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“Machorras” e “afeminados” indígenas: corpos abjetos nas Missões e Paraguai

Indigenous “Machorras” and “Afeminados”: Abject Bodies in the Missions and Paraguay

“Machorras” y “afeminados” indígenas: cuerpos abyectos en las Misiones y Paraguay

Resumo:

A partir da atual conjuntura fóbica do Paraguai em relação à diversidade sexual e da abordagem Queer Indigenous Studies, neste artigo, analiso a produção de corpos indígenas abjetos, como o das “machorras” e dos “afeminados”, no interior das Missões Indígeno-Jesuíticas (sécs. XVII-XVIII).

Palavras-chave:
Missões; Paraguai; indígenas; colonização; Teoria Queer

Abstract:

Based on the current phobic situation in Paraguay in relation to sexual diversity and the Queer Indigenous Studies approach, this article analyzes the production of abject indigenous bodies, such as that of “machorras” and “afeminados”, within the Indigenous-Jesuit Missions (17th-18th centuries).

Keywords:
Missions; Paraguay; Indigenous; Colonization; Queer Theory

Resumen:

Con base en la situación fóbica actual en Paraguay en relación a la diversidad sexual y el enfoque Queer Indigenous Studies, este artículo analiza la producción de cuerpos indígenas abyectos, como de “machorras” y “afeminados”, dentro de las Misiones Indígenas-Jesuitas (Siglos XVII-XVIII).

Palabras clave:
Misiones; Paraguay; Pueblos indígenas; colonización; Teoria Queer

Quando ainda candidato à presidência do Paraguai, Horacio Cartes assegurou, ao ser questionado sobre como reagiria se um de seus filhos fosse homossexual: “Me voy a pegar un tiro en las bolas, porque no comparto”. Em muitos países, tal declaração seria motivo de uma derrocada nas pesquisas eleitorais. Contudo, Cartes foi eleito por ampla maioria no pleito de 2013 e seu sucessor, Abdo Benítez, vitorioso em 2018, seguiu o mesmo caminho de oposição aos direitos LGBT. Na atual guinada ao conservadorismo na América do Sul (Regina FACCHINI; Horacio SÍVORI, 2017FACCHINI, Regina; SÍVORI, Horacio. “Conservadorismo, direitos, moralidades e violência”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 50, 2017.), parece mesmo necessário se declarar fóbico à diversidade sexual para ser presidente do Paraguai.

Tamanha oposição não é novidade no país. Bom exemplo disso encontra-se na mais longa ditadura militar do sul das américas, em boa parte chefiada pelo General Stroessner: entre outros crimes contra a humanidade, publicou-se em jornais 108 nomes de homossexuais a serem caçados - o sucesso foi tamanho que se multiplicaram listas por todo país, consagrando-se uma perseguição nacional a gays de todas as origens e a alcunha “108” para designar de modo depreciativo a comunidade homossexual (Rocco CARBONE; Joel CUENCA, 2018CARBONE, Rocco; CUENCA, Joel. 108: Genocidio. Homopolítica en Paraguay. Buenos Aires: El 8 vo Loco e Tren en movimiento, 2018.). Não é à toa que caminhar hoje em Asunción dando pinta é um exercício para fortes: quando não se alcança a violência física, pode-se escutar ofensas deliberadas como “marimacho”, “afeminado”, “maricone”, “puto”, “108”, entre outras possibilidades. No contrafluxo, multiplicam-se organizações pró-direitos LGBT como SOMOSGay, Associação Panembi, Colectivo 108, Aireana e Coalición LGBTI.

As bases da fobia à diversidade sexual no Paraguai são históricas e remetem à evangelização colonial dos povos indígenas, entre elas a que é foco deste estudo, as Missões Indígeno-Jesuíticas do Paraguai colonial (1609-1759). Aqui se parte da hipótese de que pelo continente americano existia uma ampla diversidade de práticas e percepções sexuais com estatuto moral hoje desconhecido, muitas delas inseridas em culturas organizadas a partir de um “patriarcado de baixa intensidade” (Rita SEGATO, 2012SEGATO, Rita. “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”. E-Cadernos Ces, n. 18, p. 105-131, 2012.; Manuela Carneiro da CUNHA, 1990CUNHA, Manuela Carneiro da. “Imagens de índios do Brasil: o século XVI”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 4, n. 10, p. 91-110, 1990.). Esses coletivos seriam impactados com a chegada de uma “sociedade que parece ser só de homens” (Sandra BENITES, 2018BENITES, Sandra. Viver na língua guarani nhandewa (mulher falando). 2018. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social) - Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil., p. 07), então a globalizar uma masculinidade hegemônica por meio da “colonização das sexualidades indígenas” (Robert CONNELL, 2005CONNELL, Robert. “Globalization, Imperialism, and Masculinities”. In: KIMMEL, Michael S.; HEARN, Jeff; CONNELL, Robert (Orgs.). Handbook of Studies on Men and Masculinities. Thousand Oaks: Sage, 2005. p. 71-89.; CONNELL; James MESSERSCHMIDT, 2013CONNELL, Robert; MESSERSCHMIDT, James. “Masculinidade hegemônica: repensando o conceito”. Revista Estudos Feministas, v. 21, n. 1, 2013.; Rafael FERNANDES, 2015FERNANDES, Rafael. Decolonizando sexualidades. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Estudos Comparados sobre as Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas) - Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil.). Esta operação estaria profundamente marcada por esforços de “naturalização dos gêneros e de seus papéis” impressos em “uma matriz heterossexual” produtora de “corpos abjetos”, ou seja, “corpos cujas vidas não são consideradas ‘vidas’ e cuja materialidade é entendida como ‘não importante’” (Judith BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 38; BUTLER, 1993BUTLER, Judith. Bodies that matter: on the discursive limits of “sex”. New York: Routledge, 1993., p. 9-10; Baukje PRINS; Irene MEIJER, 2002PRINS, Baukje; MEIJER, Irene. “Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 10, n. 1, 2002.).

Por outro lado, uma vez que o pensamento ameríndio se orienta pela reciprocidade da alteridade - a “atrair uns aos outros pelas nossas diferenças”, como aponta Ailton Krenak (2019KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019., p. 33), ou por meio de uma “abertura ao Outro”, como quer Claude Lévi-Strauss (1993LÉVI-STRAUSS, Claude. História de Lince. São Paulo: Companhia das Letras, 1993., p. 14), essas sociedades não tardaram em predar os esforços de colonização de suas sexualidades. Culturas e identidades são fenômenos históricos, e não categorias estanques; ao que se vê, os povos indígenas viveram as “novas realidades através da negociação de valores, tradução cultural e da reelaboração” (Daiara SAMPAIO TUKANO, 2018SAMPAIO TUKANO, Daiara Hori Figueroa. Ukushe kiti niishe. Direito à memória e à verdade na perspectiva da educação cerimonial de quatro mestres indígenas. 2018. Mestrado (Direitos Humanos e Cidadania) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil., p. 49; Terence TURNER, 1988TURNER, Terence. “Ethno-ethnohistory: myth and history in Native South American Representations of Contact with Western Society”. In: HILL, Jonathan (Org.). Rethinking History and Myth: Indigenous South American Perspectives on the Past. Urbana: University of Ilinois Press, 1988. p. 235-281.; CUNHA, Manuela Carneiro da, 1992CUNHA, Manuela Carneiro da. “Introdução a uma história indígena”. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 9-24.; Eduardo VIVEIROS DE CASTRO, 1992VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 35, 1992.; Cristina POMPA, 2003POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil colonial. São Paulo: Editora da Universidade do Sagrado Coração, 2003.; Maria Regina Celestino ALMEIDA, 2003ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Metamorfoses indígenas. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.; 2010ALMEIDA, Maria Regina Celestino. Os índios na história do Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 2010.; Carlos FAUSTO, 2005FAUSTO, Carlos. “Se Deus fosse jaguar”. Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, 2005.).

