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Deriva e desterritorialização no processo de escrita dramatúrgica Odisseia 116

Drift and deterritorialization in the dramaturgical writing process Odisseia 116

Resumo:

O presente artigo é uma análise do processo de escrita da dramaturgia Odisseia 116 a partir de uma viagem de ônibus entre o Rio de Janeiro e o Iguatu, interior do Estado do Ceará e minha terra natal. A dramaturgia se estruturou sobre uma tríade: as características autobiográficas, a possibilidade de entrevistar pessoas e fotografar as paisagens em viagem e a Odisseia homérica. Como metodologia, opto pela cartografia a partir da teórica Suely Rolnik, compreendendo os dois atos estéticos sobre os quais me debruço: viagem e dramaturgia. Articulo questões de desterritorialização, deriva e identidade. Como conclusão, pontuo que as leituras para a feitura deste artigo têm retroalimentado a minha escrita dramatúrgica.

Palavras-chave:
viagem; dramaturgia; deriva; desterritorialização; identidade

Abstract:

This article is an analysis of the writing process of the dramaturgy Odisseia 116 from a bus trip between Rio de Janeiro and Iguatu, in the interior of the State of Ceará and my homeland. The dramaturgy was structured on a triad: the autobiographical characteristics; the possibility of interviewing people and photographing landscapes while traveling and the Homeric Odyssey. As a methodology, I opt for cartography based on the theoretical Suely Rolnik, comprising the two aesthetic acts on which I focus: travel and dramaturgy. It articulates issues of deterritorialization, derivation and identity. In conclusion, I point out that the readings for the writing of this article have fed back my dramaturgical writing.

Keywords:
travel; dramaturgy; drift; deterritorialization; identity

Introdução

No ano de 2014, portando algumas roupas e poucos livros carregados em uma mala pequena, deixei a cidade de Iguatu - CE1 1 Iguatu é uma cidade do interior do Estado do Ceará, com aproximadamente cem mil habitantes, que figura entre as cidades mais quentes do país e por onde passa o Rio Jaguaribe, reconhecido por ser o maior rio seco do mundo. , minha terra natal, para estudar teatro no Rio de Janeiro. Esta viagem, feita de ônibus em três dias pela BR-1162 2 Segundo os autores Edilson Pizzato e Daniel Nery dos Santos, no artigo intitulado "Aspectos Geológicos e Emergências Químicas em Grandes Rodovias: O Caso da BR-116, Trecho da Cidade de Guarulhos (SP) Brazil (2018)", a BR-116, também conhecida como Rodovia Presidente Dutra, é a mais importante e mais extensa rodovia totalmente pavimentada no Brasil, compreendendo uma extensão de aproximadamente 4.513 km, com início na cidade Fortaleza-Ce e término na cidade de Jaguarão-RS (Pizzato, Santos, 2018). , envolvia não um deslocamento apenas, mas um destino para quem estava à deriva.

A viagem, que apontava para a cidade do Rio de Janeiro, não se limitava mais à grande cidade, pois esta já não era mais para mim a cidade maravilhosa retratada nas novelas e nas músicas, mas seria uma cidade vivenciada no dia-a-dia. Dentro do Rio de Janeiro, eu precisava elaborar estratégias onde coubesse o Ceará, dentro dele minha cidade Iguatu e dentro desta eu, indivíduo errante e à deriva, que neste trânsito e viagem começa a perceber a própria transformação da sua identidade, sua instabilidade e, logo, o movimento dinâmico em que esta se dá.

Nunca pensei que ficar longe da minha terra, amigos, familiares e paisagens que conhecia seria um grande peso para mim, como em alguns momentos foi. Em 2016, tinha em mente que “voltar poderia ser um caminho possível”. Foi pensando na possibilidade de retorno e de reestabelecimento da paz exterior e interior, que a Odisseia homérica pareceu uma epopeia estreitamente relacionada ao meu desejo de voltar3 3 As referências aqui utilizadas sobre a Odisseia homérica vêm da tradução da obra de Cristian Werner intitulada "Odisseia: Homero" (2014), bem como referências, imagens, debates e contextualizações presentes na obra de Pierre Vidal-Naquet intitulada "O Mundo de Homero" (2002). .

Admito que neste primeiro momento a vontade de voltar não foi problematizada com a profundidade que merecia. Voltar para onde? Seria o voltar para uma mesma imagem deixada há três anos, uma possibilidade? É importante entender que a ideia de voltar enquanto resgate possível não se estabelece. Isto porque a viagem, outrora realizada por mim como uma pessoa em mudança para estudar na cidade do Rio de Janeiro em 2014, era substituída pelo retorno de um artista-pesquisador que, com uma câmera na mão, pretendia fotografar e entrevistar pessoas durante o percurso.

Este artigo parte de um projeto de viagem de retorno intitulado Odisseia 116, com o intuito de disparar uma escrita dramatúrgica de mesmo nome4 4 Outros conceitos foram refletidos a partir da viagem e dramaturgia Odisseia 116, e disponibilizados. O debate sobre trauma na elaboração da dramaturgia Odisseia 116 pode ser encontrado na Revista Cena, no Dossiê "Arte e Trauma", no artigo de minha autoria intitulado "O Trauma e a Cicatriz na escrita da Odisseia 116" (2021c). Neste artigo, debato as questões de trauma e cicatriz a partir de um diálogo que atualiza questões postas por Walter Benjamin quando o mesmo pensa o trauma da guerra. No artigo, reflito sobre outros fragmentos de dramaturgia, trabalhando a partir de aproximações e distanciamentos (Lopes, 2021c). No artigo de minha autoria intitulado "Aspectos cartográficos das peças Odisseia 116 e BR3" (2021a), tracei também um debate sobre cartografias possíveis entre a escrita da Odisseia 116 e a peça BR3 do grupo teatro da vertigem de São Paulo a partir de entrevistas realizadas por mim com o diretor Antônio Araújo e Bernardo Carvalho (Lopes, 2021a). Já no artigo Reflexões sobre paisagens e fotografias da Odisseia 116 de minha autoria, levantei mais especificamente o debate e exposição de algumas fotografias do processo de viagem em diálogo com a escrita dramatúrgica (Lopes, 2021b) . Tal dramaturgia é alicerçada por uma tríade: questões autobiográficas, a Odisseia homérica como obra inspiradora e fotografias e entrevistas feitas em viagem. As entrevistas eram realizadas dentro do ônibus ou nas paradas das viagens com nordestinos em migração ou em viagem de retorno. A maior parte das entrevistas foi cedida por mulheres.

