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Prostituição, Direito e Feminismos: reflexão sobre o crime de estupro no Brasil

Prostitution, Law and Feminisms: Reflection on the Crime of Rape in Brazil

Resumo:

Interessa-nos, neste artigo, uma proposição das distribuições de poder e como incidem no posicionamento desigualitário no trabalho sexual e nas possibilidades de ação das trabalhadoras do sexo, em específico, no que diz respeito à violência sexual e ao acesso ao direito. Propomos, subsidiariamente, refletir sobre a dinâmica das relações estabelecidas e perpetuadas pelas trabalhadoras do sexo (e por meio delas) e em que medida essa dinâmica pode conduzir leituras desestabilizadoras da chamada categoria “mulher” na produção feminista hegemônica.

Palavras-chave:
feminismos; sexualidade; prostituição; violência sexual; crime de estupro

Abstract:

The purpose of this article is to analyze the power distribution and how it leads to the unequal position among sex workers, as well as how it limits their possibilities of action, specifically when it comes to sexual violence and access to the judiciary system. We also propose a reflection about the dynamics of established relations and as well perpetuated by sex workers and through them. On the other hand, we consider how the extent to these dynamics might lead to destabilizing readings of the so-called “woman” category in hegemonic feminist production.

Keywords:
feminisms; sexuality; prostitution; sexual violence; rape trial

Introdução

Refletir a prostituição requer a análise crítica das distribuições desiguais de poder, integrando uma nova perspectiva sobre as diferenças que compõem os campos teórico e político feministas. As diferentes vertentes feministas contemporâneas confrontam a pretensa homogeneidade nas (e das) reivindicações feministas e, consequentemente, permitem serem variadas e variáveis as formas de atuação e proposição de estratégias políticas de transformação da realidade.

Interessa-nos, neste artigo, uma proposição das distribuições de poder e como incidem no posicionamento desigualitário no trabalho sexual e nas possibilidades de ação das trabalhadoras do sexo, em específico, no que diz respeito à violência sexual e ao acesso ao direito. Propomos, subsidiariamente, refletir também sobre a dinâmica das relações estabelecidas e perpetuadas pelas trabalhadoras do sexo (e por meio delas) e em que medida essa dinâmica pode conduzir leituras desestabilizadoras da chamada categoria “mulher” na produção feminista hegemônica.

A pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa e utilizou-se da revisão bibliográfica da literatura sobre gênero, feminismos e direito, em especial de trabalhos que buscaram refletir sobre a violência que atinge as trabalhadoras do sexo e sua relação com o direito.1 1 Este artigo é resultado das reflexões desenvolvidas na dissertação de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, campus de Franca-SP, e do trabalho intitulado “Perspectivas em disputa: olhares das garotas de programa de Franca-SP sobre violência sexual e estupro”, que ocorreu entre o ano de 2015 e 2017.

Distinguem-se nesta provocação, portanto, duas seções. Na primeira, pretendemos explorar o percurso de algumas categorias úteis nos campos feministas (Sonia ALVAREZ, 2014ALVAREZ, Sonia. “Para além da sociedade civil: reflexões sobre o campo feminista”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 43, p. 13-56, jan./jun. 2014. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/cpa/n43/0104-8333-cpa-43-0013.pdf. Acesso em 15/03/2019.
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) para analisar as posições de subordinação que as mulheres têm experimentado em diferentes contextos. Considerando a proposta primeira deste artigo, categorias de análise recaem sobre as reflexões afeitas ao mercado do sexo e à violência contra as mulheres em contexto brasileiro, sem o prejuízo de leituras paralelas à nacional, com o fim de se destacar o denominador comum da referida violência. Nossa proposta é argumentar que, nas últimas décadas, novos olhares sobre o trabalho sexual emergiram, apresentando a categoria sexo como um terreno de disputa e não mais um campo fixo de posições de gênero, sexualidade e poder, o que, por sua vez, significou o tensionamento dessas próprias categorias na produção feminista.

Na segunda seção, a reflexão recai sobre a violência que atinge as trabalhadoras do sexo e sua relação com o direito. Argumentamos que as dificuldades em reconhecer as trabalhadoras do sexo como sujeitos dotados de direitos, agência e autonomia estão não somente na normativa nacional e internacional, mas também na compreensão, no imaginário e estereótipos sobre a prostituição, a violência e os crimes sexuais pelo sistema de justiça criminal. Isso porque a definição do que pode ser lido como violação aproxima-se da moral dominante e de um regime de status ao passo que se distancia das narrativas das mulheres que as vivenciam. Nesse momento, reflexões sobre prostituição, estupro, políticas sexuais e algumas estruturas elementares da violência partem, especialmente, dos saberes teóricos produzidos por Carol Smart (1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977.; 1989), Rita Laura Segato (2010SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Prometeo, 2010.), Carine Mardorossian (2002MARDOROSSIAN, Carine. “Toward a New Feminist Theory of Rape”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 27, n. 3, p. 743-775, Spring 2002.) e Gayle Rubin (2003RUBIN, Gayle. “Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade”. Cadernos Pagu, n. 21, p. 01-88, 2003. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332003000200009 . Acesso em 11/11/2020.
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).

Prostituição, gênero e sexualidade: as disputas nos feminismos

Usamos aqui o termo prostituição, assim como trabalhadoras do sexo e prostitutas, sem preferência por qualquer dos termos, em razão da escolha pela visibilidade das identidades reivindicadas pelos principais movimentos de mulheres organizados, no Brasil, em torno da prostituição, bem como de suas demandas pela efetivação dos direitos fundamentais desta categoria de trabalhadoras. Os movimentos de prostitutas, no Brasil, na luta pela integridade física e pelo respeito à vida, ao trabalho, à sexualidade e aos direitos, desde as primeiras mobilizações, entre os anos de 1979 e 1982, até os dias de hoje, utilizaram estrategicamente distintos termos2 2 Destacamos o II Encontro Nacional de Prostitutas, no Rio de Janeiro, em 1989, que, além da pauta dos direitos fundamentais contra a AIDS e contra a violência policial, incluiu a reivindicação por direitos trabalhistas. Logo após, no segundo encontro. sob uma forte influência do Programa Nacional de DST-Aids, trocaram o termo prostitutas por ‘trabalhadoras do sexo’. No ano de 2004, no marco do Planejamento Estratégico da Rede Brasileira de Prostitutas, Gabriela Leite e outras lideranças propuseram voltar a adotar, de maneira mais radical, o nome ‘prostituta’. Tratava-se de um esforço em adotar/criar um sujeito prostituta como veículo identitário e como sujeito de direitos, além de constituir uma estratégia política e estética na luta contra a vitimização e o estigma (OLIVAR, 2012, p. 96). No marco do IV Encontro da Rede Brasileira de Prostitutas, em 2008, as mulheres fizeram do sujeito puta um ponto para suas afirmações, construíram o sujeito puta como aquele que não precisa se envergonhar de seu trabalho, pelo seu sexo e pelo que fazer com seu corpo (OLIVAR, 2012, p. 93). para caracterizar a profissão (José Miguel Nieto OLIVAR, 2012OLIVAR, José Miguel Nieto. “Prostituição feminina e direitos sexuais... diálogos possíveis?”. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 11, p. 88-121, ago. 2012. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/sess/n11/a05n11.pdf. Acesso em 15/11/2020.
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). Essas diferenças de termos não expressam apenas uma mudança terminológica, mas também contêm a visão de mundo e entendimento que as mulheres possuem sobre si e sobre a prostituição que desempenham.

