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Organização curricular dos cursos de Educação Física no Paraná: características da licenciatura e do bacharelado

Curricular organization of the Physical Education courses in Paraná: characteristics of the licentiate and bachelor's degree

Resumos

Esta pesquisa, do tipo descritivo, objetivou compreender como cursos de educação física em licenciatura e bacharelado do Paraná têm se caracterizado após promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a área, com vistas à identificação de eixo(s) norteador(es) e identidade própria para os referidos cursos. Os dados, coletados em 26 cursos, compostos por projetos pedagógicos, de licenciatura e bacharelado em educação física, e entrevista semi-estruturada com os coordenadores dos cursos, foram tratados por meio de análise de conteúdo. Os resultados indicam que, 6 IES recorreram às orientações legais para a organização dos currículos; e que não há descrição de eixos norteadores nos projetos pedagógicos, contudo, no bacharelado, a saúde e o treinamento foram citados pelos coordenadores. Assim, apontamos a necessidade de que os projetos pedagógicos sejam articulados em sua totalidade com os objetivos do curso e perfil do egresso, rumo à construção de cursos de licenciatura e bacharelado com características próprias.

Formação; Educação física; Currículo


This research, of the descriptive type, aimed to understand how physical education courses in licentiate and bachelor's degree of the Paraná has been characterized after enactment of the National Curriculum Guidelines for the area, with a view to identifying axle(s) guideline(s) and identity for these courses. The data collected in 26 courses, composed of pedagogical projects, of licentiate and bachelor's degree in Physical Education, semi-structured interviews with the coordinators of the courses, were treated by means of content analysis. The results indicate that 6 IES resorted to legal guidelines for the organization of the curriculum; and that no there description of axles guidelines in pedagogical projects, however, the bachelor, health and training were cited by the coordinators. Thus, we pointed the need that pedagogical projects are articulated in its entirety with the course objectives and profile of egress, toward building courses of licentiate and bachelor's degrees with own characteristics.

Formation; Physical education; Curriculum


INTRODUÇÃO

A formação profissional assume importância crucial na atualidade e, cada vez mais, os estudiosos se preocupam com essa área de investigação. Frente às facilidades de informação (por meio da internet e outros meios de comunicação) presentes no mundo de hoje, percebemos que o nível de produção do conhecimento se apresenta com uma rapidez jamais vista anteriormente, distanciando-nos das possibilidades de domínio total do conhecimento.

Sendo assim, é importante que a formação inicial esteja comprometida em buscar uma nova postura para o ensino superior, posto que é nesse período que se adquire saberes indispensáveis para a ação profissional. A partir desse entendimento, discussões sobre formação profissional continuam sendo temáticas atuais.

Considerando que os cursos de ensino superior são organizados por meio de um currículo, autores como Forquin (1993)FORQUIN, J. C. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes médicas, 1993., Santomé (1998)SANTOMÉ, J. T. Globalização e interdisciplinaridade: o currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1998., Sacristán (2000, 2013)SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000., Apple (2006)APPLE, M. W. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 2006., entre outros entendem que este é primeiramente um percurso educacional, que envolve um processo contínuo de situações de aprendizagem.

Nesse sentido, o debate acadêmico atual na área da educação física tem sido permeado por discussões acerca de uma nova estrutura curricular. Dentre os vários pontos organizados para as novas Diretrizes Curriculares Nacionais presentes na Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), podemos destacar a orientação de uma formação diferenciada para a formação do bacharel e do licenciado em função dos distintos campos de atuação profissional, e esta deve contar com peculiaridades relativas à sua formação específica.

A defesa da formação diferenciada entre a bacharelado e licenciatura, em contradição à licenciatura ampliada, ganha força devido aos encaminhamentos que foram dados pelo Ministério da Educação aos cursos de licenciaturas no Brasil, neles encontramos que alguns cuidados devem ser tomados (LIBÂNEO, 2006LIBÂNEO, J. C. Diretrizes curriculares da pedagogia: imprecisões teóricas e concepção estreita da formação profissional de educadores. Educação e Sociedade, Campinas, v. 27, n. 96 - Especial, p. 843-876, out. 2006.). Sendo assim, os cursos de licenciatura em educação física deverão seguir as mesmas orientações de todas as outras licenciaturas presentes nas Resoluções CNE/CP n.01 e 02/2002 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.), entre elas a de que a formação do licenciado deve ser exclusiva para o espaço escolar, sendo necessária uma segunda formação para os outros espaços de atuação do profissional da área.

A discussão, nesse momento, centra-se em saber como as Instituições de Ensino Superior (IES) compuseram os currículos dos dois cursos (bacharelado e licenciatura plena) e se há uma identidade própria, ou seja, características diferenciadas para as duas formações que justifiquem a necessidade das mesmas. Existe, concomitantemente à preocupação em atender os aspectos legais e, em buscar uma abordagem curricular que esteja comprometida com aspectos históricos e sociais rumo à emancipação humana.

Diante desse contexto, Sacristán (2000, p.107)SACRISTÁN, J. G. O currículo: uma reflexão sob a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.afirma que o currículo "[...] é um objeto social e histórico" que possui peculiaridades dentro do sistema educativo que lhe confere importância, e devido a essas especificidades e características, não é possível ter um entendimento de currículo desvinculado do contexto no qual ele será desenvolvido. Desse modo, ao mesmo tempo que é importante ter preocupação com os aspectos técnicos do currículo, é necessário atentar-se para outros relacionados aos fatores sociais e históricos. Para tanto, é mister a construção de um currículo que busque preparar para enfrentar o fenômeno das transformações sociais e da rapidez de produção e veiculação de conhecimento.

Face ao exposto, defendemos que no contexto da educação física é importante que os currículos atendam às dimensões técnico-científica, ético-moral e político-social, que por vezes, não são levadas em consideração, associadas à preocupação de atender os aspectos legais estabelecidos. Assim, identifica-se a existência de uma problemática no momento da seleção dos conhecimentos e disciplinas como parte do currículo, haja vista que entre os estudiosos da área não existe consenso quanto à identidade acadêmico-científica da mesma, bem como tradição na constituição dos cursos de bacharelado e licenciatura exclusiva para o atendimento da educação física escolar.

