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Keynes e os novos-Keynesianos

Keynes and the new Keynesians

RESUMO

O artigo utiliza as ideias de Keynes para analisar a economia novo keynesiana, suas suposições e seus corolários mais importantes. Ele examina a suposição crucial da economia novo keynesiana: a rigidez de preços e salários. Concluída esta análise, os resultados e métodos dessas novas escolas keynesianas são criticados. Conclui-se que apenas surgem conflitos na relação entre Keynes e os economistas novo Keynesianos.

PALAVRAS-CHAVE:
Novo-keynesianismo; Keynes; história do pensamento econômico

ABSTRACT

The article uses Keynes’ ideas to analyze New Keynesian economics, its assumptions and its most important corollaries. It examines the crucial assumption of New Keynesian economics: the stickiness of prices and wages. Concluded this analysis, these Keynesian new-school’s results and methods are criticized. One carries out the conclusion that only conflicts emerge in the relation between Keynes and New Keynesian economists.

KEYWORDS:
New Keynesian economics; Keynes; history of economic thought

Já que a economia keynesiana é derivada, por definição, dos escritos de John Maynard Keynes. poder-se-ia pensar que ler Keynes é uma parte importante do modo keynesiano de fazer teoria. De fato, exatamente o oposto é o verdadeiro.

Gregory Mankiw

1. INTRODUÇÃO

No interior do mainstream, o pensamento econômico amplamente hegemônico até o final dos anos 80 foi elaborado pela escola novo-clássica. As bases desse pensamento eram: i) os agentes maximizam suas funções utilidade e lucro e formam expectativas racionais e ii) os mercados se auto equilibram automaticamente via preços que, logicamente, são plenamente flexíveis. Segundo a teoria novo-clássica, na ausência de erros expectacionais, os níveis de produto e de emprego de equilíbrio somente se alterariam se houvesse mudanças de gosto e/ou choques tecnológicos. Diferentemente, novos-keynesianos acreditam que flutuações do produto, assim como a existência de desemprego involuntário, ocorrem em função basicamente da existência de falhas de mercado. A imperfeição de mercado que novos-keynesianos advogam é a rigidez de preços e salários - que impediria o equilíbrio instantâneo dos mercados (é a negação da hipótese ii acima citada). Dessa forma, ao final dos anos 80, quebrou-se o consenso ortodoxo com o surgimento de uma nova corrente: a escola novo-keynesiana.

O objetivo deste artigo é fazer uma análise das hipóteses e principais corolários da economia novo-keynesiana a partir das ideias originais do patrono da nova corrente, John Maynard Keynes. Para tanto, faz-se uma minuciosa análise comparativa do significado da hipótese da rigidez de preços e salários na teoria novo-keynesiana e na teoria de Keynes. A partir desse diagnóstico, os resultados e métodos novos-keynesianos são criticados. Conclui-se que existe uma enorme distância teórica entre Keynes e a nova corrente. Os argumentos apresentados no artigo não colocam os novos-keynesianos no mesmo lugar que os críticos de Keynes um dia o colocaram. Referindo-se às ideias de Keynes, seus adversários afirmavam que o novo estava errado e o certo era velho. Diferentemente, concluir-se-á que a novidade novo-keynesiana é louvável, ou seja, a busca de realismo para a hipótese é digna de elogios, embora seja desnecessária para demonstrar o velho, isto é, aquilo que já estava na General Theory: a existência de posições de equilíbrio econômico aquém do produto de pleno emprego.

Na seção seguinte, mostram-se quais são as hipóteses (microeconômicas) da escola novo-keynesiana e afirma-se que a teoria de Keynes pode atingir os mesmos resultados macroeconômicos alcançados pela nova corrente sem se utilizar da hipótese da rigidez: Keynes demonstrou que a economia pode atingir posições de equilíbrio aquém do pleno emprego sem se utilizar de hipótese referentes à flexibilidade das variáveis preços e salários. Na seção 3, apresenta-se o modelo de Keynes e provam-se duas questões absolutamente cruciais para evidenciar qual é a distância teórica entre Keynes e os novos-keynesianos: i) o desemprego involuntário e flutuações do produto existem independentemente do grau de rigidez das variáveis preços e salários e ii) flexibilidade plena dessas variáveis não implica necessariamente equilíbrio de pleno emprego. Na seção 4, aprofunda-se a discussão a respeito das duas posições, tratam-se de temas relevantes, tais como política econômica, realismo das hipóteses, raio de ação dos modelos, dentre outros, assim como faz-se um sumário das principais conclusões do artigo.

2. FUNDAMENTOS DA ESCOLA NOVO-KEYNESIANA1 1 O artigo analisa unicamente a corrente que é predominante entre os novos-keynesianos, cujos maiores expoentes são Gregory Mankiw e David Romer. Tal corrente dá ênfase à rigidez de preços e salários para explicar desequilíbrios macroeconômicos. Existe uma outra corrente novo-keynesiana liderada por Joseph Stiglitz que tem destacado a importância da pesquisa seguir outro rumo: o estudo dos mecanismos de racionamento de crédito (falhas de informação, seleção adversa, fator moral) e sua repercussão sobre o investimento e a demanda agregada. Essa última não será tratada no artigo.

A escola novo-keynesiana afirma que a microeconomia walrasiana é inadequada à análise macroeconômica de curto prazo, isto é, à macrokeynesiana, que é definida por essa nova corrente como o campo de estudos que considera como pontos centrais a existência de desemprego persistente e de flutuações econômicas (Mankiw, 1993MANKIW, G. (1993). “Symposium on keynesian economics today”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 3-4., p. 3). Segundo os novos-keynesianos, preços e salários são rígidos. Tal observação, por um lado, invalidaria a micro walrasiana e, por outro, explicaria a existência de desequilíbrios macroeconômicos. A microeconomia walrasiana teoriza sobre um mundo em que vigora a perfeita competição com plena informação e que agentes tomam decisões de preços e salários em resposta a desequilíbrios no mercado de bens e de trabalho. Portanto, essa teoria microeconômica é, obviamente, inadequada como instrumento de análise do curto prazo, o ambiente em que, por hipótese, preços e salários seriam rígidos.

Salários e preços rígidos não são o extremo oposto de salários e preços integralmente flexíveis. Rigidez não é o contrário de flexibilidade. Rigidez e flexibilidade são propriedades que se referem, ambas, à velocidade de ajuste de variáveis econômicas. Para novos-keynesianos, um preço plenamente flexível eliminaria instantaneamente excessos de oferta ou demanda: somente com preços integralmente flexíveis poderia ser válida a afirmativa de que mercados se auto equilibram automaticamente. Entretanto, segundo essa nova versão keynesiana, o preço rígido de uma determinada mercadoria também caminha na direção do nível que equilibraria o seu mercado. Contudo, tal deslocamento seria extremamente lento. Portanto, variáveis rígidas são variáveis lentas - e não variáveis fixas. Em consequência, o tempo de ajuste se tornaria demasiadamente longo na presença de variáveis rígidas. É nesse sentido que o termo rígido é utilizado por novos-keynesianos.

Para o novo-keynesianismo, no longo prazo, que pode ser definido como o contexto econômico em que os mercados se auto equilibram via preços e salários, a curva de oferta agregada é inelástica e inexiste desemprego involuntário. Consequentemente, a micro walrasiana é útil e a macrokeynesiana é inútil como instrumento para analisar o longo prazo, porque nesse contexto não existiriam flutuações econômicas nem desemprego involuntário. No longo prazo, valeriam a micro walrasiana e a macro novo­clássica. Portanto, novos-keynesianos não são a negação da escola novo-clássica, apenas destacam a sua inadequação para o curto prazo. No que diz respeito a esse ponto, Paul Davidson, um crítico da nova corrente, aduziu que”... a economia novo-clássica é a teoria geral e a economia novo-keynesiana é um caso especial” (1994DAVIDSON, P. (1994). Post keynesian macroeconomic theory. Aldershot: Edward Elgar., p. 292).