Nesse sentido, ao longo da pesquisa em documentos coloniais, percebia-se que o “dispositivo da sexualidade” possuía sua própria história, como já indicado por Michel Foucault (1999FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1999., p. 106), mas que, particularmente entre indígenas, ganhava novas dimensões, a exigir um aparato próprio para seu estudo. Neste artigo, experimenta-se sobre aquele passado uma abordagem Queer Indigenous Studies, exercitando a produção de um discurso crítico interseccional entre raça/etnia, economia política e sexualidade (Will ROSCOE, 1988ROSCOE, Will. Living the Spirit: A Gay American Indian Anthology. Nova York: St. Martin’s Press, 1988.; 1991ROSCOE, Will. The Zuni Man-Woman. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1991.; Qwo-Li DRISKILL; Brian FINLEY; Lauria MORGENSEN, 2011FINLEY, Chris. “Decolonizing the Queer Native Body (and Recovering the Native Bull Dyke). Bringing ‘Sexy Back’ and Out of Native Studies' closet”. In: DRISKILL, Qwo-Li; FINLEY, Brian Joseph Gilley; MORGENSEN, Scott Lauria. Queer indigenous studies: critical interventions in theory, politics, and Literature. Tucson: Arizona Press/University of Arizona, 2011. p. 97-111.; Roderick FERGUSON, 2018FERGUSON, Roderick. Queer of Critical Color. Oxford Research Encyclopedia, Literature. Oxford: Oxford University Press, 2018.; 2003FERGUSON, Roderick. Aberrations in Black. Towards a Queer of Color Critique. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003., entre outras). Gera-se, com isso, uma metodologia interessada em desconstruir noções nacionalistas/culturais dominantes e percepções sobre identidades fixas comuns em construções historiográficas sobre Missões e Paraguai.

De fato, em determinada produção historiográfica sobre Missões do Paraguai colonial, bem como em certa etnologia e museologia, pode-se encontrar os três sintomas crônicos quanto a questões de gênero e sexualidade, a saber: 1) desconsideram a historicidade das noções de gênero e tratam as percepções ocidentais como isonômicas às indígenas e imutáveis ao longo do tempo, ou seja, a “masculinidade” e a “feminilidade”, bem como os “homens” e as “mulheres”, seriam categorias dadas universalmente nessas abordagens etnocêntricas (Marilyn STRATHERN, 2006STRATHERN, Marilyn. O gênero da Dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2006.; Cecilia McCALLUM, 2013McCALLUM, Cecilia. “Nota sobre as categorias ‘gênero’ e ‘sexualidade’ e os povos indígenas”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 41, p. 53-61, 2013.); 2) costumam versar sobre um universo focado em jesuítas, caciques e xamãs, exaltando suas funções, saberes e performances em guerras, política, cultura, letras, religião e economia, entre outros campos considerados erroneamente como “assunto exclusivo de homens heterocentrados”, ignorando, com isso, a naturalização do “pensamento hétero” enquanto regime político totalizante (Monique WITTIG, 1990WITTIG, Monique. “The Straight Mind”. In: FERGUSON, Russel et al. (Orgs.). Out There: marginalization and contemporary cultures. Cambridge: MIT Press, 1990. p. 51-57., p. 51-57; CURIEL, Ochy, 2013CURIEL, Ochy. La Nación Heterosexual. Análisis del discurso jurídico y régimen heterosexual desde la antropología de la dominación. Bogotá: Brecha lésbica y en la frontera, 2013., p. 47-55); 3) resulta disso a ausência das mulheres como sujeitos/protagonistas (alguns casos sequer as citam) em leituras que as entendem de modo homogêneo e meramente submetidas aos homens (o que também se nota quando se adentra no paradigma da resistência indígena) e na completa desconsideração sobre indivíduos, práticas e concepções dissidentes da matriz sexual cristã-ocidental (Jean BAPTISTA; Camila WICHERS; Tony BOITA, 2019BAPTISTA, Jean; WICHERS, Camila; BOITA, Tony. “Mulheres Indígenas nas Missões: patrimônio silenciado”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 3, 2019. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2019000300214 . Acesso em 10/01/2020.
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).

Em estudos sobre Missões, Paraguai e povos indígenas etnocêntricos ou másculo e heterocentrados, portanto, sujeitos dissidentes da matriz sexual vigente ocupam um não-lugar reafirmado a cada página contaminada por fobias à diversidade sexual.

Como se percebe, a problemática desta pesquisa avalia um contra-objeto de pesquisa, o dos indígenas sem dissidências sexuais, legítimos puritanos da floresta, dados a relações sexuais e afetivas exclusivamente com sujeitos do sexo oposto ou heterocentrados. Talvez a refletir o imaginário fóbico à diversidade sexual de seus próprios autores, este contra-objeto, em uma isonômica reprodução dos valores morais próprios do ocidente, ignora a importância da genealogia de corpos e sexualidades indígenas dissidentes na colônia, bem como colabora na invisibilidade de certa população no presente indígena. De modo geral, neste artigo, objetiva-se estudar a genealogia dos corpos indígenas abjetos, ao que historiciza a invenção das “machorras” e “afeminidados” indígenas para, em seguida, apresentar alguns indícios dos rumos de tal abjeção naquela experiência.

Vale apontar que três etapas antecedem este artigo: a coleta documental sobre corpo, gênero e sexualidade em fontes sobre Missões do Paraguai colonial dos séculos XVII e XVIII impressas, microfilmadas e manuscritas, distribuídas entre a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, o Centro de Pesquisas Históricas da PUCRS e o Instituto Anchietano; em seguida, saídas de campo e vivências realizadas entre 2010 e 2013 em comunidades indígenas Guarani e Kaingang, no sul do Brasil, e em Asunción, durante a realização de minha licença capacitação em 2018, ocasião onde foram feitas entrevistas com sujeitos autodeclarados indígenas e gays; por fim, o período de sistematização de dados, análise e redação durante meu pós-doutorado no Institute for Gender, Sexuality, and Feminist Studies (IGSF - McGill University), na cidade canadense de Montreal, em 2019, mediante o suporte da bolsa Muriel Gold.

Ao longo desse processo, percebia estar produzindo um estudo sobre um duplo espelhado: falava sobre minha própria ancestralidade interseccionada ao meu corpo Queer, transitando por comunidades, nacionalidades, disciplinas e agremiações acadêmicas fóbicas a este conjunto, e sobre um trauma nascido ao mesmo tempo que se forjava um país, o Paraguai. Não poucas vezes relembrei meu avô, sempre tão sábio nos ensinamentos a respeito dos fragmentos ancestrais que detinha e se esforçava em nos repassar, de modo a não nos esquecermos de quem éramos, na mesma medida em que era orientado por uma contraditória masculinidade avessa à diversidade de gênero e sexual. Nessas lembranças, percebia que minha “síndrome de despertencimento tribal” - o “apagamento de memórias originárias e negação da identidade indígena” recorrente no Brasil “mestiço” (SAMPAIO TUKANO, 2018SAMPAIO TUKANO, Daiara Hori Figueroa. Ukushe kiti niishe. Direito à memória e à verdade na perspectiva da educação cerimonial de quatro mestres indígenas. 2018. Mestrado (Direitos Humanos e Cidadania) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil., p. 32; Eliane POTIGUARA, 2004POTIGUARA, Eliane. Metade cara, metade máscara. São Paulo: Global, 2004., p. 131-102; Daniel MUNDURUKU, 2010MUNDURUKU, Daniel. Mundurukando. São Paulo: Ed. do Autor, 2010., p. 67) - devia-se não só por ter nascido na periferia de uma grande cidade, mas, sobretudo, por considerar a alteridade indígena incompatível com minha sexualidade. É esta, portanto, uma pesquisa em busca de uma decolonialidade de corpos que, ao identificar parcela de elementos fundantes da colonialidade interessada na abjeção de seus dissidentes, talvez possa contribuir nos estudos sobre Missões e Paraguai no que diz respeito à “saída do armário do corpo nativo” (Chris FINLEY, 2011FINLEY, Chris. “Decolonizing the Queer Native Body (and Recovering the Native Bull Dyke). Bringing ‘Sexy Back’ and Out of Native Studies' closet”. In: DRISKILL, Qwo-Li; FINLEY, Brian Joseph Gilley; MORGENSEN, Scott Lauria. Queer indigenous studies: critical interventions in theory, politics, and Literature. Tucson: Arizona Press/University of Arizona, 2011. p. 97-111.).