Pelo fato da homologação das Resoluções CNE/CP n.01 e 02/2002 e CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996., 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), constituintes das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de educação física, ser recente, as discussões sobre a formação profissional continuam em efervescência. Sobre o assunto, os estudos de Souza Neto (1999)SOUZA NETO, S. A educação física na universidade: licenciatura-bacharelado - as propostas de formação e suas implicações teórico-práticas. 1999. 350f. Tese (Doutorado em Educação)-Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999. , Andrade Filho (2001)ANDRADE FILHO, N. F. Formação profissional em educação física brasileira: uma súmula da discussão dos anos de 1996 a 2000. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 22, n. 3, p. 23-37, 2001., Reis (2002)REIS, M. C. C. A legitimidade acadêmico-científica da educação física: uma investigação. 2002. 301f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. , Barbosa-Rinaldi (2004)BARBOSA-RINALDI, I. P. A ginástica como área de conhecimento na formação profissional em educação física: encaminhamentos para uma estruturação curricular. 2004. 232f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. , Nascimento (2006)NASCIMENTO, J. V. Formação do profissional de educação física e as novas diretrizes: reflexões sobre a restruturação curricular. In: SOUZA NETO, S.; HUNGER, D. (Org.). Formação profissional em educação física: estudos e pesquisas. Rio Claro: Biblioética, 2006. p. 59-75., Oliveira (2006)OLIVEIRA, A. A. B. A formação profissional em educação física: legislação, limites e possibilidades. In: SOUZA NETO, S.; HUNGER, D. (Org.). Formação profissional em educação física: estudos e pesquisas. Rio Claro: Biblioética, 2006. p. 17-32., Benites, Souza-Neto e Hunger (2008)BENITES, L. C.; SOUZA NETO, S.; HUNGER, D. O processo de constituição histórica das diretrizes curriculares na formação de professores de Educação Física. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 343-360, maio/ago. 2008., Nascimento e Farias (2012)NASCIMENTO, J. S.; FARIAS, G. S (Orgs.). Construção da identidade profissional em educação física: da formação à intervenção. Florianópolis: UDESC, 2012. v. 2., entre outros que tratam do processo de formação de professores de educação física, apontam que as constantes alterações na legislação sugerem novos olhares para a área, corroborando com a necessidade de se repensar a formação profissional do docente.

Tomando como base os debates acerca das Resoluções CNE/CP n.01 e 02/2002 e CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996., 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), é importante ressaltar que a formação na área ainda não encontrou um consenso, pois quando analisamos as situações relativas à licenciatura e ao bacharelado, percebemos que enquanto uns defendem que a formação deve atender e preparar profissionais para o mercado de trabalho, outros discutem a necessidade de uma formação mais crítica que supere a fragmentação, o imediatismo e o modismo mercadológico, e que a dupla formação na área ainda é reversível. Essa discussão pode ser encontrada em autores como Freitas (2002)FREITAS, H. C. L. de. Formação de professores no Brasil: 10 anos de embate entre projetos de formação. Educação & Sociedade, Campinas, v. 23, n. 80, p. 136-167, set 2002., Massa (2002)MASSA, M. Caracterização acadêmica e profissional da educação física. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 29-38, 2002., Reis (2002)REIS, M. C. C. A legitimidade acadêmico-científica da educação física: uma investigação. 2002. 301f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. , Anderáos (2005)ANDERÁOS, M. A reorganização profissional em Educação Física no Brasil: aspectos históricos significativos. 2005. 184f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. , Scherer (2005)SCHERER, A. Educação Física e os mercados de trabalho no Brasil: quem somos, onde estamos e para onde vamos? In: FIGUEIREDO, Z. C. C. (Org.). Formação profissional em educação física e mundo do trabalho. Vitória: Gráfica da Faculdade Salesiana, 2005. p. 31-45., Nascimento (2006)MEDINA, J. P. S. A educação física cuida do corpo... e "mente". 4. ed. Campinas: Papirus, 1985., Oliveira (2006)OLIVEIRA, A. A. B. A formação profissional em educação física: legislação, limites e possibilidades. In: SOUZA NETO, S.; HUNGER, D. (Org.). Formação profissional em educação física: estudos e pesquisas. Rio Claro: Biblioética, 2006. p. 17-32., Taffarel et al. (2007)TAFFAREL, C. N. Z.; DIAS JUNIOR, I. M.; SANTOS, J. B.; ALVES, M. S.; BARBOSA, J. A. Regulamentação da profissão de educação física: nexos e relações com a reestruturação produtiva e as reformas do estado. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO, 3., 2007, Salvador. Caderno de resumos do III EBEM... Salvador: UFBA, 2007. v. 1. p. 167-177., e Benites, Souza Neto e Hunger (2008)BENITES, L. C.; SOUZA NETO, S.; HUNGER, D. O processo de constituição histórica das diretrizes curriculares na formação de professores de Educação Física. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 343-360, maio/ago. 2008.. Entretanto, vale destacar que neste texto não trataremos da discussão sobre questões de ordem político-acadêmica relacionadas ao processo de divisão dos cursos na área da educação física, permeado pela influência do processo de regulamentação da profissão, dentre outras, posto que não é objeto do estudo em questão.

Neste sentido, apontamos a necessidade de desenvolvimento de estudos relacionados à consolidação dos currículos dos cursos de educação física, especialmente após o processo de reformulação motivado pelas Resoluções CNE/CP n.01 e 02/2002 e CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996., 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), no sentido de rever sua estrutura e organização para que seja possível repensar os fundamentos que deveriam ser priorizados na formação profissional, com vistas a preparar os professores/profissionais para atuarem nos diversos campos de intervenção da área.

Mediante o exposto, a lacuna identificada é a ausência de estudos que tomam como foco o eixo norteador presente nos projetos pedagógicos (PP) dos cursos de educação física (licenciatura e bacharelado). Dessa forma, a presente pesquisa tem como objetivo compreender como os cursos de educação física em licenciatura e bacharelado do Paraná têm se caracterizado após promulgação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a área, com vistas à identificação de eixo(s) norteadore(s) e de identidade própria para os referidos cursos.

Ressaltamos que esse estudo busca contribuir com a consolidação dos currículos de formação inicial em educação física, visto que estamos em um período de constantes transformações na área, sobretudo permeada pelas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação.