Uma variedade de maneiras é também evocada na literatura para nomear as mulheres que realizam prostituição. Adriana Piscitelli (2005PISCITELLI, Adriana. “Apresentação: gênero no mercado do sexo”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 25, p. 7-23, jul./dez. 2005. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332005000200001&script=sci_arttext . Acesso em 15/01/2018.
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, p. 7) destaca a variedade de trabalhos sexuais existentes e os distintos sujeitos presentes no que ela nomeia de ‘mercado do sexo’. A escolha pelo conceito busca a compreensão da heterogeneidade dos trabalhos exercidos no mercado e enfatizando também a demanda e os diversos desejos das pessoas que procuram serviços sexuais. Falar apenas em prostituição é ocultar a complexidade de uma lista imensa de atividades desempenhadas: bordéis, boates, bares, discos, saunas, linhas telefônicas eróticas, sexo virtual por meio de internet, casas de massagem, serviços de acompanhantes, agências matrimoniais, hotéis, motéis, cinemas e revistas pornôs, filmes e vídeos, serviços de dominação e submissão, sadomasoquismo, prostituição na rua etc.

As noções e preferências de agentes situados, de um lado, as trabalhadoras do sexo, situadas na demanda, indicam a percepção de consumidores acerca da ampliação de um mercado global que não se restringe ao que popularmente é conhecido como “programa”. De outro, agentes situados na oferta, sendo não apenas mulheres cisgênero, como também homens cisgênero, mulheres e homens transexuais, em contatos homoafetivos, heteroafetivos ou, ainda, relacionando-se em termos que transbordam os limites dessas classificações.

Falamos em uma variedade de agentes situados para compreender variados tipos de inserção em um jogo de oferta e demanda de sexo e sensualidade que, marcado pela mercantilização, não necessariamente assume a forma de um contrato explícito de câmbio entre sexo e dinheiro.

No cenário internacional, ao longo da década de 1980, grupos de trabalhadoras e trabalhadores sexuais se difundiram por diversas partes do mundo, realizando, no mesmo período analisado, dois congressos mundiais de prostitutas, em Amsterdam e Bruxelas. Durante este ínterim, alguns setores da academia se aproximaram do referido movimento, apoiando as ideias de que dele surgiam. Em 1993, a autora Anne McClintock (1993McCLINTOCK, Anne. “Sex Workers and Sex Work: Introduction”. Social Text, Durham, n. 37, p. 1-10, Winter 1993a. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/466255?seq=1 . Acesso em 10/02/2019.
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a) organizou uma seção no periódico estadunidense Social Text: Sex Workers and Sex Work inteiramente dedicada ao comércio sexual, incluindo na revista os ensaios escritos pelas trabalhadoras do sexo. Esse procedimento foi considerado uma ação política radical, a qual tomou como pressuposto a legitimidade das ações das próprias trabalhadoras e contestou frontalmente o estigma vinculado à prostituição.

Outra coletânea marcante foi a Global Sex Workers, no final da década de 1990, organizada pela acadêmica Kamala Kampadoo e por Jo Doezema (1998KAMPADOO, Kamala; DOEZEMA, Jo. Global sex workers: rights, resistence, and redefinition. Londres: Routledge, 1998.), autora esta que se apresenta como uma trabalhadora sexual. Os textos se aprofundaram na contextualização do trabalho sexual e os aspectos legais vinculados a seu exercício, considerando-se ainda a realidade das mulheres do “Terceiro Mundo” inseridas no mercado transnacional e no mundo globalizado. Novas leituras feministas despontavam sobre a prostituição, contando com contribuições das próprias trabalhadoras em um processo de visibilização das estruturas racistas e do imperialismo cultural presente nos discursos internacionais sobre o serviço sexual, contestando também as abordagens feministas que percebiam as trabalhadoras do sexo como inerentemente vítimas (passivas) daquilo que consideravam uma violência sexual a priori.

Outro ponto relevante foram os debates sobre gênero e sexualidade, categorias que se encontram em disputa no campo feminista e dão elementos para questionar o aprisionamento da ordem de gênero, compreendida em uma perspectiva de gênero binário e heteronormativo, atravessada por uma linha divisória entre homens e mulheres, estabelecida como continuidade entre “sexo” e gênero (Raewyn CONNELL; Rebecca PEARSE, 2015CONNELL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. Compreendendo o gênero - da esfera pessoal à política - no mundo contemporâneo. São Paulo: nVersos, 2015.).

Segundo Connell e Pearse (2015CONNELL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. Compreendendo o gênero - da esfera pessoal à política - no mundo contemporâneo. São Paulo: nVersos, 2015.), contribuição central dos movimentos feministas e LGBTQIA+ (lésbico, gay, bissexual, trans, queer, intersexo, assexual) foi o borramento desta perspectiva por meio do impacto cultural intenso exercido nos valores e crenças culturais desde a década de 1970 em todos os espaços. As autoras destacam ainda a importância dos feminismos contemporâneos na construção de uma concepção de gênero mais fluida, interseccionada com outras categorias e dinâmicas da vida social, com vistas a considerar as distintas experiências e estratégias políticas de mulheres (CONNELL; PEARSE, 2015CONNELL, Raewyn; PEARSE, Rebecca. Gênero: uma perspectiva global. Compreendendo o gênero - da esfera pessoal à política - no mundo contemporâneo. São Paulo: nVersos, 2015.).