“Machorras”

O que aqui se chama de Missões Indígeno-Jesuíticas (1609-1759) refere-se à construção de povoados nascidos da conexão entre diversos povos indígenas (Guarani, Charrua, Minuano, Yaró e grupos Jê), no que ficou conhecido de modo reducionista como Missões Jesuíticas-Guarani (Maria Cristina dos SANTOS; BAPTISTA, 2007SANTOS, Maria Cristina dos; BAPTISTA, Jean. “Reduções jesuíticas e povoados de índios: controvérsias sobre a população indígena (séc. XVII-XVIII)”. Revista História UNISINOS, São Leopoldo, v. 4, n. 2, 2007.; BAPTISTA, 2015a, p. 108-131). Resumidamente, pode-se dizer que ali se gerou um acordo onde as lideranças indígenas e suas famílias extensas estariam a salvo dos apresamentos espanhóis e portugueses, declarando-se, em contrapartida, cristãos devotos ao Papa e súditos da Coroa Espanhola. Juntos, indígenas e jesuítas - os missionais - chegaram a fundar mais de trinta povoados distribuídos em territórios onde hoje se encontram o oeste dos estados brasileiros do Rio Grande do Sul e do Paraná, o norte da Argentina e boa parte sul/sudeste do Paraguai. Entre crises de fome, guerras e ondas epidêmicas brutais (BAPTISTA, 2015BAPTISTA, Jean. O Eterno: Dossiê Missões. Brasília/São Miguel das Missões: Instituto Brasileiro de Museus/Museu das Missões, 2015b. Disponível em Disponível em https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2019/06/Dossie_missoes_Eterno-vol2.pdf . Acesso em 02/02/2016.
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b), alguns desses povoados em determinados momentos superaram cifras demográficas como a de 10 mil habitantes. Boa parte dessa história foi registrada pelos indígenas e missionários em documentos variados. Nesses registros, é possível perceber uma profunda preocupação com questões relacionadas ao lugar das mulheres das distintas comunidades com as quais interagiam. Um dos motivos da abundância desses registros se deve ao fato de os padres sentirem-se permanentemente ameaçados por elas (Beatriz VITAR, 2004VITAR, Beatriz. “Jesuitas, mujeres y poder: el caso de las misiones de las fronteras del Chaco (siglo XVIII)”. Cuadernos de Etnohistoria, Buenos Aires, n. 12, 2004., p. 50). Na primeira metade do século XVII, por exemplo, o padre Antonio Ruiz de Montoya, autor de importantes escritos sobre o processo, cerca sua casa com paus, de modo a impedir o ingresso feminino, ideia copiada por outros missionários (BAPTISTA, 2015a, p. 34). Desde ao menos 1689, circula pelos povoados o Reglamento General de Doctrinas, assinado pelo provincial Tomás Donvidas, a falar muito mais sobre o que não diz: “cúidese mucho de la clausura en nuestras casas”, alerta, “y no entre mujer ninguna de la puerta adentro; ni se les dé á besar la mano” (Tomas DONDIVAS, 1913DONDIVAS, Tomas. “Reglamento general de Doctrinas enviado por el Provincial P. Tomás Donvidas, y aprobado por el General P. Tirso em 1689”. In: HERNÁNDEZ, Pablo. Organización social de las doctrinas guaraníes de la Compañia de Jesús. Barcelona, 1913. p. 593-599., p. 592, 596). Corpos a serem administrados por “prácticas de control y disciplina” (Luís MORA RODRÍGUEZ, 2010MORA RODRÍGUEZ, Luís. “Dominación y corporalidad”. Tabula Rasa, n. 12, p. 13-29, 2010.), os jesuítas bem desejavam construir um mundo sem as mulheres.

Em estudos anteriores (BAPTISTA, 2015BAPTISTA, Jean. O Temporal: Dossiê Missões. Brasília/São Miguel das Missões: Instituto Brasileiro de Museus/Museu das Missões, 2015a. Disponível em Disponível em https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2015/09/Dossie_missoes_Temporal.pdf . Acesso em 02/02/2016.
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a, p. 77; BAPTISTA; WICHERS; BOITA, 2019), esta pesquisa demonstrou que, embora os missionários desejassem criar uma prisão para “mulheres sem homens”, conforme o jargão amplamente utilizado por eles, as articulações das missionais durante a criação do Cotiguaçu, ou Casa das Recolhidas, resultou, ao fim, em um espaço distinto. Localizado na área central dos povoados, em boa parte a associar o conteúdo da poligamia aos padres, o Cotiguaçu se tornou um espaço economicamente próspero e capaz de alimentar e garantir a segurança de centenas de mulheres. Certamente, não seriam essas iguais às suas ancestrais na forma. Vestidas com uma túnica branca e com um crucifixo como pingente no pescoço, elas emanavam à chusma novas moralidades (vestimentas, adereços, posturas, cortes de cabelos, falas, punições, comportamentos, ritos etc.), garantindo, assim, seu ingresso ao mundo colonial por meio da invenção de corpos indígenas femininos próprios das Missões. A partir de uma epistemologia indígena, pode-se perceber os espaços coloniais como apropriados pelas populações em seus próprios termos, tanto naquele quanto em outros contextos (Edson BRITO, 2012BRITO, Edson. A educação Karipuna do Amapá no contexto da educação escolar indígena diferenciada na aldeia do Espírito Santo. 2012. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Educação) - Faculdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil., p. 140-141; BENITES, 2015BENITES, Sandra. Nhe'e, reko porã rã: nhemboea oexakarẽ, fundamento da pessoa guarani, nosso bem-estar futuro (educação tradicional): o olhar distorcido da escola. 2015. Monografia (Licenciatura Intercultural Indígena) - Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil.; Suzana JESUS, 2015JESUS, Suzana. Pessoas na medida: processos de circulação de saberes sobre o Nhande Reko Guarani na região das Missões. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil., p. 69; Sophia PINHEIRO, 2017PINHEIRO, Sophia. A imagem como arma: trajetória da cineasta indígena Patrícia Ferreira Pará Yxapy. 2017. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil., p. 99; Creuza Prumkwyj KRAHÔ, 2017KRAHÔ, Creuza Prumkwyj. Wato ne hômpu ne kãmpa. Convivo, vejo e ouço a vida Mehi (Mãkrarè). 2017. Dissertação (Programa de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável junto a Povos e Terras Tradicionais) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.).

Não se tratava, contudo, de uma relação harmônica. Retiradas de toda manifestação ritualística - “no entrarán en ellas [danças e festas] mujeres, ni muchachas, ni varones en traje de mujeres” (DONVIDAS, 1913, p. 596) -,os regimes de corporalidades coloniais afetaram a centralidade ocupada pelas mulheres indígenas naquelas sociedades, tal qual se viu em outros contextos (VITAR, 2015VITAR, Beatriz. “La subversión del orden jesuítico: las ancianas indígenas y su resistencia a la acción misionera en el Chaco”. Revista de Ciências Humanas e Sociais, Santa Maria, v. 1, n. 1, p. 58- 72, 2015., p. 69; SEGATO, 2012SEGATO, Rita. “Gênero e colonialidade: em busca de chaves de leitura e de um vocabulário estratégico descolonial”. E-Cadernos Ces, n. 18, p. 105-131, 2012.; VIVEIROS DE CASTRO, 1992VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “O mármore e a murta: sobre a inconstância da alma selvagem”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 35, 1992., p. 59). Para discipliná-las, os povoados criaram seu próprio sistema punitivo.

Exemplos sobre a origem desse sistema de punições são fartos na documentação missionária logo no início do processo: em 1634, o padre Pedro Romero, hoje um santo mártir no Paraguai, considera “milagros de la poderosa mano de Dios” o fato de homens indígenas, que “antes no tocarian a sus mugeres y parientas por quantos casos avia en el mundo”, nelas aplicarem “moxicones” e “açotes” (Pedro ROMERO, 1970ROMERO, Pedro. “Cartas ânuas das reduções do Paraná e Uruguai de 1634”. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 80-144., p. 122-124); a mesma satisfação divina encontra o padre Nicolau Durán (1951DURÁN, Nicolau. “Carta ânua do Padre Nicolau Durán em que dá conta do estado das reduções da Província do Paraguai de 1628”. In: CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis: Jesuítas e bandeirantes no Guairá. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951. p. 203-258.) quando vê um “buen índio muy zeloso de la gloria de Dios” responder ao convite sexual de uma mulher casada com socos e açoites, entregando-a ao marido “muy bien castigada” (p. 22). Nesse sistema, os homens indígenas passam a exercer não apenas o papel de juízes, mas também de capatazes, então a administrar os corpos femininos por diversos meios. Um bom modo de conhecer a perspectiva desses homens sobre as cunã parte das esculturas (hoje expostas em instituições como o Museu das Missões) que eles produziam nas oficinas missionais, onde se nota uma forma dogmática sobre roupas, posturas e expressões, tal qual recomendações a serem seguidas pelas mulheres dos povoados (BAPTISTA; BOITA, 2019BAPTISTA, Jean; BOITA, Tony. “Patrimônios indígenas nos 80 anos do Museu das Missões”. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 14, n. 1, p. 189-205, 2019. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1981-81222019000100189 . Acesso em 10/01/2020.
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). Evidentemente, não foram poucas as que enfrentaram a mão de ferro dos homens missionais (BAPTISTA; WICHERS; BOITA, 2019).

Por outro lado, ao longo dessa pesquisa, não se encontrou práticas ou recomendações punitivas contra relações sexuais exclusivamente femininas. Tal informação poderia dar a entender que essas mulheres não sofreram restrição no ambiente missional, sugerindo até mesmo que contra suas performances não pesasse uma política de colonização. Mas isso seria um equívoco.

