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Normas, disputas e negociações: debates sobre a despatologização

Norms, Disputes, and Negotiations: Debates Regarding the Depathologization

Resumo:

Este artigo parte de uma etnografia realizada no Núcleo Trans e no Ambulatório de Atenção Integral à Pessoa Trans, órgão da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que tem como objetivo acompanhar e analisar as disputas em torno das mudanças do Código Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 10 para o Código Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde 11, além das mudanças do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais e das normativas do Conselho Federal de Medicina brasileiro. Com base nessas discussões, o texto aponta que o diagnóstico permanece interpelando a lógica de cuidados dos profissionais de saúde, usuários e integrantes dos movimentos sociais, mesmo na sua suposta ausência ou recusa.

Palavras-chave:
Transexualidade; gênero; CID 11; despatologização

Abstract:

This article is based on an ethnography conducted in the Núcleo Trans and in the Ambulatory Clinic for Trans* People at the Federal University of São Paulo (Unifesp). The text aims to accompany and analyze disputes regarding changes in the International Code of Illnesses (ICD) from ICD-10 to ICD-11. In addition, the study investigates changes in the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), as well as in the norms of the Brazilian Federal Medical Council (CFM). Based on these debates, the text shows that - even in cases when a diagnosis is supposedly absent, or is refused - diagnoses continue to interpellate the care of healthcare providers, patients, and members of social movements.

Keywords:
Transsexuality; Gender; CID-11; Depathologization

Este artigo é parte de uma etnografia desenvolvida no Núcleo Trans e no Ambulatório de Atenção Integral à Pessoa Trans da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e nele se propõe acompanhar e analisar as disputas em torno das mudanças ocorridas na Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) 10 para a CID 11, bem como no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM e nas normativas do Conselho Federal de Medicina (CFM) brasileiro. Iniciada em 2017, a pesquisa etnográfica permitiu acompanhar desde a criação do Núcleo Trans e seu estabelecimento dentro da Unifesp, ao cotidiano das práticas de saúde. Assim, a pesquisa se voltou para os encontros clínicos (os atendimentos no ambulatório), para as reuniões entre profissionais e mesmo para conversas nos corredores. Durante a etnografia, a equipe assistencial do Núcleo tem assistido mais de 160 pessoas trans pelo SUS (compreendendo travestis, homens trans, mulheres transexuais e pessoas intersexo) e realizou, por exemplo, mais de 100 cirurgias de mamoplastia masculinizadora. Por meio de observação participante, entrevistas e acompanhamento da vida cotidiana, observamos esses atendimentos (mesmo cirurgias) e participamos das reuniões do Núcleo e dos eventos organizados.

A intenção, neste artigo, é, na aproximação etnográfica das disputas, não dizer mais do que o autor sabia e não nos colocarmos como conhecedores de um saber exterior aos nossos interlocutores (Michel FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Um caso de parricídio no século XIX. Rio de Janeiro: Graal, 2010.). E com essa aproximação etnográfica esperamos poder examinar como os conceitos de gênero, corpo e sexo abrangem maneiras diferentes de compreender as relações entre saúde e transexualidade e entre serviço e formas de cuidado.

Para seguir essas disputas no Ambulatório trans, organizamos este artigo da seguinte forma: iniciamos com um contexto geral das discussões sobre despatologização e das políticas públicas instituídas pelo SUS sobre o processo transexualizador e sobre o cuidado a pessoas transexuais e travestis. Depois, apresentamos o Núcleo Trans e o Ambulatório de Atenção Integral à Pessoa Trans. Em seguida, descrevemos e analisamos um evento: uma reunião na qual os debates sobre as mudanças na versão da CID vieram à tona. Esta reunião constituiu-se em um momento especial, que agrupou as expectativas e posições de profissionais de saúde, pessoas trans usuárias do serviço e de ativistas trans, todos e todas preocupados e preocupadas com os efeitos das mudanças nas práticas dos cuidados de saúde para as pessoas trans.

O contexto

Diversas autoras e diversos autores vêm abordando as relações entre saúde e transexualidade e, mais especificamente, o processo transexualizador - inclusive, no caso do Brasil, no Sistema Único de Saúde (SUS). Entre elas destacam-se desde as práticas em hospitais para o reconhecimento das pessoas trans (Berenice BENTO, 2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.) até os dilemas da transexualidade e da saúde pública no Brasil (Marcia ARÁN; Daniela MURTA; Tatiana LIONÇO, 2009ARÁN, Marcia; MURTA, Daniela; LIONÇO, Tatiana. “Transexualidade e saúde pública”. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 1141-1149, 2008.; Mably Jane TENENBLAT, 2014TENENBLAT, Mably Jane Trindade. A assistência de pessoas transexuais: aspectos históricos do processo transexualizador no Estado do Rio de Janeiro. 2014. Mestrado (Serviço Social) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.); desde as discussões sobre a despatologização das identidades trans (BENTO; Larissa PELÚCIO, 2012; Mary BURKE, 2011BURKE, Mary. “Resisting pathology: GID and the contested terrain of diagnosis in the Transgender Rights Movement”. In: McGANN, P. J.; HUDSON, David James (Eds.). Wagon Lane Sociology of Diagnosis. United Kingdom: Emerald, 2011. p. 183-210.; Leonardo TENÓRIO; Marco Aurélio PRADO, 2015TENÓRIO, Leonardo; PRADO, Marco Aurélio M. “Patologização das identidades trans e a violência na atenção à saúde: das normativas às práticas psicológicas”. In: UZIEL, Anna Paula; GUILHON, Flávio (Orgs.). Transdiversidades: práticas e diálogos em trânsito. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2015. p. 197-218.; 2016TENÓRIO, Leonardo Farias Pessoa; PRADO, Marco Aurélio Máximo. “As contradições da patologização das identidades trans e argumentos para a mudança de paradigma”. Periodicus, UFBA, v. 5, n. 1, p. 41-55, 2016.) até as revisões do DSM5 (Sandra CAPONI, 2014CAPONI, Sandra. “O DSMV como dispositivo de segurança”. Physis, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, p. 741-763, jul.-set. 2014.; Andrea DALEY; Nick MULÉ, 2014DALEY, Andrea; MULÉ, Nick J. “LGBTQs and the DSM-5: A critical queer response”. Journal of Homosexuality, v. 61, p. 1288-1295, 2014.; Arlene LEV, 2005LEV, Arlene. “Disordering gender identity: Gender identity disorder in the DSM-IV-TR”. In: KARASIC, Dan; DRESCHER, Jack (Eds.). Sexual and gender diagnoses of the Diagnostic and Statistical Manual (DSM): A reevaluation. New York, NY: Haworth Press, 2005. p. 35-70.), ou a psiquiatrização das identidades trans no DSM5 (BENTO, 2016BENTO, Berenice. “Disforia de gênero: geopolítica de uma categoria psiquiátrica”. Direito e Práxis, v. 7, n. 15, p. 496-536, set. 2016.; 2017BENTO, Berenice. “DSM-5: A invenção do gênero como categoria diagnóstica”. In: DIAS, Alfrancio Ferreira; SANTOS, Elza Ferreira; CRUZ, Maria Helena Santana (Orgs.). Gênero e sexualidades: entre invenções e desarticulações. Aracaju: IFS, 2017. p. 46-58.; 2018BENTO, Berenice. “The review process of the DSM 5: is gender a cultural or diagnostic category?”. Sociology International Journal, v. 2, n. 3, p. 205-213, 2018.).

