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Mulheres sobreviventes no Piauí: violência severa de gênero e patriarcado

Surviving Women in Piauí: Severe Gender Violence and Patriarchy

Resumo:

Neste artigo, objetivamos apresentar algumas reflexões sobre as narrativas orais de três mulheres que sobreviveram a situações severas de violência na cidade de Parnaíba, no Piauí. Em 2017, iniciamos um estudo sobre violência de gênero na cidade, utilizando a história oral testemunhal como procedimento e os conceitos de patriarcado e feminicídio como orientação. Entendemos que a publicização dessas histórias possa contribuir para a consolidação de um saber feminista posicionado e para o debate em torno das políticas públicas de prevenção e reparação.

Palavras-chave:
história oral testemunhal; sobreviventes; violência severa de gênero; Piauí

Abstract:

This article aims to present some reflections on the oral narratives of three women who survived severe situations of violence in the city of Parnaíba, Piauí. In 2017 we began a study about gender violence in the city, using oral testimonial history as methodology and concepts of patriarchy and feminicide. We understand that the publicizing of these stories can contribute to the constitution of a positioned feminist knowledge and to the debate about the public policies of prevention and reparation.

Keywords:
Oral history testimonial; Survivors; Severe gender violence; Piauí

Apresentação

Neste artigo, temos por finalidade compartilhar narrativas e apresentar algumas reflexões sobre as experiências de três mulheres moradoras de Parnaíba, no litoral do Piauí, que sofreram traumas relacionados à violência severa de gênero. Depois de Teresina, este é o município que concentra as maiores estatísticas desta violência no estado, reveladoras de uma cultura misógina e machista. Em 2017, diante de notícias e de comentários de caráter sexista sobre alguns casos na cidade, decidimos entrar em contato com participantes de rodas de conversa no Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), em que mulheres compartilhavam suas histórias e onde estávamos presentes. Entre elas estava Ana que, quando adolescente, em 2014, sobreviveu a várias agressões físicas e à tentativa de assassinato por parte de seu companheiro; Rita, que perdeu sua filha M., em 2005, assassinada pelo marido, e que também foi atacada por ele; e Vera, mãe de T., uma jovem que foi morta em 2013 por um amigo que a assediava.1 1 Embora tenhamos a autorização para publicação de seus nomes, optamos por preservar a identidade das sobreviventes, usando os pseudônimos Ana, Rita e Vera, e as iniciais dos nomes para as filhas de Rita e de Vera, que foram vítimas de feminicídio. Na época das entrevistas, em 2017, o Programa de História da Universidade Federal do Piauí não considerava obrigatória a submissão de projetos de pesquisa ao Comitê de Ética. Embora não tenha sido submetido ao Comitê, foi pedido às mulheres que assinassem termos de autorização para participação na pesquisa e para publicização de suas histórias.

O critério para que elas fossem convidadas a participar da pesquisa foi a grande repercussão dos eventos nas mídias locais e entre a população, e a coragem que elas demonstravam em falar sobre eles. A partir de conversas iniciais para que nos conhecêssemos, estabelecemos os encontros em suas próprias casas (espaço por elas escolhido), nas quais a condução do diálogo foi orientada por tópicos sobre suas histórias de vida e a experiência traumática. Realizamos uma escuta voltada a contribuir com o compromisso não só metodológico com a “voz do excluído, do violado, do atingido” mas, sobretudo, com a denúncia, o testemunho do sofrimento humano, como defenderam José Meihy e Fabíola Holanda (2013MEIHY, José Carlos S. B.; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Editora Contexto, 2013., p. 78). Iniciamos, dessa forma, uma pesquisa baseada nos procedimentos de história oral testemunhal.2 2 Meihy e Holanda (2013) não definem história oral como uma metodologia, mas como um conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um projeto, que continua com o estabelecimento de uma comunidade de destino, com a escolha de um gênero (de vida, temática, de tradição e testemunhal) e a realização da abordagem (de acordo com a opção), e que envolve processos de negociação, mediação, conferência, autorização e devolução.

Meihy e Holanda (2013MEIHY, José Carlos S. B.; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer, como pensar. São Paulo: Editora Contexto, 2013.) apontam vários gêneros de história oral, sendo o testemunhal aquele que se preocupa com narrativas de pessoas que vivenciaram experiências trágicas e traumáticas (“situações-limite”) e que envolvam a demanda por algum tipo de reparação. O testemunho é entendido aqui, de acordo com a definição de Márcio Seligmann-Silva (2000SELIGMANN-SILVA, Márcio. “A história como trauma”. In: SELIGMANN-SILVA, Márcio; NESTROVSKI, Arthur (Orgs.). Catástrofe e representação. São Paulo: Editora Escuta, 2000. p. 73-98.), como superstes, a narrativa de um(a) sobrevivente, “aquele(a) que viu e subsiste além de”, que “se mantém no fato”, mas busca a superação pelo compartilhamento com um(a) ouvinte. Assim, a abordagem envolveu o diálogo orientado por estímulos e recortes temáticos que permitiram às narradoras testemunhar sobre as relações de poder em sua família, na infância, durante o seu casamento e na vida de suas filhas assassinadas pelos companheiros, evitando-se uma intervenção invasiva e o respeito aos seus sentimentos. As falas foram gravadas e transcritas na íntegra e consentidas por elas após a conferência.

Os relatos de Ana, Rita e Vera são representativos de práticas que, no Brasil, podem ser expressas, por exemplo, pelos números levantados pelo Sistema de Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (BRASIL, 2019BRASIL. Balanço anual: Ligue 180 recebe mais de 92 mil denúncias de violações contra mulheres. Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2019. Disponível em Disponível em https://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2019/agosto/balanco-anual-ligue-180-recebe-mais-de-92-mil-denuncias-de-violacoes-contra-mulheres . Acesso em 08/09/2019.
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). Os dados apontaram que, de janeiro a julho de 2019, o Programa Ligue 180 registrou 46.510 denúncias de violações contra a mulher, entre elas ameaças (1.844), cárcere privado (1.243), feminicídio (36), violência doméstica e familiar (35.769), física (1.1050), moral (1.921), sexual (1.109) e virtual (180). Nesse ano, o estado do Piauí, no qual realizamos nosso estudo, registrou 43 casos, sendo 27 de feminicídio (GLOBO, 2019GLOBO. Piauí registra 27 feminicídios e ato em Teresina pede o fim da violência contra a mulher, 21/12/2019. Disponível em Disponível em https://g1.globo.com/pi/piaui/noticia/2019/12/21/ato-no-centro-de-teresina-pede-o-fim-da-violencia-contra-a-mulher.ghtml . Acesso em 28/12/2020.
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).

Pensar sobre as histórias dessas mulheres, à luz das estatísticas, significa considerar que estamos tratando de um fenômeno próprio da cultura patriarcal baseada na hierarquia entre gêneros e atravessada por múltiplas desigualdades, discriminações e exclusões. Lourdes Bandeira (2014BANDEIRA, Lourdes M. “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, maio/ago. 2014. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922014000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 01/10/2020.
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) afirma que as dissimetrias de poder entre homens e mulheres no âmbito privado ou público produzem a violência que incide sobre os corpos femininos (estes mesmos uma construção), seja de forma física, sexual, psicológica, patrimonial ou moral. Os testemunhos individuais aqui apresentados tratam dessas ações violentas que, embora se reportem à esfera familiar e interpessoal, são frutos de contextos sociais e espaços relacionais que procuram controlar, discriminar e subjugar.

Acreditamos que Ana, Rita e Vera vivenciaram “experiências-limite”, seja pelas lesões temporárias ou permanentes que sofreram, as ameaças de morte a si ou às filhas e, no extremo, pelo feminicídio de M. e T., que lhes trouxeram grandes traumas físicos e emocionais. O crime sobre o qual relatam é a forma final e fatal das diversas violências contínuas e arraigadas no cotidiano dessas mulheres e decorre das relações de opressão, exploração e hierarquia que naturalizaram e permitiram o ataque à sua integridade ou à de seus afetos. Como apontaram Débora Prado e Marisa Sanematsu (2017PRADO, Débora; SANEMATSU, Marisa (Orgs.). Feminicídio: #InvisibilidadeMata. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2017. Disponível em Disponível em http://agenciapatriciagalvao.org.br/wp-content/uploads/2017/03/LivroFeminicidio_InvisibilidadeMata.pdf . Acesso em 20/12/2019.
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), este ato (hoje considerado um crime pela Lei 13.104/15), não é um fato isolado, mas encontra suas raízes na misoginia que produz formas de mutilação e barbárie, como as que apresentaremos aqui por meio da fala dessas sobreviventes.