Nessa perspectiva, as novas leituras sobre trabalho sexual ofereceram contribuições que desestabilizam o sentido de normalidade, tornando mais complexas as concepções sobre alocações de características consideradas femininas e masculinas e das relações de poder que permeiam nichos específicos do mercado do sexo. Nesta linha de pensamento, são interessantes as construções de Anne McClintock (1993b) em “Maid to Order: Commercial Fetishism and Gender Power”, trabalho presente na coletânea supracitada, em que trata o sexo sadomasoquista e argumenta essa modalidade de comércio do sexo pela economia da conversão. Nesse âmbito, para a autora, de uma maneira teatral e ritualizada, os papéis são trocados em um jogo no qual se altera a relação entre homens e poder; e de mulheres e submissão. Nos usos das parafernálias e dos símbolos das culturas cotidianas por meio do exagero, o poder encontraria abertura para mudanças, ou seja, a modalidade de troca de sexo por dinheiro representaria hierarquia, diferença e poder, revertendo-os e transmutando os significados sociais de que toma emprestado.

McClintock permite pensar que não é possível reduzir linearmente as interações sexuais comerciais à ideia da submissão feminina e da dominação masculina, ainda que sejam substanciais as constrições produzidas pelos códigos de gênero. Isso porque o S/M comercial, o lesbianismo S/M e as manifestações S/M entre homens gays são, para a autora, no limite, problematizações dos modelos que supõem naturalidade, inatismo ou normalidade entre as fronteiras que delimitam homens e mulheres (McCLINTOCK, 1993McCLINTOCK, Anne. “Maid to Order: Commercial Fetishism and Gender Power”. Social Text, Durham, n. 37, p. 87-116, Winter 1993b. Disponível em Disponível em https://www.jstor.org/stable/466262 . Acesso em 10/02/2019.
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b, p. 90; Maria Filomena GREGORI, 2016GREGORI, Maria Filomena. Prazeres perigosos: Erotismo, gênero e limites da sexualidade. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2016., p. 177).

Prostituição e o crime de estupro: a violência sexual

Na produção teórica dos feminismos, há vasta reflexão sobre a relação entre gênero, feminismos e direito. O trabalho de Smart, na metade da década de 1970, o qual teve grande difusão entre as vozes feministas, ofereceu um relato teórico sobre o funcionamento da lei e produziu leituras críticas sobre seu o essencialismo. O seu primeiro livro, Woman, Crime and Criminology: A Feminist Critique, cujas reflexões utilizamos aqui para pensar o julgamento do crime estupro (“rape trail”), contribuiu para estabelecer a presença legal no desenvolvimento de pesquisas sobre gênero, direito e poder. Destaca-se também, na presente análise, a obra Feminism and the power of Law, do ano 1989, em que Smart registra aspectos relevantes do debate feito nos anos 1980 sobre a relação entre direito e feminismo.

Smart (1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977.; 1989) e outras feministas, em diálogo com a obra da autora (Paula CASALEIRO, 2014CASALEIRO, Paula. “O poder do direito e o poder do feminismo: revisão crítica da proposta teórica de Carol Smart”. Ex Aequo, Lisboa, n. 29, p. 39-53, jan./jun. 2014.), colocam duas problemáticas: 1) o poder do direito de desqualificar a experiência das mulheres e o conhecimento feminista; 2) a proposta de reorientação da estratégia feminista em descentrar e desconstruir o direito. Entre os argumentos utilizados, está o poder do direito e de seu discurso imbuído da pretensão da verdade desqualificando e silenciando as experiências, narrativas e reivindicações de mulheres que acessam o campo normativo e também dos conhecimentos feministas que o desafiam.

Smart (1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977.; 1989) aponta o direito como uma estratégia (tecnologia) criadora de gênero e outras formas de opressão. Desse modo, associar as teorias feministas ao direito é problematizá-lo como forma de ação política, local de conflito e disputa, refutando seu lugar de refúgio ou de resolução.

Nessa perspectiva, no que concerne ao crime de estupro e às prostitutas, convém observar que o enfrentamento às questões afeitas à violência sexual precisa refletir a habilidade de transcender a hegemonia teórica contemporânea, que parece oferecer conceituações e premissas hegemônicas, porém lacunosas, naquilo que se pode explorar nas diferentes experiências de mulheres (MARDOROSSIAN, 2002MARDOROSSIAN, Carine. “Toward a New Feminist Theory of Rape”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 27, n. 3, p. 743-775, Spring 2002.).

Como problematizado por Mardorossian (2002MARDOROSSIAN, Carine. “Toward a New Feminist Theory of Rape”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 27, n. 3, p. 743-775, Spring 2002.), questionar os termos em que a realidade é percebida contribui para o reconhecimento da complexidade da experiência vivida pelas mulheres, e permite que sejam superadas as categorias dominantes de representação de gênero. Nessa perspectiva, as reflexões acerca do estupro perpetrado contra trabalhadoras do sexo requerem questionamentos ligados às experiências específicas desse grupo, o que pode, por sua vez, viabilizar análises sociojurídicas “para além do aspecto psicológico ou vitimológico da violência sexual” (MARDOROSSIAN, 2002MARDOROSSIAN, Carine. “Toward a New Feminist Theory of Rape”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 27, n. 3, p. 743-775, Spring 2002., p. 748, tradução nossa).

Em relação às previsões legais no Brasil, nasceu junto ao Código Penal o conceito de “mulher honesta” inserido no crime de estupro, introduzido no ano de 1830 (art. 222) e reproduzido no Código de 1890 (art. 268). No Código Penal de 1940, o estupro não se referiu à condição de ser “honesta” a mulher que fosse vítima daquele crime, mas manteve o critério de proteger apenas a “mulher honesta” no crime de “atentado ao pudor mediante fraude” (art. 216) e, como causa de extinção de punibilidade, o casamento do estuprador com a vítima (art. 107, inciso VII) ou dela com terceira pessoa, sem requerimento expresso para consentimento do inquérito ou processo (art. 107, inciso VIII). A “mulher honesta” era identificada como uma pessoa de moral ilibada e que não se prostituía, única suscetível de ocupar o papel de vítima e merecedora da tutela estatal.