Ao analisar o dispositivo nomeado como “pedagogia da transexualidade”, Rodrigo Borba (2016BORBA, Rodrigo. “Receita para se tornar um ‘transexual verdadeiro’: discurso, interação e (des)identificação no processo transexualizador”. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, p. 33-75, 2016.) aborda os modos como as pessoas trans são constituídas no processo transexualizador, demonstrando o dispositivo que não apenas controla os corpos trans, mas produz o tipo de transexualidade que deve ser performada. O autor investiga as dinâmicas pelas quais sistemas de conhecimento patologizam a transexualidade e são incorporados nas ações de profissionais de saúde e usuárias e usuários transexuais do Sistema Único de Saúde. Flavia do Bonsucesso Teixeira (2009TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. “Armadilhas da (re)solução: (in)visibilidades na construção do processo transexualizador”. Série Anis, Brasília, v. 68, p. 1-11, 2009.; 2011TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. “Não basta abrir a janela...: reflexões sobre alguns efeitos dos discursos médico e jurídico nas (in)definições da transexualidade”. Anuário Antropológico, p. 127-160, 2011.; 2013; 2017), por sua vez, vem demonstrando que o processo de reconhecimento das pessoas trans, efetivado pelas instituições médico-jurídicas, coloca em risco suas possibilidades de sobrevivência. Nas investigações feitas por essa pesquisadora, juízes e médicos reivindicam e disputam a verdade de um corpo verdadeiramente transexual. São os saberes forjados nesses campos que definem os instrumentos e os aparatos discursivos que identificarão aqueles que se tornam elegíveis ou não para alcançar a precária cidadania ofertada pelo Estado. Essa é a razão pela qual os trabalhos citados apontam para a complexidade da despatologização da transexualidade quando sinalizam que não se trata apenas de um deslocamento sobre critério diagnóstico, mas sim de uma disputa em termos de reivindicação sobre autonomia e direito à representação.

Em 2019, a CID 11 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2019ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde: CID 11. Geneva: Organização Mundial da Saúde, 2019. Disponível em Disponível em https://icd.who.int/en . Acesso em 17/01/2020.
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), divulgada pela Organização Mundial de Saúde, propôs mudanças do diagnóstico de “transexualismo” da classificação anterior, em que o capítulo 17, até então denominado “Condições relacionadas à saúde sexual”, passa a ser intitulado “Incongruência de gênero” (Jack DRESCHER; Peggy COHEN-KETTENIS; Sam WINTER, 2012DRESCHER, Jack; COHEN-KETTENIS, Peggy; WINTER, Sam de. “Minding the body: Situating gender identity diagnoses in the ICD-11”. International Review of Psychiatry, v. 24, n. 6, p. 568-577, 2012.; Rebeca ROBLES GARCIA et al., 2016ROBLES GARCIA, Rebeca; FRESAN, Ana; VEJA-RAMIREZ, Hamid; CRUZ-ISLAS, Jeremy. “Removing transgender identity from the classification of mental disorders: a Mexican field study for ICD-11”. Lancet Psychiatry, v. 3, n. 9, p. 850-859, 2016.). Segundo a OMS, essa nova designação objetiva retirar o estigma de doença mental do diagnóstico da transexualidade. Antes dessa alteração, o transexualismo, como consta no DSM4, também tinha sido modificado para “disforia de gênero” no DSM5 (Charles MOSER, 2008MOSER, Charles. “The DSM-V and the gender diagnoses”. Society for Sex Therapy and Research Newsletter, v. 25, n. 2, p. 4-5, jul. 2008.), mesmo que a descrição sintomatológica permanecesse quase sem modificações (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 1995ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM 4. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1995.; 2013ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM 5. 5. ed. Washington: Associação Americana de Psiquiatria, 2013.). Essas várias denominações exigiram um acompanhamento sistemático das disputas suscitadas e da capacidade de interferências dos movimentos nas definições hegemônicas sobre os sentidos de gênero, sexo e corpo (Guilherme ALMEIDA; MURTA, 2011ALMEIDA, Guilherme; MURTA, Daniela. “Reflexões sobre a possibilidade de despatologização da transexualidade e a necessidade da assistência integral à saúde de transexuais no Brasil”. Sexualidad, Salud y Sociedad: Revista Latinoamericana, Rio de Janeiro, IMS/UERJ, v. 14, p. 380-407, 2013.; Judith BUTLER, 2004BUTLER, Judith. “Undiagnosing gender”. In: BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge, 2004. p. 74-101.; Michel MISSÉ; Gerard COLL-PLANAS, 2010MISSÉ, Miguel; COOL-PLANAS, Gerard (Orgs.). El género desordenado: Críticas en torno a la patologizacion de la transexualidad. Barcelona-Madrid: Egales, 2010.; André OLIVEIRA, 2015OLIVEIRA, André. “Somos quem podemos ser”: os homens (trans) brasileiros e o discurso pela (des)patologização da transexualidade. 2015. Mestrado (Ciências Sociais) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.).

Como afirmam Bento e Pelúcio (2012BENTO, Berenice; PELÚCIO, Larissa. “Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 559-568, 2012.), nos últimos anos, esses movimentos têm se espalhado mundo afora; são mais de cem organizações e quatro redes internacionais na África, na Ásia, na Europa e na América do Norte e do Sul, que se envolvem em uma campanha em prol das seguintes pautas: retirada do Transtorno de Identidade de Gênero (TIG) da CID 11; desnecessidade da menção de sexo nos documentos oficiais; livre acesso aos tratamentos hormonais e às cirurgias (sem a tutela psiquiátrica) e luta contra a transfobia, para propiciar a educação e a inserção social e laboral das pessoas transexuais. Essa campanha passou a ser conhecida como Campanha Mundial pela Despatologização das Identidades Trans (em inglês, Stop Trans Pathologization).

