar, a relação de equilíbrio do mercado doméstico de bens, ao longo da qual a oferta global é igual à procura global; em segundo, a relação de equilíbrio no balanço de pagamentos, em que importações e exportações se igualam.

Supondo que as exportações dependam da relação entre preços internacionais e preços domésticos, avaliados em moeda local, e do nível de atividade interna representado pela taxa de desemprego, e que o equilíbrio interno seja dado pela igualdade entre poupança e investimento mais déficit (ou superávit) nas contas do governo, teremos:

  • (i) equilíbrio interno - is

i s = m - 1 / m = 1 / y l - u N * g + r / y l - u N * E r , u - M l + t r , u

  • (ii) equilíbrio externo - B=O

B = r E r , u - M l + t r , u = O

onde

  • m=margem de lucro

  • u=taxa de desemprego

  • y=produtividade do trabalho

  • N*=pleno emprego

  • g=gasto autônomo (investimento mais déficit fiscal, inclusive receita ta­rifária)

  • r=relação entre preços externos e preços internos, denominados em moeda local

  • t=nível de tarifas

Essas duas relações nos permitem analisar os efeitos de mudanças na política comercial, aqui representada pelo nível de tarifas t, sobre a distribuição funcional da renda, representada pela margem de lucro, m, considerando a taxa de desemprego como a variável de ajuste endógena da economia.

Supondo que os gastos autônomos permaneçam constantes, a relação entre mudanças no nível de tarifas e na margem de lucro que mantêm equilíbrio interno, para uma dada taxa de desemprego, será dada por:

d m / d t l i s = m 2 r 2 M 1 + t r y 1 - u N * + a E - M + a r E r - l + t M 1 + t r

onde

a = e p * y / s

  • s=salário nominal

Como o numerador é sempre negativo, pois M(I+t),<O, ou seja, uma diminuição das tarifas reduz os preços relativos internos das importações e gera um crescimento das mesmas, o sinal de dm/dq, depende do sinal do denominador da fração, ou seja, do sinal de:

y l - u N * + a E M + a r E r l + t M 1 + t r

Se o denominador for positivo, a is terá tangente positiva, e, para manter o equilíbrio interno (oferta=procura), um aumento de tarifas levaria a um aumento na margem de lucro e vice-versa.

Uma inspeção do denominador nos permite concluir que, se o balanço de pagamentos está em equilíbrio, E=M, ou se o déficit for relativamente pequeno, o denominador da fração será sempre positivo, pois E,>O e M(I+t),<O. Consequentemente, o sinal da is será positivo. Ou seja, uma redução de tarifa deverá gerar queda da margem de lucro para que a economia permaneça em equilíbrio interno.8 8 Se o déficit comercial for “grande”, ou seja, Er, u–Ml+tr, u←yl-uN*/a+rE-!+tMt+t], a is muda de inclinação, tornando-se negativa. Note que isso significa que a elasticidade do déficit no balanço de pagamentos em relação a mudanças nos preços relativos internos e externos é positiva. Ou seja, um aumento dos preços relativos internos gera uma redução do déficit no balanço de pagamentos, situação bastante anômala do ponto de vista econômico. Vamos desprezar essa possibilidade.

A explicação econômica para esse comportamento é bastante simples. Uma redução de tarifas aumenta as importações. Se a economia estava em equilíbrio interno, com oferta igual à demanda, um aumento das importações gera excesso de oferta. Para voltar ao equilíbrio a demanda deverá aumentar. Como a propensão dos trabalhadores a consumir é maior que a dos capitalistas, isto irá ocorrer se a margem de lucro cair, e, consequentemente, a participação dos salários na renda aumentar.

O Gráfico 1 representa a curva de equilíbrio interno na economia. Pontos à direita dessa curva são pontos de excesso de demanda, pois com a mesma margem de lucro o nível de tarifas é maior. Consequentemente, as importações são menores, a oferta é menor que a demanda e vice-versa (pontos à esquerda são pontos de excesso de oferta, pela razão inversa à apresentada acima).