No curto prazo, que é, em verdade, o objeto principal de análise dos novos-keynesianos, se encontra o desafio de explicar os comportamentos dos agentes que tornam as variáveis preços e salários rígidas. Tal explicação, velhos-keynesianos da síntese neoclássica não foram capazes de elaborar; o velho-keynesianismo foi acusado por novos-clássicos e, também, por novos-keynesianos de descrever comportamentos irracionais para os agentes econômicos (Mankiw, 1990MANKIW, G. (1990). “A quick refresher course in macroeconomics”, Journal of Economic Literature, vol. XXVII, dezembro, pp. 1645-60., pp. 1656-7). Segundo o novo­ keynesianismo, no curto prazo, qualquer redução da demanda teria efeito somente sobre as quantidades produzidas (isto é, uma curva de oferta agregada perfeitamente elástica) - e, no mercado de trabalho, salários reais elevados e rígidos provocariam excesso de oferta de mão-de-obra.

Insatisfeitos com os argumentos microeconômicos do velho-keynesianismo que explicavam as falhas de mercado, novos-keynesianos em meados dos anos 80 iniciaram um pujante movimento de pesquisa a busca de microfundamentos. Primeiramente, enfatizaram a importância dos modelos de custo do menu, posteriormente, investiram nos modelos de rigidez real, em particular, o microfundamento baseado na existência de um salário de eficiência.

Custo do menu: o primeiro microfundamento

Novos-keynesianos consideram que as firmas são price-makers e têm que enfrentar o chamado custo do menu: é o custo que a firma depara quando deseja alterar o preço de uma determinada mercadoria que produz. É um gasto superior ao custo de etiquetagem. Envolve, além desse último, por exemplo, as despesas com campanhas para informar os consumidores ou o custo referente ao tempo gasto para discutir a própria mudança de preço. O custo do menu, segundo Mankiw (1990MANKIW, G. (1990). “A quick refresher course in macroeconomics”, Journal of Economic Literature, vol. XXVII, dezembro, pp. 1645-60., p. 1657), é um rigoroso microfundamento para explicar por que uma queda de demanda induz uma firma a cortar a produção em lugar de simplesmente reduzir os preços, tal como pregariam os novos-clássicos. Explicaria, assim, por que seria lucrativamente compensador reduzir quantidades e manter preços e não o contrário. Em outras palavras, o custo do menu pode esclarecer por que firmas tomam decisões que não são restauradoras do equilíbrio original diante de uma queda de demanda.

Segundo novos-keynesianos, o custo do menu, considerado uma reduzida barreira que impediria a redução de preço, poderia provocar uma notável queda de bem-estar social diante de um declínio da demanda nominal, dado que um certo número de firmas pode avaliar que seria compensador manter os seus preços em vez de reduzi­los.2 2 O nível de produto que corresponde a um contexto de plena flexibilidade das variáveis preços e salários é considerado ótimo e, portanto, gera satisfação social máxima. A maioria dos modelos novos-keynesianos sempre parte de uma situação em que o produto estava em seu nível ótimo. (Romer, 1993ROMER, D. (1996). “The new keynesian synthesis”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 5-22., p. 8) As decisões dessas firmas afetam outras firmas através da externalidade da demanda agregada (Romer, 1993ROMER, D. (1996). “The new keynesian synthesis”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 5-22., pp. 13-4): a queda de determinados preços, ainda que poucos, provocaria uma redução no nível geral de preços, assim, o estoque real de moeda aumentaria e, via efeito-riqueza, elevaria o patamar de gastos da economia, neutralizando o efeito inicial da queda de demanda. Contudo, como os preços são rígidos, devido ao custo do menu, decisões individuais de um certo número de firmas espalham seus efeitos pelo conjunto da economia e impedem o estoque real de moeda de crescer, portanto, essa rigidez - provocada por uma pequena barreira - causaria elevados custos sociais.

Além do custo do menu, os modelos novos-keynesianos de falhas de coordenação podem também explicar a rigidez de preços. Dentro do contexto teórico da nova versão do keynesianismo, uma redução global de preços neutralizaria os efeitos perversos de uma queda de demanda. Contudo, uma redução do nível de preços é o resultado de decisões individuais. Se cada empresa imaginar que todas as demais não vão reduzir seus preços, também não cortaria os seus. Tal atitude seria racional, porque uma redução isolada de preços provocaria uma mudança de posição relativa de mercado. Assim, os preços podem ser rígidos simplesmente porque cada firma espera que sejam rígidos, mesmo que tal rigidez seja prejudicial a todos. O resultado é que uma recessão, na ótica novo-keynesiana, pode ser consequência de uma falha de coordenação entre firmas que abortaria um eventual processo de redução de preços.

A conclusão novo-keynesiana de que quedas de demanda provocam reduções do nível de oferta não é nova. Keynes, há pelo menos 60 anos, já havia alcançado o mesmo resultado. E, velhos-keynesianos, neste aspecto, já haviam concordado com Keynes e alardearam esses resultados durante as décadas de l940/50/60 - quase que sem sofrer qualquer contestação. Portanto, novos-keynesianos buscam: i) reviver essa conclusão nos moldes dos velhos-keynesianos, isto é, reduções de demanda somente provocam quedas de oferta porque os preços são rígidos e ii) mostrar que a rigidez dos preços possui rigorosos microfundamentos teóricos e empíricos. Cabe destacar que as explicações de Keynes sobre variações do produto, a partir de quedas da demanda, estão longe de ser fundamentadas em falhas do mercado - suas explicações são detalhadamente apresentadas à frente.

A diferença básica entre velhos e novos-keynesianos gira em torno do significado do termo rigidez. Segundo Tobin (1993TOBIN, J. (1993). ‘’Price flexibility and output stability: an old keynesian view”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 45-65., pp. 46-8), os preços, embora rígidos, tendem a se mover numa velocidade maior do que aquela aceita por novos-keynesianos. Sobre essa questão, novos-clássicos e novos-keynesianos representariam polos opostos. Os primeiros supõem que os preços possuem a capacidade de ajustamento instantânea, enquanto os últimos tentam mostrar que, na prática, a velocidade de ajustamento dos preços é desprezível. Entre os dois polos, estariam os velhos-keynesianos que advogariam a existência de uma curva de oferta agregada com alguma elasticidade e que, consequentemente, quedas de demanda não teriam efeito exclusivamente sobre quantidades, mas também, e em alguma medida, sobre preços.3 3 Gordon (1990, p.1136) já havia esboçado uma posição que parece ser idêntica a de Tobin, quando afirmou:”... é melhor considerar como a principal característica da economia [velho-] keynesiana o ajusta­mento gradual de preços e seu corolário que o produto e o emprego não são variáveis de escolha”. (grifou-se o original). Romer (1993, p. 5), provavelmente também concordando com Tobin, descreveu a economia velho-keynesiana utilizando os termos vagaroso e lento (slow e sluggish) para se referir às variáveis preço e salário. Não utilizou o termo rígido (sticky ou rigid) consagrado na literatura novo-keynesiana.