Utilizo no presente artigo a metodologia cartográfica, percebendo que no processo de viagem, as imagens, paisagens, pessoas e fronteiras estão em constante transformação, pautando-me na teórica Suely Rolnik (1989ROLNIK, Suely. Cartografia ou de como pensar com o corpo vibrátil. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989.). A cartografia neste trabalho aponta possibilidades sensíveis de uma escrita disparada a partir da viagem de retorno para casa. Neste sentido, processo criativo e conceituação teórica se retroalimentam.

Na obra intitulada Cartografia ou de como pensar o corpo vibrátil, Suely Rolnik (1989ROLNIK, Suely. Cartografia ou de como pensar com o corpo vibrátil. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989.) diferencia cartografia de mapa. Para a autora, a cartografia é um desenho que acompanha a transformação da paisagem. Já o mapa seria a paisagem estatizada (Rolnik, 1989ROLNIK, Suely. Cartografia ou de como pensar com o corpo vibrátil. São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989.). O conceito de cartografia, neste sentido, é mais pertinente para o projeto Odisseia 116 do que o de mapa.

No artigo escrito por Otavio Miguel Chaves de Sousa e Renato Ferracini, intitulado Por uma Investigação em Artes Cênicas: um caminho cartográfico possível (2019CHAVES DE SOUSA, Otavio Miguel; FERRACINI, Renato. Por uma Investigação em Artes Cênicas: um caminho cartográfico possível. Urdimento, v. 1, n. 34, p. 378-395, 2019.), os autores defendem que a cartografia, para além de um método, é um conceito que tem sido frequentemente utilizado no Brasil em investigações do campo acadêmico. Tais pesquisas aparecem com mais frequência na área da psicologia e na área artística. Foi elaborado pelos filósofos Gilles Deleuze e Felix Guattari, buscando não acompanhar os percursos da pesquisa e não apresentar um objeto finalizado (Chaves de Sousa, Ferracine, 2019CHAVES DE SOUSA, Otavio Miguel; FERRACINI, Renato. Por uma Investigação em Artes Cênicas: um caminho cartográfico possível. Urdimento, v. 1, n. 34, p. 378-395, 2019.).

Desenvolvimento: Deriva para a desterritorialização

Em Walkscapes, o caminhar como prática estética, Francesco Careri (2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013.) propõe o caminhar como forma de criar a paisagem e não somente de vê-la. Apropria-se assim da deriva, pois percebe a errância como arquitetura da paisagem e o caminhar como forma de intervenção urbana. Caminhar seria, na visão do autor, uma prática de arte e de intervenção estética. O autor faz um grande passeio histórico, percorrendo desde as primeiras civilizações nômades até a Land Art 1960/1970, e tendo como recorte viagens a pé ou de carro (Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013.). Refletirei aqui sobre a escrita da minha dramaturgia Odisseia 116 a partir de alguns exemplos citados pelo autor.

Careri aborda uma ruptura importante para o ato de caminhar como prática estética, que é o fazer do grupo Stalker, um grupo de jovens parisienses que decide romper as barreiras dos trajetos tradicionais e turísticos da cidade para caminhar por ruas marginalizadas de Paris, espaços estes que seriam mutantes, em constante transformação (Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013.). Acredito que meu interesse na dramaturgia Odisseia 116 também caminhe pelas margens do que se compreende como espaço turístico no Brasil. Digo isto pelo fato de que, apesar das belas paisagens e fotografias e além da relevância que a BR-116 tem para o Brasil, o viajar pela BR não se configura como uma viagem reconhecidamente turística. Isto se deve aos altos índices de assaltos na estrada e partes esburacadas da mesma, além da falta de estrutura de muitas rodoviárias. Esta viagem é empreendida predominantemente pelas pessoas em êxodo.

Realizar esta viagem, enquanto dramaturgo, me tira do eixo cotidiano que é o Rio de Janeiro e me desestabiliza na tentativa de retorno. Perceber-se em dinâmica assim como as paisagens que se constroem e se desfazem em frente aos meus olhos, desloca também meu modo de escrever.

Ocupar o lugar de viajante me faz estar intimamente ligado aos pontos de partida (Rio de Janeiro - RJ) e chegada (Iguatu - CE). Estar entre dois lugares me proporciona maior dinamismo, haja visto que neste momento não estou circunscrito a esta ou àquela cidade, ao ponto final ou inicial, mas a ambos. O trânsito borra as fronteiras da minha espacialidade. No lugar de passagem sou uma coisa e outra. Neste sentido, tanto eu quanto os entrevistados somos partida e chegada, mas somos, além disto, trânsito.

Para o grupo Stalker, as ruas não conduziam a lugares, elas mesmas eram lugares. Os percursos de caminhada escolhidos por eles eram também lugares às margens das artérias das cidades e da comunicação (Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013.). Esta é uma grande questão para mim no desenvolvimento da dramaturgia. Estabelecer o trânsito como lugar potente e possível para a elaboração de escrita dramatúrgica. Um espaço com traços e características que o tornam único, assim como os espaços arquitetônicos, tradicionalmente estáticos. De acordo com Careri:

Foi só no último século que o percurso, ao se desvincular da religião e da literatura, assumiu o estatuto de puro ato estético. Hoje se pode construir uma história do caminhar como forma de intervenção urbana que traz consigo os significados simbólicos do ato criativo primário: a errância como arquitetura da paisagem, entendendo-se com o termo paisagem a ação de transformação simbólica, para além da física, do espaço antrópico. (Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013., p. 28)

A transformação do espaço antrópico acontece quando a reelaboração da paisagem se dá pelo ato artístico, tanto na intervenção que o artista faz no espaço, quanto na paisagem elaborada como utilização ou mesmo inspiração da obra artística. Esta dinâmica também está ligada ao fato de, ao se fazer uma grande viagem, não há como reconhecer todas as paisagens, característica que nos faz sair do espaço de conforto:

Perder-se significa que entre nós e o espaço não existe somente uma relação de domínio, de controle por parte do sujeito, mas também a possibilidade de o espaço nos dominar. São momentos da vida em que aprendemos a aprender do espaço que nos circunda (...) já não somos capazes de atribuir um valor, um significado à possibilidade de perder-nos. (La Cecla, 1988, apud Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013., p. 48)

Ser dominado pela paisagem é uma constante na viagem. Os espaços reconhecidos são apenas uma distante lembrança. Na dramaturgia, tento fazer com que esta oposição entre o reconhecimento e o não reconhecimento, descrição e distorção da imagem, fique cada vez mais presente e pulsante, atravessando assim o horizonte, aproximando-se do meu olhar e, logo em seguida, atravessando o meu corpo em maior ou menor proporção. As paisagens, neste sentido, me encantam e me inspiram em sua potência estética e por vezes me tiram do eixo também, como fica evidente no trecho da dramaturgia que se segue:

Eu estou neste movimento porque eu não consigo... Existe uma janela. Um vidro entre mim e o horizonte. Todas as imagens, todas as paisagens são dinâmicas, são móveis. São imagens em devir. Elas vão se transformando com muita velocidade. Há um movimento duplo acontecendo dentro de mim. O primeiro deles me chama a observar as pessoas dentro do ônibus e o segundo me puxa para fora com uma força descomunal, para um horizonte muitas vezes úmido, frio, nebuloso, outras árido, seco, castigado, engraçado, colorido, obscuro, nostálgico. É então que sem perceber, minha mão tocava a janela do ônibus. Como se através do tato do vidro transparente, eu conseguisse sentir a imagem. Sabe, senti-la se formando, se embaçando, se deformando, deixá-la ficar para trás ou muitas vezes segui-la até o último suspiro. Era com a mão na janela transparente que se completava meu toque. Era assim que eu conseguia ser parte daquela imagem. Era assim que fazia daquela janela não o meu muro, mas o meu instrumento... A cada parada uma bagagem ia embora e outra entrava. Mais olhos se aproximando, outros então se distanciavam e neste momento os dois movimentos se encontravam. Sim, porque aquele que antes estava dentro do ônibus sendo entrevistado, agora era parte da imagem lá de fora, na mesma dinâmica, é difícil lidar com a perda. (Lopes, 2017, p. 5)

Na Odisseia homérica, são as paisagens que muitas vezes fazem com que Odisseu siga um caminho determinado ou mesmo mude a sua rota. No seu encontro com as sereias (sirenas), Odisseu vive a contradição de se apaixonar por uma paisagem ao mesmo tempo em que não pode segui-la, tendo em vista que isto causaria seu afogamento. Ele se torna então um espectador amarrado no mastro apaixonado pela paisagem e ao mesmo tempo temendo-a.

Para Careri: “Com as visitas do dada e com as subsequentes deambulações dos surrealistas, a ação de percorrer o espaço será utilizada como forma estética capaz de substituir a representação e, por isso, de atacar fortemente o sistema de arte” (Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013., p. 71). Ao mesmo tempo que o caminhar se afirma como ação estética, ele também se elabora como anti-arte.

É à deriva que Tony Smith viaja em seu carro numa estrada em construção em dezembro de 1966. Esta experiência é considerada por muitos como o início da arte minimalista norte-americana. Smith, a partir desta experiência, denomina sua sensação de êxtase incontrolável de “o fim da arte”. Uma questão se colocava para Smith: a estrada é ou não uma obra de arte? Duas possibilidades são então colocadas: a estrada como objeto de atravessamento e o próprio atravessamento como experiência e atitude que toma forma (Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013.). Na minha dramaturgia, tendo a ser mais suscetível à possibilidade de uma escrita que toma o atravessamento como atitude e forma; podendo, ao mesmo tempo, reelaborá-la. Nas palavras de Smith:

A estrada constituía uma grande parte da paisagem artificial; mas não se podia qualificá-la como obra de arte... a experiência que eu tinha vivido na estrada, por mais precisa que tivesse sido, não era reconhecida socialmente. Eu pensava comigo: claro que é o fim da arte. A maioria dos quadros parecia petrificadamente pictórico depois disso. Era impossível pôr aquilo num quadro, era preciso vivê-lo. (Wagstall, Samuel, 1966, apud Careri, 2013, p. 115CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013.)

Há um impulso, um desejo de sair dos espaços tradicionais e, por este desejo, se reconhece a estrada como lugar estético. Valorizar a experiência de viagem e mais, valorizar a experiência em si, é um ato político que permite criticar os espaços artísticos predominantes e o discurso vigente que privilegia artistas e intelectuais específicos. A possibilidade de sermos dominados pelas paisagens em viagem como objeto estético é também uma possibilidade de enfrentamento no mundo das artes, ressaltando o espaço público e comum. Tendo como exemplo a experiência de Smith, posso afirmar que, antes mesmo dos primeiros esboços de dramaturgia, já a partir da viagem, eu vivia uma experiência estética.

Assim como Careri, Merlim Coverley (2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. ) ressalta o valor estético do ato de caminhar em A arte de Caminhar: o escritor como caminhante. No entanto, Coverley volta-se mais para a relação entre o caminhar e o ato de escrever, diferentemente de Careri, cujo foco é a arquitetura e as artes visuais. De acordo com Coverley:

O ato de caminhar assume um papel altamente significativo, na verdade, essencial, tornando-se o meio pelo qual os seres humanos aprendem a entender o mundo à sua volta enquanto passam por ele, e a marca que deixam atrás de si não é registrada apenas nos caminhos que deixam em suas esteiras, mas também nas histórias orais e nos textos por meio dos quais essas ações são registradas. (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , p. 13)

Tanto para Coverley quanto para mim na elaboração dramatúrgica, o rastro não se consolida apenas como pegada, mas se expande através da palavra, da narrativa, da entrevista. O interesse de captar e de me inspirar nos depoimentos de pessoas que também estão em viagem, dinamiza no meu fazer outras formas de compreensão e entendimento desta viagem que antes era tão individual para mim. Estas compreensões diversas aparecem na dramaturgia recriadas, justapostas e fragmentadas.

Para Coverley (2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. ), o fato de se estar na estrada e em trânsito configura-se já como um ato estético. A seu ver, cada caminhar pode ser compreendido como a narrativa elaborada pelo caminhante. Na Odisseia 116, parto de um ato estético que é o ato de viajar, para a elaboração de um segundo ato estético, que é a dramaturgia. Não me interessa mapear a viagem ou mesmo elaborar uma narrativa tradicional, mas tentar compor artisticamente a partir dos dois atos estéticos, que são a estrada e a escrita dramatúrgica. Assim como na Odisseia homérica, as viagens estão permeadas de narrativas. Estas narrativas ouvidas, expostas ou percebidas são potentes em criatividade e imaginação, e ver como cada pessoa relata e edita sua fala é um dos grandes interesses no projeto Odisseia 116.