GRÁFICO 1

A relação entre variações de tarifas e margem de lucro que mantêm equilíbrio externo é dada pela equação:

d m / d t / B = 0 = - m 2 r 2 M 1 + t r a E - M + r E r - l + t r M 1 + t r

Como o numerador é sempre positivo, pois M(I+tJr) < O, o sinal dessa relação depende do sinal do denominador. Se o denominador for positivo, para manter equilíbrio no balanço de pagamentos uma redução de tarifas deve levar a uma redução da margem de lucro. Como em equilíbrio externo E-M=0, e Er> 0 e M(1+t)r< O, o sinal de ar [Er-(1+t)rM(1+t)r>0]. Portanto, a curva de equilíbrio externa é sempre positivamente inclinada no espaço (m,t).

Economicamente, uma redução de tarifas, para uma dada taxa de desemprego, reduz os preços internos das importações e gera aumento destas. Se o balanço de pagamentos estava em equilíbrio, a nova posição será de déficit. Para voltar ao equilíbrio, as exportações devem aumentar e/ou as importações devem cair. Uma redução da margem de lucro reduz os preços relativos das exportações e aumenta os preços relativos dos produtos importados, levando a economia de volta ao equilíbrio.

Note que, como o denominador da relação de equilíbrio externo é sempre menor que o da de equilíbrio interno e os numeradores são iguais, a tangente dessa relação será sempre maior que a tangente da curva de equilíbrio interno. O Gráfico 1 representa graficamente essa relação.

Pontos à esquerda dessa curva são pontos de déficit no balanço de pagamentos, pois para uma mesma margem de lucro, o nível de tarifas é menor e, consequentemente, as importações são maiores que o necessário para gerar equilíbrio no balanço de pagamentos e vice-versa (pontos à direita da curva B=O são pontos de superávit no balanço de pagamentos).

As curvas de equilíbrio externo e interno deduzidas acima supõem que a taxa de desemprego esteja constante ao longo delas. Portanto, mudanças na taxa de desemprego geram deslocamentos dessas curvas, que precisam ser analisadas. Se a taxa de desemprego aumenta, crescem as exportações e diminuem as importações, e, dados a margem de lucro e o nível de tarifas, isso faz com que posições que eram de equilíbrio interno passem a ser de excesso de demanda, deslocando a curva is para a esquerda.

Da mesma forma, aumentos da taxa de desemprego fazem com que combinações de margem de lucro e tarifas, que antes geravam equilíbrio externo, passem a ser situações de superávit no balanço de pagamentos. Consequentemente, deslocam a curva B=0 para a esquerda. Essa análise nos diz que quanto mais à esquerda estiver a interseção entre is e a curva B=0, maior a taxa de desemprego necessária para manter a economia em equilíbrio interno e externo.

Com o auxílio dessas duas relações de equilíbrio externo e interno, podemos estudar os efeitos de mudanças na política comercial sobre a distribuição funcional da renda.

Variações na distribuição funcional da renda podem ser representadas por variações na margem de lucro. Basta notar que a participação dos salários na renda é dada por sN/pY. Como

Y = y N

p = m s / y m = p y / s

então,

s N / p Y = s Y / y / m s / y Y = 1 / m

Portanto, aumentos na margem de lucro implicam reduções na participação dos salários na renda e vice-versa. Suponha que a economia esteja em equilíbrio no ponto A e que ocorra uma redução generalizada de tarifas, levando a economia para o ponto B, no Gráfico 1. O primeiro efeito será o aparecimento de déficit no balanço de pagamentos e de excesso de oferta. A partir daí, a economia poderá se ajustar de diferentes formas, dependendo do comportamento da margem de lucro, da produtividade e da relação salário/câmbio.

5.1 Ajuste através da taxa de desemprego

O primeiro caso interessante a ser analisado é se a margem de lucro for constante, ou seja, se for insensível às variações da taxa de desemprego e dos preços relativos dos produtos. Nesse caso, uma redução das tarifas geraria inicialmente um déficit, e, portanto, excesso de oferta interna. Com o excesso de oferta, a taxa de desemprego iria aumentar, o que deslocaria a curva is para a esquerda, o mesmo ocorrendo com a curva B=O. Essas curvas de equilíbrio interno e externo se deslocariam até que o excesso de oferta e o déficit criado no balanço de pagamentos fossem eliminados. Sendo constantes a margem de lucro e o novo nível de tarifas, o resultado seria um novo equilíbrio no ponto C, do Gráfico 1, com a mesma distribuição funcional da renda (pois m é constante) e mais desemprego.