Embora, Keynes, velhos-keynesianos e os novos-keynesianos tenham alcançado conclusões idênticas, o modelo original exposto na General Theory nitidamente considera a rigidez de preços dispensável para explicar as variações das quantidades produzidas que ocorrem em função de oscilações da demanda por bens e serviços. A teoria econômica de Keynes é compatível, inclusive, com um mundo em que vigora a plena competição e os preços são plenamente flexíveis. As condições do lado da oferta, isto é, se firmas são price-makers ou price-takers, são irrelevantes para a determinação das quantidades produzidas. Para Keynes, antes que a economia alcance o nível de pleno emprego, é a demanda, independentemente das condições de oferta, que determina o volume da produção. Contudo, o velho-keynesiano Tobin afirmou:”... Keynes fingiu que estava supondo plena competição em todos os mercados” (1993TOBIN, J. (1993). ‘’Price flexibility and output stability: an old keynesian view”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 45-65., p. 56). Se essa afirmativa de Tobin fosse verdadeira, a revolução teórica de Keynes que eclodiu com a publicação da General Theory teria sido insignificante porque todos os seus adversários concordavam que recessões ocorreriam se preços fossem rígidos.4 4 Essas palavras de Tobin contrariam frontalmente o que verdadeiramente está escrito na General Theory. Keynes apenas considerou que o regime competitivo entre firmas e, consequentemente, o grau de flexibilidade dos preços, era dispensável para explicar as flutuações econômicas. Vejam-se as palavras do próprio Keynes: “tomamos como dado(...) o grau de competição [e outros fatores](...). Isso não significa que supomos que sejam constantes; nós somente não estamos considerando os efeitos e as consequências que decorrem das suas variações.” (1973, cap.18, p. 245 - grifou-se o original). Posteriormente, Keynes no capítulo 19 da General Theory mostrou o funcionamento do seu modelo em um contexto em que preços e salários eram flexíveis.

Salário de eficiência: o segundo microfundamento

Os desequilíbrios no mercado de bens são explicados basicamente pela existência do custo do menu. Os desequilíbrios no mercado de trabalho são explicados pela existência do salário de eficiência. Esse tipo de remuneração impede a queda do salário real que eliminaria o excesso de oferta de mão-de-obra - tal como afirmava a teoria do emprego da (velha) economia clássica. O chamado salário de eficiência é assim conhecido porque as firmas mesmo diante do desemprego não reduzem o salário real em nome da manutenção da eficiência do trabalhador, isto é, manutenção da produtividade. Os argumentos para mostrar a relação existente entre salário real e produtividade são variados. Mankiw (1990MANKIW, G. (1990). “A quick refresher course in macroeconomics”, Journal of Economic Literature, vol. XXVII, dezembro, pp. 1645-60., p. 1658) destacou três: i) trabalhadores com salários reais mais baixos são menos leais à firma, não “suam a camisa” da sua empresa; ii) salários reais mais baixos provocam a perda dos mais hábeis empregados - expressa-se aqui um problema de seleção adversa: absorvem-se os piores e vão embora os melhores e iii) a tarefa de monitoramento das firmas sobre as atividades de seus trabalhadores não é perfeita, assim, quando o trabalhador recebe um salário real menor, torna-se irresponsável no cumprimento das suas tarefas, aceitando correr o risco de ser demitido - esboça-se aqui uma situação em que aflora o conhecido fator moral (moral hazard).

Em todas essas argumentações, busca-se mostrar que, mesmo diante do desemprego, seria reduzido o incentivo da firma para rebaixar salários reais. A redução de salários reais geraria perda de produtividade do trabalho. Logo, quanto maior fosse esse efeito-produtividade, menor seria o estímulo da firma para cortar salários; dessa forma, seriam neutralizadas as forças da competição entre trabalhadores. Ademais, o salário de eficiência representa um custo para a firma que se transforma em mais um fator de rigidez de preços. Assim, não somente o custo do menu ou as falhas de coordenação tornam os preços rígidos, o salário de eficiência reforça, via custos, a existência dessa rigidez nominal. Portanto, segundo os novos-keynesianos, a rigidez dos salários reais é útil para explicar um desemprego do tipo clássico; e desequilíbrios keynesianos (flutuações no mercado de bens) podem ser explicados pela rigidez de salários reais, falhas de coordenação e custo do menu, simultaneamente.

Novos-keynesianos reconhecem, ainda, que os salários reais podem ser rígidos por outras causas que não somente a necessidade de a firma manter a produtividade do trabalho inalterada. A abordagem insider/outsider tenta, também, demonstrar tal rigidez. Os insiders são trabalhadores experientes, qualificados e, em geral, filiados a sindicatos fortes que protegem seus empregos com uma variedade de custos de demissão que impossibilita a firma de dispensá-los. Os outsiders são aqueles que estão involuntariamente desempregados e que, por essa razão, não são considerados prioritários pelos dirigentes sindicais vis-à-vis os insiders. São aqueles que desejariam trabalhar por um salário inferior ao salário pago a um insider, mas para a firma o custo da demissão não é compensado pelo salário, ainda que menor, que seria pago a um outsider. Além disso, no custo de demissão estariam incluídos os gastos com treinamento de outsiders, porventura, admitidos. Nesse modelo, a rigidez imposta pelos insiders se sobrepõe à flexibilidade desejada pelos outsiders.

Os modelos de defasagem temporal de reajuste também são capazes de explicar a rigidez de salários. Esses modelos demonstram que cada grupo de trabalhadores poderia aceitar uma redução de seu salário nominal se todos os demais trabalhadores reduzissem proporcionalmente e simultaneamente suas remunerações. Contudo, em virtude da existência de datas diferenciadas de reajuste, cada grupo relutará em ser o primeiro a aceitar a queda de seus salários. Primeiramente, porque tal atitude, ainda que temporariamente, implicaria uma redução relativa de remuneração e, em segundo lugar, não haveria garantias de que, quando a data de reajuste dos demais trabalhadores chegasse, eles aceitariam a diminuição nominal dos seus salários. Assim, a defasagem temporal de reajustes de salários individuais torna o nível global de salários rígido.

Para novos-keynesianos, se vigorasse a plena flexibilidade de salários reais e as remunerações variassem negativamente diante da ocorrência de desemprego involuntário, o mercado de trabalho estaria sempre equilibrado. Tal construção teórica, longe de ser uma afirmativa revolucionária, está integralmente em sintonia com a teoria do desemprego da velha escola clássica. Keynes para mostrar quão insurgentes eram as suas posições em relação às ideias clássicas do desemprego reproduziu na sua General Theory as palavras de Pigou, aliás muito semelhantes as de Mankiw e Romer. Seguem-se os termos de Pigou: “ ... o desemprego existente em qualquer momento se deve integralmente às condições da demanda [por trabalho] que variam de maneira contínua e às resistências friccionais que impedem os ajustamentos salariais adequados de ocorrer instantaneamente” (citado em Keynes, 1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., p. 278). O teor revolucionário das proposições de Keynes estava na argumentação que afirmava que o desemprego involuntário emergiria independentemente da existência de resistências friccionais.

Para Keynes, tal como o produto, o nível de emprego é determinado pela demanda no mercado de bens. Diferentemente de velhos-clássicos e de novos-keynesianos, Keynes recusou o uso da tesoura marshalliana aplicada ao mercado de trabalho. Segundo Keynes, as relações que se estabelecem entre trabalhadores e empresários no mercado de trabalho não são capazes de determinar o nível de emprego, mesmo em um ambiente com salários reais plenamente flexíveis. Em suma, para Keynes o mercado de trabalho não é auto-suficiente para determinar o nível de mão-de-obra empregado, esse seria apenas um reflexo das decisões referentes ao mercado de bens que, por sua vez, são regidas pelo princípio da demanda efetiva.

3. O MODELO DA GENERAL THEORY: O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA

Keynes rejeitou a teoria do emprego da velha economia clássica. Rejeitou a utilização da tesoura marshalliana aplicada ao mercado de trabalho como instrumento útil à determinação do nível de emprego. As curvas de oferta e demanda por mão-de­obra da tesoura marshalliana são sustentadas, segundo Keynes, por dois postulados da velha economia clássica. A curva de demanda por trabalho é derivada do primeiro postulado clássico - “o salário [real] é igual ao produto marginal do trabalho” (Keynes, 1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., p. 5) -, associado à hipótese de retornos marginais decrescentes. Assim, obtém-se uma curva de demanda por trabalho (Nd) negativamente inclinada no plano salário real (W/P) x nível de emprego (N) - tal como é mostrado no gráfico 1 (ver p. 100 deste artigo). Keynes aceitou esse primeiro postulado.