METODOLOGIA

Elegemos para esta investigação a pesquisa do tipo descritiva, que de acordo com Cervo e Bervian (1996, p. 49)CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica: para uso dos estudantes universitários. São Paulo: Mcgraw-hill do Brasil, 1996., "[...] é aquela que observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los", tendo como objetivo primordial, segundo Gil (2007)GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2007., a descrição das características dos mesmos. Thomas e Nelson (2002)THOMAS, J. R.; NELSON, J. K. Métodos de pesquisa em atividade física. Porto Alegre: Artmed, 2002. reforçam que a utilização da pesquisa do tipo descritiva é a mais adequada para se obter respostas de pessoas de uma vasta área geográfica, justificando nossa escolha, visto que a mesma envolve as instituições de ensino superior do estado do Paraná.

Com o objetivo de definir os participantes do estudo, num primeiro momento, fizemos um levantamento das instituições de ensino superior do estado Paraná que possuem o curso de educação física, totalizando 40 instituições e 90 cursos de educação física credenciados no Ministério da Educação e Cultura no ano de 2011 (BRASIL, 2011BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Instituições de educação superior e cursos cadastrados, 2011. Disponível em: <http://emec.mec.gov.br/>. Acesso em: 22 nov. 2011.
http://emec.mec.gov.br/...
). Em seguida, selecionamos as IES participantes da pesquisa a partir dos critérios: 1) deveria oferecer o curso de educação física no mínimo há dez anos; 2) deveria oferecer o curso de licenciatura e bacharelado em educação física conforme previsto nas Resoluções CNE/CP n.01 e 02/2002 e CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996., 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.); e, 3) aceitar participar da pesquisa.

Ao final, devido à liberdade de desistência expressa no termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos participantes, a amostra constituiu-se por 5 IES públicas e 8 privadas, sendo estas representadas por seus coordenadores.

A composição da fonte de dados compreendeu os projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura e bacharelado em educação física das IES do estado do Paraná, em que analisamos a organização da matriz curricular, bem como os princípios norteadores deste documento. A fim de buscar complementação, também realizamos uma entrevista semiestruturada com os coordenadores, na tentativa de responder a esse objetivo. O processo de coleta de dados se deu por meio de contato pessoal com os coordenadores dos cursos pesquisados, em que realizamos a entrevista e tivemos acesso à documentação necessária para análise proposta.

O roteiro de questões objetivou obter informações sobre a reestruturação curricular na realidade de cada instituição, na tentativa de discutir a existência de aproximações ou distanciamentos entre as duas formações (licenciatura e bacharelado), bem como a identificação de eixo(s) norteador(es). Vale destacar que a entrevista realizada, validada por três pesquisadores doutores da área, fez parte do Projeto de Pesquisa intitulado Panorama da formação inicial em educação física no estado do Paraná, contemplado com fomento do Edital Universal MCT/Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), e que para esta pesquisa, utilizamos apenas os dados que subsidiam o objetivo proposto neste artigo.

Para o tratamento dos dados, tanto dos documentos (projeto pedagógico e matriz curricular) como das entrevistas transcritas, fizemos uso da técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977, p. 38)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977., a fim organizar os dados para melhor interpretar os resultados, a qual é entendida "[...] como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens". Nesse estudo, aplicamos a análise categorial, dentre as várias possibilidades de categorização, a qual "[...] consiste em descobrir núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença, ou freqüência de aparição podem significar alguma coisa para o objetivo analítico escolhido" (BARDIN,1977, p. 105BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.).

Este procedimento permite que os resultados brutos encontrados nos documentos e entrevistas sejam tratados de maneira que se tornem significativos e válidos. Para isso construímos quadros de resultados, os quais condensam e destacam as informações fornecidas pela análise (BARDIN, 1977BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.), o que facilita a compreensão do contexto, possibilitando uma interpretação mais precisa baseada nos objetivos estabelecidos. Ressaltamos que essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos (CONEP) sob Parecer n. 247/2010. Todos os pesquisados foram informados sobre a divulgação e publicação dos dados coletados no estudo.

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

As análises foram realizadas partir dos projetos pedagógicos dos cursos de licenciatura e bacharelado do estado do Paraná, bem como da entrevista com os coordenadores de curso, visando verificar como as disciplinas são organizadas na matriz curricular e se há a existência de eixo(s) norteadore(s).

Apresentamos inicialmente a organização curricular dos cursos de licenciatura e bacharelado de acordo com o expresso no PP, a qual é discutida a partir das orientações previstas nas Resoluções CNE/CP n.01/2002 e CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996., 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.). Na sequência, tendo como base a entrevista com os coordenadores de curso, buscamos compreender como os cursos de licenciatura e bacharelado tem se caracterizado, bem como identificar se há existência de eixos norteadores na formação do bacharel em especial, uma vez que os cursos de licenciatura, de acordo com as novas DCNs focam unicamente a escola.

Considerando que utilizamos as Resoluções CNE/CP n.01/2002 e CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2002bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996., 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.) como ponto de referência para discutir a organização curricular dos cursos de licenciatura e bacharelado, entendemos ser importante destacar que, mesmo que a Resolução CNE/CP n.01/2002 (BRASIL, 2002bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.), específica para as licenciaturas, não estabeleça um modelo organizacional, esta traz como prerrogativa que para a organização curricular, cada instituição deverá observar os dispostos nos artigos 12 e 13 da Lei 9.394/1996 (BRASIL, 1996BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.), além de orientações particulares da formação para a docência, como: o ensino com vistas à aprendizagem do aluno; a diversidade; atividades culturais; práticas investigativas; elaboração e a execução de projetos de conteúdos curriculares; o uso de tecnologias, metodologias, estratégias e materiais inovadores; e trabalho em equipe.