Divulgar suas histórias pode nos ajudar a pensar sobre como construir uma cultura de combate ao processo contínuo e normalizador de violações baseadas nas diferenças quando transformadas em assimetrias de gênero. Partimos da concepção, em primeiro lugar, da necessidade de uma história pública comprometida com a denúncia e o posicionamento político das pesquisadoras, colaborando para o debate na arena pública de um problema que atinge diretamente a vida das mulheres, mas que, de diferentes modos, envolve todos aqueles que contribuem para que ele permaneça, seja pela reprodução ou pela omissão. Acreditamos, também, na construção de um “conhecimento situado”, posicionado no feminismo, contra a noção de uma epistemologia que se apresenta como pretensamente neutra, mas que se revela, muitas vezes, androcêntrica, ignorando e desqualificando a história das mulheres (sejam elas cis ou trans). Procuramos contribuir com a elaboração de um saber “não inocente” e responsável - como defendeu Donna Haraway (1995HARAWAY, Donna. “Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial”. Cadernos Pagu, v. 5, p. 07-42, 1995. Disponível em Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 . Acesso em 15/02/2019.
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) - que parte das experiências e que permite a troca entre sujeitas em posição subordinada (mas não submissa), para a reflexão coletiva sobre as relações de poder entre gêneros.

Para que este posicionamento seja possível, procuramos apresentar as narrativas de Ana, Rita e Vera como parte de um processo que exigiu a escuta sensível, aqui entendida, a partir de Alessandro Portelli (2016PORTELLI, Alessandro. História oral como arte da escuta. Tradução de Ricardo Santhiago. São Paulo: Editora Letra e Voz, 2016.), como o ato contínuo de perceber, pelo diálogo ético e empático, o universo afetivo e cognitivo de quem narra e compreende, por suas palavras e performances, as subjetividades em meio ao social. O testemunho do sofrimento ganha força na memória individual e coletiva quando encontra ecos, alinha-se a outros relatos como que para reparar o corpo e a alma machucada; torna-se ícone de verdade na luta pela restauração moral e até mesmo jurídica da experiência traumática. Portanto, seus testemunhos são analisados no sentido de contrapô-los às tentativas de silenciamento produzidas pela imposição de condutas e valores sexistas. São entendidos de forma semelhante ao sentido das “memórias subterrâneas” sobre as quais falou Michael Pollak (1989POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. Disponível em Disponível em http://www.uel.br/cch/cdph/arqtxt/Memoria_esquecimento_silencio.pdf . Acesso em 15/02/2019.
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), aquelas impedidas em contextos de violação, e que a história oral proporciona que venham à tona para exigir a reparação.

Ana: uma guerreira pela vida

Ana, uma jovem negra, moradora da periferia de Parnaíba, foi a nossa primeira narradora. Ela viveu uma relação de violência cotidiana com seu companheiro, com quem teve um filho aos 16 anos. Em 2013, mudou-se para Teresina para viver com ele, que no momento estava envolvido com o tráfico de drogas e que a ameaçava constantemente devido ao seu ciúme. Segundo ela, quando as agressões verbais e físicas aumentaram, a mãe dele tomou conhecimento e, por meio de outras mulheres, procurou criar uma rede de proteção, o que permitiu a ela fugir e retornar para junto da família, em sua cidade:

A mãe dele disse assim: “Eu vou te deixar lá na casa da tua avó, para tu ir embora para Parnaíba fugida”. Tudo bem! Eu arrumei minhas coisas. Ele tinha saído. Aí eu peguei, arrumei minhas coisas. Aí a tia dele foi me deixar lá na casa da minha avó. Por coincidência, minha mãe estava lá. A tia dele tinha falado para minha mãe que ele ia me matar. (Ana, 27/02/2017)

Depois de voltar para Parnaíba, foi procurada por seu parceiro, que pediu a ela que o perdoasse e que se propôs a morar com sua família, mesmo em condições diversas de sua realidade financeira; ou seja, em meio a muita pobreza. No entanto, a fuga anterior de Ana, com a decisão de abandoná-lo e de viver sozinha, despertou nele maior desejo de controle devido à possibilidade de perder novamente o domínio sobre ela. As alegações para agredi-la rotineiramente se relacionavam com a suposição de que ela o traía:

Na hora em que eu estava balançando o neném, ele começou a puxar meus cabelos, falando coisas para ver se me intimidava: “Ah, você está gostando de alguém!”. Aí eu disse: “E., vai embora! Vai para casa da tua mãe que você é tão novo. Tua mãe tem tanta condição. Aqui em casa as coisas são difíceis”. Comecei a brigar com ele e mandá-lo embora. Em um instante, ele mudou de personalidade e começou a me adular. “Não, nega, eu vou ficar aqui mesmo do teu lado”. (Ana, 27/02/2017)

Apesar de E. se tornar cada vez mais violento, Ana nunca o denunciou, pois acreditava que a agressividade tinha se estabilizado e, como naquele momento morava com sua família, imaginava estar em condição de enfrentá-lo, já que a qualquer momento poderia solicitar apoio de sua mãe. Nesse caso, Ana transgrediu a sua “qualidade” de vítima, como quem devesse aceitar, sem reclamar, sua situação e decidiu questioná-lo e até mesmo expulsá-lo de casa. Essa atitude da jovem nos remete ao que Heleieth Saffioti (1987SAFFIOTI, Heleieth I. O poder do macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987.) escreveu em seu livro O poder do macho, publicado em 1987, quando, de forma pioneira, procurou dirigir-se ao grande público para denunciar as bases da discriminação de mulheres e de negros: o capitalismo e o racismo. Não nos cabe, neste artigo, aprofundar este debate, mas enfatizar a perspectiva da autora ao apontar como a figura do homem como macho a quem a mulher deve se resignar é um construto a partir das socializações marcadas por essas estruturas e que acabam por enquadrar e mutilar homens e mulheres. Ana e E., como negros e pobres, viveriam outras formas de violência que normalizariam a opressão e que exigiriam deles a conformidade de papéis de acordo com sua classe, gênero e raça.

No entanto, Saffioti (2001SAFFIOTI, Heleieth I. “Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero”. Cadernos Pagu, n. 16, p. 115-136, 2001. Disponível em Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644541 . Acesso em 03/04/2021.
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, p. 125) aponta que, sendo construto social, a dominação masculina não corresponde necessariamente à resignação feminina. Diz ela que a postura vitimista resulta de uma espécie de essencialismo social e, portanto, não significa destino ou camisa de força. Este aspecto nos ajuda a compreender como Ana e sua mãe, em meio a um destino determinante, mas não determinista, conseguiram manobrar e abrir espaço para o imponderável, usando aqui as expressões de Saffioti (2001). A tensão gerada pelo imprevisto enfrentamento ao seu perpetrador confirmou, para ele, o ataque à “sua honra” e à sua virilidade, sob a suspeita de traição e o perigo da emancipação de sua companheira. Os constantes pedidos para que ele se retirasse e a rejeição em continuar submissa aos seus desmandos e ameaças acabaram por sentenciá-la à morte, em meio a uma sociedade que, apesar de ter avançado em relação às leis de prevenção e punição à violência de gênero desde os apontamentos de Saffioti em 1987, mantém o sexismo como estrutura e o feminicídio como prática.

A ousadia de Ana, para seu algoz, a culpabilizaria da própria barbárie que sofreria e sinalizava uma transgressão ao buscar romper com as relações de poder. Ao narrar sobre o último e terrível ataque que a atingiu, ela apontou como a ação premeditada por ele não havido sido movida por algum desequilíbrio desencadeado por uma briga, mas pela concepção de que sua virilidade e posse estavam sendo questionadas. A tentativa de feminicídio aqui empreendida por E. contra Ana não foi um caso isolado e meramente motivado pela emoção repentina, mas pode ser entendida da forma como pontuaram Prado e Sanematsu (2017PRADO, Débora; SANEMATSU, Marisa (Orgs.). Feminicídio: #InvisibilidadeMata. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2017. Disponível em Disponível em http://agenciapatriciagalvao.org.br/wp-content/uploads/2017/03/LivroFeminicidio_InvisibilidadeMata.pdf . Acesso em 20/12/2019.
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), como parte de um processo não interrompido e naturalizado socialmente, como anteriormente apontaram Safiotti (2001) e Bandeira (2014BANDEIRA, Lourdes M. “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, maio/ago. 2014. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922014000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 01/10/2020.
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) sobre o fenômeno da violência de gênero.