Gráfico 1
O mercado de trabalho em Keynes

Keynes recusou o segundo postulado clássico: “a utilidade do salário [real] quando um dado volume de trabalho está empregado é igual a desutilidade marginal do montante de emprego” (Keynes, 1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., p. 5). Os motivos que o levaram a essa negação foram:

i) trabalhadores não podem determinar o salário real, mas simplesmente têm influência sobre a determinação do salário nominal, já que os preços dos bens-salário (wage-goods) são determinados exclusivamente pelos empresários e ii) trabalhadores não abandonam seus empregos quando há uma queda nos salários reais - ainda que fossem capazes de determinar o salário nominal em função de um nível esperado de preços durante o processo de barganha. A rejeição ao segundo postulado conduziu Keynes a negar a existência da curva clássica de oferta de trabalho positivamente inclinada no plano do gráfico 1. O fato é que Keynes não rejeitou a existência de qualquer função oferta, mas simplesmente negou a função clássica, dado que o comportamento dos trabalhadores não satisfaz essa curva. (Amadeo, 1986AMADEO, E. (1986). “Sobre salários nominais: as críticas keynesiana e monetarista à abordagem de Keynes sobre o mercado de trabalho”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 16(2), agosto, pp. 309-20., p. 311)

A função oferta de trabalho compatível com as ideias de Keynes foi descrita por Amadeo (1986AMADEO, E. (1986). “Sobre salários nominais: as críticas keynesiana e monetarista à abordagem de Keynes sobre o mercado de trabalho”, Pesquisa e Planejamento Econômico, 16(2), agosto, pp. 309-20., p. 312) - o que segue a esse respeito está baseado na sua elaboração. Keynes supôs implicitamente que os trabalhadores preferirão trabalhar a não trabalhar, e que eles irão se ater a um contrato (que especifica salário nominal e jornada de trabalho) para uma gama infinita de salários reais, isto é, trabalhadores irão manter seus empregos nos termos fixados nos contratos mesmo diante de uma queda do salário real. Essas suposições podem ser descritas por uma função oferta de trabalho representada por uma área - em lugar de uma curva - tal como é mostrado no gráfico 1. Para salários abaixo de (w/p) os trabalhadores poderão se recusar a trabalhar - eles poderiam, por exemplo, entrar em greve -, dado que um salário inferior a (w/p) não seria nem suficiente para atender aos requisitos mínimos de sobrevivência. A mão-de-obra, independentemente do salário real, possui um limite fisico. No gráfico 1, tal limite é representado por N*. O gráfico 1 mostra que existe um conjunto infinito de pontos potenciais de equilíbrio que corresponde à curva Nd para N < N*. O nível de equilíbrio do mercado de trabalho é, portanto, indeterminado. Uma equação adicional seria necessária para a determinação da incógnita N: essa equação é fornecida pelo princípio da demanda efetiva.

Esse princípio pode ser resumido nas seguintes proposições: i) a renda depende do nível de emprego da economia e ii) a quantidade de mão-de-obra que os empresários decidem empregar é função de duas quantidades, a saber: o valor monetário esperado que será gasto em consumo e o valor esperado que será gasto na forma de novos investimentos. Portanto, dado um nível de renda e as condições da oferta de bens, o nível de emprego dependerá dos gastos esperados.

O gráfico 2 (ver p. 101 deste artigo) é útil à continuação da explicação do princípio da demanda efetiva como determinante do nível de emprego e produto da economia - tal princípio é a negação da necessidade da hipótese novo-keynesiana da existência de falhas de mercado para explicar o nível da renda e do emprego. Seja Z (do gráfico 2) o valor monetário necessário e compensador das vendas para os diferentes níveis de mão-de-obra (N), dada as condições técnicas da produção e o custo do trabalho, logo,

[1] Z=ϕ(N)dZ/dN>0

Gráfico 2
Princípio da Demanda Efetiva

Seja D (do gráfico 2) o valor monetário esperado das vendas derivado dos gastos de consumo (D1) e dos gastos na forma de novos investimentos (D2). Assim, em função dos gastos esperados, os empresários decidem qual o nível adequado de mão­ de-obra a empregar, logo,

[2] D1+D2=D=f(N)dD/dN>0

O ponto do gráfico 2 em que as curvas de oferta e demanda agregada se interceptam é chamado por Keynes de demanda efetiva. Nesse ponto, dadas as condições de oferta e a demanda esperada, obtém-se o nível de emprego da economia e, consequentemente, o produto (Y) que esta mão-de-obra pode gerar.5 5 Pode-se perceber que a solução desse sistema depende das inclinações relativas das duas curvas: a inclinação da curva de demanda deve ser menor que a da curva de oferta. Caso contrário, o princípio da demanda efetiva descreveria uma dinâmica da economia que careceria de realismo. Quando houvesse a expectativa de uma oferta superior à demanda, a região à esquerda do ponto A, haveria um incentivo para se reduzir a produção e, quanto maior fosse essa redução, maior seria o incentivo para a economia aumentar tal redução, até que a produção fosse nula. À direita de A, haveria o incentivo a aumentar a produção e quanto maior fosse esse aumento maior seria a demanda em relação à produção ofertada: quanto maior fosse a oferta, muito maior seria a demanda (uma super-lei de Say). Se as curvas tivessem, ambas, a mesma inclinação e fossem superpostas, a economia representada funcionaria de acordo com a lei de Say. E, curvas paralelas não-coincidentes seriam representativas de um sistema sem solução. Portanto, o ponto A (de demanda efetiva) pode ser formalmente definido como: A: Z=D=>N, Y.

Cabe, neste momento, qualificar a diferença exata que existe entre Keynes e novos­keynesianos no que diz respeito à determinação do nível de emprego e renda. Para o último grupo, é a demanda corrente no mercado de bens que determina o nível de emprego e atividade da economia, enquanto para Keynes são as expectativas empresariais sobre a demanda futura que determinam emprego e produto correntes. Uma questão deve ainda ser examinada no princípio da demanda efetiva, a saber, os fatores responsáveis pela determinação de D, os gastos esperados. Iniciar-se-á pelos gastos esperados com investimentos, D2.. Tais gastos dependem de duas variáveis: a eficiência marginal do capital (emc) e a taxa de juros (i) como indicado na equação 3.

[3] D2=δ(emc,i)dD2/demc>0,dD2/di<0

A eficiência marginal do capital é a taxa de rendimentos esperados do ativo de capital, portanto, quanto maior for emc, maior será D2. A taxa i é a taxa de rendimentos esperados dos ativos líquidos, logo, poderá produzir uma rejeição dos ativos de capital vis-à-vis os ativos líquidos. As duas variáveis, que determinam o volume de gastos de investimento, são função, por sua vez, de outras variáveis. A eficiência marginal do capital depende do preço (de oferta) dos ativos de capital (Ps) e das rendas monetárias esperadas (Qe) provenientes das vendas futuras das mercadorias que serão produzidas a partir do investimento realizado - tal como indicado na equação 4. As rendas monetárias (Qe) dependem, por seu turno, dos preços esperados das mercadorias que os empresários investidores desejam vender no futuro (Pe) - como mostrado na equação 5.

[4] emc=ψ(Ps,Qe)demc/dPs<0,demc/dQe>0

[5] Qe=ω(Pe)dQe/dPe>0

A taxa de juros, a outra variável que influencia o volume de gastos com investimento, é determinada pela quantidade de moeda (Mi) que está fora da circulação ativa (isto é, a circulação de bens e serviços) e pela preferência pela liquidez (PL) - equação 6. Quanto mais moeda inativa existir, dada uma preferência por reter moeda, menor será a taxa de juros. A taxa de juros é o prêmio cobrado pelos agentes para abrir mão da liquidez que possuem, portanto, quanto menos escassos são os recursos monetários inativos, menor é a taxa de juros.