Também vale informar que, a Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), própria para os cursos de bacharelado em educação física, estabelece a formação específica e ampliada, subdividas por seis dimensões, é importante explicar como estas são compreendidas, visto que são orientadoras para a organização curricular: relação ser humano-sociedade abarca os conhecimentos históricos, sociológicos, ético-políticos, filosóficos, religiosos e culturais, sendo estes referendados pelo conhecimento do homem na sociedade; biológica do corpo humano caracteriza-se pela convergência dos conhecimentos da biologia, anatomia e fisiologia humana, bioquímica, nutrição, biomecânica, cineantropometria, etc., e suas implicações no movimento humano; produção do conhecimento científico e tecnológico pode ser entendida a partir das aplicações dos conhecimentos científicos relacionados a diversas áreas, tais como, informática, comunicação, estatística, biológica, sociocultural, entre outras, estando estas relacionadas à atuação profissional em educação física; cultural do movimento humano agrega os conhecimentos específicos das diferentes manifestações e expressões da cultura do movimento humano nas suas formas de jogos, esportes, ginásticas, danças, lutas, entre outros; t écnico-instrumental reúne conhecimentos sobre o desenvolvimento humano, o comportamento motor, a psicologia, a dinâmica e relações estabelecidas no ensino, etc.; e, d idático-pedagógica contempla conhecimentos dos princípios gerais e específicos de gestão e organização das diversas possibilidades de intervenção do profissional no campo de trabalho e de formação (PIZANI, 2011PIZANI, J. A formação inicial em educação física no Estado do Paraná e o perfil dos cursos de licenciatura e bacharelado. 2011. 183f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011 . ).

Primeiramente expomos o Quadro 1 contendo a organização curricular dos cursos de licenciatura e bacharelado, tendo como fonte de dados o projeto pedagógico.

Quadro 1
Organização curricular dos cursos de licenciatura e bacharelado em educação física. Fonte: As autoras.

Observa-se no Quadro 1 que as IES 1, 8 e 9 utilizam a divisão preconizada na Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.) específica do bacharelado para a organização curricular dos cursos de licenciatura e bacharelado. Salienta-se que estas IES utilizam a referida resolução sem levar em consideração as orientações específicas para esta formação, não referenciam a Resolução CNE/CP n.01/2002 (BRASIL, 2002bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.) própria para a formação de professores.

Já as IES 2 e 6 utilizam esta a Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.) somente para o curso de bacharelado, apresentando organizações diferenciadas para os dois cursos. De acordo com os projetos pedagógicos analisados, o curso de bacharelado da IES 2 traz especificações em relação às dimensões presentes nesta resolução e que foram utilizadas como orientadoras para a organização da matriz curricular desta IES. E a IES 6 explicita no PP que o modelo de currículo proposto pela instituição visa possibilitar aos alunos a construção do processo de graduação, buscando uma sólida formação nas diferentes dimensões.

Para a licenciatura, a IES 2 cita em seu projeto pedagógico uma organização curricular, que se divide em quatro campos: dimensões pedagógicas; o movimento culturalmente construído; acadêmico profissionalizante; e dimensões epistemológicas. No entanto, não apresenta a matriz curricular baseada nesses campos, não justificando utilizar como orientação os campos citados. Nesse sentido, a distribuição das disciplinas divide-se em área principal (conhecimentos próprios da área relativa à docente), área básica (conhecimentos oriundas da educação física) e área complementar (conhecimentos advindos de áreas correlatas e enriquecedoras da formação). Isso demonstra certa falta de articulação entre o proposto no PP e a organização da matriz curricular. Além disso, não faz referência à Resolução CNE/CP n.01/2002 (BRASIL, 2002bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.) própria para a formação de professores.

O curso de licenciatura da IES 6, justificando a escolha pelo fato de ser uma orientação da Resolução CNE/CP n.01/2002 (BRASIL, 2002bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.), utilizou como proposta as seguintes áreas temáticas para a organização curricular: cultura geral e profissional; conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos; conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino; conhecimentos pedagógicos; conhecimentos advindos da experiência. No entanto, esta não é uma orientação para a organização da matriz curricular.

A IES 3 apresenta as matrizes curriculares, para os dois cursos, dividas em três áreas, sendo elas: conhecimentos identificadores da área, amplo e de aprofundamento, aproximando-se da organização da IES 7, também para os cursos de licenciatura e bacharelado, qual seja: formação específica, básica e de aprofundamento/complementar. Ambas as instituições se aproximam do que é preconizado pela Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.). Entretanto, as IES 3 e 7 não fazem uso de documentos oficiais para a organização curricular, além de apresentar aproximação apenas com os disposto para o bacharelado. Ainda é importante destacar que não há no projeto pedagógico justificativas para a disposição curricular apresentada.

A organização curricular dos cursos de licenciatura e bacharelado da IES 5 se dá baseada em oito dimensões, como pode ser observado no quadro 1. No entanto, mesmo o conteúdo do projeto pedagógico sendo esclarecedor que essas dimensões foram orientadoras para a seleção dos conteúdos que comporiam o currículo, as disciplinas não se encontram distribuídas de acordo com o exposto. Já as IES 4, 10, 11, 12 e 13 não organizam o currículo baseado em dimensões do conhecimento em nenhuma das duas formações oferecidas, evidenciando certo distanciamento do proposto pela legislação da área.

Dessa forma, das 13 IES pesquisadas, referente aos cursos de bacharelado cinco utilizam a Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), três não fazem uso de documentos oficiais e cinco não apresentam o currículo organizado em dimensões do conhecimento. No tocante aos cursos de licenciatura, três utilizam a Resolução CNE/CES n.07/2004 específica do bacharelado; cincos não fazem uso de documentos oficiais; e cinco IES não apresentam a organização curricular tendo como base dimensões do conhecimento.

Assim, podemos inferir que somente 38% dos cursos de bacharelado se baseiam nas dimensões do conhecimento presentes na Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.) em detrimento de 62% que não as utilizam, e 77% dos cursos de licenciatura não recorrem a documentos oficiais, incluindo aqueles que não apresentam o currículo organizado por dimensões do conhecimento. Deste modo, mesmo que a Resolução CNE/CP n.01/2002 (BRASIL, 2002bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.) apresente orientações específicas para as licenciaturas, nenhum dos cursos pesquisados faz referência a esta resolução como balizadora legal. Além disso, 23% dos cursos de licenciatura utilizam a resolução específica do bacharelado.

Face aos dados encontrados, percebemos certa falta de identidade com a legalidade, posto que, para construir os currículos de licenciatura, as IES não utilizam as diretrizes curriculares próprias para a licenciatura. As utilizam somente no que concerne a dupla formação, deixando claro seus distintos campos de atuação.