No Brasil, a situação é a seguinte: em 1997, o CFM reconheceu a viabilidade de procedimentos cirúrgicos, em especial da cirurgia de redesignação sexual, porém sua inclusão na Tabela de Procedimentos do SUS só ocorreu em 2008. Ainda que esse acesso das pessoas trans às tecnologias hormonais e cirúrgicas tivesse sido regido, desde o primeiro momento, pelas normativas do CFM, o processo de construção da política pública contou com a participação dos movimentos de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e demais identidades sexuais (LGBTI+), que atuaram na construção de espaço de participação social no Ministério da Saúde (MS). Foram também muito atuantes as próprias e os próprios gestores responsáveis pela construção e regulamentação das políticas públicas do SUS, os profissionais e as profissionais e técnicos e técnicas de serviços, reconhecidos e reconhecidas ou não, que buscavam responder às demandas por cuidados por parte da população trans, bem como as pesquisadoras e os pesquisadores que elaboraram e problematizaram as propostas (Ana Maria COSTA; Tatiane LIONÇO, 2006COSTA, Ana Maria; LIONÇO, Tatiane. “Democracia e gestão participativa: uma estratégia para a equidade em saúde?”. Saúde e Sociedade, v. 15, n. 2, p. 47-55, maio-ago. 2006.; LIONÇO, 2009LIONÇO, Tatiane. “Atenção integral à saúde e diversidade sexual no Processo Transexualizador do SUS: avanços, impasses, desafios”. Physis, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 43-63, 2009.).

Assim, Direito e Medicina, principalmente, ocuparam papel central no debate. Ainda que outros campos de saberes, como a psicologia e as ciências sociais, produzam discussões importantes para a garantia de direitos às pessoas trans, são os conhecimentos atrelados aos aspectos normativos como diagnóstico e pareceres que, efetivamente, respaldavam as decisões de juízes, médicos, promotores e gestores da política. O CFM, por meio de suas resoluções e de seus representantes, ainda que informais, produziu a explanação oficial que tem circulado desde a primeira edição da Portaria do Processo Transexualizador no SUS. As decisões em favor das pessoas trans, entretanto, vieram do judiciário, pois as portarias - na sua origem e, definitivamente, na sua última publicação - foram garantidas por decisão judicial (TEIXEIRA, 2013TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. Dispositivos de dor: saberes-poderes que (con)formam as transexualidades. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2013.; 2017).

Em 2013, a Portaria nº 2803, de 19 de novembro de 2013 (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria n o 2803, de 19 novembro de 2013. Redefine e amplia o Processo Transexualizador no Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União, n. 225, seção 1. Poder Executivo. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013.), inseriu a possibilidade de que parte dos cuidados à população trans fosse realizada em nível ambulatorial, desvinculada dos hospitais. Isso fez com que serviços já existentes fossem credenciados e outros incentivados a iniciar suas atividades, como foi o caso do Ambulatório Trans da Unifesp. No entanto, como a lógica de organização da portaria permaneceu ancorada na exigência do diagnóstico, os debates e os desafios sobre a construção de um cuidado fora dos marcos da patologização tiveram de ser transportados para os ambulatórios (Sofia FAVERO; Fernanda SOUZA, 2019FAVERO, Sofia; SOUZA, Fernanda. “(Des)patologizar é (des)diagnosticar? Inquietações sobre as disputas por autonomia no campo político”. Periodicus, v. 1, p. 303-323, 2019.; Marco Aurélio PRADO, 2018PRADO, Marco Aurélio Maximo. Ambulare. Belo Horizonte: PPGCOM-UFMG, 2018.).

A imbricada descrição dos procedimentos nos anexos da mencionada portaria indica que nem tudo contido no seu teor está disponível a todas as pessoas. Até janeiro de 2020, o acesso às tecnologias de hormonização e cirurgia (incluindo a colocação de prótese mamária e a tireoidoplastia) dependia do diagnóstico de transexualismo. Na prática, tal exigência definia quais usuárias e usuários seriam elegíveis. No caso de pessoas que não desejassem realizar a cirurgia de conformação genital - enquadradas em “transtorno não especificado da identidade sexual” -, o acompanhamento clínico era restritivo em número e tipo, durante o período de dois anos, por uma equipe disciplinar. Esta era uma exigência da primeira resolução do CFM, que foi mantida em todas as portarias subsequentes.

Em meio aos debates sobre normas, em 20 de maio de 2019, a 72ª Assembleia Mundial de Saúde, realizada em Genebra, aprovou a retirada das experiências transexuais da lista de transtornos ou distúrbios mentais, na nova versão da CID 11 da OMS. Com essa oficialização, a transexualidade passou a ser enquadrada, conforme já vimos, como incongruência de gênero e alocada no capítulo que abordava as condições relativas à saúde sexual. Tal decisão envolveu pesquisadores e pesquisadoras do campo de estudos de gênero e sexualidade e ativistas que, desde os anos 2000, assinalavam o caráter patologizante dos marcos regulatórios e dos diagnósticos do campo da saúde.

Assim, a defesa da despatologização da transexualidade abarca uma discussão acerca das implicações problemáticas dos processos classificatórios em torno das experiências de travestis e transexuais. Em 2020, contudo, o CFM divulgou uma nova normativa, em que reduz o prazo para, no mínimo, um ano de acompanhamento (que ainda precisa de portaria do MS para ser regulamentada). Em todos os casos, tal manutenção do prazo mínimo reafirma o entendimento da necessidade do período de “teste da vida real”; ou seja, para o acesso às cirurgias, a pessoa precisa comprovar que é um “transexual verdadeiro” aos olhos das e dos profissionais de saúde mental, de acordo com o diagnóstico de transexualismo em vigência no momento. Para Bento (2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.), uma pessoa transexual será diagnosticada como “verdadeira” se aceitar ser nomeada como doente e for possuidora de um transtorno de gênero. E isso inclui uma luta constante para se adequar às expectativas médico-jurídicas. Desse modo, ainda que consideradas “transtornadas”, as pessoas trans que não se conciliarem à narrativa de um transexual verdadeiro - e não orientarem seu corpo na linearidade de uma hormonização e de uma cirurgia - teriam acesso precário aos serviços chancelados pelo Estado (TEIXEIRA, 2017TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. “(Des)engano: revisando as portarias do processo transexualizador no SUS”. In: UZIEL, Anna Paula; GUILHON, Flávio. Transdiversidades: práticas e diálogos em trânsitos. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2017. p. 315-354.). Esse é o principal elemento que demonstra como a cirurgia permanece orientando a portaria, apesar de um discurso fundamentado na integralidade do cuidado. É, portanto, necessário, ajustar-se, segundo uma lógica heteronormativa e binária (BENTO, 2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.; BORBA, 2016BORBA, Rodrigo. “Receita para se tornar um ‘transexual verdadeiro’: discurso, interação e (des)identificação no processo transexualizador”. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, p. 33-75, 2016.), desde as vestimentas até os desejos compatíveis ao gênero que a pessoa quer transicionar. Um processo doloroso no qual formas de se sentar, maneiras de se vestir, modos de andar, gostos e gestos são inspecionados. Em síntese: o diagnóstico e a centralidade da cirurgia são elementos que deslizam com desenvoltura nos espaços de cuidado, sob a guarda das normativas oficiais.