[6] i=β(Mi,PL)di/dMi<0,di/dPL>0

Dada uma velocidade de circulação-renda da moeda razoavelmente estável, a quantidade de moeda que é utilizada na circulação de bens e serviços depende do nível nominal dos preços (P) e salários (W). Quanto menor for esse nível, dado um estoque de moeda, mais recursos se tornam ociosos e vazam da circulação ativa para a retenção inativa (equação 7) - e, quanto maior a quantidade de moeda inativa, menor será a taxa de juros, dada uma preferência por liquidez.

[7] Mi=π(W,P)dMi/dW<0,dMi/dP<0

Preferência pela liquidez é sinônimo de propensão por reter ativos líquidos, especialmente, a moeda. Keynes argumentou que o futuro econômico é incerto, no sentido que não pode ser conhecido com antecedência nem ser estatisticamente prognosticado por meio de tábuas de probabilidades. Quando as expectativas são pessimistas, os agentes demandam segurança no presente para enfrentar o futuro incerto. Keynes mostrou que a moeda é o ativo mais seguro, aquele capaz de acalmar nossas inquietudes em relação ao futuro desconhecido e imprevisível. A preferência pela liquidez, decorrente das vagas conjecturas dos agentes sobre o desconhecido, pode ser estimulada por um número infinito de argumentos: fatores políticos, fatores climáticos, fatores estritamente econômicos, dentre outros.6 6 Uma discussão detalhada sobre o tema da preferência pela liquidez pode ser encontrada em Cardim de Carvalho (1992, cap.6). Optou-se por representar esse conjunto infinito de argumentos geradores de incerteza pela notação (.) da equação 8 (que, dessa forma, deve ser lida: quanto mais incerto é considerado o futuro, maior é a preferência pela liquidez no presente).

[8] PL=Ω(.)dPL/d(.)>0

No que se refere a gastos com ativos de capital, a variação do volume de demanda esperada, isto é, um deslocamento do ponto de demanda efetiva, depende, como visto anteriormente, de duas variáveis: a eficiência marginal do capital e a taxa de juros. Contudo, tal variação depende também da variação dos·gastos de consumo. Esse, por sua vez, é função da renda (Y) e da propensão a consumir da comunidade (c) - equação 9.

[9] D1=(Y,χ)dD1/dY>0,dD1/dχ>0

Merece destaque, portanto, a propensão a consumir da comunidade que pode ser decomposta na propensão a consumir dos trabalhadores (ct) e na propensão a consumir dos demais agentes (cd), empresários e rentistas. Então, a propensão a consumir da comunidade é uma média das propensões de cada segmento ponderadas por suas participações na renda. Assim, pode-se escrever a equação 10. Essa equação mostra que variações distributivas de renda podem influenciar a determinação do ponto de demanda efetiva porque podem alterar a propensão a consumir da comunidade.

[10] χ=aχt+bχda+b=1

Em resumo, o nível de emprego e de renda, segundo o princípio da demanda efetiva, depende dos gastos esperados. Contudo, somente se pode esperar um nível de demanda efetiva mais elevado quando, dado um nível inicial de renda, ceteris paribus, houver um crescimento da eficiência marginal do capital ou uma queda da taxa de juros ou uma elevação da propensão marginal a consumir da comunidade - tal como descrito na equação 11.

[11] Z=D=(emc,i,χ)dD/demc>0,dD/di<0,dD/dχ>0

O princípio da demanda efetiva com salários e preços flexíveis

Afinal, no modelo de Keynes, uma queda dos preços eliminaria a insuficiência de demanda no mercado de bens? Uma queda de salários reais eliminaria o desemprego involuntário? Em verdade, a pergunta mais precisa seria: qual o efeito de uma queda no valor dessas variáveis sobre os determinantes da demanda efetiva (a propensão a consumir, a taxa de juros e a eficiência marginal do capital)? Essa seria a pergunta precisa, porque se o ponto de demanda efetiva do gráfico 2 for arrastado para a direita, dada as condições técnicas do lado da oferta, o nível de emprego e a produção aumentariam.

Uma queda de salários nominais induziria a uma redução de preços, porque salários representam custos. Contudo, como a queda de preços seria, obviamente, menor do que a redução dos salários, isto implicaria uma redução dos salários reais. Mostra­se a seguir o efeito dessas mudanças sobre os determinantes da demanda efetiva.

Efeito sobre a eficiência marginal do capital

Uma queda dos salários nominais acompanhada de uma queda de preços teria, em princípio, um efeito positivo sobre a eficiência marginal do capital. O preço (de oferta) dos ativos de capital se reduziria, haveria um aumento da eficiência marginal do capital (equação 4) que é um estímulo ao investimento (equação 3). Entretanto, isto somente ocorreria se houvesse a formação de expectativas de que no futuro haveria um novo aumento de salários e preços, o que, por sua vez, estimularia o surgimento de expectativas otimistas em relação às rendas monetárias esperadas (Qe) (equação 5) e expectativas de que haveria um aumento dos preços dos ativos de capital (Ps) no futuro. Uma queda de salários nominais pode, contudo, animar expectativas de que haveria novas quedas futuras (Keynes, 1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., p. 263), dessa forma, haveria o adiamento das decisões de investir, porque os empresários não estariam dispostos a comprar ativos de capital por um preço mais alto do que comprariam no futuro quando supostamente ocorresse a queda esperada de salários nominais que reduziria todos os preços - inclusive os dos bens de capital. Ademais, se se espera uma queda futura de preços, as rendas monetárias esperadas (Qe) também se reduziriam (equação 5), o que, por seu turno, deprimiria a eficiência marginal do capital (equação 4). Logo, uma simples queda de preços e salários poderia não provocar um aumento de demanda efetiva via elevação da eficiência marginal do capital (equação 11).

Pode-se dizer, portanto, que a situação mais favorável em que uma queda de preços e salários afetaria positivamente a eficiência marginal do capital seria aquela em que uma redução da demanda efetiva provocasse uma redução tão brusca dos salários e, consequentemente, dos preços, que ninguém pudesse acreditar na sua continuidade, mas somente numa variação positiva dessas variáveis no futuro. Logo, pode-se concluir que o efeito de uma queda de tais variáveis sobre a eficiência marginal do capital é, no mínimo, incerto. E, não se pode inferir que a flexibilidade (para baixo) de salários e preços provocaria necessariamente um ajuste automático nos mercados de trabalho e bens - tal como pregaram velhos-clássicos, velhos-keynesianos e tal como pregam novos-clássicos e novos-keynesianos.

Efeito sobre a taxa de juros

Uma redução dos salários nominais acompanhada de uma queda nos preços reduziria a necessidade de moeda na circulação ativa. Haveria um vazamento monetário da circulação de bens e serviços para o âmbito da retenção inativa (equação 7), o que reduziria a taxa de juros - se não houvesse qualquer mudança na função da preferência pela liquidez (equação 6). Logo, a redução de preços e salários seria um estímulo às decisões de investimento (equação 3). A história contada até aqui mostra que, ainda que por vias diversas, novos-keynesianos e Keynes chegariam à mesma conclusão: uma redução na magnitude das variáveis preços e salários faria crescer o nível de emprego e produto. Contudo, Keynes (1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., p. 263) advertiu que uma queda de remunerações poderia acender expectativas de que existiriam no futuro pressões para fazer o salário voltar ao seu patamar original, consequentemente, se existissem expectativas de que os salários no futuro (talvez breve) retornassem ao nível inicial, o efeito anteriormente destacado sobre as decisões de investir seria bastante tênue. Ademais, acrescentou Keynes: “se a redução de salários perturba a confiança no plano político por causa do descontentamento popular, o aumento da preferência pela liquidez decorrente dessa causa [equação 8] poderá compensar a liberação de moeda da circulação ativa [equação 6]” (1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., p. 264). Existiriam, portanto, condições adversas em que uma queda de preços e salários não provocaria uma elevação da demanda efetiva via redução da taxa de juros (equação 11).