Esta falta de identidade referente à legalidade dos cursos de licenciatura e bacharelado, verificada nesta pesquisa a partir da não utilização de diretrizes curriculares específicas, pode ser reforçada por meio de resultados obtidos em estudos recentes que tomaram como base a reformulação curricular balizada pelas Resoluções CNE/CP n.01 e 02/2002 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.) e CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.). Pizani (2011)PIZANI, J. A formação inicial em educação física no Estado do Paraná e o perfil dos cursos de licenciatura e bacharelado. 2011. 183f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011 . , ao analisar os projetos pedagógicos de cursos de licenciatura e bacharelado, concluiu que 57% das instituições pesquisadas possuem currículos próprios, enquanto 43% apresentam currículos muito parecidos entre a formação do licenciado e do bacharel da mesma instituição. Já Seron (2011)SERON, T. D. Educação física e matrizes teóricas: o cenário da formação inicial no Estado do Paraná. 2011. 224f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011., referente às análises do referencial teórico das disciplinas dos cursos de licenciatura e bacharelado, apontou para mais semelhanças do que diferenças entre os cursos, isso porque, de forma geral, o referencial teórico utilizado não se apresentou de forma diferenciada para as duas formações.

Assim, identifica-se a existência de uma problemática a partir da falta de identidade própria para as duas formações, haja vista a carência de tradição na constituição de currículos de cursos de bacharelado e de licenciatura exclusiva para o atendimento da educação física escolar. Além do mais, a discussão na área acerca da ausência de consenso quanto à identidade acadêmico-científica, embora recente, e que pode ser encontrada em diversos estudos (MEDINA, 1985MEDINA, J. P. S. A educação física cuida do corpo... e "mente". 4. ed. Campinas: Papirus, 1985.; BRACHT, 1989BRACHT, V. Educação física: a busca da autonomia pedagógica. Revista da Educação Física/UEM, Maringá, v. 1, n. 0, p. 28-33, 1989.; LOVISOLO, 1992LOVISOLO. H. Educação Física como arte da mediação. Contexto e Educação, v. 1, n. 29, p. 26-59, 1992.; FENSTERSEIFER, 2000FENSTERSEIFER, P. E. A crise da racionalidade moderna e a educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas, v. 22, n. 1, p. 29-38, set. 2000.; MASSA, 2002MASSA, M. Caracterização acadêmica e profissional da educação física. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 29-38, 2002.; REIS, 2002REIS, M. C. C. A legitimidade acadêmico-científica da educação física: uma investigação. 2002. 301f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002. ; BARBOSA-RINALDI, 2004BARBOSA-RINALDI, I. P. A ginástica como área de conhecimento na formação profissional em educação física: encaminhamentos para uma estruturação curricular. 2004. 232f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2004. ; PIZANI, 2011PIZANI, J. A formação inicial em educação física no Estado do Paraná e o perfil dos cursos de licenciatura e bacharelado. 2011. 183f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011 . ; SERON, 2011SERON, T. D. Educação física e matrizes teóricas: o cenário da formação inicial no Estado do Paraná. 2011. 224f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2011.), é anterior as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais que motivaram a dupla formação, contudo, inferimos que também pode ter contribuído para que haja a ausência de identidade própria nos currículos atuais de licenciatura e bacharelado.

Considerando as duas possibilidades de formação, licenciatura e bacharelado, buscamos compreender, por meio de entrevista, como os cursos tem se caracterizado após o estabelecimento das Resoluções CNE/CP n.01 e 02/2002 (BRASIL, 2002b e cBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.) e Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004bBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.). No Quadro 2, apresentamos as categorias elencadas a partir da entrevista realizada com os coordenadores dos cursos a partir da seguinte questão: levando em consideração que a instituição oferece as duas formações (licenciatura e bacharelado), existe um destaque maior de uma em detrimento da outra? Qual e por quê?

Quadro 2
Categorias elaboradas a partir das respostas obtidas por meio da questão: levando em consideração que a instituição oferece as duas formações (licenciatura e bacharelado), existe uma tradição maior de uma em detrimento da outra? Qual e por quê? Fonte: As autoras.

Notam-se divergências entre as respostas. Na categoria 2, composta pelo discurso de dois coordenadores, traz que dois cursos não apresentam destaque de uma formação (licenciatura e bacharelado) em detrimento da outra. Entretanto, em 11 IES (categorias 1 e 3) há maior destaque de uma das duas formações.

Na categoria 1, organizada a partir das respostas de coordenadores, encontramos a existência de maior tradicionalidade da licenciatura em seis IES. Os coordenadores justificam que os docentes das instituições com esta característica, focaram ao longo de sua atuação no ensino superior, bem como de sua formação acadêmica, trabalhar com conhecimentos pertinentes ao contexto escolar e, portanto, tem maior domínio dos conhecimentos relativos ao espaço escolar. Além disso, salientam que no modelo de licenciatura generalista o perfil dos cursos não privilegiava formar profissionais para atuar fora da escola.

Sobre o assunto, Bracht (1999)BRACHT, V. Educação física e ciência: cenas de um casamento (in)feliz. Ijuí: Unijuí, 1999. ressalta que até a década de 1980 havia um predomínio das subáreas da medicina esportiva, da fisiologia e da cineantropometria, com forte influência das ciências naturais, mas após esse período, houve um crescimento do pensamento pedagógico, com foco principal na atuação no espaço escolar. Com isso, muitos docentes de IES dedicaram-se a temas e linhas de pesquisa relacionadas à escola. Nesse sentido, com a inserção do bacharelado como formação específica para atuação nos diversos campos não escolares, provavelmente esses docentes necessitarão buscar atualizações ou até mesmo novos conhecimentos para subsidiar sua atuação docente nos cursos de bacharelado.

Assim, com a reestruturação curricular e o oferecimento de um curso de licenciatura com foco específico para a escola, é necessário que os docentes busquem atualizações, assim como, que as IES contratem professores para atuar nesta nova realidade. Isto porque, embora antes já atuassem no modelo de licenciatura generalista, o perfil destes cursos não privilegiava formar profissionais para atuar na escola.

Já na categoria 3, é possível observar que em parte das IES há destaque maior no bacharelado, posto que, de acordo com as respostas de 5 coordenadores, este predomínio existe, principalmente pelas características regionais de procura pelo curso e dos profissionais que atuam no mesmo, visto que o quadro docente é composto, em sua maioria, por professores que em sua atuação profissional tiveram experiências no contexto não escolar (treinadores, personal trainers e preparadores físicos).

Enquanto uns acreditam que a licenciatura é mais tradicional por ser mais antiga (categoria 1), outros afirmam que a procura maior é pelo bacharelado (categoria 3), justamente pelo contrário, por essa ser uma formação recente que permite a atuação em campos de atuação diversificados.