Coverley remete à Odisseia homérica como um dos grandes cânones clássicos do ato de caminhar. Na obra, o caminhar ocupa um papel que serve muito mais à funcionalidade literária do que a questões filosóficas. Questões como o ritmo de caminhar são mais importantes e dinamizam o texto (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. ). Não somente o ato de caminhar, mas as tentativas de retorno de Odisseu, suas caminhadas na ilha de Calipso e o constante apagamento de seus rastros na areia do mar, suas derivas e o reconhecimento de sua identidade por meio de uma cicatriz que o associa a uma caçada de javali. Todas estas são diferentes formas em que o caminhar se estabelece no texto. A viagem e o movimento na narrativa são quase incessantes. Na dramaturgia Odisseia 116, meu desejo é que o ato de viajar seja uma questão filosófica, então a vivo ao mesmo tempo em que penso sobre, confronto a viagem, desmitifico o retorno e por vezes deixo que a paisagem seja o meu próprio corpo, onde há espaço para uma estrada e para um rio:

Não, não quero falar nada não, só tô um pouco cansado. Tem cachaça ainda? Me vê duas doses. Eu tô vindo de Iguatu. Iguatu não chove, é seco, cidade quente da peste. Já tô viajando há um dia já, indo pro Rio de Janeiro pra tentar trabalhar de servente porque a minha cidade não presta. Em Iguatu eu trabalhava de agricultor. Mas não chove. Disseram que ia passar um rio por lá. Passou? Hum, o maior rio do mundo. Você sabia? Sabia que o rio Jaguaribe que passa lá no Iguatu é o maior rio do mundo? O maior rio SECO do mundo. Cidade quente da peste. Eu queria mesmo era só encontrar uma vida melhor do que a vida que eu vivo. (Lopes, 2017, p. 5)

Esta citação da dramaturgia Odisseia 116 é de uma cena baseada em uma das entrevistas feitas em viagem. O entrevistado era um agricultor que repetiu no seu depoimento algumas vezes que Iguatu “não prestava” por ser quente, seco e não ter emprego.

Pensando sobre a biografia de Rousseau e seu insistente ato de caminhar e de se colocar em movimento, Coverley escreve: “Num ato de extraordinária impulsividade, deu as costas à sua cidade natal e abandonou a vida que levara até então para começar um longo período itinerante... Enquanto caminhava e trabalhava, passou por experiências que moldariam o seu caráter e a sua obra” (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , p. 24). Minha biografia também carrega traços itinerantes, pois quando decidi vir para o Rio de Janeiro morar e estudar teatro, tomei esta decisão em menos de um mês. Distanciei-me de família e amigos, mudando de cidade sem me despedir de ninguém. O fato que também reverbera na dramaturgia é um ponto-chave da minha viagem, já que minha mudança se tratava exatamente disto, pois queria viver a autonomia e sentir o peso das minhas escolhas. Aquele era o momento em que eu precisava partir sozinho e acredito que este fato tenha sido essencial para que eu optasse em refazer a viagem como objeto de pesquisa estética anos depois.

Segundo CoverleyCOVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , Rousseau nutria constante desejo de fuga (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. ). No meu caso também há um desejo de fuga. Não como paranóia, mas como tentativa de desterritorializar-me, sair da minha zona de conforto, entrar num lugar de desequilíbrio, de instabilidade, a fim de possibilitar novas elaborações pessoais e estéticas.

Coverley debruça-se ainda sobre o caminhar imaginário. Para ele, este tipo de viajante ultrapassa os limites de espaço e tempo. A viagem na poltrona é também um tipo de caminhada. A caminhada pode ser feita dentro do próprio quarto, como no caso da prisão domiciliar de De Maistre, que deu origem ao livro Viagem em volta do meu quarto. Para De Maistre, o prazer da viagem estava mais na atitude mental do que no destino de viagem (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. ). A viagem que ocorre em Odisseia 116 relaciona-se com o deslocamento de três dias de percurso, mas, ao mesmo tempo, boa parte deste deslocamento é feito na poltrona, tendo um espaço mínimo de locomoção, que se resume praticamente a um corredor e um banheiro. A viagem trazia o movimento, mas, ao mesmo tempo, a poltrona me lembrava o fato de estar também submetido a certa passividade no percurso do ônibus. Por fim, chego em casa com certa liberdade, porém os traços da experiência me prendem por instantes àquele espaço a ponto de eu não conseguir falar. Meu espaço de liberdade e fabulação se torna também, por alguns instantes, uma prisão domiciliar.

Na relação do espaço e da caminhada com a identidade, é Virginia Woolf quem percebe o deslizamento da identidade com o ato de caminhar. Segundo Coverley, em 1931 “Woolf volta à ideia de sua identidade como algo maleável e transitório. Em que o ato de caminhar incita um processo pelo qual o observador se torna uma tela na qual podem então ser registradas impressões das ruas de Londres” (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , p. 155). Tal deslizamento se dá sempre, neste caso, na relação entre identidade e espaço. Havia um interesse em perder a identidade na multidão, mesmo que por um curto espaço de tempo. Estar sozinho na multidão. Anular-se para absorver a experiência da rua. Na viagem do projeto Odisseia 116, este apagamento para ouvir o outro foi constantemente necessário e é interessante pensar que, para além das narrativas em entrevista, as próprias impressões, indicações e sugestões da viagem estão muito presentes na dramaturgia:

Cuidado, cuidado com as malas. Pode, pode subir sim, mas bem devagarzinho. Devagar cão. Esta aqui você leva com cuidado. Com cuidado. Cuidado com o pão infeliz. Cuidado que vai amassar. Ai meu deus, vai virar farinha (luz acende). Esta fala foi de uma senhora que subiu no ônibus na Bahia. Ela tinha uns 92 anos. Subiu com um pouco de dificuldades. Minha surpresa foi maior quando logo atrás subia a mãe desta senhora, que pelas minhas contas deveria ter 139 anos, ela mal falava. Vinha subindo com a ajuda do motorista, aquele que há pouco foi chamado de cão e infeliz. Diferente das outras pessoas que foram entrevistadas, eu preferi somente observá-las, não sei o nome delas, a idade real. Sei somente que subiram numa cidade do interior da Bahia e desceram no Rio de Janeiro. Numa das paradas, a senhora que era filha estava fumando um cigarro e eu ouvi quando um dos motoristas perguntou: está fumando aí para não fumar perto da sua mãe, não é? Ela prontamente com uma cara de pouca paciência, respondeu: Hum, ela também fuma! A última lembrança que tenho delas foi à noite. O ônibus estava escuro e eu estava quase dormindo quando vi a pequena luz nas suas poltronas. Estavam com uma caixa de plásticos destas que guardam botões, só que cheia de remédios. Era bonita aquela imagem porque numa penumbra se via somente a silhueta, a caixa de remédios e os cabelos brancos da mãe e da filha. Então, elas se drogaram pela última vez naquela noite e dormiram. (Lopes, 2017, p. 6)

A cena em questão foi baseada na observação de duas senhoras que se sentaram perto da minha poltrona, mas não foram entrevistadas. O termo psicogeografia, defendido por Guy Debord, surge no campo da geografia em 1955 e é um dos termos mais utilizados para tratar da caminhada como prática estética e política. Para Debord:

A psicogeografia poderia estabelecer para si o estudo das leis precisas e dos efeitos específicos do ambiente geográfico, conscientemente organizado ou não, sobre as emoções e os comportamentos dos indivíduos. O adjetivo “psicogeográfico”, conservando uma vagueza bastante agradável, pode assim se aplicar às descobertas a que se chegou com esse tipo de investigação, à sua influência sobre os sentimentos humanos e até, de modo mais geral, a qualquer situação ou conduta que pareça refletir o mesmo espírito de descoberta. (Debord, Guy, 1981, apud Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , p. 174)

No percurso do projeto Odisseia 116, seis estados brasileiros e inúmeras cidades têm suas linhas geográficas delimitadas em qualquer mapa do Brasil. A BR-116, que atravessa tais estados, também está no mapa. No entanto, na experiência de que trato aqui, este mapa dança. No movimento do ônibus, os limites são borrados entre uma e outra entrevista, entre uma e outra observação. Não somente os espaços, mas as pessoas são igualmente borradas, profundas e complexas: nordestinos com sotaque do Sudeste, nordestinos que nunca foram a uma cidade grande ou mesmo estiveram em um shopping, pessoas que moram no Sudeste e voltam para matar a saudade de sua terra natal, trazendo alegria e tristeza na complexidade de suas experiências como a forte imagem do retorno de Odisseu para Ítaca. Por fim, eu enquanto artista neste processo também me complexifico para além de uma dramaturgia a ser elaborada, conseguindo perceber no meu retorno uma amplidão de possibilidades. Antes de qualquer elaboração dramatúrgica, a viagem já se consolida como uma experiência estética em si.

Segundo Coverley (2014)>COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , a psicogeografia necessita da deriva como ferramenta, pois há uma necessidade de desterritorialização do espaço comum para que zonas emocionais comecem a comunicar-se com o mesmo. Neste aspecto, acredito que a psicogeografia aproxima-se da arte, na tentativa de desestabilização dos indivíduos a fim de causar-lhe sensações e emoções. De acordo com o autor:

A principal ferramenta à disposição do psicógrafo, afirma Debord, é o deslocamento sem objetivo, ou deriva, que capacita seu participante a averiguar a verdadeira natureza do ambiente urbano enquanto passa por ele. Por conseguinte, zonas emocionais que não podem ser determinadas apenas pelas condições arquitetônicas ou econômicas devem ser reveladas pela deriva. (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , p. 174)

No entanto, a deriva não se configura como completa subjetividade e submissão ao acaso, “o dériveur realiza uma investigação psicogeográfica, e se espera que ele volte para casa tendo observado o modo como as áreas atravessadas ressoam com estados de espíritos e ambiente particulares” (Coverley, 2014COVERLEY, Merlin. A arte de caminhar: o escritor como caminhante. Trad: Cristina Cupertino. São Paulo: Martins Fontes, 2014. , p. 175). Por mais que a dramaturgia do projeto Odisseia 116 seja um processo estético, percebo como as áreas atravessadas ressoam no meu corpo e na minha escrita. A necessidade de voltar como fim da viagem me demanda um tempo para entender esta deriva e reelaborá-la em função da minha escrita, tempo este que classifico como caótico e de crise, mas de extrema relevância para encontrar novas formas de criar dramaturgicamente.

A deriva sustenta um desejo, uma experiência e um retorno. Para contrapor o desejo de derivar como instrumento psicogeográfico, pode-se pensar na migração, que na maior parte das vezes é movida não pelo desejo de viagem, mas por sua necessidade. Apesar da deriva se aproximar da migração em alguns aspectos, esta última é informada por questões de ordem econômica, social e política.

No ensaio Migrants: Workers of Metaphors, Néstor Gárcia Canclini (2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011.) aborda a migração não como desejo ou mesmo experiência, mas como um ato radical, onde estão implicadas não somente mudanças estruturais e do próprio espaço, como também da língua, onde até dentro de um mesmo país atribuem-se novos significados a palavras conhecidas ou elaboram-se novas palavras. Esta mudança não é somente estrutural e espacial, mas também simbólica (Canclini, 2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011.). A migração enquanto desterritorialização é uma forte prática das populações do Nordeste brasileiro. Por ser de lá, convivo com tal prática e acompanho-a de perto desde criança. Uma das minhas irmãs, inclusive, saiu de casa aos quinze anos para trabalhar em São Paulo. A necessidade e não o desejo a fez sair, pois o clima, as dificuldades no campo da educação e a empregabilidade escassa não são garantias de um futuro estável e são as principais razões para que a migração ocorra.

Canclini tenta então perceber as características e implicações da migração para além de sua estrutura econômica e política, partindo da viagem como metáfora para ultrapassar os conceitos unívocos geralmente relacionados aos aspectos científicos da migração. Neste sentido, interessa-se pelo que poderia ser transmitido no contato das artes com o processo migratório (Canclini, 2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011.). Na dramaturgia Odisseia 116 articulo as informações e experiências migratórias não como uma elaboração histórica, mas na polissemia significante em que me inspiro com a viagem. Tento aproximar-me dos processos migratórios para uma escrita dramatúrgica, inspirando-me a partir das observações e entrevistas.

Canclini interessa-se em borrar as fronteiras entre duas lógicas: a dos fatos e da ficção, partindo do pressuposto que cientistas se utilizam de metáforas na sua prática de elaboração, assim como artistas utilizam-se de conceitos para organizar suas representações, transformando suas intuições em linguagem, contrastando-as com as experiências. O fazer artístico, diferentemente do científico, interessa-se pela incerteza (Canclini, 2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011.). A lógica de inteligibilidade factual se reelabora na estética. Neste sentido, a metáfora é o instrumento para salientar a impossibilidade das fronteiras espaciais e a sua diluição. A estética, além de reelaborar novas percepções da realidade, denuncia a impossibilidade de uma percepção fechada, tendo em vista que os espaços são porosos e dinâmicos.

Canclini discute o exemplo de migração dos mexicanos para os Estados Unidos, refletindo sobre seus efeitos econômicos e políticos, mas reflete também sobre a troca de informações e de experiências entre os que migram e os que ficam, ressaltando o valor das comunidades transacionais, comunidades estas que estão em comunicação constante (Canclini, 2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011.). Este processo de maior proximidade se dá pela crescente popularização tecnológica. Na viagem do projeto Odisseia 116, mesmo sendo uma viagem realizada dentro do mesmo país, esta relação de ligação entre diferentes comunidades também se dá. As constantes ligações e vídeo-chamadas dos passageiros durante o percurso para seu local de origem ou para seu destino final demonstram a troca de experiências durante o percurso, além de intimidade quase que cotidiana entre os passageiros e seus familiares.

