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Impedimentos no país do futebol

Impedimentos en el país del fútbol

Resumo:

Nesta pesquisa, objetivamos investigar o imaginário coletivo de atletas de futebol feminino sobre a carreira de futebolistas profissionais na perspectiva da psicologia psicanalítica concreta. Organiza-se como pesquisa qualitativa com o uso do método psicanalítico, abordando jogadoras que participaram de uma entrevista psicológica coletiva, mediada pelo Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema. Os resultados apresentam-se sob forma de três campos de sentido afetivo-emocional: “Viver é lutar”, “O futebol me salvou” e “Futebol é coisa de homem”, indicando que as atletas imaginam o futebol como caminho de superação da pobreza e desigualdade a partir do esforço pessoal, segundo adesão a crenças meritocráticas. Por outro lado, sentem-se atingidas por visões sexistas, que não concebem feminilidades e futebol como compatíveis, o que dificulta concretamente a vida profissional das jogadoras.

Palavras-chave:
futebol feminino; gênero; imaginário coletivo; método psicanalítico

Resumen:

Esta investigación tiene por objetivo investigar el imaginario coletivo de atletas de fútbbol feminino a cerca de la carrera de futbolistas profisionales en la perspectiva de la psicología psicanalítica concreta. Si ordena como investigación cualitativa con el uso del método psicanalítico, acercandose de jugadoras que participaran de una entrevista psicológica colectiva mediada pelo procedimiento de diburros-historias con tema. Los resultados se presentan sob forma de três campos de sentido afectivo-emocional: "Vivir és luchar", "El fútbol me salvió" y "Fútbol és cosa de hombre", indicando que las atletas imaginan el fútbol como camino de superación de la pobreza y desigualdad, a partir del esfuerzo personal, segundo adhesión a creencias meritocráticas. Por otro lado, se sienten golpeadas por visiones sexistas, que no conceben feminidades y fútbol como compatibles, el que dificulta concretamente la vida profisional de las jugadoras.

Palavras-llaves:
fútbol feminino; género; imaginário colectivo; método psicanalítico

Abstract:

In this research, we aimed to investigate the collective imaginary of female soccer athletes regarding their professional soccer careers from the perspective of concrete psychoanalytic psychology. It is organized as qualitative research with the use of the psychoanalytic method, involving female players who participated in a collective psychological interview, mediated by the Thematic Drawing-and-Story Procedure. Results are presented as three affective-emotional fields of meaning: “Living is struggling”, “Soccer saved me” and “Soccer is a man’s thing”, indicating that these female athletes imagine soccer as a way of overcoming poverty and inequality through personal effort, according to their meritocratic beliefs. On the other hand, they feel affected by sexist views that do not conceive of femininity and soccer as compatible, which effectively hinders their professional lives.

Keywords:
Women’s Soccer; Gender; Collective Imaginary; Psychoanalytic Method

Introdução

Não era incomum, há bem pouco tempo, que mulheres relatassem, no curso de atendimentos psicológicos, sofrimentos vividos na infância em função da restrição de movimentos, comumente associada às formas tidas como corretas de socialização feminina. Ainda hoje, encontramos relatos de youtubers que enfrentaram muitas dificuldades para se conter e/ou burlar a vigilância adulta, diante da irresistível vontade de participar das brincadeiras movimentadas dos meninos, entre as quais se destacava o futebol.1 1 Ver, por exemplo, o canal de Louie Ponto no YouTube. Se para muitos de nós esses dois processos de socialização parecem insustentáveis, o que dizer do fato de o futebol feminino já ter sido proibido por lei? Este é um fato estabelecido, conforme atestam estudos históricos, realizados em nosso país, como os de Mariane da Silva Pisani (2018PISANI, Mariane da Silva. Sou feita de chuva, sol e barro: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo. 2018. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), Giovana Capucim e Silva (2015) e Fábio Franzini (2005FRANZINI, Fábio. “Futebol é ‘coisa para macho’? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 50, p. 315-328, jul. 2005. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882005000200012 . Acesso em 26/07/2019.
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), à luz dos quais compreendemos que um penoso percurso foi trilhado para que pudéssemos assistir, nas últimas décadas, a algumas mudanças importantes numa esfera de atividade humana tradicionalmente considerada masculina: o futebol.