Por terem o compromisso de atender as pessoas trans, na perspectiva da despatologização, escolhemos o Ambulatório Trans da Unifesp e o Núcleo Trans como locais onde passamos a registrar sistematicamente as narrativas colhidas em forma de entrevistas e depoimentos. Por meio de observação participante, acompanhamos a vida cotidiana de profissionais de saúde e de demais participantes do Núcleo, com o propósito de saber como os debates decorrentes das alterações da CID afetaram a percepção de profissionais, pacientes e ativistas, bem como o andamento do serviço e das formas de cuidado. Como já mencionamos, acompanhamos diariamente o Núcleo Trans, com envolvimento em todas as suas atividades e com profissionais de saúde (psicólogos e psicólogas, médicos e médicas, fonoaudiólogos e fonoaudiólogas etc.) e usuários e usuárias.

O Núcleo Trans e o Ambulatório de Atenção Integral à Pessoa Trans

O Núcleo Trans nasceu no cruzamento de linhas macropolíticas entre as portarias do SUS, as normativas do CFM, os discursos dos ativismos de homens trans, mulheres trans e travestis e as características da própria universidade. Na condição de órgão autônomo dentro da universidade, de cunho supradepartamental, transdisciplinar (essa definição é de profissionais do próprio Núcleo Trans e do Ambulatório para indicar que o serviço abriga diversos e diversas profissionais, como médicos e médicas, enfermeiros e enfermeiras, fonoaudiólogos e fonoaudiólogas etc.) e intercampi, executa as seguintes ações: pesquisa, com a participação de professores e professoras e pós-graduandos e pós-graduandas da universidade; formação profissional, com capacitação e treinamento de equipe; e, especialmente, assistência multiprofissional, dentro do princípio da integralidade no atendimento às pessoas trans. Essa assistência, por sua vez, é desenvolvida pelo Ambulatório de Atenção Integral à Pessoa Trans, vinculado ao Hospital São Paulo, o hospital universitário da Unifesp, às terças-feiras, das 13 às 17 horas. Lá, os acolhimentos de novos usuários e novas usuárias ocorrem na última terça-feira de cada mês; são encaminhados via Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde de São Paulo (Cross) ou internamente, no caso de funcionários e funcionárias ou estudantes da universidade. O serviço, portanto, não pode ser considerado na categoria de “porta aberta” ou de livre demanda.

A criação desse Núcleo e de seu Ambulatório se deu em um cenário de alta demanda, associado ao restrito número de unidades que dispunham desses serviços e à baixa quantidade de procedimentos cirúrgicos realizados. Consequentemente, havia filas nas instituições de referência para o atendimento à população transexual e travesti, que buscava realizar procedimentos como hormonização e cirurgias, além de atendimentos psicológicos, médicos, fonoaudiológicos, de enfermagem, entre outros.

Em São Paulo, o Centro de Referência e Treinamento (CRT) DST-AIDS-SP da Secretaria Estadual de Saúde, situado a poucas quadras da Escola Paulista de Medicina, já atendia travestis e pessoas trans. Dentro do CRT, essas usuárias e esses usuários passaram a contar, em 2009, com o Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais, dois anos após a criação do Ambulatório de Saúde das Travestis do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia (Emerson RASERA; Rita ROCHA; Flavia TEIXEIRA, 2012RASERA, Emerson Fernando; ROCHA, Rita Martins Godoy; TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. “Construindo saberes e compartilhando desafios na clínica da travestilidade”. In: MISKOLCI, Richard; PELÚCIO, Larissa (Orgs.). Discursos fora da norma: deslocamentos, invenções e direitos. São Paulo: Annablume, 2012. p. 155-178.), inserindo-se em um movimento maior de busca de melhores condições de atendimento e inclusão desse segmento social.

Inicialmente, as idealizadoras e os idealizadores do Núcleo/Ambulatório reconheceram a demanda da rede de serviços de saúde e estabeleceram contatos com as pessoas trans. As primeiras ações foram voltadas à promoção de discussões, à formação de um grupo coeso de profissionais que, permanentemente, buscasse informações e capacitação para oferecer um serviço adequado e para manter-se em constante contato com os usuários e as usuárias. Somente depois é que foi criado um espaço de cuidado.

A proposta de metodologia de atuação se traduziu no estabelecimento de reuniões mensais, com o objetivo de propiciar uma formação teórica e técnica e também de decidir coletivamente como se daria a dimensão organizacional do Núcleo e do Ambulatório, que foi inaugurado em 24 de março de 2017, juntando-se a outros serviços espalhados pelo território nacional que disponibilizam cuidados e procedimentos para transexuais e travestis.

A complexidade da proposta estava, entre outros aspectos, na sua necessária transdisciplinaridade (ou seja, como já adiantado, o envolvimento de diversos saberes e com a presença de um quadro de vários e várias profissionais de diferentes áreas). Para isso, o ambulatório passou a contar com cirurgiões plásticos e cirurgiãs plásticas, endocrinologistas, psiquiatras, ginecologistas, psicólogos e psicólogas, enfermeiros e enfermeiras e fonoaudiólogos e fonoaudiólogas, todos e todas dialogando com as demandas mais prioritárias apontadas pelos movimentos sociais, bem como com a revisão das normativas e políticas já existentes. Dentre as demandas destacam-se: acolhimento respeitoso por parte de profissionais de saúde especializados e especializadas na área; proposição de temas para debate, com vistas ao aperfeiçoamento da assistência às pessoas trans; discussão de projetos de pesquisa na Academia; acesso às tecnologias de modificações corporais acompanhadas em ambiente acadêmico mais seguro; orientação médica para hormonização; realização de exames laboratoriais periódicos para controle da hormonização; acesso à avaliação para cirurgia de transgenitalização feminina (ainda que para assegurar espaço na fila); acesso à avaliação para mamoplastia masculinizante; acompanhamento psicológico e psiquiátrico especializado; acompanhamento ginecológico e urológico, inclusive para realização de papanicolau para homens trans em ambiente seguro; exercício de voz no setor de fonoaudiologia, entre outras.