O crime de estupro foi classificado como crime hediondo a partir da promulgação do artigo 1.° da Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990 (BRASIL, 1990BRASIL. Lei n.º 8.072, de 25 de julho e 1990. Dispõe sobre os crimes hediondos, nos termos do art. 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, e determina outras providências. Brasília, 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm.
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), e apenas com a Lei n.º 11.106, de 28 de março de 2005 (BRASIL, 2005BRASIL. Lei n.º 11.106, de 28 de março de 2005. Brasília, 2005. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11106.htm.
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), foi “revogada” a denominação patriarcal de “mulher honesta” em relação aos crimes contra os costumes. Ainda, com a reforma introduzida pela Lei n.º 12.015, de 7 de agosto de 2009 (BRASIL, 2009BRASIL. Lei n.º 12.015, de 08 de agosto de 2009. Brasília, 2009. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm.
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), fundiram-se os tipos penais estupro e atentado violento ao pudor. Tais reformas, porém, não foram acompanhadas de uma cultura sensível às questões de gênero por parte dos/as operadores/as do direito, uma vez que continuaram a reproduzir estereótipos e lugares sociais nos casos de violência sexual, deixando de tutelar grupos específicos de mulheres, inclusive culpabilizando-as pelas agressões perpetradas.

A ideia de legislação sexual desenvolvida por Rubin (2003RUBIN, Gayle. “Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade”. Cadernos Pagu, n. 21, p. 01-88, 2003. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332003000200009 . Acesso em 11/11/2020.
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) nos auxilia a pensar o que a autora chama de estratificação sexual e perseguição erótica. Quando áreas do comportamento sexual chegam ao alcance das leis refletem preocupação social e apresentam potência máxima em áreas que envolvem obscenidade, dinheiro, menores e a homossexualidade. Ou seja, reforçam um tabu poderoso contra a representação direta de atividades eróticas, também contra a mistura entre sexo e dinheiro, exceto quando ocorrem por meio do casamento.

Pontua a autora que a criminalidade, ainda que indireta, subjacente aos negócios orientados pelo sexo, mantém os sujeitos ‘marginais’, ‘pouco desenvolvidos’ e ‘distorcidos’, de modo que os negócios do sexo só podem operar em lacunas legais, tornando as trabalhadoras do sexo ainda mais vulneráveis à exploração e às distintas formas de violência (RUBIN, 2003RUBIN, Gayle. “Pensando o Sexo: Notas para uma Teoria Radical das Políticas da Sexualidade”. Cadernos Pagu, n. 21, p. 01-88, 2003. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332003000200009 . Acesso em 11/11/2020.
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).

Interessa, portanto, a proposta em analisar e desafiar o poder do direito em relação ao que Smart (1989SMART, Carol. Feminism and the power of law. Nova Iorque: Routledge, 1989., p. 34) chama de rape trial. A autora busca revelar os mecanismos que levam a lei constantemente à falha ao tentar compreender as narrativas de estupro que não se encaixam na sua construção legal (e de Verdade). O direito não será o único instrumento a desacreditar as mulheres, contudo, funcionará de modo a definir e redefinir os parâmetros pelos quais o estupro deverá ser avaliado socialmente. A lei refletirá os valores culturais sobre a sexualidade das mulheres e irá mais longe, constituindo uma precisa forma de desqualificar as narrativas das mulheres, seja sobre si ou sobre sua sexualidade (SMART, 1989SMART, Carol. Feminism and the power of law. Nova Iorque: Routledge, 1989., p. 26).

Dentro dos parâmetros legais, a sexualidade será compreendida como o prazer do “Phallus” e a extensão dos prazeres da penetração e das relações sexuais - para os homens.

A dificuldade em compreender o estupro a partir de uma leitura crítica se vincula ao problema apontado por Smart (1989SMART, Carol. Feminism and the power of law. Nova Iorque: Routledge, 1989., p. 33) sobre o método legal que lê o fenômeno pela noção binária: a exemplo das categorias ativo/passivo, verdade/mentira, natureza/cultura, racionalidade/emoção, homem/mulher. A lógica binária não possui valores igualitários e, por isso, a insistência em opostos binários que “clamam pela verdade” é inapropriada para entender as complexidades e ambiguidades do estupro. Os critérios de verdade/mentira, culpa/inocência, consentimento/não consentimento operam de forma a manter e criar hierarquias de gênero, raça e classe e, portanto, não podem servir como critérios para se compreender as dinâmicas da violência sexual.

Destacamos o consentimento e o não consentimento em relação às experiências e à maneira com que as mulheres vivenciam sua sexualidade. O Sistema de Justiça constantemente enfatiza o consentimento formalmente assentado, contudo, nota-se sua irrelevância quando envolve a perspectiva das mulheres e a complexidade das posições que ocupam quando da violência sexual. O consentimento presente na narrativa legal é distinto dos consentimentos considerados pelas mulheres.

A poderosa voz do direito, no que consiste à violência sexual, ou quais relações foram ou não consentidas, instrumentaliza o silenciamento das narrativas das mulheres pela autoridade responsável por asseverar qual a única versão a prevalecer como verdade dos eventos. E, na maioria das vezes, prevalece a versão masculina e a acusação da cumplicidade sexual por parte da vítima.

As narrativas hegemônicas sobre os crimes de estupro são elaboradas a partir de relações desiguais de poder, reforçando-as. Portanto, criam-se padrões de normalidade e anormalidade, assentados nas ideias socialmente construídas sobre o sexo heterossexual cuja dependência entre a passividade e a agressividade diz respeito aos padrões a serem seguidos, consecutivamente, por mulheres e homens. Daí a dificuldade das mulheres em comprovarem uma relação não consentida, já que, no imaginário social, em especial, quando são consideradas promíscuas, devem servir sexualmente aos homens. E para assegurar tal versão racista e falocêntrica são evocados os argumentos biológicos, os quais devem comprovar a propensão “natural” das mulheres em se submeter aos desejos masculinos, devendo, inclusive, sentir prazer com as violações. No caso das trabalhadoras do sexo, muitas vezes, o estupro será descaracterizado como violência sexual e entendido como simples efeito (ou risco) dessa modalidade de trabalho (MARDOROSSIAN, 2002MARDOROSSIAN, Carine. “Toward a New Feminist Theory of Rape”. Signs - Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 27, n. 3, p. 743-775, Spring 2002., p. 754, tradução nossa).