Conforme destaca Silva (2015SILVA, Giovana Capucim e. Narrativas sobre o futebol feminino na imprensa paulista: entre a proibição e a regulamentação (1965-1983). 2015. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), de fato, mulheres foram legalmente proibidas, por mais de quarenta anos, de praticar esse esporte devido a questões de gênero que imperavam no contexto esportivo. Ressaltamos que, inicialmente, o Decreto de Lei n. 3199, de 14 de abril de 1941, não permitia que mulheres praticassem esportes que fossem incompatíveis com a sua natureza biológica (BRASIL, 1941BRASIL. Decreto-lei nº 3.199. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país. Brasília: Casa Civil, 1941.), de acordo com o pensamento político vigente à época. Adiante, em 1965, durante a ditadura militar, a Deliberação n.º 7, estabelecida pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), extinto em 1993, demarcou a linha que segregava definitivamente o futebol feminino no Brasil, por meio das seguintes deliberações contidas no artigo 54:

1. Às mulheres se permitirá a prática de desportos na forma, modalidades e condições estabelecidas pelas entidades internacionais dirigentes de cada desporto [...]. 2. Não é permitida a prática de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo-aquático, pólo, rugby, halterofilismo e baseball (BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE DESPORTOS, 1965BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE DESPORTOS. Deliberação nº 7/65. Baixa instruções às Entidades Desportivas do país sobre a prática de desportos pelas mulheres. Brasília: Conselho Nacional de Desportos, 1965.).

Entretanto, apesar da proibição, a prática acontecia de modo ilegal, inclusive durante o período da ditadura militar, e somente encontrava algum aceite social quando praticado por vedetes, através de jogos que mais se assemelhavam com espetáculos de erotização do corpo feminino, ou por mulheres envolvidas em jogos beneficentes, estando as competições oficiais fora do contexto feminino nessa época. Vale destacar que foi apenas no ano de 1983 que o CND concedeu o direito à prática de diversas modalidades esportivas pelas mulheres, inclusive o futebol (SILVA, 2015SILVA, Giovana Capucim e. Narrativas sobre o futebol feminino na imprensa paulista: entre a proibição e a regulamentação (1965-1983). 2015. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Contudo, mesmo após a legalização e regulamentação da prática futebolística feminina, acompanhada, por exemplo, por medidas como a edição do campeonato paulista feminino de futebol no ano de 2001, as mulheres ainda encontravam diversas dificuldades para jogar futebol. Exemplo disso é que, nesse mesmo campeonato, era requerido das atletas que se adequassem a exigentes padrões estéticos, a fim de entregarem um futebol atrelado com o que se concebia como feminilidade. Por consequência, as normas do evento previam que atletas de cabelos raspados fossem banidas, sendo que a preferência era por jovens de até 23 anos e com cabelos longos (Jorge Dorfman KNIJNIK; Esdras GuerreiroKNIJNIK, Jorge Dorfman; VASCONCELLOS, Esdras Guerreiro. “Sem impedimento: o coração aberto das mulheres que calçam chuteiras no Brasil”. In: COZAC, João Ricardo (Ed.). Com a cabeça na ponta da chuteira: ensaios sobre a psicologia do esporte. São Paulo: Annablume/Ceppe, 2003. VASCONCELLOS, 2003; Silvana Vilodre GOELLNER, 2005GOELLNER, Silvana Vilodre. “Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades”. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 143-151, abr./jun. 2005. Disponível em https://www.revistas.usp.br/rbefe/article/view/16590. Acesso em 08/03/2020.
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).