Durante a pesquisa de campo, percebemos várias situações que evidenciavam os impasses das e dos profissionais do ambulatório em relação às suas práticas, diante das prescrições normativas da Portaria do SUS, da CID e da Resolução do CFM, todas tendo como nó narrativo o diagnóstico. Em uma das entrevistas, um endocrinologista discorreu sobre os desafios enfrentados no Ambulatório, em especial quanto à particularidade do atendimento:

O serviço de endocrinologia do Núcleo [...] é muito particular em relação aos demais, porque a gente faz um atendimento centrado na singularidade do sujeito trans. Então, diferente de outros serviços que preconizam a dose padrão para isso, dose padrão para aquilo outro. Uma regularidade de exames, vou me inscrever não sei onde, com a regularidade de três meses, vou ter que furar o indivíduo a vida inteira para. São coisas [com] que eu não concordo, então eu [...] termina tendo muito a minha cara o serviço de endócrino, porque eu sou bastante criterioso no que pedir, no que solicitar de exames e dos retornos. Como nós temos uma população de gênero não binário, coisas [em] que muitos ambulatórios nem isso é considerado. Então há necessidade de testosterona, de estrógeno desigual. É diferente.

A gente não faz uma medicina do achismo, em nenhuma das áreas. E nessa área muito menos. Mas, ao mesmo tempo requer um jogo de cintura, uma arte na prática médica pra situações que não são comuns, não habituais ou não estão registradas ainda em livro. Então, não existe nenhum livro que diz que a travesti pode receber tal, tal, tal medicação tal, tal, tal hormonização. Então, isso é uma coisa que é, seguramente, nova na instituição.

Corroborando a fala do endocrinologista, um psicólogo relata um fato em que ele constata a diferença de atendimento em um ambulatório unicamente voltado à atenção a pessoas trans:

Então esse menino [no atendimento] virou para mim, com essa simples frase: “eu tenho uma vagina masculina”. Eu entendi na hora, porque eu só entendia na minha realidade, até então, porque estava difícil de compreender o que eu ainda considerava uma vagina, por exemplo, apenas feminina. Eu compreendia a lógica de homem e mulher versus feminino e masculino versus sexo biológico, tudo estava compreendido, mas assim ouvir isso [...].

Minha escuta foi bastante influenciada. Às vezes não problematizar aquilo que não é trazido como problema. Isso eu diria também que a psicologia ali no ambulatório faz diferente. A gente não problematiza aquilo que não é considerado um problema.

Assim, os profissionais e as profissionais de saúde que atuam no Ambulatório defendem a despatologização como norte para o cuidado. Os próprios usuários também se manifestam sobre o tipo de serviço, como sugere a narrativa de uma pessoa atendida pelo Núcleo Trans.

Isso foi na verdade uma revolução na minha forma de ver o atendimento médico, porque desde 21 anos eu não passava em médico nenhum, nem quando eu estava doente fisicamente, quando eu estava gripado, com sinusite, nada. Porque eu fiquei completamente traumatizado com médico. E vindo pra cá e conhecendo o médico do Núcleo trans […] Ele meio que renovou minha experiência com a comunidade médica […]. Acho que isso é uma grande diferença daqui. Acho que todo mundo se sente um pouco protagonista do processo aqui.

A despatologização passa também pela desterritorialização das narrativas do (e sobre o) corpo que convoca os profissionais para reinterpretação de saberes canônicos como os da própria anatomia. Essa desterritorialização e as afetações que impõem um cuidado que tem a despatologização como objetivo são a razão pela qual esse serviço tem se destacado ao promover a participação social, principalmente nas reuniões de equipe, em que há representação dos usuários e das usuárias e dos movimentos sociais, e ao buscar uma relação horizontalizada entre aqueles e aquelas que cuidam e aqueles e aquelas que demandam cuidados (TEIXEIRA et al., 2019TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso; RAIMONDI, Gustavo; PAULINO, Danilo; FEIBELMANN, Taciana; RIBEIRO, Camila; CROVATO, Cristina; ARAUJO, Júnia; PRADO, Marco Aurélio. “Políticas Públicas e o Cuidado Integral em Saúde para os Homens Trans: disputas, ausências e desafios”. In: ARAÚJO, Jeferson Santos; ZAGO, Marcia Maria Fontão (Orgs.). Pluralidade Masculina: contribuições para pesquisa em saúde do homem. 1. ed. Curitiba: CRV, 2019. p. 383-408.).

No decorrer da etnografia, acompanhamos, por anos, essas reuniões que consideramos como eventos privilegiados para se compreender a dinâmica do serviço. Nesses momentos, há uma junção de narrativas, de performances de profissionais de saúde, de ativistas trans, de coordenadores do núcleo e de estudantes.

Como o Ambulatório é um serviço de saúde que surgiu no centro de controvérsias e disputas sobre corpos, sexo e gênero, os impasses foram tomando outra proporção assim que foi publicada a CID 11. Percebemos que as discussões dos corredores daqueles Serviços e tornaram mais frequentes, o que levou os dirigentes e as dirigentes a convocarem uma reunião pública para ampliar a vocalização da temática e para apresentar as mudanças do diagnóstico e discuti-las com a comunidade acadêmica, com os e as profissionais de saúde, com os usuários e as usuárias e com os integrantes e as integrantes dos movimentos trans. Profissionais do Ambulatório (uma psicóloga e um psiquiatra) e um ativista reconhecido no movimento de homens trans foram responsáveis pela condução do debate, que se propunha a condensar posições, conflitos, diferenças, num momento em que todos os envolvidos e todas as envolvidas se mostravam preocupados e preocupadas com os efeitos das mudanças nas práticas dos cuidados de saúde. Essa reunião é o tema do próximo tópico.

A reunião

No dia 31 de julho de 2019, mais de quarenta pessoas se encontravam em um anfiteatro da Unifesp, dentre elas profissionais de saúde da rede pública de saúde da cidade, pacientes do Ambulatório, discentes e docentes da universidade, pesquisadores e pesquisadoras, representantes dos movimentos sociais e a população usuária diretamente envolvida, além de grupos de trabalho que colaboraram nas novas mudanças na classificação dos diagnósticos. O debate foi introduzido formalmente pelo coordenador do Ambulatório, que apresentou o tema da reunião e as pessoas que iriam conduzi-la, dentro da seguinte ordem: primeiro, os profissionais e as profissionais da psiquiatria e psicologia; em seguida, o ativista especialmente convidado, para que depois o público presente pudesse fazer as suas intervenções.

Inicialmente foi feita a comparação entre a CID e o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5, editado em 2013 (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2013). Embora não tenha nenhum efeito prático no cotidiano do serviço, o DSM foi incluído para demonstrar os processos de revisão dos manuais classificatórios no campo da saúde, feitos exclusivamente por profissionais de saúde mental, tendo o protagonismo da Associação Americana de Psiquiatria (APA).