Para Canclini, a passagem do moderno para o pós-moderno pode ser pensada no campo da arte como a passagem de uma identidade estética profunda e localizada para uma estética nômade. Segundo o autor, não há espaço na pós-modernidade para uma estética localizada e folclórica, uma identidade ou mesmo a ideia de cultura nacional perdem espaço. Para a pós-modernidade, o desfoque dos limites preenchia o caráter ordinário das sociedades, surgindo então uma poética do trânsito (Canclini, 2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011.). O fazer estético do projeto Odisseia 116 aproxima-se assim de uma corrente que se coloca como nômade na arte contemporânea, que percebe potência, narrativa e experiência nos processos de migração e busca criar a partir desta dinâmica. Mesmo com estes dados, os artistas que tomam como referência a migração, o êxodo e a viagem no teatro contemporâneo brasileiro ainda são poucos, fator que contribui para certa invisibilidade histórica e estética dessas manifestações.

Outros campos como a literatura, o cinema, a performance e as artes visuais já demonstram um interesse bem maior para este tipo de criação artística que surge a partir da viagem como prática estética. Um estudo bem oportuno sobre tais práticas foi realizado por Caren Kaplan no livro Questions of Travel (2000KAPLAN, Caren. Questions of Travel: postmodern discourses of displacement. 3ª edição, Londres: Duke University press, 2000.), onde a autora busca perceber o deslocamento de significado dos conceitos: êxodo, imigração, turismo, exílio e viagem, na modernidade e na pós-modernidade, não como um período que segue o outro, mas como períodos justapostos. A autora é influenciada por questões autobiográficas para estabelecer a justificativa da pesquisa deste livro. Com familiares em três continentes diferentes, a viagem e a comunicação por cartas fez parte de sua formação. A viagem era necessária para estabelecer o amor, a amizade e o trabalho. A autora tinha familiares argentinos, sul-africanos e israelenses. (Kaplan, 2000KAPLAN, Caren. Questions of Travel: postmodern discourses of displacement. 3ª edição, Londres: Duke University press, 2000.).

Kaplan argumenta que a distância é uma perspectiva e que a diferença pode levar ao insight. A época moderna era atraída pela experiência de distância e do estranho. Os europeus e americanos buscavam o exílio como forma de produzir arte. Para a autora: “Na crítica literária, o modelo de autor ou crítico era o do homem que se exila sozinho, que se coloca em deslocamento” (Kaplan, 2000KAPLAN, Caren. Questions of Travel: postmodern discourses of displacement. 3ª edição, Londres: Duke University press, 2000., p. 8)5 5 Tradução minha. . Segundo a autora, o exílio relacionava-se às práticas artísticas, enquanto o turismo, que surge como conceito mais fortemente na pós-modernidade, atribui-se às intenções comerciais:

As definições coesas do exílio e do turismo sugerem que elas ocupam pólos opostos na experiência moderna de deslocamento: o exílio emprega coerção; o turismo celebra escolhas. O exílio conota o estranhamento do indivíduo de uma comunidade original em escala global. Desempenha um papel nas narrativas de formação política da identidade cultural na cultura ocidental que se estendem desde a era helênica. O turismo anuncia o pós-modernismo. É um produto da ascensão da cultura do consumidor, do lazer e da inovação tecnológica. Culturalmente, o exílio está implicado nas formações artísticas modernistas. Enquanto o turismo demonstra as posições muito observadas, a marca de tudo o que é comercial e superficial. (Kaplan, 2000KAPLAN, Caren. Questions of Travel: postmodern discourses of displacement. 3ª edição, Londres: Duke University press, 2000., p. 2)6 6 Tradução minha.

Talvez aqui os imigrantes estejam mais próximos do sujeito exilado, pois são forçados a deixar seus lugares natais devido a questões estruturais e políticas que os fazem partir sem saber ao certo quando ou mesmo se irão voltar. O trânsito, em que tanto o exilado quanto o imigrante estão, possui características de deriva, quando ambos, na maior parte das vezes, perdem a autonomia do seu processo de viagem. Quando proponho que a viagem no projeto Odisseia 116 é também uma prática estética, é possível que eu me aproxime de um discurso que é modernista, mas somente a fim de subvertê-lo através das fragmentações, das rupturas, justaposições e reedições das narrativas presentes na dramaturgia. Como artista em trânsito, como migrante, me interessa perceber os pontos de tensão, de modificação e de conflito que ocorrem a partir do ato de escrever após a viagem de retorno. Ao passo que transito, também experimento e percebo.

Segundo Kaplan, para os artistas modernistas, o exílio ocupava um lugar de privilégio. O desapego e o deslocamento eram ritos de passagem para o bom escritor. Exilar-se era uma forma de entrar em certos grupos profissionais. Os escritores que retornam do exílio transformam o que era ruptura em conexão. Geralmente, esses artistas e escritores eram grupos formados por homens jovens e rebeldes. No entanto, parte da história e literatura feminista pós-estrutural tem desafiado este domínio predominantemente masculino (Kaplan, 2000KAPLAN, Caren. Questions of Travel: postmodern discourses of displacement. 3ª edição, Londres: Duke University press, 2000.). Acredito que a dramaturgia Odisseia 116 toque também em aspectos feministas. Apesar de ser uma peça feita por mim, a maior parte dos entrevistados em viagem eram mulheres e as temáticas de interesse, que surgem a partir da Odisseia homérica, também são as temáticas que dizem respeito às mulheres da obra: a força de Penélope, o desapego de Calipso, a confiança de Euricleia e a sensibilidade da sereia são ampliadas e desenvolvidas na dramaturgia. O relato destas “personagens” da Odisseia 116 demonstra que a força não surge necessariamente ao se declarar uma guerra, mas na tomada de decisões, na espera e na permanência. Nesses momentos, me interessa muito mais a força de quem espera do que mesmo o deslocamento do herói. Homero pouco se interessa nas sensações e opiniões das personagens femininas depois que o herói Odisseu parte. A minha ação e escrita acontecem a partir daí7 7 A minha intenção é, no entanto, pequena, se comparada aos esforços de Margaret Atwood na sua obra The Penelopiad (2008), onde a autora cria a voz de Penélope ao narrar sua história antes de seu casamento com Odisseu e a tentativa de afogamento por parte do seu pai a partir de um presságio dos deuses. Nesta narrativa, Atwood descreve com muita sagacidade o lugar da mulher na era de Penélope, suas obrigações e as possibilidades limitadas de subversão dos costumes. Outras passagens são igualmente belas, como as falas e questões de Euricleia e principalmente o coro fantasmagórico das criadas mortas por Odisseu voltando para assombrá-lo, tendo em vista que a traição colocada por Homero era, na verdade, uma obrigação das criadas de servir os hóspedes sexualmente. .

