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Direitos de cidadania dos imigrantes em Portugal

Citizenship rights of immigrants in Portugal

Resumo.

As migrações internacionais estão na pauta da agenda política dos países, principalmente os desenvolvidos, uma vez que têm experimentado o crescimento da população imigrante e a diversificação dos países de origem em virtude dos efeitos da globalização. Sob o viés humanitário, é necessária a integração dos imigrantes nas respectivas sociedades de acolhimento. Todavia, os processos de integração nem sempre são satisfatórios. Um dos vieses da integração está relacionado aos direitos de cidadania. Partindo disso, o artigo busca analisar o tratamento jurídico e político dos direitos de cidadania dos imigrantes em Portugal, perpassando pelo direito à participação política, pelo direito à residência permanente e o acesso à nacionalidade. Observa-se um grande esforço por parte do governo português na instituição de órgãos para tratar da matéria afeta à imigração. No entanto, é preciso verificar em que medida a legislação e as ações portuguesas estão atendendo adequadamente o processo de integração dos imigrantes.

Palavras-chave:
cidadania; Portugal; imigrantes; integração

Abstract.

International migrations are in the list of the political agenda of the countries, especially the developed ones, since they have experienced the growth of the immigrant population and the diversification of the countries of origin due to the effects of globalization. Under the humanitarian bias, the integration of immigrants in the respective host societies is necessary. However, the integration processes are not always satisfactory. One of the biases of integration is related to citizenship rights. Based on this, the article seeks to analyze the legal and political treatment of citizenship rights of immigrants in Portugal, covering the right to political participation, the right to permanent residence and the access to nationality. There is a great effort on the part of the Portuguese government in the institution of organizations to deal with the issue affecting immigration. However, it is necessary to verify to what degree Portuguese legislation and actions are adequately addressing the process of integration of the immigrants.

Keywords:
citizenship; Portugal; immigrants; integration

Introdução

Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados europeus adotaram uma política de imigração para a reconstrução da Europa, inclusive por meio de acordos bilaterais entre os países de origem e de destino. A vantagem de apoiar a entrada dos imigrantes era, basicamente, utilizar mão de obra mais barata (Baganha, Marques, Góis, 2009BAGANHA, Maria Ioannis; MARQUES, José Carlos; GÓIS, Pedro. Imigrantes em Portugal: uma síntese histórica. Lisboa: Ler História, n. 56, 2009, p. 123-133.).

O Tratado de Roma de 1957, que instituiu a Comunidade Econômica Europeia (CEE), contém no Capítulo 1 do Título IV disposições sobre a livre circulação de trabalhadores. Isto implicava uma cedência por parte dos Estados-membros (da então CEE, depois UE) na medida em que precisavam permitir a entrada de estrangeiros a trabalho (Baganha, Marques, Góis, 2009BAGANHA, Maria Ioannis; MARQUES, José Carlos; GÓIS, Pedro. Imigrantes em Portugal: uma síntese histórica. Lisboa: Ler História, n. 56, 2009, p. 123-133.).

A fim de combater práticas abusivas realizadas contra os imigrantes trabalhadores e conferir-lhes alguns direitos, foram adotados dois instrumentos pela Organização Internacional do Trabalho, tais quais: a Convenção n.º 97, de 1949 e a Convenção n.º 143, de 1975. Portanto, é a nível dos trabalhadores que as primeiras evoluções sobre os direitos humanos nas migrações se iniciaram, impondo-se uma importante redução à soberania dos Estados.

Nos dias atuais, em que o fenômeno da globalização diminuiu os custos dos transportes e o tempo das viagens, os destinos de imigração envolvem praticamente todos os países do globo (Castles, Haas, Miller, 2013CASTLES, Stephen; HAAS, Hein de; MILLER, Karl J. The Age of Migration: International Population Movements in the Modern World. 5ª Ed. Basingstoke, Hampshire: Palgrave Macmillan, 2013., p. 5). Além disso, verifica-se um crescente aumento da população migrante nas últimas décadas1 1 Disponível em: <https://brazil.iom.int/news/estudo-da-onu-aponta-aumento-da-popula%C3%A7%C3%A3o-de-migrantes-internacionais> e <https://www.un.org/en/development/desa/population/migration/data/estimates2/estimates19.asp>. Acesso em: 08.10.2021. . Com isso, a pauta das migrações internacionais assumiu um papel de destaque na agenda política dos países, especialmente os desenvolvidos. Anote-se o caso estadunidense, em que estudiosos atribuem a vitória de Donald Trump ao cargo de presidente dos Estados Unidos a seu discurso anti-imigração (Bochenek, Stein, 2019BOCHENEK, Sandro; STEIN, Alexandre. A argumentação no discurso político de Donald Trump sobre imigração. Entretextos, v. 19, n. 2, 2019, p. 90-107.).