Quando a levou para o matagal, no fundo da casa de sua mãe, E. estava movido pelo desejo de puni-la pois, como afirmou Saffioti (2001SAFFIOTI, Heleieth I. “Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero”. Cadernos Pagu, n. 16, p. 115-136, 2001. Disponível em Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8644541 . Acesso em 03/04/2021.
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) sobre a dominação masculina, embora o homem tenha constante “autorização social” para realizar seu projeto de opressão, as mulheres podem desenvolver resistências. A postura de Ana, ao mandá-lo embora de casa, mostrou-se um ato de insubordinação contido pela força física extremada de E. Nenhuma teorização nos prepara para o relato dessa jovem sobre aquele momento, mas é necessário que sua fala seja registrada, de forma que possamos enfrentar coletivamente o trauma gerado por nossa cultura de desrespeito aos direitos das mulheres. Ela sofreu mutilações só equiparadas às sequelas de uma guerra, assim como sua mãe, que também foi atacada ao tentar defendê-la. Em meio ao episódio mais devastador de sua vida, segundo sua narrativa, ela conseguiu agenciar táticas de sobrevivência para não sucumbir:

Ele não olhava para o meu olho! Ele não conseguia. Quando percebi, ele puxou o facão! Segurou meu cabelo... Eu comecei a chorar: “Meu Deus, o que você tem?”. [...] Ele queria cortar meu pescoço! Na hora que ele levantou o facão para cortar meu pescoço, eu botei as mãos!... Na hora que eu vi... Fiquei chorando, gritando! “Meu Deus! Por que você está fazendo isso comigo?!” [...] Na hora que ele jogou o facão, eu coloquei as mãos... Cortou os dedos... Ficaram todos dependurados... Eu saí correndo, gritando. Ele foi no rumo da mãe. Atingiu a cabeça dela e saiu correndo atrás de mim!... Eu correndo... Correndo... Ele acertou minha perna! Minha perna quebrou e caí no chão. Ele correu para perto de mim e começou a cortar minha cabeça. Só na minha cabeça. Aqui!... Toda cortada. Eu fiquei calada, consciente: “Meu Deus do céu, me ajuda!”. Fechei meus olhos e me fingi de morta... Ficava bem caladinha. “Se eu gritar, ele vai ver que estou viva e vai querer me matar”. Fiquei calada!... No chão, todo tempo quietinha... Ele cortava... Com o facão!... Eu fazia só assim, por causa das pancadas... Só mexia o corpo. Ficava bem caladinha... (Ana, 27/02/2017)

A chegada inesperada de um carro na rua assustou E., que correu, pensando que era a polícia: “Senão ele não tinha parado de me cortar, não”. Muito ferida, ela mesma ligou para a ambulância. Após a chegada dos policiais, que passaram também a pedir socorro, ainda demorou duas horas para que Ana e sua mãe fossem socorridas. Olhando-nos, com um sorriso, a narradora afirmou, emocionada: “Quando acordei no hospital e olhei minhas mãos cortadas, pensei: ‘Eu só não tenho as mãos! Eu sobrevivi!’”. Durante o período em que ficou internada, ela teve que lidar com a repercussão e o julgamento misógino do caso nos jornais e a adaptação a uma nova forma de viver, com o corpo marcado por cortes e apenas um polegar:

Eu sofria mais por causa do neném. Eu queria ver ele, porque ele mamava. [...] Eu queria era me recuperar. Eu queria sair dali. Perguntavam, “Mulher, como vai ser tua vida?”. Vai ser uma nova vida, eu vou ser feliz! Vou me adaptar. Hoje eu escrevo, me penteio. Eu faço tudo. Faço comida em casa. Faço tudo! (Ana, 27/02/2017)

Sua fala procurou mostrar como não se submeteu aos discursos sobre sua fragilidade, ou sobre sua suposta imoralidade, por “aceitar” viver com um traficante que continuamente a agredia, e nem se colocou na condição de vítima, mas de sobrevivente, dispondo-se a contar a sua história para cobrar uma política capaz de proteger meninas em situação de vulnerabilidade como ocorre com ela. Enquanto falava, convidou-nos a observar a sua agilidade para lidar com o seu único polegar, arrumando seu cabelo e trocando a fralda de um de seus irmãos. Naqueles gestos demonstrava sua força e o desejo em ser feliz. Quanto ao seu companheiro, após a violência praticada contra Ana, os vizinhos chamaram a polícia e ele foi preso em flagrante algumas horas depois, numa cidade próxima. A comoção social em torno do caso teve repercussão dentro da Penitenciária Mista de Parnaíba, para onde foi levado. Ali ele foi julgado e sentenciado à morte, por meio de normas criadas pelos próprios presos, revelando elementos de uma cultura autoritária e hierarquizada que envolve também os homens.

Para Ana, este fato teria sido apenas uma pausa nas relações de poder em sua família, uma vez que sua mãe, com quem convivia e que estava com 32 anos no momento de nosso encontro, de forma semelhante sofria com práticas de humilhação e agressão perpetradas por seu padrasto. Além de trazer as marcas físicas, com cicatrizes espalhadas por todo corpo e as mãos amputadas, demonstrava saber que ela e sua mãe não haviam escapado, ainda, da opressão masculina e que isso lhes custava a saúde física e emocional. Leonora Pacheco (2012PACHECO, Leonora R. Violência Conjugal no Âmbito Doméstico: As vozes de mulheres que romperam com a agressão. 2012. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Enfermagem), Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil., p. 99), ao pesquisar sobre sobreviventes com situações semelhantes à de Ana e sua mãe, afirma que, além de sentimentos negativos, “a violência conjugal deixa outras marcas, as sequelas em seus corpos, que refletem suas atuais condições de saúde, tanto físicas como mentais, provenientes dos agravos das violências físicas, sexuais e psicológicas”. Diante disso, mulheres como elas precisam se reinventar para não se reduzirem à condição de vítima, como a própria narradora afirmou: Não quero falar apenas da violência que sofri, mas das festas que eu vou, da escola, do meu novo namorado... Se falarmos somente da agressão, mais me tornarei vítima. Ela nos contou sobre a retomada dos estudos e o desejo de que sua deficiência física lhe permitisse conseguir uma casa popular doada pelo Estado, para onde pudesse se mudar com sua mãe, longe do padrasto, demonstrando enfrentar o trauma sofrido por meio da conquista de sua autonomia. Começou a participar, posteriormente, do coletivo feminista Mulheres em Pauta, criado em 2014, e que passou a atuar nas periferias da cidade, nas escolas e na formação de policiais, em busca de uma educação voltada ao combate à desigualdade de gênero e à compreensão de que eventos como os vividos por ela não pertencem ao privado.

A fala de Ana nos atentou para a possibilidade de superação, a partir de uma luta que não finda nos limites do judicial, mas deve se estender à sociedade na defesa da vida. Apresentar sua experiência é um esforço em reverter a desvalorização da narrativa dos oprimidos e trabalhar no sentido de “escovar a história a contrapelo”, como propunha Walter Benjamin (1997BENJAMIN, Walter. “As teses sobre o conceito de História”. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. 8ª. ed., São Paulo: Editora Brasiliense, 1997. p. 222-232.); reconhecer que números por si só não dão conta da dimensão social e das consequências do sexismo para as mulheres, e que é necessário conhecer essas vivências, tirá-las do silenciamento, para fortalecer a luta das sobreviventes e evitar novas violações naturalizadas. Daí a importância do alerta que Ana aponta:

Meu Deus, eu digo para não levar como brincadeira, porque tudo que ele fala ali, a gente pensa que é coisa dele, mas não é! A gente tem que observar as pessoas com quem nos envolvemos. O que eles dizem. O que ameaçam. Ameaçam e depois querem adular, mas nós apagamos e eles não! Eles ficam com aquilo na cabeça até quando conseguem fazer. O E. falava sempre isso para mim: “se não for minha, não vai ser de ninguém. Está pensando o quê?”. Eu não acreditava; levava na brincadeira. (Ana, 27/02/2017)

Sua história não se trata de um ataque individual, mas é resultado de práticas culturais que legitimam a violência de gênero; de relações de poder, de controle e de objetificação das mulheres, ferindo seu direito à vida. Sob esse domínio levado ao extremo, situação de muitas outras, M. e T. sucumbiram, mas suas mães enlutadas sobreviveram para denunciar.