Mediante os dados apresentados, observa-se um aspecto positivo na separação dos cursos, haja vista que, no modelo de licenciatura generalista, a maioria das IES privilegiavam diferentes campos de atuação. Nesse sentido, quando havia predomínio do espaço escolar na formação, os outros campos não recebiam atenção necessária, e quando privilegiavam o espaço não escolar, o mesmo acontecia com a escola. Dessa forma, concordamos com autores como Massa (2002)MASSA, M. Caracterização acadêmica e profissional da educação física. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 29-38, 2002., Anderáos (2005)ANDERÁOS, M. A reorganização profissional em Educação Física no Brasil: aspectos históricos significativos. 2005. 184f. Tese (Doutorado em Educação Física)-Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005. , Hunger et al. (2006)HUNGER, D.; NASCIMENTO, J. V.; BARROS, M. V. G.; HALLAL, P. C. A trajetória dos cursos de Graduação na Saúde: Educação Física. In: HADDAD, A. E.; PIERANTONI, C. R.; RISTOFF, D.; XAVIER, I. M.; GIOLO, J.; SILVA, L. B. (Orgs.). A trajetória dos cursos de Graduação na Saúde 1991-2004. Brasília, DF: INEP, 2006. p. 87-139., Nascimento (2006)MEDINA, J. P. S. A educação física cuida do corpo... e "mente". 4. ed. Campinas: Papirus, 1985., Oliveira (2006)OLIVEIRA, A. A. B. A formação profissional em educação física: legislação, limites e possibilidades. In: SOUZA NETO, S.; HUNGER, D. (Org.). Formação profissional em educação física: estudos e pesquisas. Rio Claro: Biblioética, 2006. p. 17-32., quando reconhecem que a separação das formações, embora de forma isolada não garanta uma formação ideal para todos os campos de intervenção, pode vir a se constituir em uma realidade favorável para a melhoria da formação inicial em educação física e concretizar-se como um aspecto favorável para o processo formativo.

Contudo, não há consenso sobre a dupla formação, mesmo sendo uma normativa legal. Para Taffarel et al. (2007)TAFFAREL, C. N. Z.; DIAS JUNIOR, I. M.; SANTOS, J. B.; ALVES, M. S.; BARBOSA, J. A. Regulamentação da profissão de educação física: nexos e relações com a reestruturação produtiva e as reformas do estado. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO, 3., 2007, Salvador. Caderno de resumos do III EBEM... Salvador: UFBA, 2007. v. 1. p. 167-177., um dos aspectos que sustenta o discurso contrário às novas DCNs, relaciona-se com o fato de que a formação do licenciado separada do bacharel foi fortalecida com a promulgação da Lei 9.696/1998 (BRASIL, 1998BRASIL. Lei n. 9.696 de 1º de setembro de 1998. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 set. 1998.) e criação dos Conselhos Regionais e Federal de Educação Física. A mesma autora acrescenta que a regulamentação da profissão supõe "[...] aumento da produtividade e lucratividade, criação de nichos de mercado, redivisão de mercados consumidores e exprime mudanças nos modelos de administração e gestão da força de trabalho, no exercício profissional e na prática de empresas públicas ou privadas" (TAFFAREL et al., 2007, p. 4TAFFAREL, C. N. Z.; DIAS JUNIOR, I. M.; SANTOS, J. B.; ALVES, M. S.; BARBOSA, J. A. Regulamentação da profissão de educação física: nexos e relações com a reestruturação produtiva e as reformas do estado. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO E MARXISMO, 3., 2007, Salvador. Caderno de resumos do III EBEM... Salvador: UFBA, 2007. v. 1. p. 167-177.).

Nesse sentido, o sistema de credenciamento torna-se, por vezes, um abrigo capaz de proporcionar "[...] razoável expectativa de suficiente segurança para poder contar com uma carreira de trabalho em algum tipo específico de expertise", despertando a ideia de que o profissional inserido nesse contexto terá a possibilidade de alcançar status, poder, melhores oportunidades culturais, sociais, políticas e econômicas (FREIDSON, 1998, p.204FREIDSON, E. Renascimento do profissionalismo: teoria, profecia e política. Tradução Celso Mauro Paciornik. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1998.). Isso porque, se tornar um expert a partir de um investimento profissional, recai sobre a contrapartida esperada de se ter algum benefício, mas que, no entanto, exige do trabalhador competências e habilidades que lhe proporcione destaque no campo escolhido, satisfazendo às necessidades imediatistas que a sociedade mercadológica impõe.

Vale destacar que a regulamentação do profissional de educação física não se justifica apenas pela necessidade de oferecer à sociedade profissionais qualificados, facilitando a escolha por bons especialistas, mas também pelo status e ganho de prestígio àqueles que estiverem inseridos no mercado. Nesse contexto, o discurso contrário às novas DCNs fundamenta-se em não atender o mercado como princípio norteador, mas sim que a formação deve formar para a consciência política e a transformação social, pois como afirma Kelly (1981, p. 43)KELLY, A. V. O currículo: teoria e prática. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1981., as IES "[...] precisam ir além de preparar profissionais para o mercado de trabalho, necessitam prepará-los para a realidade da transformação social, buscando mudanças de normas e valores".

Com relação à licenciatura plena, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, seu campo de atuação específico é a escola. Já no que se refere ao bacharelado, os espaços de intervenção são diferenciados, como fitness, saúde, treinamento, lazer, entre outros. Assim, buscamos identificar se há um ou mais eixos norteadores nos cursos de bacharelado, evidenciando se a formação está acontecendo de forma especializada ou ampliada, bem como se o discurso docente confirma/complementa o disposto nos projetos pedagógicos.

Vale esclarecer que os eixos curriculares atuam no sentido de balizar e selecionar os conteúdos essenciais a serem desenvolvidos em cada componente curricular, proporcionando aos acadêmicos conhecimentos estruturais e fundamentais para sua futura atuação, que pode se dar tanto no contexto escolar como fora dele. No Quadro 3 podemos verificar os eixos norteadores obtidos a partir da entrevista com os coordenadores dos cursos de bacharelado pesquisados. Vale informar que a discussão das informações apresentadas no quadro será relacionada com os dados encontrados nos projetos pedagógicos acerca do assunto.