Na reunião, os profissionais que estavam conduzindo os trabalhos optaram por se concentrarem na discussão do diagnóstico “Incongruência de gênero na adolescência e vida adulta”, uma vez que o documento final sobre a infância ainda não tinha sido publicado. Diante dessa observação, os coordenadores do Núcleo Trans interpretaram que a transferência do diagnóstico da transexualidade para o capítulo referente à saúde sexual seria capaz de amenizar o estigma causado pela CID anterior, em que era considerado como transtorno mental e comportamental. Apesar de criticarem a permanência da transexualidade como diagnóstico - e, portanto, ainda considerada como doença -, também reafirmaram a necessidade do código para cobertura de procedimentos no SUS, que, por sua vez, cumpre os critérios recomendados pela OMS. É o que pode ser constatado na fala de um profissional da psicologia:

Já sabiam que a transexualidade sairia do capítulo de transtornos mentais. De lá, para onde vai? Colocamos no código Z? A CID é Classificação Internacional de Doença, então eu não quero estar lá. Gestação não é uma doença e está na CID. Acompanhar alguém não é uma doença, mas está classificada na CID. Então depende de qual capítulo se está. Onde se coloca as identidades trans? Vai para endócrino? Vai para o código Z? O problema é que [em] alguns países, no código Z não teria subsídio e acesso para a saúde. Onde que ficou? Ficou no capítulo 17, “Condições relacionadas à identidade sexual”. Só de ter saído do capítulo de saúde mental foi excelente.

Os/As profissionais debatedores/as indagavam não só se o fato de não ser considerado um transtorno mental seria a chave para o reconhecimento das pessoas trans nos serviços de saúde, mas também qual seria o grau de autonomia delas. Essa é a questão central que circula nos movimentos que defendem a despatologização, conforme as análises de Judith Butler (2004BUTLER, Judith. “Undiagnosing gender”. In: BUTLER, Judith. Undoing gender. New York: Routledge, 2004. p. 74-101.), para o caso norte-americano, e das pesquisadoras Berenice Bento (2016BENTO, Berenice. “Disforia de gênero: geopolítica de uma categoria psiquiátrica”. Direito e Práxis, v. 7, n. 15, p. 496-536, set. 2016.) e Flavia Teixeira (2017TEIXEIRA, Flavia do Bonsucesso. “(Des)engano: revisando as portarias do processo transexualizador no SUS”. In: UZIEL, Anna Paula; GUILHON, Flávio. Transdiversidades: práticas e diálogos em trânsitos. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2017. p. 315-354.), para o Brasil.

De fato, como demonstrou a apresentadora, diferentes códigos podem representar aspectos de saúde/adoecimento e de busca por cuidado. No entanto, cabe o seguinte questionamento: Retirar a transexualidade do “domínio psi” equivaleria à supressão de exigências de laudos e de tempo de acompanhamento?

Com relação aos termos “discordância” ou “incongruência”, os profissionais e as profissionais do Ambulatório Trans, os usuários e as usuárias e ativistas criticaram a relação binária implicada em uma suposta coerência simétrica da dicotomia corpo biológico e identidade social e da lógica binária de identidades masculina ou feminina. Na ocasião, relataram suas experiências no Ambulatório, onde a hormonização e a cirurgia não se mantêm estanques nessas classificações binárias, e apontaram brechas no texto do diagnóstico, em que se percebe uma abertura para acesso a esses procedimentos. A psicóloga que coordenava a reunião leu um trecho do diagnóstico para ilustrar um exemplo dessa brecha: “Estabelecer congruência pode incluir tratamento hormonal, cirurgia ou outros serviços de saúde para alinhamento corporal do indivíduo” (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA, 2013). A ênfase em “pode” e na conjunção “ou” foi dada para acentuar que, na sua perspectiva, se abria ali a possibilidade para um cuidado singular de afirmação de gênero. Ou seja, agora pessoas trans poderiam acessar os cuidados da hormonização sem, necessariamente, expressar o desejo de uma cirurgia. Tal mudança facultaria, então, outras performatividades de gênero.

Nesse momento, alguns citaram como exemplo as travestis acompanhadas no Ambulatório, que colocavam em xeque a congruência do gênero feminino à de uma genitália dita feminina. Numa intervenção, a psicóloga complementou que as travestis eram usuárias que queriam se hormonizar, com o objetivo de diminuir pelos, aumentar o quadril e amaciar a pele, mas não desejavam perder a libido nem a ereção. Ainda argumentando sobre as brechas, relembraram a prática de um endocrinologista do Ambulatório que negociava as hormonizações, dependendo da demanda das clientes, com intenção de estabelecer um intenso diálogo no processo.

Todavia, apesar de alguns, em especial os profissionais e as profissionais de saúde, alertarem para essas brechas e para possíveis práticas mais inclusivas, alguns participantes da reunião afirmaram que a descrição contida na CID 10 não parecia muito distante da atual classificação. Com o intuito de esclarecer esse assunto, a psicóloga projetou na tela a definição da CID 10:

Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal-estar ou de inadaptação por referência a seu próprio sexo anatômico e do desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde: CID 10. Geneva: Organização Mundial da Saúde, 1993., CID 10 - F64, F64.0).

Diante dessas questões, o ativista convidado para expor, ao intervir depois dos profissionais e das profissionais de saúde, de forma bastante enfática e crítica, afirmou que o único aspecto positivo da CID 11tinha sido a retirada da transexualidade do capítulo de transtorno mental. Segundo ele, esse avanço, um motivo para comemorações, havia tirado o poder dos psiquiatras e das psiquiatras, bem como de psicólogos e psicólogas, de avaliarem quem acessa os cuidados de saúde. Para ele, há questões importantes a serem objeto de reflexão: Para que se acompanha? Quem deve acompanhar? Quem estabeleceu a diretriz a ser adotada? Afinal, não se podia garantir a autonomia a partir do diagnóstico quando ainda não está explícito nas normas quem detém legitimidade para determinar os critérios de reconhecimento da pessoa trans. Uma das participantes da reunião, uma mulher trans usuária do Ambulatório, concordou com as críticas do ativista e afirmou: Muito barulho para pouca mudança na prática.

Essa polêmica estava latente na reunião, pois se fosse considerada a relação pregressa entre o CFM e o MS na instauração de normas para o cuidado das pessoas trans, as diretrizes diagnósticas do CFM continuariam sendo decisivas. Segundo o ativista, o diagnóstico da transexualidade - mesmo que com novo nome e com localização em outro capítulo - ainda era enquadrado como uma doença. Assim, o acesso à saúde continuaria regulado por um código diagnóstico, mantendo a pessoa trans na marca da diferença, como uma pessoa incongruente frente à congruência de um corpo não só alinhado à genitália, mas também heterossexual. Essa avaliação foi compartilhada com unanimidade (ativistas, profissionais e usuários e usuárias), apesar de tentativas de reconhecimento de sua flexível interpretação.