Feminicídio: as vozes das vítimas por suas mães

As violências psicológicas praticadas por meio de ameaças variadas, inclusive de morte, nem sempre são utilizadas pelos homens como artifícios ludibriosos. Muitas delas, que desafiaram companheiros, foram mortas por resistirem e lutarem por sua autonomia. No caso de M. e T., suas vozes foram silenciadas pela brutalidade de seus algozes, e suas histórias foram narradas e evocadas aqui pelo testemunho de suas mães, que acompanharam e padeceram pelo ato que pôs fim às suas vidas. Rita, mãe de M., e Vera, mãe de T., tiveram suas filhas assassinadas não só por seus perpetradores, mas por toda cultura sexista que, de alguma maneira, condicionou essa possibilidade. A história oral atua, nesses casos, como denúncia num encontro entre sujeitas que não pretendem se calar:

A história oral de mulheres é um encontro feminista, mesmo se a colaboradora não for ela mesma uma feminista. É a criação de um novo tipo de material sobre as mulheres, é a validação de experiências femininas: é a descoberta de nossas próprias raízes e o desenvolvimento de uma continuidade que nos tem sido negada nos relatos históricos tradicionais (Sherna GLUCK; Daphne PATAI, 1991, apud Silvia SALVATICI, 2005SALVATICI, Silvia. “Memórias de Gênero: reflexões sobre a história oral de mulheres”. Revista de História Oral, v. 8, n. 1, p. 29-42, jan./jun. 2005. Disponível em Disponível em https://revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&page=article&op=view&path%5B%5D=114 . Acesso em 12/12/2018.
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, p. 31).

A oportunidade de registrar sua história e de validar sua experiência também nos aproximou de Rita, uma idosa assistida pelo Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) que, participando de uma roda de conversa sobre violência de gênero na terceira idade, levantou a mão e nos disse: “Eu jamais vou deixar um homem mandar em mim! Eu nunca deixei. A gente não pode deixar! No dia em que minha filha deixou que mandassem nela, ela foi morta”. Ela falava de M., assassinada pelo ex-companheiro no ano de 2005, quando tinha 26 anos, deixando dois filhos menores que ficaram sob seus cuidados. Com uma trajetória de vida marcada pela pobreza e por um casamento atravessado por humilhações, ela considerou importante contar sobre o evento que envolveu a morte de sua filha, para que, uma vez compartilhado, pudesse promover a reflexão coletiva.

Procurando romper com o silenciamento e a apatia social diante da violência severa sofrida por ela e sua filha, além de posicionar-se contra a espetacularização da morte de M. pela mídia local, Rita aceitou nos receber em sua casa e narrar como testemunha (aquela que vivenciou; aquela que viu e sobreviveu). Após algumas visitas, ela se sentiu mais segura para contar a história de sua filha, que dava continuidade, de certa forma, à sua e à de sua mãe. Nascida em Água Doce, no estado do Maranhão, ela assistiu sua mãe ser abandonada por seu pai, inúmeras vezes, num contexto de pobreza em que, mesmo criança, trabalhava para garantir o sustento da família. Vivenciar a luta pela sobrevivência ao lado da mãe, colaborando nas tarefas do campo e contra a agressão do pai, fez com que se solidarizasse com ela. Sua vida também foi atravessada por um relacionamento abusivo em seu primeiro casamento, aos 21 anos, quando foi para Parnaíba. Segundo ela, não houve agressões físicas, mas humilhação constante invisível para muitos, mas sentida por ela de forma constante e intensa:

Ele tinha esses negócios de moleque. Era muito depravado! Me xingava de nomes feios, pavorosos! Era muito estúpido, debochando das minhas partes íntimas, aquilo tudo. [...] Até que um dia minha irmã teve um garoto e eu fui passar a noite com ela no hospital. Quando cheguei de manhã, ele caiu em cima de mim com tanto xingamento!... Eu disse assim: “Repara quando é hoje. Hoje é 5 de janeiro de 1983. Até hoje nós vivemos, mas de hoje em diante eu não vivo mais contigo, mas nem aqui e nem no inferno! Se Deus descer do céu e disser que só me salvo se me juntar contigo, prefiro descer pro inferno, mas contigo não vivo!”. (Rita, 27/05/2017)

Ela conseguiu coragem para cessar aquele processo e, a partir da separação, passou a chefiar a família e a trabalhar para garantir o sustento e a educação dos filhos. Porém, quando lembra da filha falecida, lamenta sua ausência materna em virtude dos diversos trabalhos que exercia como diarista e lavadeira, que teriam afastado as duas durante a adolescência de M., o que, para ela, contribuiria para levar a jovem a relacionamentos violentos. Sobre situações semelhantes nas quais as mulheres se dividem entre o trabalho da casa, não remunerado e não reconhecido, e o emprego fora, Carmem L. I. Grisci (1995GRISCI, Carmem L. I. “Mulher-Mãe”. Revista de Psicologia, Brasília, v. 15, n. 1-3, p. 35-45, 1995. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98931995000100003 . Acesso em 18/03/2019.
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, p. 16) afirma que o fato de “terem consciência da necessidade de seu trabalho não implica a diminuição de seu sentimento de culpa, porque a ideia que prevalece é a da mulher-mãe que abandona os/as filhos/as para ser mulher-trabalhadora, sinônimo de transgressão às leis naturais”. Esse sentimento de culpa é próprio da divisão de trabalho desigual e hierárquica da sociedade patriarcal e capitalista que desobriga homens de papéis no espaço privado e responsabiliza as mães pela educação e cuidado dos filhos, como foi o caso de Rita.

Segundo a narradora, foi por um descuido maternal que sua filha engravidou aos 18 anos e não chegou a concluir os estudos. Aos 23 anos, com dois filhos pequenos e sem perspectiva de trabalho em Parnaíba, M. recorreu à ajuda da mãe, que já havia partido para Fortaleza. Rita reprovava a relação com o homem que a agredia e pedia que o deixasse, mesmo que houvesse julgamento moral. Entendia que elas viviam inseridas numa cultura que exigia que aceitassem, perdoassem e permanecessem em situação muitas vezes de risco, sob a supremacia masculina, mas que era necessário romper com ela. Situação esta que Flávia Biroli (2013BIROLI, Flávia. Autonomia e Desigualdades de Gênero: contribuições do feminismo para a crítica democrática. Vinhedo: Editora Horizonte, 2013., p. 89) evidenciou como própria das “relações de poder, que incluem variações da tolerância social à subordinação” e que “são expressas em formas legitimadas de autoridade, em expectativas sociais relativas ao papel que mulheres e homens desempenham”, mas que não são, necessariamente, inquestionáveis ou aceitas pelas mulheres. Como afirmamos anteriormente, a dominação masculina não é determinismo, condição ou caminho sem volta. Nesse sentido, mesmo reconhecendo os perigos da separação, Rita orientou M. a romper com a tensão cotidiana, que ela mesma já conhecera há tempo:

“Pelo amor de Deus, M., esse foi um dos piores do mundo que você já arrumou na vida!”. Cheguei a sentir uma dor no meu coração quando vi o caboclo! Esse daí foi o pior, M.! E esse aí foi a pior pessoa, a pior lástima que você arrumou!”. Ela disse: “A senhora coloca defeito em todo mundo que eu arrumo”. (Rita, 27/05/2017)

Emocionada, ela nos mostrou o quanto M. tinha dificuldades em pedir socorro, em denunciar seu companheiro, mantendo-se isolada. O afastamento da família, dos amigos e de pessoas que pudessem interferir na relação de poder era negociada pela promessa, por parte dele, de que M. não sofreria mais agressões. Esta tática de sobrevida geralmente é mal interpretada pelo discurso moralista dominante, que confere à vítima o status de consentimento para as violações que sofre, sem perceber que faz parte da engrenagem de controle:

Ela ficava calada... A minha filha era uma pessoa de aguentar tudo calada. Depois veio morar comigo dentro de casa, mas não falava. Eu fui percebendo o jeito do bandido... Quando foi um dia de manhã, eu perguntei: “Cadê a faca?”, porque eu iria cortar um coco para fazer um cuscuz... Ela disse: “Está aqui dentro, mãe, do quarto”... “E o que é que esta faca faz aí, M.? É o infeliz que coloca aqui? É para quê? Para te ameaçar, menina?! Eu sei que você vive sofrendo nas unhas dele, mas não quer entregar de jeito nenhum a sem-vergonhice que esse cara faz contigo!” (Rita, 27/05/2017)

Como afirmou Saffioti (1995SAFFIOTI, Heleieth I. Violência de Gênero: poder e impotência. Rio de Janeiro: Editora Revinter, 1995.; 2001) sobre a assimetria de poder, não podemos alegar que as mulheres consintam a dominação, uma vez que o conceito de consentimento presume que os gêneros estejam em posição de igualdade. Considerar que Ana e M. permitiam a opressão sobre elas é não atentar para as relações de força que provocam o medo e a dependência que fizeram com que elas não estivessem em condições de decidir e acabassem por ceder, por longos períodos, diante de ameaças, promessas ou agressões concretas. No entanto, elas não aceitaram sua situação como destino e foram capazes de confrontar seus companheiros. No caso de M., Rita contou que, ao perceber que ela era agredida e que não conseguia reagir, convidou-a para morar em sua casa, com ele e seus dois filhos. A intenção era estar o mais próximo possível e tentar inibir a sua resignação, contando-lhe sobre sua própria experiência e a de sua avó, para que se espelhasse na busca do rompimento. Depois de presenciar sua filha ser ameaçada repetidas vezes, expulsou o companheiro dela e somente a partir daí a viu resistir contra a dominação que sofria. A rejeição foi o estopim para desencadear o feminicídio, a forma fatal de violência de gênero. A sociedade misógina e patriarcal chama esse comportamento, no senso comum, de “crime de honra” ou “passional”, quando os agressores reagem a quebradas relações de submissão feminina, que ameaçam seu poder como macho e proprietário. Durante anos, a passionalidade foi uma invenção, uma permissão com amparo judicial, para camuflar um histórico de assimetrias. Sobre esse aspecto, Bandeira afirma:

Há o pressuposto de que a violência contra mulheres é um tipo de violência apreendida no decorrer dos processos primários de socialização e deslocada para a esfera da sociedade em momentos secundários da socialização e na sociabilidade da vida adulta. Esta, portanto, não se caracteriza como patologia ou como desvio individual, mas sim como “permissão social” concedida e acordada com os homens na sociedade (BANDEIRA, 2014BANDEIRA, Lourdes M. “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, maio/ago. 2014. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922014000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 01/10/2020.
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, p. 461).

A concessão acordada entre os homens para a naturalização da violência contra as mulheres provoca inúmeras situações em que muitas delas permanecem com seus agressores, para tentar sobreviver, como foi o caso de M., já que são intimidadas constantemente por tentarem romper a relação. A construção do discurso de que elas colaboram com a dominação ignora que, em meio a esse tipo de tensão, é necessário utilizar todas as táticas disponíveis, pois o que está em jogo é o instinto de autopreservação da vida e de seus filhos. Mesmo assim, com medo, ela reagiu e resistiu, separando-se de seu marido:

Ela já tinha largado. Ele já tinha saído da minha casa. Eu tinha medo dele pegá-la por aí. Fui com ela e os dois meninos para o colégio. Quando eu cheguei, vou te dizer... Quando eu me espantei, ele veio pra cima de mim!... Ele me cortou todinha de faca... Isso tudo aqui foi facada que ele me deu! Depois disso não vi mais nada. Eu desmaiei. Então, ele matou minha filha!... Eu não vi... Quando acordei, estava no hospital. Ele tinha matado minha filha... (Rita, 27/05/2017)

O feminicídio sofrido por M. e a tentativa que quase resultou na morte da Rita constituem um fenômeno mundial, pois esta prática é verificada em diversos países, nos mais diferentes contextos sociais e culturais. Pode ser compreendido, de acordo com Prado e Sanematsu (2017PRADO, Débora; SANEMATSU, Marisa (Orgs.). Feminicídio: #InvisibilidadeMata. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2017. Disponível em Disponível em http://agenciapatriciagalvao.org.br/wp-content/uploads/2017/03/LivroFeminicidio_InvisibilidadeMata.pdf . Acesso em 20/12/2019.
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) e de forma semelhante por Wânia Pasinato (2011PASINATO, Wânia. “‘Femicídios’ e as mortes de mulheres no Brasil”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 37, p. 219-246, 2011. Disponível em Disponível em https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/8645012 . Acesso em 28/12/2020.
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), como resultado da assimetria que se estabelece nas relações de poder, ao mesmo tempo que pode reforçar a manutenção e reprodução dessas diferenças como desigualdade. O rompimento da relação por parte de M. ameaçou o processo de construção social da inferioridade dita feminina correlata à superioridade expressa como masculina; questionou, em algum momento, o imaginário da mulher dócil e frágil e a contrapartida de homem macho, próprio do patriarcado, como apontou Saffioti (1987SAFFIOTI, Heleieth I. O poder do macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987.; 1995), o que lhe custou a vida. Apesar disso, sua atitude demonstrou que os efeitos da dominação masculina vão além do que Pierre Bourdieu (2012BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Tradução de Maria Helena Kühner. 11ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2012.) apontou quanto ao papel das mulheres nas relações de gênero: mais do que congeladas na condição de oprimidas, Ana e Rita, sobreviventes, e M., assassinada, revelaram uma situação paradoxal e conflituosa em que a submissão e a resistência estão presentes e em tensão constante no processo de coisificação da mulher, sob o arbítrio de um “proprietário”. Como nos lembra Pasinato:

Ainda que algumas dessas mortes possam ser atribuídas ao exercício perverso de poder e dominação dos homens sobre as mulheres, discussões envolvendo as teóricas do patriarcado avançaram nos últimos anos e algumas levantam a possibilidade de que o patriarcado pode não estar extinto nem estar apresentando sinais de exaustão, mas seguramente sofreu transformações para garantir sua sobrevivência num mundo em que os papéis sociais de gênero estão mudando em velocidade vertiginosa (2011, p. 237).

Assim, embora o patriarcado se perpetue, ele é questionado e enfrentado, num mundo em que as relações de gênero são desiguais, mas não fixas. Naquela pequena comunidade piauiense, em que os recursos financeiros e a educação são precários e em que a força está relacionada à figura do homem nordestino, Rita se levanta contra os papéis sociais impostos e aponta formas de superação:

Praticamente posso dizer que morri. Às vezes, quando vejo cena das mães chorando, penso que passei por essa mesma dor na minha vida. Então aquilo vai me revoltando cada vez mais com os homens... Se as mulheres bem pensassem na vida, elas procurariam estudar e arrumar um emprego. Esse é o marido certo, o seu estudo e emprego! (Rita, 27/05/2017)

Ter um emprego e voltar a estudar eram os conselhos da mãe a M., percurso de autonomia interrompido pelo assassino de sua filha, que foi preso em flagrante, mas não ficou detido. Quando Rita acordou no hospital, depois de ter sido socorrida por populares, teve de enfrentar dois problemas: sua filha estava morta e o culpado estava em liberdade. Alguns dias após o evento traumático, porém, ele foi morto por possíveis inimigos locais:

Com nove dias, ele foi para debaixo do chão. Eu não queria que ele fosse morto. Eu queria que ele ficasse vivo. Com a morte se acaba tudo!... Eu não superei a morte da minha filha. Eu tenho um trauma muito grande! Tenho depressão, tomo remédio direto para a depressão. Tem dia em que tenho vontade de ir ao cemitério e tirá-la de dentro do chão!... Se eu pudesse, traria minha filha de volta. É muito triste! (Rita, 27/05/2017)