Quadro 3
Eixo norteadores dos cursos de bacharelado obtidos por meio de entrevista com os coordenadores. Fonte: As autoras.

Ao analisarmos o Quadro 3, destacamos a saúde e o treinamento como eixos norteadores nos cursos de bacharelado. A saúde se faz presente como ênfase em 8 dos 13 cursos de bacharelado analisados, trazendo a educação física, como um excelente meio para a manutenção e contribuição na melhoria da saúde física e mental. Essa vinculação ocupa um lugar relevante na orientação à prática pedagógica de grande parte dos profissionais da área, visto que é possível observar que um dos aspectos que legitima a educação física atualmente na sociedade está relacionado aos benefícios que a atividade física pode promover. E, talvez tenha se tornado foco da maioria dos cursos, devido a essa divulgação, principalmente em meios de comunicação que fazem comparação de estilos de vida ativo e não ativo fisicamente, e que promove a procura constante de se alcançar o corpo saudável.

Esse dado pode ser observado na pesquisa realizada por Anzolin (2012)ANZOLIN, A. A. A formação do bacharel em educação física e o campo de intervenção profissional: um estudo de caso. 2012. 113f. Dissertação (Mestrado em Educação Física)-Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2012. , em que 64% dos egressos formados no curso de bacharelado em uma IES do estado do Paraná, atuam em áreas relacionadas com a atividade física e saúde (academia, pilates, ginástica laboral e personal trainers) e 12% desenvolvem sua atuação profissional na área de treinamento desportivo. Ao tratar da educação física e sua relação com a saúde, ainda temos esse discurso fortalecido pela própria legislação da área, que de acordo com o Parecer CNE/CES n.213/2008 (BRASIL, 2008BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior. Parecer n. 213/2008, de 09 de outubro de 2008. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 09 out. 2008.), os cursos de educação física devem formar perfis generalistas, com condições de atuar nos vários níveis de atenção à saúde.

Contudo, se pensarmos que atividade física de forma isolada promove saúde, corremos o risco de limitar o entendimento de saúde, visto que a mesma envolve outros aspectos para além da atividade física, sendo, portanto, necessário a apropriação do conceito multifatorial de saúde, entendendo-a como resultantes de aspectos relacionados a condições econômicas e sociais, que interferem sobremaneira nos hábitos de vida adotados, como alimentação, habitação, lazer, educação, entre outros (CARVALHO, 2001CARVALHO, Y. M. Atividade física e saúde: onde está e quem é o "sujeito" da relação? Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Florianópolis, v. 22, n. 2, p. 9-21, jan. 2001.; NOGUEIRA; PALMA, 2003NOGUEIRA, L.; PALMA, A. Reflexões acerca das políticas de promoção de atividade física e saúde: uma questão histórica. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 103-119, maio 2003.).

Entretanto, nas IES 1, 2, 3, 5, 9, 10, 11 e 12 percebemos que nos objetivos presentes nos projetos pedagógicos de bacharelado, a saúde não ficou evidente como citado pelos coordenadores na entrevista, demonstrando falta de articulação entre o explicitado no PP e o presente nos discursos dos coordenadores. Assim, faz-se importante atentar para o fato de que, essa realidade presente nos projetos pedagógicos, pode não ser o que realmente acontece na prática, uma vez que o PP, por vezes, é construído para atender aos ditames legais. Isso vai ao encontro das diferenciações existentes nos estudos sobre currículo, em que podemos citar o currículo oficial e o oculto. O primeiro indica o que está determinado no papel, o que foi planejado, e o segundo denota o que parece acontecer na prática (KELLY, 1981KELLY, A. V. O currículo: teoria e prática. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1981.; APPLE, 2006APPLE, M. W. Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 2006.). Essa diferença ocorre

[...] no sentido de enganar, a fim de que o que oferecem pareça mais atraente do que na realidade é, ou simplesmente ao fato de que, como professores e alunos são humanos, as realidades de qualquer curso nunca estarão exatamente à altura das esperanças e intenções daqueles que o planejam (KELLY, 1981, p. 4KELLY, A. V. O currículo: teoria e prática. São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1981.).

Os objetivos da IES 4 são todos direcionados para a atuação do bacharel como prestador de serviços na sociedade. A coordenação do curso cita academia e o treinamento como eixo norteador do PP, mas estes não foram elencados como ênfases nos objetivos do PP para serem assumidos como eixos norteadores.

O treinamento também aparece em 9 dos cursos de bacharelado pesquisados. Isso demonstra que, o modelo de esportivização da educação física continua sendo privilegiado na área, visto que em alguns momentos da história o esporte foi confundido com a própria educação física. Bracht (2005)BRACHT, V. Sociologia crítica do esporte: uma introdução. 3. ed. Ijuí: Unijuí, 2005. explica que o esporte de competição torna-se hegemônico na cultura corporal no momento em que o esporte-lazer fica em segundo plano. O fato é que o esporte-lazer acaba por 'imitar' o esporte-rendimento tão vinculado pela mídia, e o espetáculo esportivo simplesmente é consumido pela população, atingindo os diversos setores sociais. E, nessa ânsia de obtenção de vitórias nos esportes, o treinador desportivo ganha destaque, pois ele seria o responsável por preparar atletas para conseguir tal feito.

Diferentemente do que acontece com a escolha do eixo norteador para a organização e seleção dos conhecimentos tratados na formação inicial, as ênfases dos cursos de bacharelado se apresentam bem definidas nas categorias do quadro 4, as quais são coerentes com a formação pretendida. Contudo, o foco na saúde e no treinamento físico não apareceu com tanta evidência nos PP. Talvez esteja relacionado muito mais com o direcionamento dos projetos de ensino, pesquisa e extensão e características profissionais dos docentes do que propriamente com as disciplinas oferecidas. No entanto, ainda se faz necessário que os cursos apresentem em seu projeto pedagógico articulação com os objetivos da formação e com o perfil do egresso. Ressaltamos que, as ênfases que aparecem (saúde e treinamento) são consideradas tradicionais na área, e outras mais contemporâneas, como lazer, adaptada, esporte educacional, entre outras, não são contempladas.