Em síntese, Keynes reconheceu que, na ausência de condições adversas, se a quantidade de moeda for mantida fixa e o nível nominal de salários e preços sofrer alguma redução, tal queda poderia ter um efeito positivo: reduzindo a taxa de juros e estimulando, em decorrência, as decisões de investir. Entretanto, para Keynes, esse movimento de queda dos salários e preços com a quantidade de moeda fixa seria equivalente a se manter fixo o nível de preços e salários e se realizar uma política monetária expansionista. Assim, o impacto sobre a taxa de juros, e consequentemente sobre as decisões de investimento, de uma redução de salários e preços (com quantidade fixa de moeda) estaria sujeito a todas as qualificações que mostram resultados, por vezes, incertos da política monetária.7 7 Aqui não é o espaço apropriado para discutir em que condições uma política monetária expansionista seria (in)eficaz na visão de Keynes. Sobre esse assunto, ver Sicsú (1997a, cap. l) e Sicsú (1997b). Logo, não necessariamente uma queda de preços e salários, ainda que sob certas condições favoráveis, reequilibraria mercados via redução da taxa de juros.

Efeito sobre a propensão a consumir

Uma queda dos salários reais decorrente de uma redução de salários nominais e de uma diminuição dos preços (menor que a redução dos salários nominais) provocaria uma transferência de renda real de trabalhadores para os demais agentes da economia. Supondo-se que trabalhadores possuem uma alta propensão a consumir (aproximadamente 1), esse rearranjo distributivo reduziria a propensão a consumir da comunidade (equação 10). Logo, os gastos esperados de consumo seriam menores (equação 9). Portanto, uma queda de preços e salários provocaria uma diminuição da demanda efetiva via redução da propensão a consumir da comunidade (equação 11).

Em suma, embora Keynes tenha concebido um modelo em que as variáveis preços e salários eram plenamente flexíveis, não aceitou que essa flexibilidade pudesse restaurar o equilíbrio dos mercados, portanto, a causa da insuficiência de demanda no mercado de bens e do desemprego involuntário não foi atribuída a falhas de mercado. No modelo de Keynes, a queda dos preços e salários somente seria capaz de restaurar o produto de pleno emprego em uma situação extremamente peculiar: se todas as condições favorecessem uma redução da taxa de juros e, simultaneamente, as mesmas condições provocassem um aumento da eficiência marginal do capital e que esses efeitos compensassem a diminuição da propensão a consumir da comunidade - somente sob essas circunstâncias específicas é que a demanda efetiva aumentaria (no gráfico 2, um aumento da demanda efetiva faria, por exemplo, o nível de emprego crescer de Nf para Ng). Dado que a situação descrita é extremamente particular, Keynes não demonstrou nenhuma confiança na sua ocorrência. Mostrou, consequentemente, que a inexistência de falhas de mercado não é condição necessária nem suficiente para a economia alcançar o pleno emprego automaticamente.

4. OBSERVAÇÕES CONCLUSIVAS: KEYNES E O KEYNESIANISMO DO MAINSTREAM

Novos-keynesianos adotam o adjetivo derivado do nome do economista inglês, Keynes, sem qualquer compromisso com os escritos originais desse autor. Foi por esse motivo que Mankiw disse: “Nós estamos numa posição muito melhor que a de Keynes para entender como a economia funciona ...” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 561). Distintamente das décadas de 1940/50/60, em que velhos-keynesianos se auto-intitulavam os verdadeiros intérpretes das ideias do economista inglês e, consequentemente, seus propagandistas oficiais8 8 Ver, por exemplo, a posição adotada por A. Hansen (1953) no prefácio do seu conhecido livro A Guide to Keynes. Ver, também, o artigo de Galbraith (1977) que relata a empolgação dos velhos-keynesianos americanos com a General Theory durante as décadas de 1940/50/60. , hoje, velhos e novos-keynesianos declaram que suas ideias estão distantes da teoria de Keynes.9 9 Atualmente velhos-keynesianos também já admitem que suas teorias têm pouco compromisso com os escritos originais de Keynes. Tobin, por exemplo, afirmou que não “defende o texto literal da General Theo y” (1993, p.46). Assim, ganham liberdade para construir seus modelos no interior do keynesianismo do mainstream livres dos incômodos das ideias originais de Keynes.

Na década de 30, John Hicks, um dos mais ilustres fundadores do velho-keynesianismo, dividiu a curva de oferta agregada em três segmentos. Em um extremo estava a economia de Keynes, capaz de explicar apenas uma situação de depressão, no outro extremo, estariam os velhos-clássicos que haviam elaborado uma teoria adequada exclusivamente para uma economia geradora de produto de pleno emprego e, entre os dois polos, estaria a economia keynesiana capacitada para explicar situações de equilíbrio aquém do produto de pleno emprego. Hoje, não existem autores ou correntes relevantes dispostas a interpretar o que Keynes realmente disse e inseri-lo na ortodoxia. Presentemente, a curva de oferta agregada foi purificada pelos desenvolvimentos do mainstream, nem sequer um espantalho de Keynes é utilizado. O gráfico 3 (ver p. 101 deste artigo) mostra essa curva. Agora, a curva de oferta agregada descrita por novos-keynesianos teria no extremo do produto de pleno emprego, os novos­ clássicos e nas demais posições, os novos-keynesianos. Nem Keynes nem velhos­keynesianos ocupam qualquer lugar da curva.

Gráfico 3
A Curva de Oferta do Keynesianismo do Mainstream

O curto prazo é o contexto econômico em que existem falhas de mercado que podem explicar a ocorrência de posições de equilíbrio aquém do produto de pleno emprego. Portanto, a curva de oferta de curto prazo é sustentada pela teoria novo­ keynesiana. O longo prazo é o contexto em que os mercados se auto equilibram automaticamente via preços e salários. Logo, a curva de oferta de longo prazo sustenta-se sobre a macroeconomia novo-clássica. Nas palavras de Mankiw, a “ ... economia clássica é correta no longo prazo” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 561); em outra passagem afirmou: ·no longo prazo a curva de Phillips é vertical” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 563). Merece destaque que não foi necessário discutir o lado da demanda no gráfico 3 para se abordar a diferença básica entre novos-clássicos e novos-keynesianos. Tal omissão foi justificada por Gordon (1990GORDON, R. (1990). “What is new-keynesian economics?”, Journal of Economic Literature, vol. XXVII, setembro, pp. 1115-71., p. 1117): “tópicos do lado da demanda podem ser omitidos, simplesmente porque não estão no centro do conflito entre as economias novo-clássica e novo-keynesiana”. Diante da estrutura apresentada pelo gráfico 3, novos-keynesianos propõem como políticas de pleno emprego para o longo prazo a utilização de diversas ferramentas que possam quebrar a rigidez de preços e salários reais, por exemplo, abertura comercial ao exterior e câmbio perfeitamente flexível. (Davidson, 1996DAVIDSON, P. (1996). “Colocando as evidências em ordem”, Ensaios FEE, ano 17, n. 2, suplemento, pp. 7-41., p. 38) No longo prazo, a teoria novo-keynesiana não reserva nenhum papel ativo ao governo: afinal, nesse contexto o mundo seria novo-clássico. Para o curto prazo, não necessariamente acreditam que políticas governamentais ativas sejam desejáveis porque muitos dos tradicionais argumentos contra essas políticas, tais como defasagens de percepção/reação, permanecem válidos para muitos novos-keynesianos 10 10 Os argumentos relativos à dificuldade de percepção dos verdadeiros eventos econômicos por parte dos policymakers, o que impediria a mensuração da intensidade de utilização dos instrumentos fiscais e monetários, são de Friedman (1968 e 1984). (Mankiw & Romer, 1991MANKIW, G. & ROMER, D. (eds.). (1991). New keynesian economics. Cambridge, MA: The MIT Press., p. 3). Segundo Mankiw (1995MANKIW, G. (1995). Macroeconomia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos., p. 238), embora o argumento das defasagens de Friedman seja válido, por vezes, os argumentos contrários às posições friedmanianas também são convincentes; então, “deve-se pesar os vários argumentos, tanto econômicos quanto políticos e decidir qual o papel a ser desempenhado pelo governo na tentativa de estabilizar a economia”.