Quando questionada sobre a implantação da Lei nº. 11.340/06, conhecida como Maria da Penha, criada no Brasil após a morte de sua filha, em 2006, com o intuito de criar mecanismos de proteção às mulheres em situação de vulnerabilidade, e sobre a Lei nº. 13.104/15, Lei do Feminicídio, promulgada em 2015, frutos da luta do movimento feminista brasileiro, ela desabafou:

É tanta mulher sofrendo no mundo, eu não sei por qual motivo que é tanta mulher morta no mundo, e depois que botou a Lei Maria da Penha apareceu mais violência, sofrimento. Tanta mulher sofrendo no mundo! Tanta mulher se acabando, morrendo, pelo amor de Deus! (Rita, 27/05/2017)

A narrativa de Rita expressa indignação e frustração em relação aos altos índices que permanecem no Brasil, mesmo depois das referidas leis. O não reconhecimento da gravidade da violência de gênero e de suas raízes sexistas na cultura brasileira acaba por contribuir para que ela se perpetue, chegando ao limite máximo: o feminicídio. Do ponto de vista jurídico penal, este crime é definido como o assassinato de mulheres por razões relacionadas ao gênero, incluindo não apenas parceiros íntimos, mas a morte intencional por parceiros não íntimos. Para Prado e Sanematsu (2017PRADO, Débora; SANEMATSU, Marisa (Orgs.). Feminicídio: #InvisibilidadeMata. São Paulo: Instituto Patrícia Galvão, 2017. Disponível em Disponível em http://agenciapatriciagalvao.org.br/wp-content/uploads/2017/03/LivroFeminicidio_InvisibilidadeMata.pdf . Acesso em 20/12/2019.
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), sua tipificação como crime hediondo serviu para lhe conferir uma punição mais severa; porém, mesmo que represente certo avanço, ainda há muito a se fazer do ponto de vista político e sociocultural. Nessa perspectiva, é exemplar o relato de Rita para mostrar que o medo, o isolamento e a intimidação feminina pelo uso da força física ou simbólica, próprios da dominação masculina, forçam-nas a submeter seus corpos e mentes a valores e práticas que violam sua liberdade e integridade. Ela demonstra sua descrença com a justiça, que não impediu o assassinato e nem puniu o criminoso, numa sociedade em que a masculinidade hegemônica predomina. O desrespeito e a ausência de vontade política, apontados por ela, se confirmam na pesquisa O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2018BRASIL. O Poder Judiciário na aplicação da Lei Maria da Penha. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2018. Disponível em Disponível em http://www.cnj.jus.br/files/publicacoes/arquivo/5f271e3f54a853da92749ed051cf3059_18ead26dd2ab9cb18f8cb59165b61f27.pdf . Acesso em 20/03/2019.
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), que aponta que o Tribunal de Justiça do Piauí não proferiu nenhuma sentença pelo crime de feminicídio entre os anos de 2016 e 2017, embora seja um dos estados com maior número de denúncias e de casos de assassinatos no Brasil. Esses fatos reforçam as afirmações de Rita e as constatações de Bandeira (2014BANDEIRA, Lourdes M. “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, maio/ago. 2014. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922014000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 01/10/2020.
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, p. 460), de que “as ações ainda são pouco eficazes por parte do aparato policial e jurídico, que repercute em uma visão de escassa resolução e que acarreta o descrédito por parte das agredidas e da sociedade frente à impunidade geral”.

Ainda nesse sentido, Pasinato (2007PASINATO, Wânia. “Contribuições para o debate sobre violência, gênero e impunidade no Brasil”. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 5-14, jul./dez. 2007. Disponível em Disponível em https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/11/PASINATO_Contribuicoesparaodebatesobreviolenciageneroeimpunidadenobrasil.pdf . Acesso em 28/12/2020.
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) aponta como as mudanças introduzidas pela Lei Maria da Penha contribuíram para o debate e a compreensão da violência de gênero, mas lembra que a opção pelo caminho meramente punitivo empurrou a questão para o campo do Direito Penal e da Justiça criminal, reduzindo o problema para o eixo agressor-vítima, e recolocou nas mãos do Estado a tutela das mulheres. Os testemunhos aqui apresentados deixam evidentes o quanto é necessária a educação que discuta esse fenômeno como relação de poder e garantias de acesso às informações sobre os direitos à proteção e à assistência para que, no momento em que estiverem prontas a fazer a denúncia, sintam-se seguras e amparadas para se libertarem da rotina de quem é oprimida em seu próprio lar; e para que tenham autonomia sobre suas vidas e não precisem retornar para seus algozes.

A ausência de medidas judiciais eficazes e de políticas sociais que promovam a emancipação feminina - como lembrou Rita - com a finalidade de combater a desigualdade e a violência de gênero também foi apontada por Vera, outra mãe que teve sua vida completamente transformada pela dor causada pelo assassinato de sua filha T., com 15 anos, no ano de 2013. Ela desejou que sua história fosse publicizada, a fim de que o compartilhamento pudesse contribuir para o debate em torno da moral machista que permite o feminicídio. Como moradora de uma comunidade de pescadores, em que as jovens têm pouca liberdade sexual, Vera se casou com apenas 13 anos, para que a sua conduta moral permanecesse dentro dos padrões esperados - em que uma “boa mulher” é aquela que se casa cedo - e para que seu companheiro, com quem teve 10 filhos, fosse respeitado como homem viril. Sua filha T. era a nona deles. Ela foi morta depois de sair para dar aulas de reforço para crianças na comunidade de pescadores, como sempre fazia.

Muito comovida, Vera contou em detalhes os últimos momentos em que esteve com T. e o diálogo que, segundo ela, poderia ter impedido a filha de sair de casa naquele dia, uma culpa que ainda guardava no momento de nosso encontro, tal como se a responsabilidade não coubesse ao sistema perverso patriarcal, cuja estrutura contribui para submeter, violentar e culpabilizar moralmente as próprias vítimas ou sobreviventes:

Foi numa noite de dois de julho de 2013. Ela saiu seis horas, me lembro. É muito triste recordar isso, mas tenho que falar! Eu estava nessa porta quando ela saiu e deu tchau para mim: “Mãe, eu já vou dar aula”. Ela dava aula de reforço à noite para dois meninos que moram ali, filhos do homem do Pastelão. Aí ela saiu, estava gripada, com febre. Dois dias antes, estava com cólica. Quando ela ia ficar menstruada, tinha cólica. Eu disse: “T., não vai hoje, não! Toma o remédio, para ir só amanhã, quando melhorar”. Ela respondeu: “Eu não, eu vou porque eu não gosto de faltar meus compromissos”. Aí ela foi... E foi a última vez que eu a vi... Saiu e quando deu 22 horas, ela não tinha chegado. O pai dela só aceitava ela estar na rua só até esse horário, porque era menor. Aí liguei para ela, o celular só dava “deixe seu recado, deixe seu recado”. (Vera, 30/05/2017)

A narradora viveu junto com a irmã a angústia de esperar que T. desse qualquer sinal de que estivesse bem e do local onde pudesse estar. Quando perceberam que a noite já avançava pela madrugada e que ela não retornava e nem respondia aos recados do celular, as duas passaram a dividir o medo da espera. Preocupada em preservar sua filha de estigmas morais, ligados aos costumes locais, durante a agonia, ela continuou hesitando em contar ao marido sobre o desaparecimento, pois ele poderia considerar que T. estivesse com algum homem. Quando finalmente revelou o que estava acontecendo, ele reagiu conforme o esperado, uma atitude condicionada culturalmente para um “homem de honra”, que desqualifica o comportamento sexual feminino:

Meu marido falou assim: “Olha, o que é que está acontecendo? Você passou a noite sem dormir. Você fica só cochichando aí com sua irmã”. Eu disse que a T. não havia dormido em casa. Ele pulou logo da cama e falou: “Ela fugiu com esses homens sem-vergonha que ela fica no celular”. Ele sabia que ela estava conversando com algum homem. Com algum rapaz. “Ela fugiu! E ela não vem mais para cá, não! Eu não aceito”. (Vera, 30/05/2017)