O debatedor ativista considerou também que a disputa pela saúde das pessoas trans era uma ferramenta relevante para se pensar nos corpos dissidentes. Além disso, defendeu serem importantes tanto a luta contra a forma atual do diagnóstico quanto a formação continuada de profissionais de saúde. Ao concluir a abordagem, ele ressaltou a importância da despatologização:

Para nós vai restar o desafio de batalhar para que a CID 11 se traduza num protocolo de saúde nos âmbitos nacionais e nos diferentes sistemas de saúde que nós temos pelo mundo. De forma não patológica [...] Isso não é uma garantia que a CID 11 pode trazer. Introduzir essa lógica vai levar anos e isso é uma luta que segue. Por exemplo, nas disputas que existem até hoje da retirada da orientação sexual dos manuais psiquiátricos.

O ativista se referia ao fato de a retirada oficial da homossexualidade dos mesmos manuais classificatórios discutidos na reunião não ter se mostrado eficaz para que profissionais de saúde deixassem de considerar as prescrições e condutas para tratar a orientação sexual. No Brasil, por exemplo, a disputa em torno da chamada “Cura Gay” evidenciava essa tensão e a fragilidade de normas, que pareciam tão definitivas (Sandra Elena SPOSITO, 2017SPOSITO, Sandra Elena. “Desafios para a manutenção da despatologização das homossexualidades na psicologia brasileira”. In: RASERA, Emerson Fernando; PEREIRA, Maristela de Souza; GALINDO, Dolores (Eds.). Democracia participativa, Estado e laicidade: Psicologia Social e enfrentamentos em tempos de exceção. Porto Alegre: Abrasco, 2017. p. 227-242.). O interessante na abordagem era que, além da formação dos profissionais, o ativista alertava para os problemas do furor classificatório que habitualmente organizam as práticas de saúde (PRADO, 2018PRADO, Marco Aurélio Maximo. Ambulare. Belo Horizonte: PPGCOM-UFMG, 2018.).

Diante dessa constatação, lembramos que, durante todo o nosso percurso etnográfico no Ambulatório Trans, a elaboração de laudos e pareceres, nos quais deveriam constar o diagnóstico de transexualismo, era marcada por apreensão na equipe de profissionais de saúde. Tudo ocorria como se apostar na despatologização e elaborar laudos pudesse, inicialmente, representar uma contradição. Entretanto, eles justificavam, ao final, que esses documentos não significariam ações contrárias à autonomia das pessoas trans e que não seriam os laudos/pareceres/declarações que configurariam violações, mas as condições de sua produção, como evidenciou Borba (2016BORBA, Rodrigo. “Receita para se tornar um ‘transexual verdadeiro’: discurso, interação e (des)identificação no processo transexualizador”. Trabalhos em Linguística Aplicada, Campinas, p. 33-75, 2016.); ou seja, as exigências atreladas à sua obtenção, que ainda hoje são sustentadas pelo Estado, na forma estabelecida pela Portaria do Processo Transexualizador.

No entanto, a questão que mais provocou discussões na mencionada reunião foi o tempo de acompanhamento. Como já foi mencionado neste artigo, a exigência dos dois anos figurava na literatura brasileira, apesar de não produzir consenso (Bárbara G. C. PACHECO, 2017PACHECO, Bárbara Guimarães Costa. Psicologias e transexualidades: o estado da arte da produção teórica brasileira. 2017. Mestrado (Psicologia) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.). Segundo as normativas então vigentes, deveria haver a confirmação de que o usuário tinha sido acompanhado por dois anos por uma equipe multidisciplinar. Essa exigência parecia inescapável para o acesso aos procedimentos cirúrgicos. Esse período, conforme o DSM 5, seguido pela normativa do CFM e institucionalizado pela Portaria 2803/13, visava controlar o acesso a tecnologias cirúrgicas pelo crivo do “transexual verdadeiro” (BENTO, 2006BENTO, Berenice. A reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.), normatizando os desejos de mudanças corporais irreversíveis (ARÁN; MURTA, 2009ARÁN, Marcia; MURTA, Daniela. “Do diagnóstico de transtorno de identidade de gênero às redescrições da experiência da transexualidade: uma reflexão sobre gênero, tecnologia e saúde”. Physis, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, p. 15-41, 2009.). Não existia, porém, nenhum fundamento científico que justificasse tal imposição (BENTO; PELÚCIO, 2012). Então, ainda que fossem respeitados no direito à autodeterminação, os usuários permaneciam presos ao tempo estabelecido na portaria do processo transexualizador.

Em janeiro de 2020, em nova demonstração da aleatoriedade da decisão, o CFM estabeleceu um ano de acompanhamento, por meio da Resolução nº 2.265 (CFM, 2020CFM (Conselho Federal de Medicina). Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019. Dispõe sobre o cuidado específico à pessoa com incongruência de gênero ou transgênero e revoga a Resolução CFM nº 1.955/2010. Diário Oficial da União, publicado em 09/01/2020. Edição 6. Seção 1, p. 96. Brasília, 2020.), de 20 de setembro de 2019 e publicada em 09 de janeiro de 2020. Na reunião, os profissionais e as profissionais de saúde consideraram um equívoco a manutenção da exigência de um tempo para a avaliação do diagnóstico. Dos eventuais dois anos de avaliação por uma equipe multiprofissional para o acesso aos procedimentos cirúrgicos e de hormonização, a decisão estabelecia agora a redução para “alguns meses”. Isso exporia, segundo os debatedores, a incerteza acerca desse período e do que é de fato avaliado nesse tempo. As discussões sobre o tempo de acompanhamento apontaram para o estabelecimento de padrões rígidos e inflexíveis, mas os debates expressavam o desejo dos profissionais e das profissionais de que o tempo fosse definido caso a caso, segundo as necessidades de cada paciente.

Ao final da reunião, cada componente da mesa se dirigiu à plateia, que parecia atenta às exposições individuais, e, em seguida, foi aberto espaço para perguntas e comentários. Observamos que as participantes e os participantes pareciam se alinhar com a intervenção do ativista, que foi elogiada por uma enfermeira do Ambulatório. Segundo ela, suas falas a ajudaram a compreender a luta pela despatotologização na própria prática do serviço.