Nos estudos de tradução do jesuíta Ruiz de Montoya, chama atenção o verbete que parece representar um completo ciclo de produção de um corpo indígena dissidente aos parâmetros coloniais. Ao que indicam seus dicionários, algumas mulheres eram chamadas de “Cuña mê mbîrá y mbaé”, expressão traduzida pelo padre como “machorra hembra” (Antonio RUIZ DE MONTOYA, 1876RUIZ DE MONTOYA, Antonio. Catecismo de la lengua Guarani. Madrid: Leipzig, 1876a.a, p. 356). A expressão original poderia ser mais bem traduzida por “mujer que no tiene simiente de mujer o hijos e hijas”, como aponta Graciela Chamorro (2009CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo. Asunción: Tiempo de Historia, 2009., p. 238). O verbete parece inicialmente se referir a aspectos reprodutivos, mas ganhou outras dimensões coloniais na “reducción gramatical” (Bartomeu MELIÀ, 2003MELIÀ, Bartomeu. La lengua Guarani en el Paraguay colonial. Asunción: CEPAG, 2003., p. 157- 162) responsável pela “aventura semântica” (MELIÀ, 1988MELIÀ, Bartomeu. El guaraní conquistado y reducido. Asunción: Biblioteca Paraguaya de Antropologia, 1988., p. 17-29) de palavras Guarani e neologismos próprios da experiência.

De fato, o adjetivo “machorra” já consta no mais antigo dicionário feito na América Hispânica, significando “estéril” e “máscula” (Elio NEBRIJA, 1495NEBRIJA, Elio. Vocabulario Español-Latino de 1495. Disponível em Disponível em http://www.cervantesvirtual.com/obra-visor/vocabulario-espanollatino--0/html/003fb036-82b2-11df-acc7-002185ce6064_215.html . Acesso em 21/06/2018.
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), vocábulo comumente aplicado a fêmeas sem capacidade reprodutiva e por isso sacrificáveis, tal qual “las vacas viejas y machorras” citadas por administradores como Felix de Azara (1969AZARA, Felix. “Memória de D. Felix de azara sobre a necessidade e os meios de defender a fronteira do sul contra os portugueses do Brasil”. In: CORTESÃO, Jaime (Org.). Do Tratado de Madrid à Conquista dos Sete Povos. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1969. p. 442-457., p. 455). Se no horizonte do colonizador a mulher indígena já era o mesmo que gado (Tzvetan TODOROV, 1983TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. São Paulo: Martins Fontes, 1983., p. 46), bens a serem administrados (Elisa GARCIA, 2019GARCIA, Elisa. “Las categorías de la conquista: las mujeres nativas en el vocabulario del siglo XVI (São Vicente, Brasil)”. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2019.) ou demoníacas (Eliane FLECK, 2006FLECK, Eliane. “De mancebas auxiliares do demônio a devotas congregantes”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 14, n. 3, p. 617-634, 2006.; BAPTISTA, 2015BAPTISTA, Jean. O Temporal: Dossiê Missões. Brasília/São Miguel das Missões: Instituto Brasileiro de Museus/Museu das Missões, 2015a. Disponível em Disponível em https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2015/09/Dossie_missoes_Temporal.pdf . Acesso em 02/02/2016.
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a, p. 75-85), no caso das “machorras”, se intersecciona a incapacidade reprodutiva. Produziam-se, assim, corpos de “machorras” enquanto categoria ainda mais profunda no campo das abjeções, destituindo-as de utilidade aos olhos da utilitarista economia colonial.

Em suas obras de catequese, Ruiz de Montoya deixa apenas duas orientações para seus colegas sobre o trato com essas mulheres. Em Catecismo de La Lengua Guarani, recomenda: “Al prudente Confessor se dexa el examen de Mugeres, acerca de tactos impudicos entre si, que se dexan por no abrir los ojos, al que los tiene cerrados” (RUIZ DE MONTOYA, 1876RUIZ DE MONTOYA, Antonio. Vocabulario y Tesoro de la lengua Guarani, ó mas bien tupi. Viena/Paris: Faesy y Frick/Maisonneuve, 1876b.b, p. 298; BAPTISTA, 2015a, p. 160). Já no Tesouro de la Lengua Guarani, sugere que se tente fazer com que as mulheres confessem que “tocandola a la otra hará con que ella llegue a tener polución” (RUIZ DE MONTOYA, 1876a, p. 393). Tratava-se, como se percebe, de esforços em localizar e desmobilizar essas mulheres, indicando que muitas delas poderiam, ainda, estar entre as mulheres casadas e com filhos e/ou sem a necessidade de assumirem uma postura máscula. De uma maneira ou outra, essas preocupações do padre demonstram o quanto esses corpos eram produzidos dentro de uma nova categoria moral, agora enquadrados como abjetos.

Entre outros vocábulos sobre essas mulheres incluídos nos estudos de Ruiz de Montoya, encontram-se “Cuña abá” (mulher-homem) e “Cuña cuimbaé” (mulher varonil) (RUIZ DE MONTOYA, 1639RUIZ DE MONTOYA, Antonio. Tesoro de la lengua Guarani. 1639b. Disponível em Disponível em https://archive.org/details/tesorodelalengua00ruiz/page/n231 . Acesso em 02/03/2016.
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b, p. 107; CHAMORRO, 2009CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo. Asunción: Tiempo de Historia, 2009., p. 238). O adjetivo “varonil” está presente no caso narrado por dois missionários na década de 1630, o já citado Ruiz de Montoya e seu colega Diego de Boroa (1929BOROA, Diego. “Décima cuarta carta anua en donde se relaciona todo lo acaecido en los años de 1635-1637”. In: Documentos para la Historia Argentina. Buenos Aires: Wentworth Press, 1929.), intitulado “heroísmo de uma índia”. Segundo Boroa, durante uma invasão bandeirante, uma índia ingressou nas trincheiras, onde animou os demais “andando por allí y por allá”, até que, “olvidándose que era mujer”, tomou “una lanza con la mano” e partiu contra os inimigos “metiéndose valerosamente en lo más intenso de la batalla, peleando”. Boroa se admira: certamente é uma “amazona” que “hizo hazañas que honrarían al más valiente campeón” (1929, p. 602- 603).

Como se percebe, o fato de uma mulher em contexto bélico assumir uma performance entendida como masculinizada - então a segurar uma lança - levanta elogios entre os missionários e parece mesmo possuir um destacável espaço naquelas sociedades. As mulheres que “esqueciam” de serem mulheres, nos dizeres de Boroa, ou as “machorras” produzidas pelas traduções de Ruiz de Montoya, transitavam dentro do cenário missional possivelmente escapando de aplicações punitivas físicas, sem, com isso, serem ignoradas pela vigilância catequética. O mesmo, contudo, não se daria com os indígenas “afeminados”.

“Afeminados”

O padre Nicolau Durán, provincial das Missões durante o ano de 1628, sofre de dores insones em uma das pernas: “me senti tentado de hazer a un muchacho que me traxese una pierna”, porém, apesar de passar uma noite sem dormir, “me determine de guardar mi voto [de não ser tocado] y de renovearle con firme proposito”. O demônio, contudo, não se deu por vencido e se materializou em uma madrugada, na forma de um vulto escuro interessado em se vingar “por no haber consentido con su tentacion”. Aos gritos, Durán invoca Jesus, chama o maligno de cão, e esse, afugentado, ainda lastima antes de desaparecer: “Oh maldito, que duro eres” (DURÁN, 1951DURÁN, Nicolau. “Carta ânua do Padre Nicolau Durán em que dá conta do estado das reduções da Província do Paraguai de 1628”. In: CORTESÃO, Jaime (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis: Jesuítas e bandeirantes no Guairá. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1951. p. 203-258., p. 253-254).

Semelhantes tentações afetariam a construção do dormitório dos padres: repetindo a historicidade do claustro europeu - proibitivo em relação a mulheres, permissivo em relação a homens leigos (Veronica GOMES, 2019GOMES, Veronica. Com temerária ousadia e pouco temor de Deus e da Justiça: clérigos sodomitas na Inquisição de Lisboa (1610-1699). 2019. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História) - Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, Brasil., p. 108-116) -, o Reglamento 1689 disciplina sobretudo os dormitórios dos muchachos, separando-os da cela dos padres, devendo, ainda, cada qual ter sua rede (DONVIDAS, 1913, p. 592). Como se percebe nesses exemplos, os jesuítas são sujeitos assombrados pelo fantasma da “sodomia”.