Os perversos mitos que pairam nos julgamentos dos crimes sexuais atingem tanto os agressores como as vítimas. Aqueles que adquirem o estereótipo de estupradores são vistos como psicopatas ou pessoas “anormais”, dominadas por uma incontrolável lascívia ao se deparar com uma mulher vestida “inapropriadamente”, em locais e horários não indicados para sua presença. Os rotulados como agressores aparecem biologicamente definidos por um intenso desejo sexual, compreendido e legitimado, quando dirigido às mulheres estereotipadas como “desonestas”. Contudo, o homem com o rótulo de “estuprador”, selecionado a partir de critérios de gênero, raça e classe, será hostilizado quando seu “condenável” comportamento desrespeitar e envolver a apropriação do corpo de uma mulher branca e honesta, “pertencente” a seu marido ou pai. Por isso, entre os ditos homens normais - brancos, ricos, casados, com filhos e um círculo de amigos -, é extremamente difícil imaginar que possam ser estupradores. Independentemente de suas ações em relaçãos às mulheres, a posição social que ocupam os absolverá - aí reside a intersecção racista nas narrativas construídas em torno das violências sexuais.

Em suma, simbolicamente, os julgamentos nos casos de estupro serão a celebração e a imposição dos valores racistas, classistas e falocêntricos (SMART, 1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977.).

Nesse sentido, Angela Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editora, 2016.) apresenta uma perspectiva importante para a análise dos estereótipos produzidos pelo Sistema de Justiça Criminal. Ao tratar o racismo instituído e o mito do estuprador negro, a autora lembra que nos Estados Unidos e em outros países capitalistas, em regra, foram criadas leis contra estupros para proteger homens das classes mais altas, cujas filhas e esposas corriam o risco de serem agredidas. “Embora estupradores raramente fossem levados à justiça, a acusação de estupro foi/tem sido indiscriminadamente dirigida aos homens negros, tanto os considerados culpados como os inocentes” (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editora, 2016., p. 176).

Enfatiza a autora, ainda, que um grande número de homens negros inocentes foi enviado às celas de prisão perpétua, enquanto suas companheiras, mulheres negras, eram forçadas a buscar o auxílio de policiais e juízes. E na própria condição de vítimas de estupro, elas encontravam pouca ou nenhuma simpatia dos homens “uniformizados” e “togados”, sendo, com frequência, estupradas novamente por policiais ao notificarem a violência sexual (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editora, 2016., p. 178).

A problemática fica evidente no seguinte trecho:

A imagem fictícia do homem negro como estuprador sempre fortaleceu sua companheira inseparável: a imagem da mulher negra como cronicamente promíscua. Uma vez aceita a noção de que os homens negros trazem em si compulsões sexuais irresistíveis e animalescas, toda a raça é investida de bestialidade. Se os homens negros voltam os olhos para as mulheres brancas como objetos sexuais, então as mulheres negras devem por certo aceitar as atenções sexuais dos homens brancos. Se elas são vistas como “mulheres fáceis” e prostitutas, suas queixas de estupro necessariamente carecem de legitimidade (DAVIS, 2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editora, 2016., p. 181).

O “não” estará no núcleo dos crimes de estupro. Ao dizerem “não” ao sexo ou a qualquer outro tipo de relação não desejada, desafiam e resistem ao poder dos homens brancos, muito além do ato sexual. Esse “não” também é uma negativa ao racismo e ao falocentrismo que está presente no espaço público, mas, também, e principalmente, no espaço doméstico. Segundo a Nota Técnica realizada pelo Ipea, em março de 2014, Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde (Daniel CERQUEIRA; Danilo COELHO, 2014CERQUEIRA, Daniel; COELHO, Danilo de Santa Cruz. Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2014.), no geral, 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima. Por isso, há um esforço, por parte do movimento de mulheres, em demonstrar que os agressores não são pessoas desconhecidas que abordam mulheres vestidas de forma provocante em becos escuros. Esse mito oculta que a violência é perpetrada, principalmente, por pessoas que estabelecem relações afetivas, tais como os próprios companheiros, namorados, esposos, amantes, e também nas relações de trabalho em razão das hierarquias de poder presentes nesse espaço.

Principalmente, pelo direito, é difícil conceber que a esposa tenha controle sobre sua própria sexualidade no casamento, inclusive podendo dizer “não” para qualquer tipo de contato corporal não desejado ou, ainda, nas relações de trabalho, quando as mulheres não concordam em satisfazer os desejos e vontades de homens em posição privilegiada de poder. Ressalta-se que o sistema de justiça criminal, na maior parte das vezes, ignora totalmente o contexto em que a violência ocorre, a cultura discriminatória que a alimenta e as narrativas e experiências das mulheres sobre a violência sexual (SMART, 1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977., p. 105).

Trabalho sexual, estupro e direito

No campo da criminalização sexual, constitui-se a “lógica da honestidade” como uma “sublógica” do sistema penal e da criminalização de condutas sexuais (Vera ANDRADE, 2005ANDRADE, Vera Regina Pereira de. “A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher”. Sequência, Florianópolis, v. 26, n. 50, p. 71-102, 2005. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15185/13811. Acesso em 16/03/2019.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/seq...
, p. 89). Ao longo do processo de criminalização, desde a criminalização primária presente nas definições legais dos tipos penais ou o discurso da lei, até os diferentes níveis de criminalização secundária por meio dos inquéritos policiais, extrajudicial e do próprio sistema processual penal (judicial), pode-se notar a dicotomia entre as mulheres que são consideradas vítimas pelo sistema de justiça criminal - mulheres honestas e frágeis -, daquelas que carecem de credibilidade e não cumprem com as normativas destinadas a seu gênero, as chamadas mulheres ardilosas ou desonestas (ANDRADE, 2012ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além da (des)ilusão. Rio de Janeiro: ICC/Revan, 2012., p. 146).

Smart (1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977., p. 106) assevera, no que tange às vítimas, que as distinções entre as mulheres não desviantes e as prostitutas (vistas como mulheres desonestas) são feitas não apenas em termos de julgamento moral ou de negociação do sexo, mas também em termos dos desvios primário e secundário. Ela sustenta que o papel sexual feminino possui elementos do desvio primário cujo retrato são mulheres realizando favores sexuais em troca de alguma recompensa. A mulher não desviante carrega o status de prostituta implícito no seu papel sexual, ainda que ela não seja uma trabalhadora sexual, e o que irá diferenciá-las é sua progressão no que tange ao estágio do desvio primário para o desvio secundário.

No estágio primário do desvio, a sociedade busca a “normalização” das desviantes, relembrando-lhes quais são as expectativas normativas, ou ainda ignorando os acontecimentos. Contudo, se a mulher persiste em seu comportamento, tornando-o visível, possivelmente será rotulada no campo social como desviante, transcendendo o viés normativo/jurídico. Uma vez que a “desviante” decide dar continuidade à carreira de desvio, a estigmatização e a punição irão acompanhá-las, sendo obrigadas a mudar seu estilo de vida e a se acomodar a tais eventualidades.