Neste sentido, é observada uma clara tendência de restrição à entrada de imigrantes tendo como uma das justificativas a de lhes proporcionar melhores condições de acolhimento (Jerónimo, 2013JERÓNIMO, Patrícia. O princípio da diversidade e o Direito da União: Breves notas sobre o artigo 22.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, v. IX, p. 245-282, 2013., p. 252). A postura adotada pela União Europeia vai ao encontro de tal orientação (Figueiredo, 2016FIGUEIREDO, Paula Alexandra Carvalho de. União Europeia, imigração e ética. Dissertação de mestrado. Universidade Aberta, Departamento de Humanidades, Lisboa, 2016., p. 50-53; 72). No entanto, os países nem sempre cumprem o que preveem os acordos e tratados internacionais para uma apropriada política de integração dos imigrantes, o que inclui a garantia de direitos básicos dos indivíduos (em rol não taxativo). Nesse âmbito, encontra-se a pergunta-chave desta investigação: Como Portugal tem tratado os direitos de cidadania dos imigrantes, questão imprescindível à promoção da integração?

Vale lembrar que o conceito de integração não é unânime. Em nosso entendimento, por uma definição simplificada, pode-se dizer que a integração é um processo constante, de caráter multidimensional, consistente em articular o modo de vida e permanência dentro de determinada comunidade.

Portugal que historicamente foi um país de emigração, a partir da década de 1980, passou a ser um país de destino de imigração, a princípio, por indivíduos provenientes das ex-colônias (Rego et al., 2010REGO, Conceição et al. Perfil dos imigrantes em Portugal: por países de origem e regiões de destino. Revista Portuguesa de Estudos Regionais, n. 24, p. 17-39, 2010., p. 22). Atualmente, o leque de nacionalidades dos imigrantes foi ampliado, sendo o país receptor de indivíduos advindos principalmente da América do Sul e África (Oliveira, Gomes, 2017OLIVEIRA, Cataria Reis; GOMES, Natália. Indicadores de Integração de Imigrantes: relatório estatístico anual 2017. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números. Observatório das Migrações. Lisboa: ACM, 2017., p. 44). Observando o crescimento do fluxo imigratório e as dificuldades de integração dos imigrantes em território português, o governo criou políticas públicas específicas para a questão, atribuindo ao Alto Comissariado para as Migrações (ACM) a competência ratio materiae para tratar das migrações (Oliveira, Gomes, 2017OLIVEIRA, Cataria Reis; GOMES, Natália. Indicadores de Integração de Imigrantes: relatório estatístico anual 2017. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números. Observatório das Migrações. Lisboa: ACM, 2017., p. 5).

Neste âmbito, o Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI) foi criado em 2004, tendo a missão de oferecer apoio nos processos de integração dos imigrantes2 2 Informação disponível em: < http://www.acm.gov.pt/-/cnai-centro-nacional-de-apoio-ao-imigrante>. Acesso em: 31.03.2021. . Já o Plano Estratégico para as Migrações (PEM), iniciado em 2007, serve de “estratégia transversal” para orientar as boas práticas e superar os desafios na área das migrações, com base em cinco eixos políticos3 3 Informação disponível em: <https://www.acm.gov.pt/pt/-/plano-estrategico-para-as-migracoes-pem->. Acesso em: 31.03.2021. :

Eixo I: Políticas de integração de imigrantes

Eixo II: Políticas de promoção da inclusão dos novos nacionais

Eixo III: Políticas de coordenação dos fluxos migratórios

Eixo IV: Políticas de reforço da legalidade migratória e da qualidade dos serviços migratórios

Eixo V: Políticas de reforço da ligação, acompanhamento e apoio ao regresso dos cidadãos nacionais emigrantes

Ainda, os estudos do Observatório das Migrações (OM), cuja equipe de projeto também é uma unidade do Alto Comissariado para as Migrações (estabelecida em 2002), visam o “acompanhamento estratégico e científico das migrações e a análise e difusão de informação estatística acerca das migrações”4 4 Informação disponível em: <https://www.om.acm.gov.pt/>. Acesso em: 31.03.2021. .

Inúmeros estudos têm avaliado o grau de promoção de integração dos imigrantes a partir de tópicos como saúde, educação, discriminação, entre outros. No presente artigo, além do Relatório Estatístico Anual de 2017, do Observatório das Migrações já mencionado, definiu-se a utilização dos parâmetros estabelecidos na pesquisa MIPEX 2015 (Migrant Integration Policy Index), dada a sua relevância e abrangência. O estudo foi liderado pelo Barcelona Centre for Internacional Affair (CIDOB) em conjunto com o Migration Policy Group (MPG) e cofinanciado pelo Fundo Europeu para a Integração de nacionais de países terceiros à União Europeia. A análise compreendeu 38 países, incluindo Portugal.

Optou-se por dividir o artigo em três partes. Na primeira, analisa-se o direito à participação política em Portugal. São apontados os tratados internacionais, a legislação interna e os organismos públicos portugueses, os dados da pesquisa MIPEX 2015 e do Relatório Estatístico Anual de 2017, elaborado pelo Observatório das Migrações. Na segunda parte, trabalha-se o direito à residência permanente: são verificadas a legislação portuguesa e comunitária, informações obtidas do estudo MIPEX e as articulações governamentais relativas ao direito à residência permanente. A terceira parte trata do acesso à nacionalidade. Nesse ponto, é observado o asseguramento do acesso à nacionalidade por parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, a forma com que as leis portuguesas o regulamentam e, na prática, como é concretizada. Por fim, há o encerramento do trabalho com a apresentação das conclusões.