Note que nesse novo equilíbrio a margem de lucro é constante, mas a taxa de lucros é menor que no ponto A, pois o grau de utilização da capacidade é menor. O ajuste se faz inteiramente sobre as quantidades, com queda na produção e no emprego.

5.2 Ajuste através da margem de lucro

O segundo caso de interesse ocorre se uma redução do nível de atividade e dos preços relativos das importações levar a uma redução das margens de lucro. Nesse caso, da mesma forma que no caso anterior, uma redução das tarifas tem o efeito inicial de gerar déficit no balanço de pagamentos e excesso de oferta. Com isso, a taxa de desemprego aumentará, e a margem de lucro cai. A queda na margem de lucro transfere renda para os salários, que têm maior propensão a consumir, contrabalançando, pelo menos em parte, o efeito da redução de tarifas. O resultado final pode ser um equilíbrio com mais desemprego e maior participação dos salários na renda, ou, se as margens de lucro forem muito sensíveis a variações no grau de utilização da capacidade e dos preços relativos dos produtos importados, um equilíbrio com o mesmo (e até mesmo menos) desemprego e maior participação dos salários na renda. A priori, é impossível saber qual efeito será dominante.

5.3 Ajuste através de variações da produtividade

O terceiro caso importante é se o ajuste se der através de variações da produtividade. Aumentos da produtividade, dados a margem de lucros e o nível de tarifas, aumentam os preços relativos externos em relação aos internos, aumentam as exportações e reduzem as importações. Consequentemente, combinações de margem de lucro e nível de tarifas que eram de equilíbrio externo e interno passam a ser pontos de superávit no balanço de pagamentos e de excesso de demanda, para a mesma taxa de desemprego. Ou seja, as curvas B=O e is se deslocam para a esquerda, mantida a taxa de desemprego constante. Se as margens de lucro são constantes e se a pressão da redução dos preços relativos das importações decorrente da queda das tarifas resultar em um aumento da produtividade, no novo equilíbrio a participação dos salários na renda será a mesma, mas o nível de produtividade será maior. Dependendo do aumento de produtividade, a taxa de desemprego poderá ou não aumentar.

5.4 Ajuste através da relação salário/câmbio

Variações na relação salário/câmbio, têm o mesmo efeito sobre as posições de equilíbrio interno e externo que variações na produtividade, pois geram variações nos preços relativos das exportações e das importações. Uma queda na relação salário/câmbio, aumenta os preços relativos das exportações e das importações, aumenta as exportações e diminui as importações. Portanto, posições que eram de equilíbrio interno passam a ser de excesso de demanda, enquanto posições de equilíbrio no balanço de pagamentos passam a ser de superávit. As curvas B=O e is se deslocam para a esquerda, para a mesma taxa de desemprego. Como no caso anterior, o resultado final sobre a distribuição da renda dependerá da reação da margem de lucro à redução de tarifas. Se estas forem constantes, existirá uma relação salário/câmbio. que gerará equilíbrio externo e interno, sem aumentos na taxa de desemprego. Essa relação será maior que antes da redução das tarifas.

Os quatro casos estudados acima sugerem que os efeitos de uma política de abertura comercial, no caso da economia brasileira, em que as políticas de incentivos creditícios e fiscais levadas a cabo ao longo dos últimos 20 anos reduziram ou até mesmo eliminaram o viés anti-exportação decorrente da proteção externa, dependem fundamentalmente da sensibilidade das margens de lucro à redução do grau de utilização da capacidade produtiva e dos preços relativos das exportações e das importações, e das pressões sobre as empresas no sentido de aumentar a produtividade.

Se as empresas responderem ao aumento de importações decorrente da redução de tarifas através de uma redução das margens de lucro, no novo equilíbrio teremos uma maior participação dos salários na renda. A taxa de desemprego poderá aumentar ou não, dependendo do tamanho da queda das margens de lucro. Por outro lado, se, como resultado da pressão da concorrência externa, houver um aumento da produtividade, mesmo que as margens de lucro não caiam e a participação dos salários na renda permaneça constante, a taxa de desemprego poderá não crescer.