Aplicações de políticas monetárias ativas para combater os problemas causados pelas imperfeições de mercado são aconselhadas por Mankiw, desde que obedeçam a alguma regra com feedback. Para ele, seria necessário “...algum tipo de regra para a política monetária” e acrescentou “minha própria preferência seria alguma coisa como uma meta para o PNB nominal ou para o salário nominal” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 564). Segundo Mankiw, a literatura recente (novo-clássica) sobre políticas de inconsistência temporal tem oferecido argumentos interessantes (Mankiw, 1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 564). Nessa literatura, destaca-se a contribuição de Kydland & Prescott (1994KYDLAND, F. & PRESCOTT, E. (1994). “Rules rather than discretion: the inconsistency of optimal plans”. In PERSSON, T. & TABELLINI, G. (orgs.). Monetary and fiscal policy, vol. I. Credibility. Cambridge, MA: MIT.) que, em resumo, mostrou por que uma gestão monetária com poderes discricionários plenos é propensa a gerar inflação e é incapaz de reduzir o desemprego (correspondente à taxa natural). Assim, mais moeda sempre causaria somente mais inflação. Logo, se a política monetária fosse plenamente discricionária não poderia atingir o produto no curto prazo - daí a opção por regras com feedback que eliminariam o viés inflacionário e atingiram o produto no curto prazo. Políticas fiscais ativas também seriam sugeridas por novos-keynesianos para eliminar hiatos de curto prazo do produto.

Tais ações de política econômica, entretanto, seriam consideradas por novos­ keynesianos apenas como soluções provisórias para resolver problemas cujas causas fundamentais não estariam sendo atacadas (as causas fundamentais seriam a rigidez das variáveis preços e salários reais). Políticas econômicas estabilizadoras são remédios que somente eliminariam os sintomas (que são as flutuações econômicas e o desemprego involuntário) dos reais problemas. Portanto, intervenções sucessivas e permanentes não seriam consideradas uma solução definitiva. Diferentemente, Keynes defendeu um papel permanente e ativo do governo como estimulador dos determinantes da demanda efetiva porque a causa fundamental do desemprego não estaria localizada na rigidez das variáveis do lado da oferta, mas, fundamentalmente, na preferência pela liquidez dos agentes que deprime decisões privadas de gastos. Keynes mostrou a lógica da existência do desemprego involuntário baseado no trinomio insegurança-expectativas-moeda que poderia coexistir com uma perfeita flexibilidade de preços e salários tanto no curto quanto no longo período.

Verdadeiramente, existe uma posição dúbia por parte de novos-keynesianos em relação ao uso de políticas de estabilização econômica. É dúbia porque aceitam tanto o ativismo como a passividade governamental: não interessaria determinar com detalhes algo que é irrelevante, algo que seria apenas um paliativo. Embora a discussão sobre o ativismo-político seja um tema central para qualquer corrente, novos-keynesianos têm concentrado sua pesquisa exclusivamente sobre o lado da oferta, pois aqui estariam as fontes reais dos problemas econômicos: “esse debate sobre o controle da demanda agregada é bastante desligado das teorias novo-keynesianas de oferta agregada” (Mankiw & Romer, 1991MANKIW, G. & ROMER, D. (eds.). (1991). New keynesian economics. Cambridge, MA: The MIT Press., p. 3). Afastado do ativismo reformista via controle da demanda, que caracteriza a política econômica proposta por Keynes, o novo-keynesianismo se dedica quase que exclusivamente ao lado da oferta. Sem dúvida, Keynes acharia deveras estranho um keynesianismo com reduzido interesse sobre o lado da demanda!

Novos-keynesianos apostam o seu futuro, enquanto corrente de pensamento econômico, na descoberta de microfundamentos para o lado da oferta que possam apoiar a sua macroeconomia. Esse é um método de pesquisa bastante diferente do método utilizado por Keynes. Para esse autor, não havia a determinação da macro sobre a micro, ele formulou uma teoria econômica em que a micro e a macro emergiam de um processo integrado, sem que houvesse necessidade de cotejar as duas disciplinas. Para Keynes, os macrofundamentos de uma microteoria seriam tão importantes quanto os microfundamentos de uma macroteoria (Bresser-Pereira & Lima, 1996BRESSER-PEREIRA, L.C. & LIMA, G.T. (1996). “The irreductibility of macro to microeconomics: a methodological approach”, Revista de Economia Política, 16(2), abril/junho, pp. 15-39., p. 30). Ele não elaborou duas disciplinas com o objetivo de compatibilizá-las numa única teoria, mas construiu uma teoria que foi dividida em duas disciplinas; deu-se ênfase à macroeconomia porque Keynes havia mostrado que os resultados macro que obteve poderiam ser conjugados com diferentes hipóteses sobre a flexibilidade (ou rigidez) de preços e salários. Em consequência, pode-se afirmar que as descobertas micro novo-keynesianas são plenamente compatíveis com a macro de Keynes. Então, pergunta-se: novos-keynesianos têm uma agenda de pesquisa de uma nova teoria econômica ou, tão somente, de uma disciplina, a microeconomia? A resposta é: uma agenda de uma única disciplina! Afinal, permanecem válidos, para essa nova corrente, os resultados macroeconômicos apresentados pelos velhos-keynesianos para o curto prazo, assim como os resultados macro dos novos-clássicos para o longo prazo.

Essa nova corrente keynesiana traz consigo de positivo a busca de realismo para calçar as suas hipóteses quanto à rigidez de certas variáveis. Segundo Romer, o projeto novo-keynesiano deveria investigar se as imperfeições poderiam ser derivadas de “...hipóteses realísticas sobre o ambiente microeconômico...” e não hipóteses simplesmente “adotadas” (1993ROMER, D. (1996). “The new keynesian synthesis”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 5-22., p. 7). A busca de realismo e sua solução - expressos nos modelos de custo do menu, salário de eficiência, dentre outros - são atitudes que devem ser consideradas sempre válidas e necessárias. Contudo, no caso em questão não são capazes de constituir uma novidade em termos de resultados macroeconômicos. A novidade é o realismo aparecer como uma preocupação central no interior do mainstream. Afinal, o realismo de hipóteses e comportamentos não tem sido uma qualidade da ortodoxia, desde seus primórdios aos dias atuais, desde a moeda exclusivamente meio de troca (dos velhos-clássicos) ao viés inflacionário (dos novos-clássicos). Busca de realismo para as hipóteses: essa é a novidade apresentada pelo novo­keynesianismo à ortodoxia! É digno de destaque que, há décadas, Keynes já havia acusado a ortodoxia contemporânea de adotar hipóteses que não guardavam qualquer nexo realístico com a economia que realmente vivemos (Keynes, 1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., p. 3).

Dada a enorme distância existente entre a teoria econômica de Keynes e a dos novos-keynesianos, interpreta-se que esses últimos adotaram o adjetivo derivado do nome do economista inglês em um único sentido: keynesianos seriam todos aqueles que percebem a ocorrência de flutuações econômicas e de desemprego involuntário em ambientes nos quais os gostos e o estado tecnológico são mantidos constantes e as expectativas não são desapontadas. Portanto, Keynes seria sinônimo da identificação do problema e não do seu diagnóstico e da sua solução. É por isso que Mankiw (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 560) não considerou indispensável a leitura das obras de Keynes, tal como citado na epígrafe desse artigo. Novos-keynesianos, segundo Mankiw, estariam empenhados em “explicar o mundo e não em esclarecer os pontos de vista de um homem particular” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 560). Ele justificou por que considera dispensável a leitura da principal obra de Keynes: “ ...a General Theory é um livro obscuro: não tenho certeza se mesmo Keynes sabia exatamente o que realmente queria dizer. Ademais, depois de cinquenta anos de progresso na ciência econômica, a General Theory é um livro desatualizado” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 561).