O objetivo a que se propõe o trabalho é, portanto, analisar o tratamento jurídico e político dos direitos de cidadania dos imigrantes em Portugal, perpassando os direitos acima indicados. Enfatiza-se a relevância da análise para a compreensão atual do objeto de estudo, que sofre constantes alterações e gera implicações a nível internacional, especialmente no contexto humanitário.

O método de pesquisa utilizado é o descritivo, cujas fontes procedem do levantamento normativo, de pesquisas e de material doutrinário. Feitas estas breves considerações, assim como a contextualização da historicização das migrações e da política de acolhimento nos países receptores, com destaque a Portugal, passa-se propriamente à análise dos direitos de cidadania dos imigrantes.

Direito à participação política

O Internacional Bill of Rights, constituído a partir do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e da Declaração Universal dos Direitos do Homem, permite a reserva de certos direitos conferidos aos próprios cidadãos nacionais. Dentre eles, pode-se destacar: o direito de entrada no próprio país; o direito de fiscalizar e dirigir os negócios públicos, diretamente ou por meio de representantes eleitos; o direito de votar e ser votado em eleições universais, periódicas e justas, por escrutínio universal, secreto, direto e de igual valor; o direito de acesso às funções públicas e os direitos econômicos (George, 2013GEORGE, João Pedro et al. Portugal e a Europa: novas cidadanias. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013. , p. 40-42).

Conforme salienta Patrícia Jerónimo e Maarten Vink (2013JERÓNIMO, Patrícia; VINK, Maarten. Os múltiplos de cidadania e os seus direitos. In: LOBO, Marina Costa (coord.). Portugal e a Europa: novas cidadanias. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013, p. 23-50., p. 43), são direitos privativos dos cidadãos portugueses “os direitos políticos, que incluem a) o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, b) o direito à informação sobre os actos do Estado e a gestão dos assuntos públicos, c) o direito de sufrágio em eleições e referendos”.

Com relação aos estrangeiros, é possível a concessão por via legal de direitos civis e políticos restritos a determinadas hipóteses em que verificado o vínculo dos indivíduos à comunidade política, conforme será a seguir explicado.

O artigo 15º da Constituição da República Portuguesa estabelece uma equiparação em direitos e obrigações entre os cidadãos portugueses e os estrangeiros ou apátridas que se encontrem ou residam em Portugal, ressalvado o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados exclusivamente aos cidadãos portugueses.

É reconhecido aos cidadãos dos Estados de língua portuguesa com residência permanente em Portugal, em que haja condições de reciprocidade, certos direitos não conferidos a outros estrangeiros, salvo o acesso a cargos de Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidentes dos tribunais supremos e o serviço nas Forças Armadas e carreira diplomática (artigo 15º, n.º 3, da Constituição portuguesa).

A Constituição (artigo 15º, n.º 4) também permite que a lei atribua, se houver condições de reciprocidade, capacidade eleitoral ativa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de autarquias locais a estrangeiros residentes em Portugal. Sendo assim, os cidadãos dos Estados-membros da União Europeia, do Brasil, de Cabo Verde, do Peru e do Uruguai podem votar e serem candidatos às autarquias locais, podendo os cidadãos argentinos, israelenses e noruegueses podem apenas votar (Leitão, 2001LEITÃO, José. Direitos dos imigrantes em Portugal. 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.janusonline.pt/arquivo/2001/2001_3_3_5.html . Acesso em: 07.05.2018.
https://www.janusonline.pt/arquivo/2001/...
).

A Constituinte propicia aos cidadãos de Estados-membros da União residentes em território português, em condições de reciprocidade, o direito de elegerem e serem eleitos deputados ao Parlamento Europeu. O estatuto especial de igualdade de direitos e deveres firmado entre Portugal e Brasil, permite aos brasileiros a fruição do direito de votar nas eleições para a Assembleia da República e nos referendos nacionais. Os estrangeiros dos Estados-membros da União Europeia e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa gozam do direito de se filiar em partidos políticos, segundo o estatuto de pelo menos um dos principais partidos políticos (Leitão, 2001LEITÃO, José. Direitos dos imigrantes em Portugal. 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.janusonline.pt/arquivo/2001/2001_3_3_5.html . Acesso em: 07.05.2018.
https://www.janusonline.pt/arquivo/2001/...
).