O resgate desses acontecimentos históricos demonstra que as mulheres enfrentaram inúmeros obstáculos para poder consolidar o direito de praticar futebol. Essa conquista, num país em que esse esporte apresenta inegável importância cultural, acarreta muitas repercussões, pois a visibilidade do esporte provavelmente ampliará a possibilidade de meninas não terem sua movimentação cerceada já na infância, descortinando maior liberdade motora no contexto mesmo da brincadeira infantil. Por outro lado, todo o percurso trilhado, bem como aquele ainda por trilhar, demonstra que o setor futebolístico se organiza ao redor de normas de gênero que contribuíram para excluir e dificultar o acesso de mulheres a esses espaços (GOELLNER, 2005GOELLNER, Silvana Vilodre. “Mulheres e futebol no Brasil: entre sombras e visibilidades”. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 143-151, abr./jun. 2005. Disponível em https://www.revistas.usp.br/rbefe/article/view/16590. Acesso em 08/03/2020.
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; SILVA, 2015SILVA, Giovana Capucim e. Narrativas sobre o futebol feminino na imprensa paulista: entre a proibição e a regulamentação (1965-1983). 2015. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.).

Torna-se importante ponderar que, enquanto espaço social, o futebol é perpassado pelos mesmos fenômenos que estruturam a sociedade em que estamos inseridos, tais como o racismo, a desigualdade social e o sexismo. Como exemplo, podemos mencionar a questão do negro no futebol brasileiro, que enfrentou o racismo institucional extremamente presente nas conjunturas iniciais do futebol brasileiro (Mario RODRIGUES FILHO, 2003RODRIGUES FILHO, Mario. O negro no futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2003.). A questão da pobreza, por outro lado, está profundamente enraizada no sonho de ascensão social via futebol, extremamente comum na sociedade brasileira (Letícia Molina RODRIGUES, 2016).

Contudo, mesmo que lentas, observamos mudanças significativas com relação aos avanços do futebol feminino no Brasil, como a aproximação paulatina das mulheres com o meio futebolístico, de modo que já existem importantes campeonatos femininos, tendo essa modalidade se consolidado nacionalmente. Como exemplo, podemos citar os jogos televisionados da copa do mundo de futebol feminino em 2019, evento esportivo que bateu recorde de audiência em diversos países no mundo, inclusive no Brasil (Breiller PIRES, 2019PIRES, Breiller. “Audiência da Copa feminina bate recordes pelo mundo”. El País, 2019. Disponível em Disponível em https://brasil.elpais.com/brasil/2019/06/29/deportes/1561762967_356406.html#:~:text=No%20%C3%BAltimo%20domingo%2C%20o%20Brasil,sele%C3%A7%C3%A3o%20para%20as%20anfitri%C3%A3s%20francesas . Acesso em 23/11/2019.
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).

Como espaço recentemente ocupado pelas mulheres, o futebol constitui-se, a nosso ver, como fenômeno social que pode ser produtivamente tomado em consideração em pesquisas relativas às questões de gênero. Dentre essas, firmam-se, como particularmente interessantes, as que buscam a compreensão de imaginários coletivos segundo a perspectiva da psicologia psicanalítica concreta (José BLEGER, 2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963); Tânia Maria José AIELLO-VAISBERG; Fabiana Follador AMBROSIO, 2006AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; AMBROSIO, Fabiana Follador. “Imaginários coletivos como mundos transicionais”. In: AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; AMBROSIO, Fabiana Follador (Orgs.). Cadernos Ser e fazer: imaginários coletivos como mundos transicionais. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2006.; Débora Cristina Joaquina ROSA et al., 2019ROSA, Débora Cristina Joaquina; LIMA, Daiane Marcia de; PERES, Rodrigo Sanches; SANTOS, Manoel Antônio dos. “O conceito de imaginário coletivo em sua acepção psicanalítica: uma revisão integrativa”. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 31, n. 3, p. 169-189, abr. 2019. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-56652019000300010&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 10/02/2020.
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). De fato, estudar imaginários coletivos permite que acessemos os sentidos afetivo-emocionais que sustentam a experiência vivida das jogadoras, aportando conhecimentos significativos, tanto no âmbito da psicologia como na busca de transformações sociais mais amplas.