A primeira reação do pai de T. foi a de julgar e culpabilizá-la por seu desaparecimento. Percebemos aí um dos aspectos da violência de gênero apontada por Bandeira (2014BANDEIRA, Lourdes M. “Violência de gênero: a construção de um campo teórico e de investigação”. Sociedade e Estado, v. 29, n. 2, p. 449-469, maio/ago. 2014. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922014000200008&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 01/10/2020.
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), que é a moral, mesmo que de forma inconsciente: a suspeita e desqualificação de sua filha, que revela um juízo estendido a qualquer mulher que fuja ao controle, ao lugar e às normas a ela impostos, revela-se onipresente como argamassa para justificar e amenizar qualquer outro tipo de violação à sua integridade. No entanto, depois da reação inicial, todo o discurso sexista ruiu na preocupação que passou a ter sobre o que poderia ter acontecido à filha, já às 4 horas da manhã. Vera, naquele momento, lembrou uma informação que teria passado despercebida: uma das amigas de T. havia relatado sobre tê-la visto entrar num lugar isolado, conhecido pela comunidade como Santuário, por volta das 19 horas. Ela pediu, então, a um de seus filhos para que verificasse:

Quando essa menina me falou que ela estava no Santuário, eu mandei esse meu menino. Eu disse: “Olha, sobe ali no Santuário que a T. estava se queimando de febre e com cólica. Pode ser que ela tenha dado uma agonia. Uma coisa, caído lá e ninguém sabe”. Mas eu não estava acreditando que a T. estava no Santuário. Eu mandei ele ir lá, sem fé. Só para ir mesmo ver. Quando ele chegou, vinha em pânico! Me lembro da cara dele... Quando ele passou por mim, quase me derrubou! Foi lá falar para o pai dele: “Papai, a T. está morta! Com um buraco no pescoço”. Aí eu ouvi!... O pai dele passou por mim e também não falou nada... Correu para lá! Aí eu corri atrás! Quando eu fui chegando, o pai dela já tinha visto ela lá e voltou... Eu me lembro que abri o portão do Santuário... Aí meu marido me agarrou e não deixou eu ver! Me trouxe para casa aos gritos. Me trancou dentro do quarto. Eu não a vi morta ali. Não vi! Ele não deixou eu ver. Porque era cena de terror!... (Vera, 30/05/2017)

T. foi degolada por um adolescente que frequentava sua casa desde menino. Ele tinha apenas 16 anos e se dizia apaixonado por ela. Posteriormente à sua morte é que se soube que ele, inconformado com a rejeição ao seu assédio, passou a ameaçá-la e persegui-la. No entanto, ela não havia emitido nenhum pedido de socorro à família antes do assassinato. O comportamento de ambos parece corresponder a um acordo que Queiti Oliveira (2014OLIVEIRA, Queiti B. M. Violência de gênero no namoro entre adolescentes sob a ótica dos adolescentes, educadores e profissionais da saúde. 2014. Doutorado (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca) - Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.) afirma existir numa cultura machista, em que o poder masculino e a dependência afetiva feminina seriam construídos a partir de discursos que romantizam a vulnerabilidade feminina: “Os homens seriam socializados para serem agressivos, dominantes, competitivos e pouco encorajados a exprimir seus sentimentos. Em contrapartida, as mulheres seriam incitadas a se comportar de forma passiva, dependente e cooperativa e a reprimir sua cólera”. Isso corresponderia ao que Raewyn Connell e James Messerschmidt (2013CONNELL, Raewyn; MESSERSCHMIDT, James W. “Masculinidade hegemônica: repensando o conceito”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, n. 21, p. 241-282, jan./abr. 2013. Disponível em Disponível em https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2013000100014 . Acesso em 20/03/2019.
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) chamaram de masculinidade hegemônica, um padrão normativo em torno da posição na estrutura das relações de gênero, na qual os homens internalizam normas pelas quais se distanciam de comportamentos atribuídos ao feminino e reforçam sua identidade “masculina”. A masculinidade hegemônica não é tratada com caráter universal, mas entendida em seu aspecto normativo e performático, no sentido de constituir, pela repetição de discursos e práticas, uma padronização mais legítima e “honrada” de “ser homem”, com adjetivações e funções a ele atribuídas, às quais todos os outros devem se submeter (masculinidades subordinadas), se compreender ou se espelhar, além de legitimar ideologicamente a subordinação global das mulheres a eles. A relação entre a adolescente T. e seu assediador diz respeito a essas padronizações de gênero, em que a virilidade, de um lado, e a submissão e o silêncio, de outro, trazem consequências fatais:

Ele foi criado aqui junto com os meus. Foram criados aqui, unha e carne. [...] Aí a polícia disse que ele nutria uma paixão que ela não correspondia, porque encontraram mensagens no celular dela para outros rapazes e para ele não. E ele ameaçava ela! Tinha muitas ameaças no celular, quando foi quebrado o sigilo do celular dela, e ela não dizia para nós! Não dizia porque tinha medo e tinha horror de escândalos. Não demonstrava raiva [...] Ela não gostava e não contou. Morreu calada! (Vera, 30/05/2017)

Essa postura de T., em silenciar sobre as ameaças, contribui para reforçar os padrões de masculinidade hegemônica, dos quais se alimenta a sociedade patriarcal. Saffioti (1987SAFFIOTI, Heleieth I. O poder do macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987.), ao propor a reflexão sobre a figura do macho, afirma que, para se compreender as relações de poder hierárquicas, é preciso pensar não apenas a mulher, mas como o poder e a virilidade (aferida pelo uso da força) reúnem as condições para o exercício da violência, levando em consideração os atravessamentos de classe, geração, raça e região, nesse caso, em particular, a nordestina com suas peculiaridades. Os aspectos regionais são fatores importantes na construção das bases da masculinidade aqui analisada, que atenta aos preceitos culturais de cada época e espaço. Os homens, na busca pela construção e afirmação de virilidade, inspiram-se nos modelos que povoam o imaginário regional. Parnaíba é uma cidade nordestina que, apesar de ser litorânea, carrega consigo o imaginário do homem nordestino inspirado no sertanejo, que sobrevive, desafia e luta contra a natureza árida, como sendo o maior ideal de provedor, dominador e macho, em contraposição à fragilidade feminina. Ao estudar a representação do falo e sua relação com o homem nordestino nos anos 1920, Durval Albuquerque Júnior (1999ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. “‘Quem é froxo não se mete’: violência e masculinidade como elementos constitutivos da imagem do nordestino”. Projeto História, São Paulo, v. 19, p. 173-188, nov. 1999. Disponível em Disponível em https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10928/8089 . Acesso em 01/10/2020.
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, p. 172) contribui, também, para demonstrar como os tipos regionais de sertanejo, vaqueiro, coronel e senhor de engenho, entre outros, naturalizaram comportamentos ligados à coragem e à dureza e que, mesmo nos centros urbanos, ainda há uma grande influência do discurso da aridez sobre os costumes e as identidades do macho.

Levando isso em conta, é possível compreender a atitude do assassino de T. em não ter deixado de frequentar a casa dela, participando inclusive das buscas iniciais e do velório para, quando descoberto, ter usado as artimanhas discursivas de “passionalidade”, atribuindo o feminicídio a uma possível gravidez e tentativa de aborto (pois um comprimido foi encontrado ao lado do corpo), ou a uma traição (pois ele dizia ser seu namorado) devido ao fato de ela ser amante de um homem casado, o que foi compactuado na época pelos noticiários locais. O exame de corpo delito indicou, mais tarde, que ela era virgem, o que confirmou que, além de projetar a sua morte, seu algoz havia procurado construir uma memória desqualificadora sobre ela, que justificasse sua atitude “como homem honrado” perante aquela comunidade. Como “nordestino macho e ofendido”, ele a havia sentenciado à morte física e simbólica.

Desta forma, como afirmam Stela N. Meneghel e Ana Paula Portella (2017MENEGHEL, Stela N.; PORTELLA, Ana Paula. “Feminicídios: conceitos, tipos e cenários”. Ciências e Saúde Coletiva, v. 22, n. 9, p. 3077-3086, 2017. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232017002903077&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 22/03/2020.
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), o feminicídio produz não somente a destruição física da vida de uma mulher, como foi o caso de M. e T., mas mobiliza toda uma série de sentidos objetivos e subjetivos, desqualificando-a, julgando-a moralmente e destruindo sua família. Mais ainda: atinge simbolicamente todas as mulheres submetidas a um conjunto de práticas motivadas pelo desprezo e pelo sentimento de posse e de vingança que movem homens como os que atacaram Ana, M. e T., além de suas mães. Quando este crime acontece, sinaliza-se com a morte a negação do direito à autonomia, à decisão sobre o corpo, ao amor e à vida.