Conforme o Relatório Estatístico Anual de 2017, do Observatório das Migrações, os estrangeiros estão sub-representados no recenseamento eleitoral português e encontram-se limitados à participação política nas eleições locais, dependendo de tratamento recíproco aos portugueses no seu país de origem. Anote-se as seguintes considerações:

Desde 2012, e contrariando a tendência da década anterior, verifica-se uma ligeira diminuição de estrangeiros residentes elegíveis para votar em eleições locais (-7,3% e -7,5% de 2012 para 2014 e para 2015, respetivamente), observando-se também uma diminuição da sua importância relativa no universo de residentes estrangeiros (passam de 62,9% em 2011 para 60,1% em 2014 e 60,5% em 2015, ou seja, menos 3 pontos percentuais face ao início desta década) o que acompanha a tendência de diminuição da população estrangeira residente dos últimos anos. Verifica-se, porém, um aumento da importância relativa dos estrangeiros recenseados para votar por total de residentes estrangeiros elegíveis para votar (passam de 12,4% em 2012, para 13,7% em 2014 e 13,6% em 2015) - o que poderá refletir o crescente interesse das populações estrangeiras residentes no país para os seus direitos políticos. (Oliveira, Gomes, 2017OLIVEIRA, Cataria Reis; GOMES, Natália. Indicadores de Integração de Imigrantes: relatório estatístico anual 2017. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números. Observatório das Migrações. Lisboa: ACM, 2017.)

A pesquisa MIPEX 2015 ranqueou Portugal em 4ª lugar (de 38 países) pela promoção da participação política de imigrantes não comunitários. Na ocasião, reconheceu-se o inovador sistema de apoio e de órgãos consultivos locais/nacionais portugueses em que os imigrantes são consultados estruturalmente pelas autoridades em todos os níveis, embora os direitos de voto permaneçam desiguais e os órgãos consultivos sejam controlados pelo Estado português, com independência limitada (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
).

O organismo consultivo a nível nacional é o COCAI (Conselho Consultivo para os Assuntos da Imigração), havendo diversos outros a nível local (como, por exemplo, o Conselho de Lisboa das Comunidades Imigrantes e Minorias Éticas). O Conselho funciona junto do Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI, I.P.) e tem por objetivo “assegurar a participação e a colaboração das associações representativas dos imigrantes, dos parceiros sociais e das instituições de solidariedade social na definição das políticas de integração social e de combate à exclusão” (artigo 6º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 167/2007).

Conforme o artigo 6º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 167, de 3 de maio de 2007, o COCAI tem as seguintes competências (a serem executadas de ofício ou em atendimento a solicitações do Alto Comissariado):

a) Pronunciar-se sobre os projectos de diploma relativos aos direitos dos imigrantes;

b) Participar na definição das políticas de integração social que visem a eliminação das discriminações e promovam a igualdade;

c) Participar na definição de medidas e acções que visem a melhoria das condições de vida dos imigrantes e acompanhar a sua execução;

d) Participar na defesa dos direitos dos imigrantes com respeito pela sua identidade e cultura, formulando propostas com vista à sua promoção;

e) Exercer outras competências que lhe sejam atribuídas por lei.

Foram apontados pelo MIPEX 2015 oito países com direito de voto mais alargado do que Portugal, sendo eles: a Irlanda, a Nova Zelândia e os países nórdicos (isto é, a Noruega, a Suécia, a Islândia, a Dinamarca, a Finlândia e as regiões autônomas dinamarquesas da Groenlândia e as Ilhas Faroé). Além disso, asseverou-se que apenas Portugal e a Espanha baseiam o direito de voto por estrangeiros não comunitários no princípio da reciprocidade. Em que pese o lado desfavorável apontado, a pesquisa revelou que todos os residentes em Portugal podem exercer suas liberdades políticas básicas e que o governo português informa e apoia fortemente os imigrantes a participarem politicamente (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 30-32).

Nesse contexto, identifica-se a atuação do GATAI (Gabinete de Apoio Técnico às Associações de Imigrantes), o qual trabalha com o COCAI para catalogar as associações de imigrantes, ajudar na melhoria das suas capacidades, expandir suas redes e fornecer subsídios a elas em pequena escala (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 31).

Por fim, a pesquisa MIPEX 2015 apontou que Portugal tem promovido a capacidade eleitoral ativa dos imigrantes não comunitários à medida em que se naturalizam, de forma a se tornar uma das democracias mais inclusivas entre os países de imigração. Apenas a título exemplificativo, observa-se que em 2011, 15.656 pessoas de países terceiros haviam se registrado para votar, o que equivale a 12,9% de cidadãos adultos não pertencentes à UE (com 20 anos ou mais) (Oliveira, Gomes, Santos, 2017OLIVEIRA, Catarina Reis; GOMES, Natália; SANTOS, Tiago. Aquisição da nacionalidade portuguesa: 10 anos da Lei em Números. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números , Observatório das Migrações. Lisboa: ACM , OM, 2017., p. 229). As taxas de registro de eleitores foram maiores entre os cidadãos de Cabo Verde (36%), Argentina (15%) e Noruega (14%) e menor entre os cidadãos brasileiros (5%) (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 31).

Direito à residência permanente

Portugal tem disciplina legal diferenciada para a concessão de residência permanente aos estrangeiros a depender do seu país de origem. De acordo com a Lei n.º 37/2006, os nacionais de países membros da União Europeia fruem do direito de entrada, permanência e residência em Portugal, incluindo os familiares que os acompanhem ou que a eles se reúnam, bem como os nacionais de países-membros do Espaço Econômico Europeu (Islândia, Liechtenstein, Noruega), do Principado de Andorra e da Suíça e os membros da sua família.