Smart (1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977., p. 5) trata largamente da imagem da mulher prostituta sob o viés do Sistema de Justiça Criminal. Retoma as ideias que ainda ecoam na criminologia de Cesare Lombroso e Guglielmo Ferrero (2004LOMBROSO, Cesare; FERRERO, Guglielmo. Criminal Woman, the Prostitute, and the Normal Woman. Translated by Nicole Hahn Rafter and Mary Gibson. Durham: Duke University, 2004.), os quais apresentam as trabalhadoras do sexo como seres degenerados e como a maior representação do atavismo. Ambos argumentam que todas as mulheres primitivas são prostitutas e, consequentemente, ser uma prostituta, para os autores, seria regredir aos estágios primários da evolução. As prostitutas estariam, portanto, associadas à imagem da mulher criminosa, retratadas como seres selvagens, excessivamente viris e sexualmente imorais, conforme leitura realizada por Lombroso e Ferrero em La donna delinquente.

Não nos aprofundaremos na visão dos autores que marcaram a Criminologia Positivista, porém nos interessa brevemente sublinhar as representações que dali surgiram e predominam, ainda hoje, no imaginário social e jurídico. Na lógica Positivista, analisa-se a prostituição a partir de suas origens sob a forma de patologia individual traçada pela fisiologia, biologia e psicologia. A mulher prostituta, por seu turno, é tratada como causa para a prostituição, devendo “justificadamente” ser punida ou tratada por sua condição de ser “hipersexualizada”.

Da mesma forma que no estupro, impõe-se um duplo padrão moral nos casos relativos à prostituição:

Qualquer tentativa de lidar com a promiscuidade, portanto, pode ser interpretada como tentativas de interferir na vida sexual de mulheres e meninas e não na de homens e meninos. Esse duplo padrão implica que as fêmeas promíscuas são antinaturais e problemáticas, enquanto os machos não podem ser promíscuos porque seu impulso sexual é “naturalmente” irreprimível e bastante indiscriminado. As implicações totais desse duplo padrão revelam-se nas acusações de prostitutas, no tratamento de vítimas de estupro e em delinquentes e na política de institucionalização das chamadas garotas promíscuas (SMART, 1977SMART, Carol. Woman, crime and criminology: A feminist critique. Nova Iorque: Routledge, 1977., p. 84, tradução nossa).

A absorção de valores sexistas, racistas e classistas pelas/os agentes do Direito reflete-se na práxis jurídica, que conduz a uma verdadeira “inversão de atores”, transformando as vítimas em rés (e vice-versa, no que diz respeito aos verdadeiros réus). A mensagem veiculada por essas/esses agentes, muitas vezes, reforça a ideia do in dubio pro stereotypo, ou seja, o estupro é um crime em que a vítima tem que provar que não é culpada, e, que, portanto, não concorreu para ocorrência do delito (Silvia PIMENTEL; Ana Lúcia SCHRITZMEYER; Valéria PANDJIARJIAN, 1998PIMENTEL, Silvia; SCHRITZMEYER, Ana Lúcia; PANDJIARJIAN, Valéria. Estupro ou “cortesia”? Abordagem sociojurídica de gênero. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998., p. 203).

O marco regulatório, no Brasil, sobre violência contra as mulheres, Lei Maria da Penha ou Lei 11.340/2006, completava uma década quando pela primeira vez, em 2016, foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro o primeiro caso de violência doméstica e familiar praticado contra uma trabalhadora sexual (Carolina HERINGER, 2016HERINGER, Carolina. “Desembargadores mantêm condenação pela Lei Maria da Penha de homem que agrediu prostituta”. Extra, 2016. Disponível em Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-policia/desembargadores-mantem-condenacao-pela-lei-maria-da-penha-de-homem-que-agrediu-prostituta-18892277.html . Acesso 01/10/2018.
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
). Apesar de tratar-se de um relacionamento amoroso que perdurava há seis anos com um cliente, a decisão não foi unânime. Três desembargadores (José Muiños Piñero Filho, Antonio José Ferreira Carvalho e Catia Maria Amaral) entenderam que deveria ser aplicada a Lei 11.340/06 (BRASIL, 2006BRASIL. Lei n.º 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília, 2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) no caso que envolveu lesão corporal grave contra a trabalhadora, enquanto os outros dois magistrados (Rosa Helena e João Ziraldo Maia) interpretaram a relação entre o casal como estritamente profissional, não devendo, assim, ser aplicada a legislação em questão.

O ineditismo da decisão coloca ênfase nas disputas de discursos sobre as dinâmicas afetivas e familiares, além de outras dimensões das vidas das trabalhadoras do sexo que ultrapassam a atividade laborativa. Uma grande linha divisória é construída entre as mulheres consideradas “honestas” (de classe média, casadas, brancas, heterossexuais) e, portanto, passíveis de ocuparem a posição de “vítimas” pelo Sistema de Justiça, daquelas mulheres “desonestas” (cujo modelo radicalizado é a prostituta), que o sistema abandona ou seleciona na medida em que não se adéquam aos padrões de moralidade sexual impostos às mulheres (ANDRADE, 2005ANDRADE, Vera Regina Pereira de. “A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da violência sexual contra a mulher”. Sequência, Florianópolis, v. 26, n. 50, p. 71-102, 2005. Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15185/13811. Acesso em 16/03/2019.
https://periodicos.ufsc.br/index.php/seq...
, p. 89).

Apesar dos obstáculos ao acolhimento integral às trabalhadoras do sexo nos casos de violência doméstica, estas são juridicamente tratadas como vítimas da exploração sexual e/ou do tráfico de pessoas. A abordagem legal sobre a prostituição, exclusivamente penal, faz menções exaustivas à “prostituição ou outra forma de exploração sexual”. Os artigos 227 a 231-A não criminalizam as trabalhadoras do sexo, contudo, atuam em todo o entorno, reprimindo aquela/e que induz e facilita que alguém se prostitua, quem organiza economicamente a atividade de prostituição praticada por terceiros, quem faz a intermediação e lucra diretamente sobre essa relação e quem mantém a casa onde ela ocorra. E neste processo, embora a prostituição não constitua crime, produz a mesma estigmatização reservada para criminosos, o que, de certa forma, é uma criminalização sem tipo penal e sem processo legal (Ela CASTILHO, 2008CASTILHO, Ela Wiecko Volkmer de. “A criminalização do tráfico de mulheres: proteção das mulheres ou reforço da violência de gênero?”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 31, p. 101-124, jul./dez. 2008. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/cpa/n31/n31a06. Acesso em 12/06/2017.
http://www.scielo.br/pdf/cpa/n31/n31a06....
, p. 120).