Apesar disso, os jesuítas das primeiras décadas do projeto missional não tratam do tema de práticas sexuais entre homens indígenas em sua documentação pública. O mesmo já havia se dado com seus colegas portugueses no século anterior, muito embora os demais cronistas quinhentistas no Brasil colonial não as ignoraram (CUNHA, 1990CUNHA, Manuela Carneiro da. “Imagens de índios do Brasil: o século XVI”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 4, n. 10, p. 91-110, 1990.). A Companhia contrariava, assim, uma tradição discursiva da Conquista Espanhola, onde a condenação à “sodomia” fundamentava a violenta “guerra justa” (Emanuele AMODIO, 2012AMODIO, Emanuele. “El detestable pecado nefando”. Nuevo Mundo Mundos Nuevos, 2012. Disponível em Disponível em http://journals.openedition.org/nuevomundo/63177 . Acesso em 02/02/2018.
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).

Nesse sentido, a obra Conquista Espiritual (1639), de Ruiz de Montoya, guarda uma sutil exceção jesuítica no Paraguai colonial. Produzida para ser difundida na Europa, ao tratar dos ritos e costumes dos Guarani e das lideranças indígenas missionais, a obra registra que “del nefando huyen como de la muerte”, equiparando-o ao repúdio provocado pelo incesto (RUIZ DE MONTOYA, 1639RUIZ DE MONTOYA, Antonio. Conquista Espiritual. Madrid: Imprenta del Reyno, 1639a.a, p. 13). Sobre esta citação aparentemente tão empobrecida e conclusiva, há, contudo, muito o que se dizer.

Em primeiro lugar, trata-se da referência mais recuada sobre o tema em terras paraguaias localizada por esta pesquisa. Seria essa uma informação irrelevante se não fosse a pujança de discursos contemporâneos de que no seio das sociedades indígenas originárias do país não existiriam essas práticas, tal qual insistem políticos e até mesmo antropólogos, historiadores e museólogos presos ao contra-objeto de pesquisa dos indígenas sem dissidências sexuais ou exclusivamente heterocentrados. Isto talvez explique o fato de tal citação não ter sido considerada em qualquer estudo investigado por esta pesquisa.

Nota-se também que a primeira referência paraguaia sobre o tema o nega desde o princípio, bem como associa a morte ao “nefando”.

Vale também apontar que a frase foi suprimida na versão traduzida para português de Conquista Espiritual, publicada pela editora Martins Livreiro (RUIZ DE MONTOYA, 1985RUIZ DE MONTOYA, Antonio. Conquista Espiritual. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1985.) e amplamente utilizada nos estudos sobre Missões no Brasil - um seguro indício de esquecimento fóbico à diversidade no universo editorial brasileiro em livros coloniais e um reforço à necessidade de se privilegiar a versão original.

Por fim, é possível considerar que, se a análise se restringir apenas ao conteúdo da citação, parece que se trata de algo banido entre aqueles coletivos. Mas a hipótese de extinção de tais práticas nas Missões é contrariada pelas demais obras do mesmo autor, especialmente aquelas de uso interno da Companhia.

De fato, na publicação síntese das obras de Ruiz de Montoya, Vocabulario y Tesoro de la Lengua Guarani (1876b), há diversos termos e léxicos traduzidos do espanhol para o Guarani sobre performances corporais masculinas dissidentes do projeto missional. Ali se encontra o verbete “afeminado”, então traduzido para “abacuña ecó” (RUIZ DE MONTOYA, 1876RUIZ DE MONTOYA, Antonio. Vocabulario y Tesoro de la lengua Guarani, ó mas bien tupi. Viena/Paris: Faesy y Frick/Maisonneuve, 1876b.b, p. 36; CHAMORRO, 2009CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo. Asunción: Tiempo de Historia, 2009., p. 238). Trata-se de algo como “homem” (avá), “mulher” (kuña) e “modos” (ekó) - “modos de homem-mulher”. Não aprofundarei, neste momento, o significado e a amplitude de ekó, mas ressaltarei sua extensão filosófica e espiritual.

Há, também, outros verbetes a revelar performances onde masculino e feminino estavam presentes no mesmo corpo, como “ava aky”, traduzido para “amujerado” (CHAMORRO, 2009CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo. Asunción: Tiempo de Historia, 2009., p. 237-238), palavra que também serviu para traduzir performances na América do Norte (FERNANDES, 2015FERNANDES, Rafael. Decolonizando sexualidades. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Estudos Comparados sobre as Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas) - Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil., p. 247).

A inclinação por associar essas traduções ao que hoje, na América do Norte, se intitula two-spirits é imensa, mas requer análises mais profundas tanto para adotar quanto para descartar. Pode-se, ao menos, sugerir que um abacuña ecó ou um avá aky correspondiam a uma performance a tremular entre o cesto e o arco. Vale apontar que tanto “afeminado” quanto “amujerado” alcançaram os dias atuais do espanhol paraguaio.

Entre outros verbetes, possivelmente o mais utilizado na catequese tenha sido “tevi”, o ânus, onde, em certa perspectiva da Igreja, caso ocorresse derramamento de sêmen, ter-se-ia um pecado, e “avá tevíro”, ambos traduzidos para “homem somético”, movimento não muito diferente na América portuguesa entre os Tupi quando se traduzia o vocábulo tebira (Luiz MOTT, 2000MOTT, Luiz. “Ethno-histoire de l’homossexualité en Amérique Latine”. In: CROUZET, François (Org.). Pour l’histoire du Brésil. Paris: L’Harmattan, 2000. p. 285-303.; Ronaldo VAINFAS, 2006VAINFAS, Ronaldo. “Inquisição como fábrica de hereges”. In: VAINFAS, Ronaldo; FEITLER, Bruno; LIMA, Lana (Orgs.). A Inquisição em Xeque. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2006., p. 145, 275; Miguel CHAMOCHO CANTUDO, 2008CHAMOCHO CANTUDO, Miguel Ángel. “El delito de sodomía femenina en la obra del Padre franciscano Sinistrati D’Ameno, ‘De Sodomía Tractatus’”. Revista de Estudios Histórico-Jurídicos, Valparaíso, n. 30, p. 387-424, 2008.; Fernanda MOLINA, 2008MOLINA, Fernanda. “Entre pecado y delito”. Revista Allpanchis Phuturinqa, Cuzco, n. 71, 2008., p. 142). Vale lembrar que mulheres praticantes do sexo anal seriam reconhecidas como “kuña tevíro”, traduzido para “mulher somética” (CHAMORRO, 2009CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo. Asunción: Tiempo de Historia, 2009., p. 237) -, essas sim a despertar mais vigilância que as varonis (CHAMOCHO CANTUDO, 2008). Nos dias atuais, tanto no guarani falado em algumas regiões do Paraguai, quanto em algumas aldeias Kaiowa (Diógenes CARIAGA, 2015CARIAGA, Diógenes. “Gênero e sexualidades indígenas: alguns aspectos das transformações nas relações a partir dos Kaiowa no Mato Grosso do Sul”. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 24, p. 441-464, 2015., p. 447), tevi é usado normalmente em tom jocoso e depreciativo, misturando-se algumas vezes com rory, vocábulos próximos a “homossexuais” ou “gays” em traduções contemporâneas.

Após, Ruiz de Montoya também traduziu a prática sexual entre homens - “kuimb’ae ojoehe ojomenõ” e “kuimba’e oñomenõ” (CHAMORRO, 2009CHAMORRO, Graciela. Decir el cuerpo. Asunción: Tiempo de Historia, 2009., p. 237-238) - como “pecado nefando”. Imputava-se, assim, uma noção de crime religioso até então inexistente nas expressões indígenas originais, em movimento não muito diferente do que foi visto em outras regiões da América Hispânica (Serge GRUZINSKI, 1986GRUZINSKI, Serge. “Las cenizas del deseo”. In: ORTEGA, Sergio (Org.). De la santidad a la perversión. México: Grijalbo, 1986.).