A Lei n.º 23/2007, mais conhecida como Lei de Estrangeiros, veio a transpor dezenove Diretivas da União Europeia. Ela regula a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional. O âmbito de aplicação da lei é definido em seu artigo 4. Neste artigo, atribui-se sua incidência aos cidadãos estrangeiros e apátridas, ressalvado os nacionais de Estados-membros da União Europeia, do Espaço Econômico Europeu ou de um Estado terceiro com o qual a Comunidade Europeia tenha concluído um acordo de livre circulação de pessoas; os nacionais de Estados terceiros à União residentes em Portugal na qualidade de refugiados, beneficiários de proteção subsidiária ao abrigo das disposições reguladoras do asilo ou beneficiários de proteção temporária; os nacionais de Estados terceiros à União que são membros da família de cidadão português ou, ainda, de cidadão estrangeiro nas condições anteriormente referidas.

O artigo 74 da Lei n.º 23/2007 contempla dois tipos de autorização de residência em Portugal: a temporária e a permanente. A autorização de residência permanente não tem limite de validade, entretanto, o título de residência deve ser renovado a cada cinco anos ou sempre que verificada alguma alteração nos elementos de identificação nele registrados (art. 76 da Lei de Estrangeiros). Até 2019, a referida lei já havia sofrido sete alterações. Na terceira alteração, dada pela Lei n.º 63/2015, aprovou-se um novo regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional e houve alteração no regime das autorizações de residência para atividade de investimento.

A Lei n.º 102/2017, que realizou a quinta alteração na Lei de Estrangeiros, ressalvou do âmbito de aplicação da lei os regimes especiais firmados em convenções internacionais, em especial, os celebrados com os países de língua oficial portuguesa. Para a concessão de autorização de residência permanente, sem prejuízo das disposições relativas àqueles que tenham adquirido o estatuto de residentes de longa duração, é preciso que o estrangeiro preencha os seguintes requisitos cumulativos, consoante a redação do artigo 80 da Lei n.º 23/2007:

Artigo 80.º - Concessão de autorização de residência permanente

1 - Sem prejuízo das disposições da presente lei relativas ao estatuto dos nacionais de Estados terceiros residentes de longa duração, beneficiam de uma autorização de residência permanente os cidadãos estrangeiros que, cumulativamente:

a) Sejam titulares de autorização de residência temporária há pelo menos cinco anos;

b) Durante os últimos cinco anos de residência em território português não tenham sido condenados em pena ou penas que, isolada ou cumulativamente, ultrapassem um ano de prisão, ainda que, no caso de condenação por crime doloso previsto na presente lei ou com ele conexo ou por crime de terrorismo, por criminalidade violenta ou por criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada, a respetiva execução tenha sido suspensa;

c) Disponham de meios de subsistência, tal como definidos pela portaria a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 52.º;

d) Disponham de alojamento;

e) Comprovem ter conhecimento do português básico.

De modo oportuno, a Lei n.º 26/2018, que promoveu a sexta alteração ao regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território português, nomeadamente nos artigos 88º e 89º da Lei n.º 23/2007, regularizou o estatuto jurídico das crianças e jovens de nacionalidade estrangeira acolhidos em instituições do Estado ou equiparadas.

Segundo o MIPEX (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
), em 2013, 56.315 pessoas eram residentes de longa duração em Portugal, que foi ranqueado na 8ª posição no quesito “residência permanente”. Conforme a pesquisa, a residência de longa duração, após uma ligeira fraqueza nas políticas nacionais, melhorou substancialmente com o advento da Lei n.º 23/2007. Com a mudança, além de transpor a legislação comunitária, o governo português aproveitou para tornar os procedimentos mais transparentes, de modo a estabelecer um regime legal que promove a imigração legal. O caminho para que os estrangeiros de países terceiros à União tornem-se residentes de longa duração (ou permanentes) em Portugal é ligeiramente claro para os residentes temporários, uma vez que devem residir 5 anos legalmente em território nacional para adquirirem tal direito. O período de 5 anos foi considerado razoável comparado a outros Estados europeus. Além disto, seguindo as tendências internacionais, os residentes de países terceiros podem contar com metade do seu tempo de estudo para fins de obtenção do título de residência permanente (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 33-35).

Durante a crise, o governo português, por meio da Portaria n.º 760/2009, permitiu a prorrogação da permanência de residência temporária e permanente, autorização de residência permanente ou de longa duração, a título excepcional, ao requerente que comprovasse situação de desemprego involuntário. Com isso, deixou-se a exigência de renda de forma mais flexível ao imigrante, de modo a refletir o contexto econômico. Contudo, as taxas do processo administrativo foram elevadas (as taxas foram comparáveis às cobradas em outros países com políticas de austeridade aos imigrantes) (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 33-35).

O Programa Português para Todos (PTT), criado no âmbito do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), também é considerado favorável à integração dos imigrantes em território português, eis que o nível de conhecimento A2 em língua portuguesa é um requisito para a obtenção da residência permanente, conforme já mencionado. Esse programa será retomado no tópico seguinte.