Apesar de Mankiw não dar nenhuma importância ao modelo apresentado na General Theory, a teoria de Keynes é mais geral que a teoria novo-keynesiana. Uma teoria é mais ampla, isto é, capaz de analisar uma quantidade maior de situações econômicas, quanto menor é o número de hipóteses que adota. O número de hipóteses de um modelo está inversamente relacionado com a quantidade de contextos que pode ser explicado por esse modelo. Uma teoria que adote muitas hipóteses restringe o seu raio de ação. Esse é o caso da teoria novo-keynesiana (vis-à-vis o modelo original de Keynes exposto na General Theory) que seria incapaz de explicar a existência de variações do produto e do emprego em contextos de plena flexibilidade de preços e salários. Keynes prescindiu de qualquer imperfeição de mercado para explicar variações do produto e do nível de emprego. Nesse sentido, se a economia novo-keynesiana não é uma verdadeira representação das posições de Keynes, tanto pior para Mankiw.

Para se construir a última sentença do parágrafo anterior, parafraseou-se Mankiw que afirmou exatamente o oposto em uma passagem lapidar: “se a economia novo­keynes ana não é uma verdadeira representação das posições de Keynes, tanto pior para Keynes” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 560). Contudo, tal assertiva é coerente com o reconhecimento explícito de Mankiw de que a economia dos novos-keynesianos se parece muito com a economia dos adversários de Keynes, os velhos-clássicos. (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 563 e p. 565) Logo, entre Keynes e os novos-keynesianos não existe qualquer convergência, apenas conflitos. Pode-se concluir, em consequência, que o rótulo utilizado pela escola liderada por Mankiw e Romer é, no mínimo, inútil. Um novo vocábulo é necessário para expressar mais adequadamente os princípios dessa corrente. O próprio Mankiw, reconhecendo as dificuldades para adotar o adjetivo keynesiano, lamentou: “talvez nós necessitemos de um novo rótulo...” (1992MANKIW, G. (1992). “The reincarnation of keynesian economics”, European Economic Review, vol. 36, abril, pp. 559-65., p. 565).

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    O artigo analisa unicamente a corrente que é predominante entre os novos-keynesianos, cujos maiores expoentes são Gregory Mankiw e David Romer. Tal corrente dá ênfase à rigidez de preços e salários para explicar desequilíbrios macroeconômicos. Existe uma outra corrente novo-keynesiana liderada por Joseph Stiglitz que tem destacado a importância da pesquisa seguir outro rumo: o estudo dos mecanismos de racionamento de crédito (falhas de informação, seleção adversa, fator moral) e sua repercussão sobre o investimento e a demanda agregada. Essa última não será tratada no artigo.
  • 2
    O nível de produto que corresponde a um contexto de plena flexibilidade das variáveis preços e salários é considerado ótimo e, portanto, gera satisfação social máxima. A maioria dos modelos novos-keynesianos sempre parte de uma situação em que o produto estava em seu nível ótimo.
  • 3
    Gordon (1990GORDON, R. (1990). “What is new-keynesian economics?”, Journal of Economic Literature, vol. XXVII, setembro, pp. 1115-71., p.1136) já havia esboçado uma posição que parece ser idêntica a de Tobin, quando afirmou:”... é melhor considerar como a principal característica da economia [velho-] keynesiana o ajusta­mento gradual de preços e seu corolário que o produto e o emprego não são variáveis de escolha”. (grifou-se o original). Romer (1993ROMER, D. (1996). “The new keynesian synthesis”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 5-22., p. 5), provavelmente também concordando com Tobin, descreveu a economia velho-keynesiana utilizando os termos vagaroso e lento (slow e sluggish) para se referir às variáveis preço e salário. Não utilizou o termo rígido (sticky ou rigid) consagrado na literatura novo-keynesiana.
  • 4
    Essas palavras de Tobin contrariam frontalmente o que verdadeiramente está escrito na General Theory. Keynes apenas considerou que o regime competitivo entre firmas e, consequentemente, o grau de flexibilidade dos preços, era dispensável para explicar as flutuações econômicas. Vejam-se as palavras do próprio Keynes: “tomamos como dado(...) o grau de competição [e outros fatores](...). Isso não significa que supomos que sejam constantes; nós somente não estamos considerando os efeitos e as consequências que decorrem das suas variações.” (1973KEYNES, J. (1973). The general theory of employment. interest and money. The Collected Writings of John Maynard Keynes, vol. 7. Londres: MacMillan., cap.18, p. 245 - grifou-se o original). Posteriormente, Keynes no capítulo 19 da General Theory mostrou o funcionamento do seu modelo em um contexto em que preços e salários eram flexíveis.
  • 5
    Pode-se perceber que a solução desse sistema depende das inclinações relativas das duas curvas: a inclinação da curva de demanda deve ser menor que a da curva de oferta. Caso contrário, o princípio da demanda efetiva descreveria uma dinâmica da economia que careceria de realismo. Quando houvesse a expectativa de uma oferta superior à demanda, a região à esquerda do ponto A, haveria um incentivo para se reduzir a produção e, quanto maior fosse essa redução, maior seria o incentivo para a economia aumentar tal redução, até que a produção fosse nula. À direita de A, haveria o incentivo a aumentar a produção e quanto maior fosse esse aumento maior seria a demanda em relação à produção ofertada: quanto maior fosse a oferta, muito maior seria a demanda (uma super-lei de Say). Se as curvas tivessem, ambas, a mesma inclinação e fossem superpostas, a economia representada funcionaria de acordo com a lei de Say. E, curvas paralelas não-coincidentes seriam representativas de um sistema sem solução.
  • 6
    Uma discussão detalhada sobre o tema da preferência pela liquidez pode ser encontrada em Cardim de Carvalho (1992CARDIM DE CARVALHO. (1992). Mr. Keynes and the post keynesians. Cheltenham: Edward Elgar., cap.6).
  • 7
    Aqui não é o espaço apropriado para discutir em que condições uma política monetária expansionista seria (in)eficaz na visão de Keynes. Sobre esse assunto, ver Sicsú (1997aSICSÚ, J. (1997a). Eficácia e credibilidade da política monetária discricionária: uma abordagem keynesiana. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de Economia da UFRJ., cap. l) e Sicsú (1997bSICSÚ, J. (1997b). “Reputação das autoridades monetárias e credibilidade das suas políticas: uma abordagem pós-keynesiana”, Estudos Econômicos, 27(1), janeiro/abril, pp. 5-27.).
  • 8
    Ver, por exemplo, a posição adotada por A. Hansen (1953HANSEN, A. (1953). A guide to Keynes. Nova York: McGraw-Hill.) no prefácio do seu conhecido livro A Guide to Keynes. Ver, também, o artigo de Galbraith (1977GALBRAITH, J.K. (1977). “A chegada de Keynes à América”. In KEYNES, M. (org.). Ensaios sobre John Maynard Keynes. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) que relata a empolgação dos velhos-keynesianos americanos com a General Theory durante as décadas de 1940/50/60.
  • 9
    Atualmente velhos-keynesianos também já admitem que suas teorias têm pouco compromisso com os escritos originais de Keynes. Tobin, por exemplo, afirmou que não “defende o texto literal da General Theo y” (1993TOBIN, J. (1993). ‘’Price flexibility and output stability: an old keynesian view”, Journal of Economic Perspectives, 7(1), inverno, pp. 45-65., p.46).
  • 10
    Os argumentos relativos à dificuldade de percepção dos verdadeiros eventos econômicos por parte dos policymakers, o que impediria a mensuração da intensidade de utilização dos instrumentos fiscais e monetários, são de Friedman (1968FRIEDMAN, M. (1968). “The role of monetary policy”, American Economic Review, março, pp. 1-17. e 1984FRIEDMAN, M. (1984). Capitalismo e liberdade. São Paulo: Abril Cultural.).
  • 12
    JEL Classification: B22; E12; B41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1999
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