Neste contexto, as representações criadas sobre as trabalhadoras do sexo aparecem como um importante obstáculo no acesso à justiça e a realização do devido processo legal nos casos de violência doméstica, compatíveis com os marcos dos direitos humanos das mulheres. Constituem campos de problemáticas complexas, uma vez que envolvem modificações profundas nos desenhos institucionais e nos modelos jurídicos de resposta, com dimensões linguísticas, culturais, simbólicas, psicológicas, econômicas, políticas, entre outras.

A importância da articulação entre categorias de análise para compreensão da realidade social é cuidadosamente detalhada nas “Diretrizes Nacionais Feminicídio: investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres” (BRASIL, 2016BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres. Diretrizes Nacionais Feminicídio: investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Brasília: Imprensa Nacional, 2016.). A proposta do governo federal em relação à aplicação da perspectiva interseccional de gênero, raça e sexualidade acompanha o esforço pela adoção de linguagem não discriminatória e livre de estereótipos de gênero pelas/os agentes estatais. O documento pontua sobre a prostituição ou ocupações estigmatizantes:

Morte de uma mulher que exerce prostituição e/ou outra ocupação (como strippers, garçonetes, massagistas ou dançarinas de casas noturnas), cometida por um ou vários homens. Inclui os casos nos quais o(s) agressor(es) assassina(m) a mulher motivado(s) pelo ódio e misoginia que a condição de prostituta da vítima desperta nele(s). Esta modalidade evidencia o peso de estigmatização social e justificação da ação criminosa por parte dos sujeitos: “ela merecia”; “ela fez por onde”; “era uma mulher má”; “a vida dela não valia nada” (BRASIL, 2016, p. 23).

Assim também propõe a Red de Mujeres Trabajadoras Sexuales de Latinoamérica y el Caribe em “Estudo sobre estigma e discriminação nos serviços públicos de saúde às trabalhadoras sexuais na América Latina e no Caribe”. A pesquisa (REDTRASEX, 2013REDTRASEX. Red de Mujeres Trabajadoras Sexuales de Latinoamérica y el Caribe. Estudio sobre estigma y discriminación en los servicios de salud a las mujeres trabajadoras sexuales en América Latina y el Caribe. Nicarágua, 2013. Disponível em Disponível em https://www.redtrasex.org/IMG/pdf/peru_-_estudio_de_estigma_y_discriminacion.pdf . Acesso em 15/03/2019.
https://www.redtrasex.org/IMG/pdf/peru_-...
, p. 20) revela que a força do estigma, na América Latina, faz com que 43,8% das trabalhadoras do sexo não procurem instituições públicas, como hospitais ou serviço público de saúde para não revelarem a atividade laborativa que exercem e outras. E outras 58,1% preferiram ser atendidas longe de suas casas ou bairros para que os profissionais não saibam que são trabalhadoras do sexo.

Pensar sobre o estigma presente no trabalho sexual e seus desdobramentos é também refletir as potencialidades das políticas da interseccionalidade. O feminismo negro, por exemplo, ao assentar-se na proposta interseccional, prioriza, em sua produção teórica e política, as experiências de mulheres negras, criando não apenas novas interpretações sobre as relações sociais de dominação, como novas formas de resistências contra as desigualdades e subalternidades (Patricia COLLINS, 2008COLLINS, Patricia Hill. Black Feminist Thought: Knowledge, Consciousness and the Politics of Empowerment. New York: Routledge, 2008.). Sob o conceito de racismo patriarcal heteronormativo, Jurema Werneck e Nilza Iraci (2016WERNECK, Jurema; IRACI, Nilza. “A situação dos direitos das mulheres negras no Brasil: violências e violações”. Criola-Geledés, São Paulo, 2016. Disponível em Disponível em http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2017/01/Dossie-Mulheres-Negras-.pdf . Acesso em 15/03/2019.
http://fopir.org.br/wp-content/uploads/2...
, p. 11) definem “o racismo atuante no Brasil e seus modos de atuação a partir do sexismo e das fobias LGBT” e, a partir destas noções, adquirem ferramentas que atingem de formas específicas as pessoas situadas em posições simbólicas femininas dentro do espectro das identidades de gênero.

Portanto, pesquisas atuais denunciam as dificuldades no funcionamento das estruturas criadas pela Lei Maria da Penha devido às resistências e aos limites do sistema de justiça em garantir uma prestação jurisdicional adequada nos casos que envolvem violência de gênero (GREGORI, 2008GREGORI, Maria Filomena. “Limites da sexualidade: violência, gênero e erotismo”. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 51, n. 2, p. 575-606, jan. 2008.). O ocultamento das trabalhadoras do sexo, entre outros corpos silenciados pelas instituições estatais, justifica a importância de estudos que busquem compreender seus olhares e perspectivas sobre a violência de gênero e processos de subalternização cuja contribuição é imprescindível para impulsionar mudanças na atuação do sistema de justiça para as mulheres.

Segato (2010SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Prometeo, 2010., p. 135) assevera que talvez o tratamento jurídico dado ao crime de estupro no Brasil seja o verdadeiro termômetro de ambivalência da lei, que se diz moderna, contratual e igualitária, “mas permanece com os pés de barro profundamente fincados no sistema de status movido por gênero, raça e classe”.

A autora cita, para demonstrar a tensão entre o sistema de status e o contrato, as denúncias de violência feitas pelas prostitutas. Os casos, por exemplo, de clientes que retiram o preservativo sem consentimento prévio da trabalhadora do sexo, resistem ao pagamento ou impõem práticas não acordadas na contratação do serviço, podem ser classificados como estupro ou violação. A ruptura do contrato pela reemergência de uma lei prévia, de um direito que se apresenta como preexistente e autoriza perpetrar atos não consentidos pelos homens está amparada na “relação de status constitutiva de gênero, tal como a moral e o costume o reconhecem” (SEGATO, 2010SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Prometeo, 2010., p. 136).