Considerações sobre um conhecimento feminista necessário

O registro e a publicização das memórias de sobrevivência de Ana, Rita e Vera em relação à violência severa, e do feminicídio cometido contra M. e T., contadas por suas mães, procuram mostrar como as mulheres podem ser atingidas pelas formas mais torpes de opressão, frutos de uma cultura que outorga poderes aos homens sobre o cotidiano, o corpo e a vida delas. Desnaturalizar certas práticas hierarquizantes e opressivas requer, primeiramente, o conhecimento de histórias como essas, que pedem pelo reconhecimento do dolo e por uma discussão ampla sobre os aspectos estruturais e interseccionais dessa violência, pela responsabilização e por políticas públicas eficientes, não apenas voltadas à punição.

Sobre isso, é preciso criar mecanismos educacionais, formais e informais, que coloquem a discussão sobre as relações assimétricas em evidência, que revejam o papel da família, desnaturalizando-a e problematizando-a. Nessa direção, Pasinato (2007PASINATO, Wânia. “Contribuições para o debate sobre violência, gênero e impunidade no Brasil”. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 5-14, jul./dez. 2007. Disponível em Disponível em https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/11/PASINATO_Contribuicoesparaodebatesobreviolenciageneroeimpunidadenobrasil.pdf . Acesso em 28/12/2020.
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) afirma que as respostas judiciais de caráter punitivo à criminalização da violência de gênero não bastam para combatê-la. Elas devem ser pensadas como uma solução-problema que, embora possa representar avanços importantes, não pode ser considerada como um fim em si mesmo, nem tampouco a saída para situações complexas e que perpassam diferentes dimensões sociais e privadas.

O sexismo contra as mulheres, do qual as memórias/histórias apresentadas aqui são dolorosamente significativas, demonstra que a ordem patriarcal se ressignifica, remodelando as práticas e os valores, sem eliminá-los das relações cotidianas e até mesmo das ações de órgãos que deveriam protegê-las. O aspecto levantado por Pasinato (2007PASINATO, Wânia. “Contribuições para o debate sobre violência, gênero e impunidade no Brasil”. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 5-14, jul./dez. 2007. Disponível em Disponível em https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/11/PASINATO_Contribuicoesparaodebatesobreviolenciageneroeimpunidadenobrasil.pdf . Acesso em 28/12/2020.
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), de que seria necessário haver maior entrosamento entre o Poder Judiciário, em especial com a criação dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar, e as políticas públicas em âmbito dos governos federal, estadual e municipal, permanece sendo urgente, assim como a formação e preparo de agentes nas delegacias que, muitas vezes, continuam a tratar as vítimas com valores morais de cunho misógino.

Há que se reforçar a dimensão educacional, que promova questionamentos em torno das relações de gênero entendidas como construções assimétricas e como exercícios de poder. Assim como afirmou Saffioti (1987SAFFIOTI, Heleieth I. O poder do macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987.; 2001) em diferentes momentos, não se trata de pensar uma educação e uma sociedade fora do gênero, mas fora da matriz dominante, sexista, racista e capitalista. Ana, Rita e Vera, assim como M. e T., são exemplos de mulheres que, embora vivessem sob a dominação masculina, foram capazes de se mover, demonstrando que, longe do vitimismo, é possível ressignificar as relações de poder e exigir ações que percebam as mulheres muito mais do que coisas, cúmplices ou seres passivos diante das inúmeras formas de opressão.

Ana, Rita e Vera não foram silenciosas nem submissas, pois suas memórias revelam resistências, e isso exige um esforço para o reconhecimento de que, além da agressão, existe, também, a força das sobreviventes que buscam em nós a mediação para o enfrentamento público do trauma e cuja solução não se restringe, como afirmou Pasinato (2007PASINATO, Wânia. “Contribuições para o debate sobre violência, gênero e impunidade no Brasil”. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 5-14, jul./dez. 2007. Disponível em Disponível em https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/11/PASINATO_Contribuicoesparaodebatesobreviolenciageneroeimpunidadenobrasil.pdf . Acesso em 28/12/2020.
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), a questões jurídicas. As situações-limite enfrentadas por mulheres, como o feminicídio e a violência severa aqui narrados, são sintomas de processos históricos que tornam as relações de gênero assimétricas e violentas e que, se não enfrentados em suas diversas dimensões - jurídicas, políticas e socioculturais -, continuarão a produzir a apatia social e a naturalização da desigualdade entre homens e mulheres.

Nesse sentido, toda violência de gênero, em suas múltiplas expressões, deve ser apontada, denunciada, reconhecida e debatida como produtora de traumas, assim como Ana, Rita e Vera o fizeram. Concordamos com Pasinato (2007PASINATO, Wânia. “Contribuições para o debate sobre violência, gênero e impunidade no Brasil”. São Paulo em Perspectiva, v. 21, n. 2, p. 5-14, jul./dez. 2007. Disponível em Disponível em https://assets-compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2012/11/PASINATO_Contribuicoesparaodebatesobreviolenciageneroeimpunidadenobrasil.pdf . Acesso em 28/12/2020.
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, p. 7) sobre a necessidade de que se construa, a partir de narrativas como essas, uma rede de apoio civil e institucional que passe não apenas pela criação de medidas de caráter punitivo e protetor do ponto de vista jurídico civil e criminal, mas pelo atendimento psicológico e social e por exercícios educacionais de escuta, “compreendidos como estratégias possíveis e necessárias para coibir a reprodução social do comportamento violento e a discriminação baseada no gênero”. Este aspecto implica, ainda, a discussão sobre a construção das diversas formas de masculinidades, uma vez que as violações são consequências da “fabricação” de “homens viris”, normalizados e essencializados como modelos hegemônicos.

A ideia de trazer relatos tão densos e fortes para este artigo teve a intenção de mostrar que, diante do sexismo e de seus efeitos, precisamos nos posicionar como pesquisadoras e pensar em caminhos para sua superação, coletivamente. A história oral testemunhal, nesse sentido, assume um novo olhar sobre o conhecimento voltado à história pública e ao combate a uma postura que, dizendo-se neutra, seleciona e cala. Ao historicizar a dor dessas mulheres (como passado vivo e presente), o intuito foi evidenciar que a quantificação, em índices, não alcança a dimensão social do problema da violência de gênero, fruto do patriarcado. Apesar dos avanços sociais e legais relativos a esta questão, é preciso compartilhar testemunhos para cobrar novas ações políticas e educativas com o intuito de quebrar o imperativo moral que mantém separadas as esferas do público e do privado e a naturalização das assimetrias entre homens e mulheres (em suas mais diversas interseccionalidades), e que acabam por permitir, ainda, situações de silêncio e de inação diante da violação da vida.

Referências

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  • 1
    Embora tenhamos a autorização para publicação de seus nomes, optamos por preservar a identidade das sobreviventes, usando os pseudônimos Ana, Rita e Vera, e as iniciais dos nomes para as filhas de Rita e de Vera, que foram vítimas de feminicídio. Na época das entrevistas, em 2017, o Programa de História da Universidade Federal do Piauí não considerava obrigatória a submissão de projetos de pesquisa ao Comitê de Ética. Embora não tenha sido submetido ao Comitê, foi pedido às mulheres que assinassem termos de autorização para participação na pesquisa e para publicização de suas histórias.
  • 2
    Meihy e Holanda (2013) não definem história oral como uma metodologia, mas como um conjunto de procedimentos que se inicia com a elaboração de um projeto, que continua com o estabelecimento de uma comunidade de destino, com a escolha de um gênero (de vida, temática, de tradição e testemunhal) e a realização da abordagem (de acordo com a opção), e que envolve processos de negociação, mediação, conferência, autorização e devolução.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira; CASTELO BRANCO, Naira de Assis. “Mulheres sobreviventes no Piauí: violência severa de gênero e patriarcado”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e70541, 2021
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica. No período do desenvolvimento da pesquisa, a Universidade Federal do Piauí não tornava obrigatória a submissão ao Comitê, para o curso de História. No entanto, todas as entrevistadas assinaram um termo de consentimento e autorização

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2019
  • Revisado
    03 Abr 2021
  • Aceito
    24 Maio 2021
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