O cuidado psicológico às mulheres futebolistas, em vertentes preventivas e interventivas, certamente poderá ser aprimorado por meio de conhecimentos compreensivos, como os que aqui produzimos. Por outro lado, todos os esforços militantes, que incluem lutar por transformação de relações de gênero, podem se fortalecer por meio daquilo que é possível apreender e aprender mediante pesquisas qualitativas em geral e de pesquisas qualitativas com o método psicanalítico, em particular, que se fazem por meio da escuta especializada daquelas que protagonizam o futebol feminino. Assim, a presente pesquisa tem como objetivo o estudo psicanalítico do imaginário coletivo de atletas do futebol feminino sobre a carreira de futebolistas profissionais, na perspectiva da psicologia psicanalítica concreta.

Método de Pesquisa

O objetivo de estudo aqui estabelecido insere o presente trabalho em um conjunto de pesquisas qualitativas sobre imaginários coletivos, com o uso do método psicanalítico (ROSA et al., 2019ROSA, Débora Cristina Joaquina; LIMA, Daiane Marcia de; PERES, Rodrigo Sanches; SANTOS, Manoel Antônio dos. “O conceito de imaginário coletivo em sua acepção psicanalítica: uma revisão integrativa”. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 31, n. 3, p. 169-189, abr. 2019. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-56652019000300010&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 10/02/2020.
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). Assim, partindo da psicologia concreta criada por Georges Politzer (2004POLITZER, Georges. Crítica dos Fundamentos da Psicologia: A Psicologia e a Psicanálise. Piracicaba: Editora Unimep, 2004. (Obra originalmente publicada em 1928).) e adiante desenvolvida por Bleger (2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963)), interessa-nos a produção de conhecimentos compreensivos sobre atos humanos que, ocorrendo inevitavelmente em campos de caráter relacional, inserem-se em contextos macrossociais, segundo uma concepção que rejeita focalizá-los como meros efeitos do que se passa em instâncias intrapsíquicas individuais.

São variados os modos como podem ser articuladas a psicanálise e a pesquisa qualitativa (Fábio HERRMANN, 2001HERRMANN, Fábio. Introdução à Teoria dos Campos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. (Obra originalmente publicada em 1979).). Nossa opção recai sobre a utilização da psicanálise como método investigativo, dimensão da qual derivam as construções teóricas e os procedimentos clínicos. Demanda o método que escolhamos a perspectiva para teorização, local ou ampliada, do material de pesquisa, segundo os referenciais disponíveis, vale dizer, lacanianos, kleinianos, winnicottianos ou bionianos, entre outros tantos. Aqui, trabalhamos com o referencial da psicologia concreta, tal como proposto e desenvolvido por Bleger (2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963)) como leitor de Politzer (2004POLITZER, Georges. Crítica dos Fundamentos da Psicologia: A Psicologia e a Psicanálise. Piracicaba: Editora Unimep, 2004. (Obra originalmente publicada em 1928).), o que nos pede um esclarecimento conceitual prévio, por meio da apresentação das noções de conduta, campo de sentido afetivo-emocional e imaginário como conduta e campo.

A apresentação desses conceitos, com os quais aquele que frequenta textos psicanalíticos metapsicológicos pode não estar habituado, requer que nos lembremos de que a depuração metodológica que temos realizado ao longo dos anos, a partir das indicações de Bleger (2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963)), que se deixaram enriquecer pontualmente pelas contribuições de Herrmann (2001HERRMANN, Fábio. Introdução à Teoria dos Campos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. (Obra originalmente publicada em 1979).), norteou-se pelo cultivo do respeito a duas observâncias fundamentais. De um lado, buscamos nos manter fiéis ao método forjado pela psicanálise freudiana, inalterado ao longo das décadas, no que diz respeito aos seus passos constitutivos fundamentais, da atenção flutuante e da associação livre de ideias. De outro lado, procuramos continuar coerentes com a perspectiva teorizadora na psicologia psicanalítica concreta, porque, uma vez que rejeita criticamente, a partir do materialismo dialético, todas as teorizações abstratas e mecanicistas da metapsicologia, exige a redefinição do próprio conceito de inconsciente intrapsíquico em termos de uma teoria de campos.