A contradição entre moralidade e legalidade na violência sexual, para Segato (2010SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Prometeo, 2010., p. 137), está nos atos disciplinadores e vingadores contra as mulheres. Os atos vinculam-se com a punição e a retirada de vitalidade das mulheres vistas como aquelas que desacatam e abandonam as posições a elas destinadas no sistema de status da moral tradicional. A violação constitui, então, uma punição, tornando-se o violador, em vez de um criminoso, o moralizador ou vingador da moral. Essa lógica é apresentada por Segato como economia simbólica do estupro como crime moralizador, ainda que ilegal:

É na capacidade de dominar e exibir prestígio é onde se assenta a subjetividade dos homens e é nesta posição hierárquica que chamamos de masculinidade, onde seu sentido de identidade e humanidade se encontram entramados. A estrutura dos rituais de iniciação masculina e os mitos de criação falam universalmente desta economia de poder baseada na conquista do status masculino mediante a expurgação da mulher, sua contenção no nicho restrito da posição que a moral tradicional lhe destina e o exorcismo do feminino na vida política do grupo e dentro mesmo da psique dos homens (SEGATO, 2010SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Prometeo, 2010., p. 143).

Em referida ocupação simbólica, as mulheres ocupam posição ambivalente, refazendo-se constantemente como sujeitos sociais capazes de autonomia: uma parte se adapta à posição que lhes é atribuída, ao passo que outra parcela não cabe inteiramente em seu papel na ordem de status, tomando para si um algo a mais, uma agência livre, um desejo que não é o da submissão. As mulheres, nesse sentido, ocuparão uma posição híbrida; para Segato (2010SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Prometeo, 2010., p. 143), são “anfíbios” da ordem de status e da ordem do contrato, com uma inserção dupla no sistema total de relações.

Isso porque há uma falta de correspondência entre as posições e subjetividade dentro desse sistema articulado, mas não inteiramente consistente, que acaba por produzir e reproduzir um mundo violento. O efeito violento resulta do mandato moral e moralizador de reduzir e aprisionar as mulheres em sua posição subordinada por todos os meios possíveis, recorrendo à violência sexual, psicológica e física; ou mantendo a violência estrutural da ordem social e econômica (SEGATO, 2010SEGATO, Rita Laura. Las estructuras elementales de la violencia: Ensayos sobre género entre la antropología, el psicoanálisis y los derechos humanos. Buenos Aires: Prometeo, 2010.). E esta faceta violenta se apresenta no fundo de toda relação de poder classificada por status de gênero, raça, etnicidade, nacionalidade, região ou qualquer inscrição cujo efeito seja de colonialidade, infiltrando-se no contrato e nas próprias leis.

Considerações finais

O uso do enfoque interseccional de gênero tem sido apontado, no direito internacional dos direitos humanos das mulheres, como importante ferramenta para a construção de modelos de atividade jurisdicional comprometidos com a eliminação de relações de subordinação e desigualdades, sobretudo porque exigem análises sociojurídicas contextualizadas sobre as múltiplas e intercruzadas formas de violência contra as mulheres. Nesse sentido, ganham relevância os aportes dos feminismos que têm desestabilizado as categorias utilizadas pelo feminismo “ocidental” e as formulações produzidas no marco de interesses articulados em países do Norte.

O trabalho buscou destacar as produções feministas sobre o mercado do sexo que ampliaram o debate sobre o tráfico de pessoas e exploração sexual, e, consequentemente, enriqueceram as produções tratando da prostituição voluntária e, ao mesmo tempo, tornaram mais complexa a discussão teórica e política feminista sobre a intersecção de gênero, sexo, prostituição e direito.

Essa produção teórica foi importante ainda por questionar os limites do direito em reconhecer as prostitutas como sujeitos de direitos, bem como em garantir proteção/punição contra a violência a que estão submetidas. Isso porque o reforço do estigma à profissão pelo Estado, o qual equipara a prostituição à exploração sexual, gera um contexto em que as mulheres trabalhadoras, para se protegerem da violência moral, devem se esconder e ocultar a atividade que exercem. Devem apagar suas histórias de vida, experiências, aprendizados para que possam ser preservadas do alto impacto do patriarcado. E mais do que o cuidado com suas clientelas, ajustam-se para sobreviver às estruturas institucionalizadas ou não, voltadas para o combate à existência de mulheres que subvertem as normativas impostas aos gêneros construídos.

A interpretação de que seus corpos estão disponíveis para quaisquer tipos de relações, além de ser incompatível com a realidade, dificulta a diferenciação entre a prostituição e a violência sexual e cria obstáculos para o combate ao estigma na profissão. Tratá-las como sinônimos também é ocultar as percepções sobre como vivem, veem, sentem e resistem à violência sexual. A expressão da sexualidade pelas trabalhadoras do sexo é um direito e reivindicá-la a seu favor, também. A favor de uma vida digna para as mulheres, livre de estigmas, livre de violências

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  • 1
    Este artigo é resultado das reflexões desenvolvidas na dissertação de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Unesp, campus de Franca-SP, e do trabalho intitulado “Perspectivas em disputa: olhares das garotas de programa de Franca-SP sobre violência sexual e estupro”, que ocorreu entre o ano de 2015 e 2017.
  • 2
    Destacamos o II Encontro Nacional de Prostitutas, no Rio de Janeiro, em 1989, que, além da pauta dos direitos fundamentais contra a AIDS e contra a violência policial, incluiu a reivindicação por direitos trabalhistas. Logo após, no segundo encontro. sob uma forte influência do Programa Nacional de DST-Aids, trocaram o termo prostitutas por ‘trabalhadoras do sexo’. No ano de 2004, no marco do Planejamento Estratégico da Rede Brasileira de Prostitutas, Gabriela Leite e outras lideranças propuseram voltar a adotar, de maneira mais radical, o nome ‘prostituta’. Tratava-se de um esforço em adotar/criar um sujeito prostituta como veículo identitário e como sujeito de direitos, além de constituir uma estratégia política e estética na luta contra a vitimização e o estigma (OLIVAR, 2012, p. 96). No marco do IV Encontro da Rede Brasileira de Prostitutas, em 2008, as mulheres fizeram do sujeito puta um ponto para suas afirmações, construíram o sujeito puta como aquele que não precisa se envergonhar de seu trabalho, pelo seu sexo e pelo que fazer com seu corpo (OLIVAR, 2012, p. 93).
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    BARBOSA, Marcela Dias; CATOIA, Cinthia de Cassia; SOUZA, Mariane Destefani de. “Prostituição, Direito e Feminismos: Reflexão sobre o crime de estupro no Brasil”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 26, n. 3, e72212, 2021
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2020
  • Revisado
    17 Dez 2020
  • Aceito
    08 Fev 2021
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