Os verbetes interessados em homens que praticavam sexo entre homens também foram relacionados à zoofilia ou, conforme categoria colonial, ao “pecado bestial”. Vale a hipótese de que tais associações nasceriam de narrativas indígenas sobre relações com entes de diversas naturezas (VIVEIROS DE CASTRO, 1998VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. “Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio”. Mana, Rio de Janeiro, v. 2, n. 2, 1998.; 2002; McCALLUM, 2013McCALLUM, Cecilia. “Nota sobre as categorias ‘gênero’ e ‘sexualidade’ e os povos indígenas”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 41, p. 53-61, 2013., p. 56; CARIAGA, 2015CARIAGA, Diógenes. “Gênero e sexualidades indígenas: alguns aspectos das transformações nas relações a partir dos Kaiowa no Mato Grosso do Sul”. Cadernos de Campo, São Paulo, n. 24, p. 441-464, 2015., p. 456), somando-se ao fato de que na tradição discursiva cristã já ocorriam essas associações (GOMES, 2019GOMES, Veronica. Com temerária ousadia e pouco temor de Deus e da Justiça: clérigos sodomitas na Inquisição de Lisboa (1610-1699). 2019. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em História) - Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ, Brasil., p. 56; VAINFAS, 2007VAINFAS, Ronaldo. Trópico dos pecados. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007., p. 34; Rafael CARRASCO, 1985CARRASCO, Rafael. Inquisición y represión sexual en Valencia. Historia de los sodomitas (1565-1785). Barcelona: Laertes, 1985.). Além disso, cronistas da América Espanhola não poucas vezes aproximaram a “sodomia” ao “canibalismo” (CUNHA, 1990CUNHA, Manuela Carneiro da. “Imagens de índios do Brasil: o século XVI”. Estudos Avançados, São Paulo, v. 4, n. 10, p. 91-110, 1990.), prática também assinalada como bestial. Nota-se que a abjeção das relações sexuais entre homens indígenas, assim como no caso das “machorras”, também implicou o valor colonial da humanidade. Se na perspectiva indígena as relações entre humanos e não humanos não implicavam hierarquizações, a catequese apostava que homens e animais possuíam profundas diferenças favoráveis aos primeiros.

A aproximação entre sodomia e bestialidade também cortou o tempo e volta e meia é vista em discursos que procuram detrair a homossexualidade. O etnólogo Nimuendaju, por exemplo, ao assegurar a inexistência da homossexualidade entre os Canela, não hesita em associá-la à perversão e à zoofilia (Luisa BELAUNDE, 2015BELAUNDE, Luisa. “O estudo da sexualidade na etnologia”. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 24, n. 24, 2015., p. 408). Este é um possível exemplo, guardadas dimensões anacrônicas, de que pesquisadores podem sofrer de uma “cegueira ontológica” (FERNANDES, 2015FERNANDES, Rafael. Decolonizando sexualidades. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Estudos Comparados sobre as Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas) - Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil., p. 277). Vale lembrar que cabe a Nimuendaju o registro de uma narrativa Guarani sobre Sol e Lua cometendo incesto, posteriormente separados no céu por Nanderuvuçú. Esta, que é uma das raras referências da etnologia clássica tratando de relações sexuais entre entidades masculinas, é antecedida pela seguinte explanação: “por pouco que seja, quero acrescentar aqui o que mais consegui aprender sobre o sol e a lua” (Curt NIMUENDAJU, 1987NIMUENDAJU, Curt. As lendas de criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos apapocúva-guarani. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1987., p. 66, grifo meu).

Como se percebe, os termos e léxicos coletados por Ruiz de Montoya apresentam uma diversidade de performances corporais. Paralelamente, tal qual o fez com o vocábulo “machorra”, o padre executa um movimento interessado em produzir corpos próprios da experiência missional. O conflito que este movimento de tradução ocasiona segue provocando atritos nos estudos sobre corpo, gênero e sexualidade entre povos indígenas: existe sempre a possibilidade de “atribuição de sentidos análogos a uma mesma prática” sofrerem profundas variações “em diferentes contextos sócio-culturais” (Cristina CANCELA et al., 2010CANCELA, Cristina; SILVEIRA, Leonel; MACHADO, Almires. “Caminhos de uma pesquisa acerca da sexualidade em aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 53, n. 1, p. 199-235, 2010., p. 212). Tal preocupação leva aqui a limitar o uso de categorias como “homossexualidade” quando aplicada em um estudo de história colonial como este, preferindo-se, portanto, o uso de categorias das fontes, termos esses coloniais e relacionados com a produção de corpos próprios da colônia, conforme se vê no uso da categoria “sodomia” orientado por Molina (2012MOLINA, Fernanda. “Más allá de la sodomía”. Revista Sudamerica, n. 1, 2012.). Para além da história, vale apontar que a expressão “homossexualidade indígena” tem sido utilizada por antropólogos para conectar o tema ao movimento LGBT, tal qual se vê na larga produção e ativismo de Luiz Mott, bem como para ser utilizada como estratégia analítica, como se vê em Fernandes (2015FERNANDES, Rafael. Decolonizando sexualidades. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Estudos Comparados sobre as Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas) - Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil., p. 16).

Após os escritos de Ruiz de Montoya, registros sobre corpos dissidentes do projeto missional mergulham em silêncio na documentação jesuítica. Talvez essas práticas estivessem incluídas em expressões genéricas como “abominables vícios recorrentes” ou “vícios desonestos”, entre outras não detalhadas. Mas a depender do que esta pesquisa localizou, de 1609 a 1660 os “afeminados”, “amujerados”, “sométicos”, “abacuña ecó” ou “tevíros” indígenas percorreram os povoados com relativa tranquilidade enquanto ao seu redor se difundiam percepções que atingiriam diretamente seus corpos.

Uma guinada violenta

Em 1661, um documento elucida em muito o silêncio das décadas anteriores e delimita um marco na história da sexualidade no Paraguai ao registrar uma guinada na política missional em relação a corpos dissidentes daquele projeto. De possível autoria do provincial Simón de Ojeda (1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 176-207; Beatriz FRANZEN et al., 2008FRANZEN, Beatriz; FLECK, Eliane; MARTINS, Maria Cristina Bohn (Orgs.). Carta ânua da Província Jesuítica do Paraguai 1659-1662. São Leopoldo: Oikos, 2008., p. 128), a carta ânua de 1661 apresenta dois casos sobre corpos masculinos dissidentes e o tratamento exemplar que receberam.

Ao abordar o tema do “pecado nefando e bestial”, o Provincial explica o silêncio da documentação: “Años ha q se desseava reprehender y castigar el pecado nefando y bestial para enmienda en los q estava inficionados del” (OJEDA, 1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 192). Nesse caso, Ojeda confirma a existência de uma postura de tolerância até então, bem como indica um possível estatuto moral permissivo por parte dos missionais a tais práticas. Sobre esse silêncio, como a gerar uma crítica aos seus sucessores, o autor afirma: “como porq no pareziesse se abriã los ojos o despertavã a los dormidos no se reprehendia este vizio, ni vian castigo del, no dexava de sentirse necedad de remédio” (OJEDA, 1661, p. 192).

O provincial ainda argumenta que “como este vicio abominable se ha estendido tanto por el mundo en las naciones de infieles, no estava limpia del esta naciõ, si biê en unas partes avia mucho menos q en otras Y mas despues de la predicacion del Sto. Evangelio” (OJEDA, 1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 192). Nesse ponto, indica explicitamente o quanto a questão estava presente nas comunidades indígenas, ainda que em algumas partes já se notasse efeitos da catequese.

Em pontos distintos da carta, o autor apresenta dois casos: o primeiro a falar de um “moço ladino metido hasta las cejas en los abominables y nefandos vicios” no povoado de Corrientes (OJEDA, 1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 198), enquanto o segundo trata de três “moçuelos delinquentes flagrados no povoado de São Ignácio (OJEDA, 1661, p. 192-193).

O flagrante dos três “moçuelos deliquentes” transforma-se em pretexto para uma guinada violenta. Contra eles, é planejado algo “mas ruydoso q sangrento” e “con estruendo y publicidade” (OJEDA, 1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 192). Baseado na estratégia de humilhação pública recorrente nas punições europeias e inquisitoriais (Maria RESENDE et al., 2011RESENDE, Maria; JANUARIO, Mayara; TURCHETTI, Natália. “De jure sacro - a Inquisição nas Villas d’El Rei”. Varia Historia, Belo Horizonte, v. 27, n. 45, p. 339-359, 2011., p. 339), exercitando, assim, o poder inseparável da violência (MORA RODRÍGUEZ, 2010MORA RODRÍGUEZ, Luís. “Dominación y corporalidad”. Tabula Rasa, n. 12, p. 13-29, 2010.), os jovens são levados em procissão não apenas em seu povoado, mas também nos demais vizinhos, enquanto um “pregonero” os segue “publicando su maldad a voz”, ao passo que são “cercados de soldados dandoles en algunas esquinas del pueblo 5 açotes” (OJEDA, 1661, p. 192). Ao fim do suplício, animais vivos são jogados em uma fogueira de modo a ilustrar as penas infernais (OJEDA, 1661, p. 192). Após, os rapazes são desterrados, provavelmente separados, tal qual se fazia com poligâmicos, e de seu destino não há mais notícias. Ao que parece, está-se diante de um episódio missional fundante da “Queer diáspora” (Meg WESLING, 2008WESLING, Meg. “Why Queer Diaspora?”. Feminist Review, 2008. Disponível em https://link.springer.com/article/10.1057/fr.2008.35#citeas. Acesso em 03/03/2019.), fenômeno que segue firme até os dias de hoje e caracterizado pela migração forçada de sujeitos dotados de sexualidades dissidentes.