Um docente da universidade, ao considerar a importância daquele espaço de discussão, afirmou que a CID 10 tinha sido um capítulo monstruoso da história da medicina, complementando que, talvez, no futuro, a CID 11 também pudesse ser avaliada como abominável. Questionou então os profissionais e as profissionais do Ambulatório sobre como essas mudanças refletiam nas práticas de saúde dentro daquele local de atenção integral a pessoas trans. A profissional da psicologia respondeu ao docente que ela e seus colegas trabalham na perspectiva não linear dos cuidados. Citou, então, as negociações contínuas, no dia a dia do serviço, para o estabelecimento do diagnóstico exigido para cirurgias, nos quais os profissionais de saúde interpretavam com flexibilidade os critérios estabelecidos nas diretrizes, em constante diálogo com os usuários. Estavam cientes da portaria do SUS e do processo de patologização, mas, segundo a psicóloga, não esperavam “a CID acontecer para ter esse jeito de ver no Ambulatório”.

Ao encerrar, o ativista salientou que a CID e o Processo Transexualizador parecem não acompanhar outras intersecções da rede de saúde, pois o SUS orienta seus procedimentos por meio da binariedade do sexo: homem, procedimentos sobre o pênis; mulher, procedimentos sobre a vagina. Mencionou, inclusive, o problema logístico de um homem trans passar por uma consulta de ginecologia. As conquistas, segundo ele, são em doses ínfimas; ou seja, garante-se precariamente o acesso a tecnologias de hormônios e cirurgias, mas não sustentam a integralidade de saúde às pessoas trans.

Percebemos que os participantes expressavam o sentimento de que havia muito a ser discutido. Um deles afirmava que a grande expectativa estaria então focada na portaria do CFM; outro defendia que as “práticas despatologizantes devem ser construídas nas práticas do Ambulatório”. Enquanto isso, um ativista, comovido, dizia que era o começo de uma grande jornada.

Notas finais

Ao fazer um levantamento do que foi exposto neste texto, percebemos que a publicação da nova CID 11 (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2019), com a mudança de nome do diagnóstico de transexualismo para “discordância de gênero” e com seu deslocamento para o capítulo nomeado como “Condições relacionadas à saúde sexual”, provocou discussões em todas as instâncias do Núcleo Trans da Unifesp. Na ocasião, havia expectativas de que uma maior possibilidade de acesso à saúde e de novas afirmações de gênero diminuísse o poder da psiquiatria e psicologia, o que animou tanto profissionais quanto usuários, usuárias e ativistas. A alteração da CID levava-os a pensar que a despatologização de identidades trans estava em pauta e pressionava mudanças.

Durante a etnografia, optamos por acompanhar os debates sobre o tema, pois acreditávamos que se tratava de uma forma privilegiada de seguir o movimento dos conceitos e de perceber como estes podem forjados e utilizados nas controvérsias, nos diálogos, nos acordos estabelecidos e nas materializações de práticas de saúde. Assim, enfatizar as negociações em torno do diagnóstico parece-nos estratégico para compreender como os conceitos são reescritos, como os discursos são atualizados, modificados ou preservados, de modo a performar as realidades de cuidados.

Em geral, as discussões entabuladas sugeriam que o diagnóstico permanecia interpelando a lógica de cuidados dos profissionais de saúde, usuários e integrantes dos movimentos sociais, mesmo na sua suposta ausência ou recusa. Algumas questões surgiam no decorrer dos debates: Por que a transexualidade fora incluída no capítulo referente à saúde sexual? O que a ligaria ao tema? Seria a possibilidade de estabelecer congruência entre o sexo-genitália e o gênero?

Se considerarmos a possibilidade de responder afirmativamente a esta última pergunta, retornaremos ao ponto de considerar que a cirurgia ainda permanece como o sujeito oculto do cuidado em saúde para a população trans. Tais questões e experiências têm a ver com a dúvida geral: até quando o diagnóstico vai atuar como um norteador invisível das práticas de cuidado?

No cotidiano do Núcleo Trans e de seu Ambulatório, no decorrer da etnografia, acompanhávamos os acolhimentos no serviço e constatávamos que, enquanto as normas continuam produzindo enquadramentos e exclusões, havia negociações com as e os profissionais sobre os cuidados e procedimentos tecnológicos necessários para a afirmação de gênero. Daí não se exigia uma linearidade entre os procedimentos ou pré-requisitos, uma vez que os marcadores referentes ao tempo de acompanhamento estavam atrelados aos procedimentos tecnológicos escolhidos. Nesses momentos, de dentro de políticas públicas institucionais, o Ambulatório se transformava em um lócus de resistência a certas dimensões normativas, buscando inventar estratégias em conjunto em que profissionais e pacientes pudessem construir pontes para a despatologização.

Cabe aqui um registro final: quando finalizávamos este artigo, em janeiro de 2020, o CFM publicou a Resolução nº 2.265, de 20 de setembro de 2019, o que repercutiu imediatamente no Núcleo Trans, com manifestações dos e das ativistas e com dúvidas expressas por profissionais de saúde e entidades. Restava-lhes tão somente esperar a manifestação do Ministério da Saúde sobre possíveis modificações na portaria vigente, que pudesse reafirmar o poder do CFM para direcionar o cuidado em saúde a ser oferecido à população trans. Este, porém, deve ser um tema que certamente demandará investigações e análises em outro momento (Thiago AZEVEDO, 2020AZEVEDO, Thiago Augusto Galeão de. Corpos coerentes: uma análise sociojurídica sobre transição corporal e relações de poder. 2020. Doutorado (Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.). A pandemia da COVID interrompeu as reuniões e, em razão das proporções jamais vistas no cenário brasileiro, todos os hospitais universitários suspenderam os serviços eletivos de saúde e não percebemos nenhum cenário de discussão sobre esse tema até o presente momento.

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  • 1
    Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista: GIROTTO, Lúcio; TEIXEIRA, Flavia; MISKOLCI, Richard; PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. “Normas, disputas e negociações: debates sobre a despatologização”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e71934, 2021.
  • 2
    Financiamento: Este artigo parte de pesquisas que vêm acompanhando o Núcleo TransUnifesp e o seu Ambulatório: a etnografia desenvolvida por Lúcio Girotto em seu mestrado e doutorado no Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva; pesquisas articuladas financiadas pelo CNPq com Bolsa Produtividade e financiadas pela FAPESP (pesquisa etnográfica sobre o Ambulatório de Atenção Integral à Pessoa Trans na Unifesp e os debates pela despatologização - processo 2018/17227-1).
  • 3
    Consentimento de uso de imagem: Não se aplica.
  • 4
    Aprovação de comitê de ética em pesquisa: A pesquisa realizada foi aprovada pelo comitê de ética da Universidade Federal de São Paulo (Caae 69561417.6.0000.5505).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2020
  • Revisado
    16 Fev 2021
  • Aceito
    19 Fev 2021
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