De acordo com Bleger (2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963)), todas as ciências humanas compartilham do mesmo objeto de estudo, isto é, a conduta. A conduta é um termo que serve para delimitar o fato de que as ciências humanas não devem considerar, em suas compreensões, causalidades sobrenaturais nem infra-humanas, devendo limitar-se ao que deriva da agência humana, individual ou coletivamente considerada. Os atos humanos manifestam-se em três áreas interdependentes, isto é, mente, corpo e/ou atuação no mundo externo, incluindo produtos dela remanescentes. É possível buscar compreender os sentidos dos atos humanos a partir de diferentes perspectivas disciplinares e transdisciplinares como, por exemplo, estudando sentidos econômicos, geopolíticos, culturais ou históricos da conduta. No caso da psicologia, buscamos compreender os sentidos afetivo-emocionais dos atos humanos, concebidos como ocorrências que se dão em campos intersubjetivos relacionais que se inserem, por sua vez, em contextos macrossociais, apreensíveis a partir dos recortes por meio dos quais se pode abordar sua complexidade.

Nessa perspectiva, fundamentalmente blegeriana, compete à psicologia partir do reconhecimento de que todas as manifestações humanas emergem a partir de um fundo constitutivamente vincular, denominado campo, por meio do qual se constelam sentidos afetivo-emocionais (BLEGER, 2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963)). Tais campos psicológicos não conscientes são concebidos, na perspectiva da psicologia psicanalítica concreta, como inconscientes intersubjetivos, habitados por pessoalidades individuais e coletivas, segundo os quais se organizam imaginários coletivos.

Por seu turno, a noção de imaginário coletivo como conduta e como campo (ROSA et al., 2019ROSA, Débora Cristina Joaquina; LIMA, Daiane Marcia de; PERES, Rodrigo Sanches; SANTOS, Manoel Antônio dos. “O conceito de imaginário coletivo em sua acepção psicanalítica: uma revisão integrativa”. Psicologia Clínica, Rio de Janeiro, v. 31, n. 3, p. 169-189, abr. 2019. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0103-56652019000300010&lng=pt&nrm=iso . Acesso em 10/02/2020.
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), aqui utilizada, apresenta caráter meramente descritivo, mas se presta, por outro lado, para um esclarecimento bastante importante: sendo produzidos por atos humanos, que como que se adensam formando ambientes afetivo-emocionais, os campos devem ser considerados como produtos de condutas - e, assim, como condutas. Desse modo, condutas e campos não se diferenciam ontologicamente; o que hoje é ato de opressão da mulher, por exemplo, contribui para a criação coletiva de um ambiente hostil às feminilidades que, sendo habitado por todas as pessoas, inclusive homens e mulheres, constitui-se como fundo produtor de novas condutas. Por outro lado, os atos que expressam formas renovadas de relacionamento entre pessoalidades, que se expressam em relações interindividuais ou em atos coletivos, como aquele que origina a aprovação e observação de uma lei, também criam ambientes a partir dos quais podem brotar novas condutas.

Uma vez apresentados os conceitos básicos da psicologia psicanalítica concreta, cabe agora discorrer sobre o modo por meio do qual operacionalizamos o método psicanalítico. Orientando-nos pela necessidade de buscar formas claras de comunicação com pesquisadores que adotam outros referenciais teóricos, distinguimos três procedimentos investigativos, sendo esses de produção, registro e interpretação do material de pesquisa.

A produção do material de pesquisa foi realizada por meio de uma entrevista psicológica coletiva com as dezoito participantes, usando como mediador o Procedimento de Desenho-Estória com Tema (PDE-T). O PDE-T, desenvolvido por Aiello-Vaisberg (1999AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José. Encontro com a loucura: transicionalidade e ensino de psicopatologia. 1999. Livre Docência (Programa de Pós-Graduação em Psicologia) - Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), consiste em convidar os participantes a realizarem um desenho sobre um tema que se define a partir dos interesses investigativos em jogo, para, a seguir, criarem uma história sobre a figura desenhada. Trata-se de um recurso dialógico psicanaliticamente concebido, que visa favorecer uma forma de livre expressão que inclua não apenas aquilo que pode ser articulado racionalmente pelo participante, mas também aquilo que, eventualmente, desconhece em si mesmo. Esse é um ponto fundamental, que diferencia o referencial psicanalítico de outros que operam a partir de uma visão do sujeito como transparente para si (AIELLO-VAISBERG; AMBROSIO, 2006AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; AMBROSIO, Fabiana Follador. “Imaginários coletivos como mundos transicionais”. In: AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; AMBROSIO, Fabiana Follador (Orgs.). Cadernos Ser e fazer: imaginários coletivos como mundos transicionais. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2006.).