As repercussões do espetáculo, possivelmente comentado de modo assombroso em distintas comunidades (Antônio RAMOS, 2016RAMOS, Antônio. Tribunal de gênero. São Leopoldo: Oikos, 2016., p. 187), alegram o provincial pelos resultados: o modo como o espancamento foi injetado como legítimo quando aplicado contra os “nefandos”, findando “el poco cuydado q tenian de sus hijos y el poco castigo con q los criava”, pois, desde então, “deseosos de desterrar tal vicio de sus hijos”, não poucos pais passaram a açoitar os seus em praça pública (OJEDA, 1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 192). Nesse cenário, até mesmo homens “casados y con hijos”, porém “nefandos”, são agredidos, ao passo que aqueles que posteriormente foram cortejados por homens também se viram autorizados a retribuir com violência (OJEDA, 1661, p. 192-193).

Como se percebe, o castigo de 1661 parece ser o estopim de uma virulência punitiva, onde dissidentes das sexualidades então a se consolidar passaram a ser fisicamente punidos não somente por seus pais, mas também por outros homens. Embora não se pretenda aqui responder, pois se trata de tema de um próximo artigo, levanta-se a problemática da adesão dos homens e lideranças indígenas às punições coloniais contra dissidentes da matriz sexual que se construía. Há um episódio emblemático que ilustra esta problemática: por volta de 1614, na ilha de São Luís, atual estado do Maranhão do Brasil, então dominada pelos franceses, o chefe Karuatapiran voluntaria-se para acender o canhão que destroçaria o corpo de um indígena “no exterior mais homem do que mulher”, expressando “com gestos e palavras” o seu “grande contentamento”, tal qual faria com qualquer outro prisioneiro, para em seguida difundir o feito em outras aldeias, “asseverando ser irmão dos francezes, seo defensor e exterminador dos maus e dos rebeldes” (Ivo D’EVREUX, 1874D’EVREUX, Ivo. Viagem ao norte do Brasil feita nos annos de 1613-1614. São Luís: Typ. do Frias, 1874., p. 90, 234).

Relatos como esse indicam ao menos três importantes aspectos: em primeiro lugar, vê-se de modo mais evidente a invenção de um homem indígena colonial pautado por uma masculinidade hegemônica e com uma materialidade delimitada pela feminilidade de corpos abjetos por ele a serem administrados; tal qual já ocorria com as mulheres, esses homens assumem nas Missões os papéis de juízes e capatazes; em seguida, nota-se que as lideranças encontraram no combate às dissidências sexuais da matriz que se apresentava mais uma possibilidade de selar alianças - certamente assimétricas - com forças coloniais; por fim, percebe-se que uma das consequências da invenção dos corpos abjetos indígenas foi a sua inserção no sistema predatório, antropofágico e familiarizante de distintas tradições ameríndias.

Mediante isso, vê-se que tanto nas Missões, em 1661, quanto em outras vivências coloniais, tornava-se arriscado ter um corpo de abácunã ecó, entre outros. De fato, “temerosos de otro tal castigo”, não poucos desses se “enmendaram” (OJEDA, 1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 192-193). O “moço ladino” de Corrientes, por exemplo, após sucessivas tentativas jesuíticas de convencê-lo a abandonar tal corporalidade e a se casar, após um sermão sobre o “vicio de sodoma”, acaba por se confessar “con muchas lagrimas y arrependimentos” para, em seguida, casar-se - e “nunca mas le oyió huviesse vuelto a tal vicio”, assegura Ojeda (1661OJEDA, Simón. “Carta ânua das reduções do Paraná e Uruguai de 1661”. 1661. In: VIANNA, Helio (Org.). Manuscritos da Coleção De Angelis . Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1970. p. 176-207., p. 198). Aqui dois aspectos importantes: o primeiro, onde está explícita a recomendação de que os missionários devem tratar da “sodomia” nas missas de modo rigoroso e condenatório, não mais a ignorando como até então vinham fazendo; o segundo, apresentando o que hoje se pode chamar de “heterossexualização compulsória” indígena validada enquanto cura para tais práticas (FERNANDES, 2015FERNANDES, Rafael. Decolonizando sexualidades. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Estudos Comparados sobre as Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas) - Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil., p. 134-136). Em conjunto, o casamento do “moço ladino” indica a estratégia dos abácuña ecó para assegurar a continuidade de vivência e sociabilidade própria ao contexto que se abria.

De todo modo, o castigo de 1661é uma importante contribuição à produção de um novo corpo indígena, agora missional: abjeto, disciplinável e punível, devendo ser dirimido daqueles espaços por meio de uma normatização, como o casamento, espancamento e/ou desterro.

A institucionalização da punição

Vinte e seis anos depois do primeiro castigo missional contra sujeitos dissidentes da matriz sexual que se implantava, o provincial Dondivas explica os caminhos em que se encontrava o combate: “En las Doctrinas se les explique y pondere lo mas serio y gravemente que se pueda la gravedad del pecado nefando” e “explicada la gravedad y disonancia de todo lo dicho, assi en el secreto de la confession, quando se ofreciere a cada qual, como en lo publico, a todos en general se les intime la pena que a cada culpa se assigna” (DONVIDAS, 1913). Como se percebe, as falas públicas dos padres, bem como aquelas nas confissões, passaram a condenar as práticas sexuais dissidentes. As Missões do Paraguai, enfim, passavam a integrar normativas próprias do mundo hispânico (MOLINA, 2008MOLINA, Fernanda. “Entre pecado y delito”. Revista Allpanchis Phuturinqa, Cuzco, n. 71, 2008.).

De fato, a criação do sistema punitivo missional não ignorou os “sodomitas” segundo o Reglamento de Dondivas: distintamente de um cárcere comum, a prisão do “nefando” consistia no encarceramento de três meses com pouca comida, saídas apenas às missas desde que mantido acorrentado e recebendo “cuatro vueltas de azotes” (cada qual com 25 golpes). A única punição mais severa que esta seria a prisão perpétua para homicidas (DONVIDAS, 1913, p. 597-598; RAMOS, 2016RAMOS, Antônio. Tribunal de gênero. São Leopoldo: Oikos, 2016., p. 184-185).

As gráficas missionais não tardaram em oferecer colaborações: em 1721, imprime-se um manual bilíngue onde se inclui a “sodomia” enquanto uma infração ao sexto mandamento: “aquel horrible fuego grande preparado por Dios para todos y cada uno de los pecadores, lo sentirás mucho más por ser tu pecado más espantoso” (Lluis PALOMERA SERREINAT, 2002PALOMERA SERREINAT, Lluís. Un ritual bilingüe en las reducciones del Paraguay. Cochabamba: Universidad Católica Boliviana, 2002., p. 311).

Essa institucionalização também afeta o contato com novos grupos indígenas. Em 1722, por exemplo, os missionais estão buscando novas populações, muitas delas sequestradas pelos “caçadores do Senhor” (BAPTISTA, 2015BAPTISTA, Jean. O Temporal: Dossiê Missões. Brasília/São Miguel das Missões: Instituto Brasileiro de Museus/Museu das Missões, 2015a. Disponível em Disponível em https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2015/09/Dossie_missoes_Temporal.pdf . Acesso em 02/02/2016.
https://www.museus.gov.br/wp-content/upl...
a, p. 126). É quando o padre Nussdosfer assedia um grupo Guayaqui nas cercanias do povoado de Jesus, observando que, entre eles, “alguns de los hombres andan como mugeres” (Bernardo NUSDOSFER, 1722NUSDOSFER, Bernardo. “Doctrina del Pueblo de Jesus”. In: Manuscritos da Coleção De Angelis. Rio de Janeiro, Biblioteca Nacional, 1722.). Parece ser algo próximo daquilo que Pierre Clasters (1995CLASTERS, Pierre. Crônica dos índios Guayaki: o que sabem os Aché caçadores nômades do Paraguai. São Paulo: Editora 34, 1995.) encontraria entre os Guayaqui e denominaria como “pederasta” e “sodomita”. Não foi localizado nenhum documento a tratar desses corpos quando já introduzidos nas Missões, mas, a julgar pelas proibições de “varones en traje de mujeres” em festas e celebrações, talvez este tenha sido mais um agravante nas relações desastrosas entre os missionais e os Guayaqui (BAPTISTA, 2015a, p. 119-124).