Por fim, vale mencionar as principais conclusões da pesquisa MIPEX 2015 no tópico “residência permanente”. A uma, asseverou-se que muitos cidadãos não europeus estáveis conseguem rapidamente a cidadania portuguesa ao invés de se tornarem ou permanecerem residentes de longo prazo. Isto ocorreria pela facilidade de acesso da cidadania a partir de 2006. A duas, constatou-se certa carência ou falta de clareza nas informações transmitidas aos imigrantes residentes temporários em Portugal no que diz respeito a residência de longa duração da União Europeia. A residência de longa duração (ou permanente) é tida como um caminho facilitador da integração e mobilidade de oportunidades dos imigrantes incapazes ou desinteressados em se naturalizar ou obter dupla cidadania (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 36).

Acesso à nacionalidade

A nacionalidade é um direito reconhecido pelo artigo 15º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Entretanto, cada Estado tem a prerrogativa e soberania para dispor de que maneira a nacionalidade pode ser obtida.

Em Portugal, a nacionalidade pode ser atribuída ou adquirida de modo originário ou derivado, respectivamente. A atribuição da nacionalidade portuguesa originária está relacionada àquela “atribuída ao indivíduo pelo nascimento” (Oliveira, Gomes, Santos, 2017OLIVEIRA, Catarina Reis; GOMES, Natália; SANTOS, Tiago. Aquisição da nacionalidade portuguesa: 10 anos da Lei em Números. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números , Observatório das Migrações. Lisboa: ACM , OM, 2017., p. 71). Por outro lado, a aquisição da nacionalidade derivada diz respeito aos “cidadãos que tendo nascido com outra nacionalidade pretendem adquirir uma nova cidadania (neste caso a portuguesa)” (Oliveira, Gomes, Santos, 2017OLIVEIRA, Catarina Reis; GOMES, Natália; SANTOS, Tiago. Aquisição da nacionalidade portuguesa: 10 anos da Lei em Números. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números , Observatório das Migrações. Lisboa: ACM , OM, 2017., p. 79).

Conhecida como “Lei da Nacionalidade portuguesa”, a Lei n.º 37/81 atualmente conta com dez alterações. A quarta alteração à Lei da Nacionalidade portuguesa, que ocorreu por meio da Lei Orgânica n.º 2/2006, trouxe profundas mudanças e reflexos nos pedidos e concessões da nacionalidade portuguesa.

A reforma legislativa de 2006 é considerada um modelo de reforma da cidadania que impulsiona os resultados de naturalização e integração. Isto porque, ela ampliou o leque de sujeitos admissíveis à obtenção da nacionalidade portuguesa. As condições favoráveis outrora reservadas a pessoas de países de língua portuguesa foram abertas a todos os residentes que falam português.

A partir de 2007, ocorreu um expressivo aumento nos pedidos de nacionalidade portuguesa, especialmente por parte dos descendentes de migrantes nascidos em Portugal. Entre 2007 e 2016, 401.669 cidadãos obtiveram a nacionalidade portuguesa (dez vezes mais que o observado entre 1996 e 2006). Desse total, 92% das aquisições de nacionalidade foram por residentes em Portugal. Entre 2001 e 2006 a taxa média de indeferimento da nacionalidade era de 12%, metade da taxa verificada a partir de 2007 (Oliveira, Gomes, 2017OLIVEIRA, Cataria Reis; GOMES, Natália. Indicadores de Integração de Imigrantes: relatório estatístico anual 2017. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números. Observatório das Migrações. Lisboa: ACM, 2017., p. 13).

Com a mudança na Lei de Nacionalidade, Portugal passou a ser classificado em diversas pesquisas internacionais como favorável à integração dos imigrantes na questão da nacionalidade, ficando em 3º lugar entre os países da OCDE em 2014, apenas ultrapassado pela Suécia e pela Hungria (Oliveira, Gomes, 2017OLIVEIRA, Cataria Reis; GOMES, Natália. Indicadores de Integração de Imigrantes: relatório estatístico anual 2017. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números. Observatório das Migrações. Lisboa: ACM, 2017., p. 13), e em 1º lugar no ranking MIPEX 2015 (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 38).

Os aspectos favoráveis à obtenção da nacionalidade portuguesa por parte dos imigrantes seguem requisitos curtos de residência, direitos de cidadania para as crianças, habilidades A25 5 Segundo o Referencial Camões “Português Língua Estrangeira” (Direção de Serviços de Língua e Cultura, 2017), há seis níveis comuns de referência: A1 (iniciação) e A2 (elementar) para utilizador elementar, B1/B2 para utilizador independente e C1/C2 para utilizador proficiente. O nível A2 refere-se à habilidade para lidar com questões simples cotidianas. no idioma português e dupla nacionalidade (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 37-40).