A última cena é, na verdade, uma crítica à minha presença, onde uma atriz convidada toma meu lugar para interpretar o último texto da peça, imprimindo assim sua voz, interpretação e presença que atravessam o percurso que até então o meu corpo vinha desenhando. Para a autora:

Os modernistas euro-americanos celebram a singularidade, a solidão, o estranhamento e a alienação e as excisões estéticas da localização em favor da localidade - isto é, o "artista no exílio" nunca está "em casa", sempre existencialmente sozinho e chocado com a tensão do deslocamento. Em experimentações e percepções significativas. (Kaplan, 2000KAPLAN, Caren. Questions of Travel: postmodern discourses of displacement. 3ª edição, Londres: Duke University press, 2000., p. 3)8 8 Tradução minha.

Este artista moderno, predominantemente representado pela figura do homem viajante, é também a figura que entra em desequilíbrio e cria potência por estar longe. Também na Odisseia homérica é o homem viajante que interessa. É o homem guerreiro, que fica à deriva. Todos os personagens femininos encontram-se em lugares e locais específicos e não se deslocam deles. A única exceção é a deusa Atena, que viaja por muitos espaços da Odisseia, mas apenas para proteção do herói Odisseu. Na dramaturgia Odisseia 116, busco por vezes representar essas vozes femininas em deslocamento, e mesmo quando estão em espaços mapeados, me interesso enquanto dramaturgo em ouvir suas falas, impressões e vivências, ao invés da fala do viajante que segue.

Por mais que a relação da viagem com a estética tenha sua origem na modernidade e que eu perceba algumas das características modernistas no meu trabalho, estou também tentando subvertê-las a todo momento; exemplo disto é que a saudade de casa não é tratada de forma romantizada, mas problemática e repleta de memórias ruins que se justapõem às boas lembranças na Odisseia 116.

Os pensamentos sobre modernidade e pós-modernidade de Canclini e Kaplan se aproximam em algumas instâncias. A desconstrução de uma identidade fechada e a busca por uma estética nômade na pós-modernidade são sublinhados pelos dois autores.

Canclini refere-se ao estrangeiro como o sujeito que, além de vir de outro lugar, não possui acesso a redes estratégicas, não participando inclusive do controle de tais redes, ficando portanto dependente das escolhas e atribuições dos outros (Canclini, 2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011.). Para Kaplan, cerca de 24 milhões de pessoas vivem como cidadãos em estado de deslocamento interno por conta da falta de moradia e fome crônica: “O século XX pode ser caracterizado como uma época em que um número cada vez maior de pessoas tornou-se distanciado de locais ou identidades nacionais, regionais e étnicas” (Kaplan, 2000KAPLAN, Caren. Questions of Travel: postmodern discourses of displacement. 3ª edição, Londres: Duke University press, 2000., p. 2)9 9 Tradução minha.

Estas características são muito visíveis na migração dos nordestinos para a região Sudeste. Na verdade, o que seria uma busca por oportunidades acaba se tornando um sistema de exploração da força de trabalho. Algumas pessoas se deparam com esta realidade ao chegar, outras, no entanto, já sabem que não terão maiores oportunidades, mas mesmo assim decidem partir. É o caso de um dos entrevistados que deixava para trás seis filhos, uma esposa e muitas contas a pagar, mas estava indo tentar a vida de servente de pedreiro no Rio de Janeiro. De acordo com Canclini:

Grandes setores das sociedades latino-americanas se sentem estrangeiros em relação à ordem formal; eles veem os discursos dos políticos como desconectados da realidade e as decisões que afetam sua sobrevivência governadas por poderes externos sujeitas a poucas regras duradouras. Por esse motivo, muitos atuam como estrangeiros em relação às instituições. Eles podem fazer isso através de um comportamento transgressor individual ou em redes coletivas. (Canclini, 2011CANCLINI, Néstor Gárcia. Migrants: Workers of Metaphors. Thamyris/Intersecting, n. 23, p. 23-36, 2011., p. 31)10 10 Tradução minha.

É cada vez mais perceptível no contexto brasileiro, que a brevidade dos direitos conquistados pelos trabalhadores interfere diretamente em como o cidadão brasileiro sente-se pertencente à sua nacionalidade. A corrupção dos diferentes cargos políticos afeta diretamente os serviços públicos, onde os privilégios são disseminados entre poucos, por questões como a fragilidade educacional, a insustentabilidade ética e o descrédito no próprio país e nas pessoas que nele habitam.

Considerações finais

É oportuno reafirmar que uma metodologia cartográfica preocupada com o processo, bem mais que com um produto estético, me permitiu nesta pesquisa abrir novas possibilidades de escrita acadêmica e dramatúrgica, me possibilitando ser mais poético na escrita deste presente artigo, assim como mais consciente e rígido na escrita da dramaturgia.

Assim como o espaço da rua para o grupo Stalker, a estrada não conduz a lugares, ela é em si um lugar cheio de potência e significado, paisagens, histórias e identidades em trânsito. Desterritorialização é também se permitir esquecer algumas imagens, lugares e paisagens ou, dito de outra forma, selecioná-los. Apesar de fatores condicionantes como clima, poder aquisitivo, contexto, história de vida, somos, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos no ato de viajar, de migrar, ou mesmo de volta para casa.

Nos atos de caminhar, viajar e escrever, há uma vasta discussão entre filósofos, escritores e artistas de todas as áreas de criação. A estrada, assim como aponta Tony Smith (Careri, 2013CARERI, Francesco. Walkscapes: O caminhar como prática estética. Tradução: Frederico Bonaldo. 1a edição, São Paulo: Editora G. Gili, 2013.), expande os espaços institucionalizados de arte, tais como o museu, por exemplo. Neste sentido, a estrada mobiliza a expansão do pensamento filosófico nas artes que se inicia no dadaísmo e que continua sendo uma questão até a atualidade.

Antes de iniciar este projeto, pensei que estava lidando com um ato estético, que se configuraria posteriormente como a dramaturgia Odisseia 116. Tomar consciência da viagem como ato estético a priori, desencadeou no meu processo criativo uma sensação de maior liberdade que confluiu para uma escrita mais dinâmica, pois a escrita não era mais o meu primeiro ato estético, já havia uma viagem documentada que já era em si um ato estético sujeito a ser pensado e aprofundado.