Esses resultados sugerem que os efeitos da política de abertura comercial sobre a distribuição funcional da renda estão intimamente relacionados ao desenho de uma política industrial que seja capaz de gerar aumentos de produtividade, assim como à capacidade que terá a abertura comercial de afetar as margens de lucro das empresas.

6. CONCLUSÃO

As principais conclusões do trabalho podem ser resumidas como a seguir:

  1. Ainda que os modelos tradicionais de comércio apontem as imperfeições de mercado e a existência de custos de transação como as principais causas da adoção de práticas protecionistas, aspectos distributivos são fundamentais para entender o desenvolvimento da política comercial de um país. Isso porque mudanças no perfil de proteção afetam a distribuição de renda, motivando os agentes a participar do processo decisório.

  2. Os agentes se mobilizam formando coalizões defensivas que garantam a proteção das indústrias a que estão vinculados. Em particular, como a proteção gera rents a serem repartidos entre capital e trabalho, a ameaça de redução da proteção de uma indústria pode dar origem a uma coalizão entre sindicatos e empresas.

  3. Na indústria brasileira, observa-se uma clara divisão entre setores em que os salários estão acima da média e cresceram relativamente a essa média nos últimos 15 anos e os que estão abaixo e caíram. Contribuem para explicar a divisão entre os setores o grau de concentração industrial e a política industrial que beneficiou, através de esquemas especiais de importação, subsídios à exportação e barreiras não tarifárias não aduaneiras, as indústrias de material de transporte, de material elétrico e eletrônico, as indústrias química, extrativa mineral e mecânica. O processo de liberalização, que não contempla a eliminação de barreiras não aduaneira pode ampliar os diferenciais de salários na indústria.

  4. Dependendo da resposta das empresas no que se refere ao movimento das margens de lucro e da produtividade do trabalho, os efeitos da abertura comercial sobre o emprego podem ser maiores ou menores. A redução das margens e o crescimento da produtividade reduzem o efeito contracionista.

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  • WORLD BANK (1983). Brazil: Industrial Policies and Manufactured Exports Country Study.
  • 1
    V. Hillman (1989HILLMAN, A. (1989). The Political Economy of Protection. Oxford: Harwood Academic Publishers., pp. 8-18).
  • 2
    V. Aoki (1984AOKI, M. (1984). The Co-operative Game Theory of the Firm. Oxford: Clarendon Press.).
  • 3
    V. Amadeo e Banuri (1991AMADEO, E. e T. Banuri (1991). “Policy, governance, and the management of conflict”. In T. Banuri, ed. (1991).) e Hillman (1989HILLMAN, A. (1989). The Political Economy of Protection. Oxford: Harwood Academic Publishers., pp. 25-7).
  • 4
    Os dados sobre salários, preços e produtividade foram calculados a partir da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE.
  • 5
    Para mais detalhes sobre a computação das medidas usadas a seguir, v. Amadeo (1991AMADEO, E. e J. M. Camargo (1990). “Brazilian labour market in an era of adjustment”. Texto para discussão nº 232, Depto. de Economia, PUC-RJ.).
  • 6
    Os dados citados estão em Fritsch e Franco (1991FRITSCH, W. e G. H. B. Franco (1981). “Política comercial, de competição e de investimento estrangeiro: análise da experiência recente e propostas de reforma”, mimeo, Funcex, Rio de Janeiro.).
  • 7
    A apresentação detalhada do modelo encontra-se em Amadeo e Camargo (1991AMADEO, E. e J. M Camargo, (1991). “Política comercial e distribuição funcional da renda”, mimeo, Funcex.).
  • 8
    Se o déficit comercial for “grande”, ou seja, Er, uMl+tr, uyl-uN*/a+rE-!+tMt+t], a is muda de inclinação, tornando-se negativa. Note que isso significa que a elasticidade do déficit no balanço de pagamentos em relação a mudanças nos preços relativos internos e externos é positiva. Ou seja, um aumento dos preços relativos internos gera uma redução do déficit no balanço de pagamentos, situação bastante anômala do ponto de vista econômico. Vamos desprezar essa possibilidade.
  • 9
    JEL Classification: F14; F16; F43; D72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 1993
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