O caminho para a aquisição da nacionalidade portuguesa por naturalização começa após 5 anos de residência legal em Portugal para os imigrantes comuns e 3 anos para os cônjuges dos cidadãos, o que é relativamente flexível para a média dos países europeus (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 38). Para a concessão, entretanto, deve-se preencher os requisitos cumulativos previstos no artigo 6º da Lei n.º 37/81.

O direito à nacionalidade originária para as crianças descendentes de imigrantes, nascidas ou criadas em Portugal é garantido nos termos do artigo 1º da Lei de Nacionalidade (Lei nº 37/81). Vale ressaltar que a Lei Orgânica n.º 9/2015, sétima alteração da Lei de Nacionalidade, atribuiu a nacionalidade portuguesa originária aos netos dos portugueses nascidos no estrangeiro (artigo 1, alínea ‘d’ da Lei n.º 37/81).

A previsão do duplo ius solis no ordenamento jurídico português ocorreu a partir da reforma legislativa de 2006, no entanto, esse direito não é pleno, depende de 5 anos de residência regular de um dos progenitores em Portugal. Em outras palavras, os nascidos em Portugal de pais estrangeiros só serão considerados portugueses se os pais tiverem residido legalmente em Portugal por pelo menos 5 anos e desde que antes de atingida a maioridade. Se não for respeitado este o período mínimo, a criança nascida em Portugal pode naturalizar-se após 10 anos de residência habitual no país.

De outro lado, quando não for respeitado o período de 5 anos de residência regular dos progenitores, pode a criança, nascida em Portugal, cujos pais que também nasceram em Portugal, adquirir a nacionalidade nata portuguesa, novidade esta que trazida pela 8ª modificação da Lei de Nacionalidade. Em síntese, agora é permitida a atribuição da nacionalidade portuguesa à 3ª geração de imigrantes.

As crianças apátridas ou abandonadas nascidas ou identificada em Portugal também são capazes de adquirir a cidadania portuguesa. A possibilidade de dupla nacionalidade é tida como condição facilitadora da integração, prevista em Portugal assim como na maioria dos países Europeus e estrangeiros (o MIPEX 2015 identificou outros 24 países que preveem a dupla nacionalidade) (Huddleston et al., 2015HUDDLESTON, Thomas; BILGILI, Özge; JOKI, Anne-Linde; VANKIVA, Zvezda. Migrant Integration Policy Index 2015. Barcelona/Brussels: CIDOB and MPG, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.mipex.eu/sites/default/files/downloads/files/mipex-2015-book-a5.pdf . Acesso em: 23.04.2018.
https://www.mipex.eu/sites/default/files...
, p. 38).

O conhecimento do nível básico da língua portuguesa (nível A2), uma das condições para a naturalização dos imigrantes, é incentivado pelo Estado português por meio de cursos gratuitos e, até 2014, testes gratuitos.

O Programa Português para Todos (PPT), gerido pela ACM e regulamentado pelas Portarias n.º 1262/2009 e n.º 216-B/2012, foi implementado pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares através das escolas da rede pública e pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional. Em 2017, foram realizadas 425 ações de formação, abrangendo 10.169 formandos, dos quais 5.210 conseguiram certificados. Dessas ações, 369 foram voltadas para aprendizagem da língua portuguesa de nível A1 e A2. Também no ano de 2017 foram iniciados outros dois recursos para a proficiência nível A1/A2 em língua portuguesa: o “Caderno de Formação - Propostas de Atividades” e “Exercícios e o Guia Para o ensino do Português enquanto Língua de Acolhimento (PLA)” (Oliveira, Gomes, 2017OLIVEIRA, Cataria Reis; GOMES, Natália. Indicadores de Integração de Imigrantes: relatório estatístico anual 2017. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números. Observatório das Migrações. Lisboa: ACM, 2017., p. 36-39).

Não obstante, existe a Plataforma de Português Online, que funciona através do sítio eletrônico: <https://pptonline.acm.gov.pt>. A Plataforma é uma ferramenta online voltada à prática da língua portuguesa e que até 2017 contou com 4.810 utilizadores de 150 nacionalidades (Oliveira, Gomes, 2017OLIVEIRA, Cataria Reis; GOMES, Natália. Indicadores de Integração de Imigrantes: relatório estatístico anual 2017. In: OLIVEIRA, Catarina Reis (coord.). Coleção Imigração em Números. Observatório das Migrações. Lisboa: ACM, 2017., p. 36-39).

Portanto, no quesito acesso à nacionalidade, Portugal contém regras claras e razoáveis, capazes de serem cumpridas pelos imigrantes. Há a exigência de um período relativamente curto de residência regular, motivo pelo qual é considerado favorável à naturalização e à atribuição da nacionalidade portuguesa aos imigrantes.

Conclusão

Historicamente considerando, não faz muito tempo que Portugal passou de um perfil de fluxo emigratório para um perfil de fluxo imigratório. O trabalho não pretendeu a análise das razões para tal mudança, mas sim do tratamento político e jurídico que os imigrantes recebem relativamente aos direitos de cidadania, fator este de grande importância para a respectiva integração em território português.