Por outro lado, um caso ocorrido logo após a expulsão dos jesuítas revela que o combate de um século não foi capaz de findar com as práticas condenadas: em 1776, uma rede de dissidentes é descoberta pelos novos administradores, sem que até então tivessem despertado qualquer preocupação no restante da comunidade (Guilhermo WILDE, 2009WILDE, Guillermo. Religión y poder en las misiones de Guaraníes. Buenos Aires: SB, 2009., p. 229). Mas isto, em virtude dos limites deste artigo, já é outra história.

Considerações finais

Neste estudo procurei demonstrar a historicidade da produção de corpos abjetos no contexto missional. No caso das mulheres, identifiquei uma política interessada na retirada de sua centralidade na sociedade mediante a promoção da centralidade ao masculino - nesse jogo de masculinidades, as mulheres “machorras”, bestializadas e economicamente inutilizadas nessa tradução têm suas sexualidades vigiadas no processo catequético, ainda que em tempos de guerra determinada performance entendida como varonil seja bem-vinda. Já os sujeitos lidos pelos padres como masculinos, mas que possuíam corporalidades dissidentes da matriz sexual cristã, são tolerados pelo regime nas primeiras décadas do projeto, mas a partir de 1661, tornam-se alvos de uma guinada política: violentas exposições públicas e autorização para espancamentos por parte de qualquer homem disposto a servir como juiz e carrasco, tal qual já ocorria contra mulheres desviadas da moralidade construída. Um aparato mais bem estruturado também é elaborado a partir de sermões e de publicações catequéticas onde as dores infernais aos “sométicos” são descritas, assim como um sistema punitivo onde só há penas mais duras para homicidas. A continuidade dos registros sobre o empenho em discipliná-los demonstra a permanência das sexualidades dissidentes, apesar dos pesares.

Nessa historicização, portanto, foi possível identificar a produção de novos corpos missionais, esses abjetos, materializados como bestializados e desprezíveis, por isso disciplináveis e puníveis, tal qual os corpos “machorras” e “afeminados” indígenas.

Nos limites dessa materialidade, produz-se outro corpo, o do homem indígena enquanto gênero colonial, então a se extrapolar progressivamente mediante dois parâmetros: o primeiro a recriar o corpo jesuítico, tornando-se fóbico a corpos enquanto se inclui nos sistemas jurídicos, econômicos e políticos, tornando-se, portanto, um administrador de corpos alheios; o segundo, a necessitar da feminilidade e da abjeção para sua própria produção, só podendo expandir seus poderes se manter os abjetos na marginalidade dos mesmos sistemas onde se inclui, uma operação que tenta estabilizar o sexo em uma norma repetitiva.

A permanência de determinadas percepções missionais, como a de associar a morte à homossexualidade, bem como a sobrevivência de determinadas categorias, como “machorra” e “afeminado”, apresenta uma estrutura histórica longeva, responsável por sucessivos crimes contra minorias sexuais no Paraguai. Séculos de história sem que haja uma ruptura considerável capaz de aniquilar um pensamento fóbico e colonial resultaram em um país empobrecido, a necessitar de diversas organizações sociais para resistir à pressão diária sofrida por minorias sexuais. Como se percebe, estudar Missões é também estudar as bases da mentalidade dos países e regiões contemporâneos que delas resultaram.

No Paraguai de hoje, as “machorras” e os “afeminados” não podem casar, não podem adotar filhos e não possuem qualquer lei protetiva mediante a violência simbólica e física a que são submetidos. Para essa população, é relegado um papel de presa abjeta, alvo constante de ataques até mesmo das esferas públicas. Mas cabe notar que, apesar da destituição de sua própria humanidade, as sexualidades dissidentes seguem se reinventando. A identidade indígena LGBTQ, construída politicamente no século XXI no interior dos movimentos sociais paraguaios, não pode mais ser ignorada, de modo próximo ao que ocorre em outros países (Qwo-Li DRISKILL, 2011DRISKILL, Qwo-Li. “Cherokee Two-Spirit People Reimagining Nation”. In: DRISKILL, Qwo-Li; FINLEY, Brian Joseph Gilley; MORGENSEN, Scott Lauria. Queer indigenous studies: critical interventions in theory, politics, and Literature. Tucson: Arizona Press/University of Arizona, 2011. p. 97-111.; FERNANDES, 2015FERNANDES, Rafael. Decolonizando sexualidades. 2015. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Estudos Comparados sobre as Américas do Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas) - Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil., p. 231-243). Nas palavras de Simón Cazal, uma das principais lideranças gays paraguaias, a busca pela “Tierra Sin Mal”, “donde no hay nadie que oprima a alguien, no hay nadie que sufra”, é um dos principais objetivos daqueles movimentos (SOMOSGAY, 2017SOMOSGAY. La comunidad de Somosgay festejó 8 años de trabajo hacia la “Tierra Sin Mal”, 2017. Disponível em http://somosgay.org/. Acesso em 10/10/2018.
http://somosgay.org/...
).

Nesse sentido, percebe-se que essas páginas na história da sexualidade paraguaia demonstram a construção de uma sociedade onde não houve uma assimilação dos valores da cristandade, quiçá uma transformação estrutural das percepções indígenas anteriores aos jesuítas; mas, sim, que naqueles territórios se passou a experimentar, entre tramas e conflitos constantes, a linha que ora justapunha, ora opunha, colonialismo e indianidade. Uma vez sujeitos históricos, as populações indígenas produzem corpos em conjunturas variadas de modo incessante.

Ao longo dessa pesquisa, percebi, também, que alguns conceitos e princípios analíticos integrantes do vasto campo denominado teoria Queer aqui utilizados apresentaram anacronismos e/ou etnocentrismos quando aplicados a questões do passado indígena. De fato, não poucas vezes provocaram desconfortos teórico-conceituais e ecos colonizadores. De todo modo, foi bastante interessante exercitar a aproximação da noção de produção de corpos abjetos com a produção de corporalidades indígenas tão cara aos estudos etnológicos sem, com isso, querer indicar uma similitude ou uma aproximação eficaz. Há, aí, uma ampla possibilidade de discussões promissoras, ao mesmo tempo que tomadas de limites, e este estudo pretendeu ser apenas uma experiência interpretativa, não uma resposta definitiva.

A partir desse conjunto de considerações, tantas questões ficam em aberto que é preciso listar pelo menos algumas, ainda que brevemente e sem a menor intenção de respondê-las: a implantação da violência física como exercício de poder e disciplina de corpos dissidentes, hoje ausente nas aldeias Guarani contemporâneas, mas generalizada no Paraguai “indígena” e “mestiço”, para usar categorias dos censos atuais do país, teria sido, de fato, acionada nos povoados missionais com amplo alcance e eficácia? A adesão dos povoados ao sistema punitivo e o aprisionamento no cárcere dos dissidentes não se deu sem críticas, debates, avanços e retrocessos como os jesuítas tentam assegurar em suas cartas? Sujeitos como os abácuña ecó desfrutariam de espaços no campo das lideranças, ao que sua perseguição poderia estar vinculada a uma disputa com missionários e distintas tipologias de chefes indígenas? No processo de construção de corpos abjetos, qual o lugar do xamanismo e dos xamãs, sujeitos que não raro fugiriam de qualquer isonomia ao conceito de homem e mulher cristão-ocidental?

Há de se considerar, também, que do processo missional até a formação do Paraguai enquanto nação moderna existiram outros contextos violentos a contribuírem na construção de corpos abjetos, não podendo, portanto, associar de modo exclusivo aquelas violências do passado às do presente. Quantas histórias de segredo, clausura, culpa, medo, trauma, tristeza, luto, castração, assim como de gozo, afeto, prazer, alegria, irmandade e amor não participaram da construção desses corpos a cada contexto onde estiveram envolvidos?

Por fim, vale lembrar que o Paraguai também conta, em sua formação, com outras missões, como as do Chaco, onde ainda se aguardam estudos que venham a considerar a construção de seus corpos abjetos, bem como não se pode esquecer que as Missões aqui estudadas eram compostas não apenas pelos Guarani, mas também por distintos grupos étnicos - quantas outras sexualidades indígenas dissidentes da matriz sexual ocidental não existiram e participaram do processo de colonização além daquelas aqui estudadas?

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  • 1
    Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: BAPTISTA, Jean Tiago. “‘Machorras’ e ‘afeminados’ indígenas: corpos abjetos nas Missões e Paraguai”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e71060, 2021.
  • 2
    Financiamento: Bolsa Muriel Gold, Institute for Gender, Sexuality, and Feminist Studies (IGSF) da McGill University, Montreal, Canadá (2019).
  • 3
    Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.
  • 4
    Aprovação de comitê de ética em pesquisa: Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2020
  • Revisado
    10 Nov 2020
  • Aceito
    01 Fev 2021
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