É importante que o eixo norteador do curso esteja articulado com o perfil do egresso que deseja formar. Outro aspecto e que merece destaque é o contido nas DCNs que orientam que os cursos de bacharelado devem ser caracterizados pelas competências e habilidades gerais e específicas, que podem ser mais bem compreendidas a partir do Parecer CNE/CES n.058/2004 (BRASIL, 2004aBRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), que consubstanciou a Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.), e que apresenta que o egresso deve estar qualificado para analisar a realidade social, para intervir acadêmica e profissionalmente por meio das manifestações e expressões culturais do movimento humano, buscando contribuir para a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável.

Para a licenciatura em educação física não foi estabelecido em Resoluções o perfil desejado, apenas as competências necessárias ao professor que irá atuar na educação básica. Contudo, o Parecer CNE n.009/2001 (BRASIL, 2002aBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.) deixa claro que as competências a serem desenvolvidas na formação da educação básica, não pretendem esgotar tudo o que pode ser oferecido aos acadêmicos durante esse processo, mas devem ser complementadas e contextualizadas pelas competências específicas de cada área do conhecimento a ser contemplada.

O Parecer citado aponta um conjunto de competências que devem ser tomadas como norteadoras para a formação do futuro professor, sendo elas referentes: ao comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática; à compreensão do papel social da escola; ao domínio do conhecimento pedagógico e dos conteúdos a serem socializados, de seus significados em diferentes contextos e de sua articulação interdisciplinar; ao conhecimento de processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica; e ao gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional (BRASIL, 2002aBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.).

Com base nesses pressupostos estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, analisamos os projetos pedagógicos e temos os seguintes resultados. O curso de licenciatura da IES 1 entende que o profissional da área deve caracterizar-se como um professor educador, pesquisador, reflexivo-crítico e transformador. No texto do PP dessa instituição, é forte a formação do professor reflexivo. Expressão essa que tomou conta do cenário educacional no começo da década de 1990. Schön foi um de seus disseminadores, e propôs uma formação profissional baseada na epistemologia da prática reflexiva, em que há valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimentos, por meio da reflexão na ação, a reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.

Essas ideias de Schön foram apropriadas para o momento, visto a necessidade de se formar profissionais capacitados para ensinar em situações singulares, instáveis, incertas, carregadas de conflitos e de dilemas. Situações que caracterizam o ensino como prática social em contextos historicamente situados (PIMENTA, 2002PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002. v. 1. p. 17-52.). A autora ainda ressalta que, a formação do professor reflexivo e crítico, parte do entendimento de que a atividade docente é práxis, na qual o docente deve ser visto como um intelectual em formação.

O perfil do egresso apresentado está insuficientemente estabelecido na IES 1, e mesmo que no texto do projeto pedagógico haja articulação com as DCNs, fazendo referência às competências, estes itens não estão em perfeita sintonia com os objetivos para a formação do licenciado, isso porque o perfil do egresso foca muito mais o contexto educacional como um todo do que propriamente a área da educação física inserida no espaço escolar, bem como não apresenta relação direta com o eixo norteador citado pela coordenação da IES 1.

Já o perfil do egresso dos cursos de bacharelado da IES 1, assim como da 4, apresenta-se coerente com os objetivos, bem como traz características que se associam à pedagogia das competências presente nas DCNs. De acordo com a IES 1, o bacharel será o profissional capaz de planificar, desenvolver e avaliar programas, pesquisas e projetos em instituições não escolares. E, segundo a IES 4, os profissionais deverão ser formados para estudar, pesquisar, esclarecer e intervir profissional e academicamente no contexto específico e histórico-cultural, a partir de conhecimentos de natureza técnica, científica e cultural, de modo a atender as diferentes manifestações e expressões da atividade física/movimento humano.

Os cursos de licenciatura e bacharelado das universidades 3, 9, 10 e 11 não fazem referência ao proposto nas diretrizes e nem apresentam articulação com o eixo norteador citado, que traz a saúde e o treinamento como foco da formação.

Evidenciamos ainda que, os perfis do egresso das IES pesquisadas não apresentam articulação com os eixos norteadores apresentados pelos coordenadores dos cursos, sendo possível detectar aproximações somente pela presença das competências concernentes às DCNs como orientadoras do processo de formação.

CONCLUSÃO

No decorrer do presente estudo, pautamos nossa discussão em torno dos cursos de licenciatura e bacharelado pesquisados possuírem ou não características correlatas com os seus campos de intervenção, bem como se existem eixos norteadores na formação inicial em educação física. Nesse contexto, identificamos que 6 das 13 IES pesquisadas recorreram às orientações da Resolução CNE/CES n.07/2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer n. 058/2004a. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de fev. 2004.) para a organização curricular dos cursos de licenciatura e/ou bacharelado expressos nos projetos pedagógicos, não considerando o disposto na Resolução CNE/CP n.01/2002 (BRASIL, 2002bBRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de diretrizes e bases da educação nacional n.9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 1996.), própria para as licenciaturas.

Em relação ao eixo norteador, este não é descrito no projeto pedagógico, mas se fez presente no discurso dos coordenadores de curso, tendo como foco a saúde e o treinamento no curso de bacharelado. Quanto à identidade e características próprias para os cursos de educação física em licenciatura e bacharelado, percebemos certa falta de identidade a partir dos documentos analisados (PP). Já no discurso dos coordenadores de cursos verificamos que estes possuem características próprias.

Destacamos que o recorte do estudo não busca analisar se os aspectos estabelecidos nos documentos avaliados são efetivados na prática. Essa é uma limitação da pesquisa, mas que sugere possibilidades para que outras pesquisas sejam realizadas com o intuito de investigar esse viés da formação, visto que, nesta pesquisa analisamos se o que se pretende com a formação, expresso na fundamentação do PP, na organização da matriz curricular e na entrevista com os coordenadores, apresenta articulação com as orientações das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação, sobretudo com vistas à identificação de identidade própria na dupla formação.

Vale ressaltar que os dados aqui apresentados, sobretudo os relacionados à existência ou não de características próprias para a dupla formação, pode ter relação com a falta de tradição na constituição dos cursos de bacharelado e licenciatura exclusiva para o atendimento da educação física escolar, posto que é uma realidade nova. Nesse sentido, faz-se necessário que os estudiosos da área se debrucem no sentido de intervir na realidade que está posta, sobretudo quanto à produção de documentos e de pesquisas diagnósticas e interventivas que possam contribuir com o processo de consolidação da licenciatura e do bacharelado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2013
  • Revisado
    14 Out 2013
  • Aceito
    19 Nov 2013
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