A busca pelo retorno é no fundo uma busca de desterritorialização, tendo em vista que, mesmo inconscientemente, tentava retornar para imagens que no fundo eu sabia que não existiam mais. Estar submerso em todas essas paisagens geográficas e afetivas em transformação me amadureceu durante o processo de escrita enquanto artista e pesquisador. É neste momento que a minha identidade desliza e se dinamiza de forma consciente.

Percebi, a partir de Karen Kaplan, que a potência está justamente na diferença. Não há uma coluna vertebral sobre o que é ser nordestino, mas características que aproximam e distanciam os indivíduos desta região sem qualquer determinismo. Perceber isto me fez encontrar maiores camadas de informação dos entrevistados para a pesquisa. Nuances, silêncios, observações, intenções, curiosidades fora das entrevistas. Tudo isto me comunicava tanto quanto o momento em que a câmera estava ligada, fazendo com que eu encontrasse naquelas histórias e experiências, pontos de interseção com a minha vida e com temáticas da Odisseia homérica.

Perder-me, estar à deriva, foi imprescindível para que este projeto de viagem e escrita acontecesse da forma que aconteceu. Em alguns momentos fui resistente às mudanças. Comecei a perceber como elas transformavam o meu estilo, fui aceitando outras rotas, caminhos, escritas e viagens possíveis que hoje, cinco anos depois, julgo como indispensáveis para o tipo de escrita que estabeleço.

Referências bibliográficas

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  • ROLNIK, Suely. Cartografia ou de como pensar com o corpo vibrátil São Paulo: Editora Estação Liberdade, 1989.
  • VIDAL-NAQUET, Pierre. O mundo de Homero São Paulo: Companhia das Letras, 2002
  • 1
    Iguatu é uma cidade do interior do Estado do Ceará, com aproximadamente cem mil habitantes, que figura entre as cidades mais quentes do país e por onde passa o Rio Jaguaribe, reconhecido por ser o maior rio seco do mundo.
  • 2
    Segundo os autores Edilson Pizzato e Daniel Nery dos Santos, no artigo intitulado "Aspectos Geológicos e Emergências Químicas em Grandes Rodovias: O Caso da BR-116, Trecho da Cidade de Guarulhos (SP) Brazil (2018)", a BR-116, também conhecida como Rodovia Presidente Dutra, é a mais importante e mais extensa rodovia totalmente pavimentada no Brasil, compreendendo uma extensão de aproximadamente 4.513 km, com início na cidade Fortaleza-Ce e término na cidade de Jaguarão-RS (Pizzato, Santos, 2018PIZZATO, Edilson; dos SANTOS, Daniel Nery. Aspectos Geológicos e Emergências Químicas em Grandes Rodovias: O Caso da BR-116, Trecho da Cidade de Guarulhos (SP) Brazil. Revista ESPACIOS, v. 39, n. 51, 2018. Disponível em: https://repositorio.usp.br/directbitstream/a0ca8b77-5204-4c31-ae62-08eed98a736d/2920215.pdf
    https://repositorio.usp.br/directbitstre...
    ).
  • 3
    As referências aqui utilizadas sobre a Odisseia homérica vêm da tradução da obra de Cristian Werner intitulada "Odisseia: Homero" (2014)HOMERO. Odisseia. Tradução e introdução de Christian Werner. São Paulo: Cosac Naify, 2014., bem como referências, imagens, debates e contextualizações presentes na obra de Pierre Vidal-Naquet intitulada "O Mundo de Homero" (2002VIDAL-NAQUET, Pierre. O mundo de Homero. São Paulo: Companhia das Letras, 2002).
  • 4
    Outros conceitos foram refletidos a partir da viagem e dramaturgia Odisseia 116, e disponibilizados. O debate sobre trauma na elaboração da dramaturgia Odisseia 116 pode ser encontrado na Revista Cena, no Dossiê "Arte e Trauma", no artigo de minha autoria intitulado "O Trauma e a Cicatriz na escrita da Odisseia 116" (2021c). Neste artigo, debato as questões de trauma e cicatriz a partir de um diálogo que atualiza questões postas por Walter Benjamin quando o mesmo pensa o trauma da guerra. No artigo, reflito sobre outros fragmentos de dramaturgia, trabalhando a partir de aproximações e distanciamentos (Lopes, 2021c______. O trauma e a cicatriz na escrita da Odisseia 116. Revista Cena, n. 33, p. 86-98, 2021c.). No artigo de minha autoria intitulado "Aspectos cartográficos das peças Odisseia 116 e BR3" (2021a), tracei também um debate sobre cartografias possíveis entre a escrita da Odisseia 116 e a peça BR3 do grupo teatro da vertigem de São Paulo a partir de entrevistas realizadas por mim com o diretor Antônio Araújo e Bernardo Carvalho (Lopes, 2021a______. Aspectos cartográficos das peças Odisseia 116 e BR3. Urdimento, v. 3, n. 42, p. 1-21, 2021a. DOI: 10.5965/1414573103422021e0205. Disponível em: Disponível em: https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/20165 . Acesso em: 16.01.2022.
    https://www.revistas.udesc.br/index.php/...
    ). Já no artigo Reflexões sobre paisagens e fotografias da Odisseia 116 de minha autoria, levantei mais especificamente o debate e exposição de algumas fotografias do processo de viagem em diálogo com a escrita dramatúrgica (Lopes, 2021b______. Reflexões sobre paisagens e fotografias da Odisseia 116. Conceição/Conception, v. 10, n. 00, p. e021008, 2021b. DOI: 10.20396/conce.v10i00.8665649. Disponível em: Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/conce/article/view/8665649 . Acesso em: 16.01.2022.
    https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/in...
    )
  • 5
    Tradução minha.
  • 6
    Tradução minha.
  • 7
    A minha intenção é, no entanto, pequena, se comparada aos esforços de Margaret Atwood na sua obra The Penelopiad (2008ATWOOD, Margaret. The Penelopiad. Digital edition. New York: Canongate Books Ltd., 2008.), onde a autora cria a voz de Penélope ao narrar sua história antes de seu casamento com Odisseu e a tentativa de afogamento por parte do seu pai a partir de um presságio dos deuses. Nesta narrativa, Atwood descreve com muita sagacidade o lugar da mulher na era de Penélope, suas obrigações e as possibilidades limitadas de subversão dos costumes. Outras passagens são igualmente belas, como as falas e questões de Euricleia e principalmente o coro fantasmagórico das criadas mortas por Odisseu voltando para assombrá-lo, tendo em vista que a traição colocada por Homero era, na verdade, uma obrigação das criadas de servir os hóspedes sexualmente.
  • 8
    Tradução minha.
  • 9
    Tradução minha.
  • 10
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2022
  • Aceito
    27 Set 2022
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