As inúmeras ações e órgãos estabelecidos para tratar a questão da migração por parte do governo português demonstram um legítimo interesse em atender humanamente os indivíduos imigrantes. Pode-se citar, por exemplo, a criação do Alto Comissariado para as Migrações (ACM), do Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI), do Plano Estratégico para as Migrações (PEM) e do Observatório das Migrações (OM).

Os direitos de cidadania envolvem diversos fatores e prerrogativas para que sejam concretizados. Tendo em vista a necessidade de delimitar o objeto, até mesmo para um melhor aprofundamento do estudo, optou-se por trabalhar três pontos ligados aos direitos de cidadania: o direito à participação política, o direito à residência permanente e o acesso à nacionalidade.

Quanto ao direito de participação política, é possível afirmar que todos os estrangeiros, legalmente residentes, têm direitos eleitorais em Portugal. O país é considerado uma das democracias mais inclusivas entre os países de imigração, cujas ações de promoção da informação e estímulo aos imigrantes contribuem para respectiva participação política.

Entretanto, o governo português poderia alargar o direito de voto, pois os direitos concedidos estão restritos às eleições locais. Ainda, desnecessário o condicionamento da capacidade eleitoral ativa dos estrangeiros ao princípio da reciprocidade. Isto porque, os direitos humanos e fundamentais, bem como os de integração dos não-nacionais precisam estar acima de qualquer motivação política injustificadamente limitadora. A globalização e os fluxos migratórios impuseram a reformulação da antiga política de soberania dos países, em respeito às condições mais básicas das pessoas.

O direito à residência permanente em Portugal recebe um tratamento diferenciado a depender do país de origem dos estrangeiros. Os indivíduos nacionais de países membros da União Europeia, conforme Lei n.º 37/2006, têm assegurado o direito de entrada, permanência e residência em Portugal, incluindo os familiares que os acompanhem ou que a eles se reúnam. Já os indivíduos estrangeiros e apátridas, ressalvados os nacionais que possuem regulamentação específica, recebem o tratamento previsto na Lei n.º 23/2007 (Lei de Estrangeiros). Essa lei foi importante para os residentes permanentes, uma vez instituiu procedimentos mais transparentes, promovendo a imigração legal. O tempo de 5 anos, previsto para se adquirir direito à residência de longa duração, foi considerado razoável pela pesquisa MIPEX 2015. O problema apontado na pesquisa foi a facilidade em se obter a cidadania portuguesa, de modo que enfraqueceu o instituto da residência permanente. Além disso, relatou-se uma certa carência ou falta de clareza nas informações transmitidas aos imigrantes residentes temporários.

Para o acesso à nacionalidade portuguesa, como já mencionado, Portugal conta com regras claras e razoáveis, favoráveis aos imigrantes. Há requisitos curtos de residência, previsão de dupla nacionalidade (duplo ius solis) e direitos de cidadania para as crianças. A mudança legislativa promovida na Lei n.º 37/81, dada pela Lei Orgânica n.º 2/06, corroborou para a aumento da atribuição de nacionalidade portuguesa ao ampliar o rol de destinatários.

O Programa Português para Todos (PTT) é um forte estímulo à obtenção da residência permanente e ao acesso à nacionalidade por parte dos imigrantes, tendo em vista o nível de conhecimento A2 em língua portuguesa ser um de seus requisitos. Além do programa, outros recursos são oferecidos pelo governo português para proficiência em língua portuguesa: o “Caderno de Formação - Propostas de Atividades”, “Exercícios e o Guia Para o ensino do Português enquanto Língua de Acolhimento (PLA)” e a Plataforma de Português Online.

A pesquisa MIPEX 2015, após analisar 38 países, atribuiu a seguinte classificação à Portugal: 4º lugar relativamente à participação política; 8ª posição quanto à facilidade em obter residência permanente e 1º do ranking no quesito acesso à nacionalidade.

Os direitos de cidadania dos imigrantes em Portugal são, em geral, adequados. Obviamente, há algumas questões a serem melhoradas, como, por exemplo, a limitação no direito de voto, a sub-representação no recenseamento eleitoral português e a carência ou falta de clareza nas informações sobre a residência de longa duração da União Europeia. Entretanto, a percepção do esforço do governo português para instituir boas práticas no campo das migrações é algo que não pode ser desconsiderado.

Não houve a possibilidade de estudar os impactos da pandemia de COVID-19 relativamente ao objeto de estudo, na medida em que a definição do tema e o desenvolvimento do trabalho ocorrem em momento anterior. No entanto, é sabido que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ampliaram automaticamente os processos de sua competência pendentes a fim de regularizar a situação dos estrangeiros em Portugal. Em caso deles não conseguirem agendamento para atendimento no órgão, os documentos de renovação de residência, vistos e documentos para permanência legal em território português que expiraram a partir de 24 de fevereiro de 2020 tornaram-se válidos até 31 de dezembro de 2021 por meio do Decreto-Lei nº 22-A/20216 6 Informação disponível em: < https://imigrante.sef.pt/covid-19/faqs/#1585844693862-85f661ff-0985>. Acesso em: 08.10.2021. .

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2021
  • Aceito
    14 Out 2021
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