No que diz respeito às atletas entrevistadas, cumpre caracterizá-las como profissionalmente vinculadas ao futebol feminino de um clube do Estado de São Paulo. Nove entre elas participaram de Futebol de Base e, as outras nove, não. Podemos caracterizá-las ainda como jovens adultas, já que oito têm entre 20 e 25 anos, seis estão na faixa entre 26 e 30 anos e quatro têm entre 31 e 35 anos. A maioria, 14 entre elas, possui Ensino Médio Completo e quatro cursaram o Ensino Superior Completo.

Dez dessas atletas se identificam como brancas e oito como negras. Duas delas têm renda familiar acima de 4 salários mínimos, enquanto quatro estão na faixa de renda familiar de até 4 salários mínimos, seis na faixa de até 3 salários mínimos, quatro até 2 salários mínimos, duas têm renda familiar de até 1 salário mínimo, enquanto três delas recebem auxílio governamental. Assim, podemos afirmar que a maioria das jovens pesquisadas pertence às camadas populares, enquanto as demais podem ser consideradas como pertencentes às camadas médias da população brasileira, em termos da renda familiar aferida.

Propusemos, como tema para o desenho e a história, “um jogador/jogadora de futebol”. Como nenhuma participante recusou-se a atender à solicitação, foram produzidos dezoito desenhos-estórias com tema, cada qual confeccionado por uma das atletas, que concordaram unanimemente em nos entregar esse material. Cumpre ainda destacar que não tomamos notas nem gravamos o encontro, tratando de nos mantermos maximamente presentes durante todo o transcorrer da entrevista, conforme demanda o método psicanalítico.

Como sabemos, toda entrevista psicológica é, em si mesma, um acontecer inter-humano evanescente, que demanda registro. Trabalhamos aqui com dois tipos de registro: com os desenhos-estórias e com uma narrativa transferencial (AIELLO-VAISBERG; Maria Christina Lousada MACHADO, 2008AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; MACHADO, Maria Christina Lousada. “Pesquisa psicanalítica de imaginários coletivos à luz da teoria dos campos”. In: MONZANI, Josette; MONZANI, Luiz Roberto (Orgs.). Olhar: Fabio Herrmann: uma viagem psicanalítica. São Paulo: Pedro & João Editores, 2008.). Evidentemente, na medida em que o material confeccionado pelas participantes corresponde à conduta da terceira área blegeriana - atuação e produtos da atuação no mundo externo, já se constitui, em si mesmo, como registro sobre o qual podemos nos debruçar. Entretanto, como tais remanescentes da entrevista se deram em meio a um encontro inter-humano, optamos também por uma segunda forma de registro, elaborando uma narrativa de memória após o encontro com as participantes, onde lançamos tanto um relato de ocorrências como de impressões e impacto afetivo-emocionais subjetivamente vivenciados pela pesquisadora que se encarregou da realização da entrevista.

Os registros foram considerados à luz do método psicanalítico, por meio do atendimento às palavras de ordem metodológicas propostas por Herrmann (2001HERRMANN, Fábio. Introdução à Teoria dos Campos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. (Obra originalmente publicada em 1979)., p. 40): “deixar que surja”, “tomar em consideração” e “completar a configuração de sentido”. Assim, chegamos à proposição interpretativa de campos psicológicos não conscientes, que são concebidos, na perspectiva da psicologia psicanalítica concreta, como inconscientes intersubjetivos segundo os quais se organiza o imaginário coletivo. Desse modo, o estudo de imaginários coletivos a partir de produções humanas, como o PDE-T, permite-nos alcançar interpretações de seus determinantes afetivo-emocionais inconscientes (AIELLO-VAISBERG; MACHADO, 2008AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; MACHADO, Maria Christina Lousada. “Pesquisa psicanalítica de imaginários coletivos à luz da teoria dos campos”. In: MONZANI, Josette; MONZANI, Luiz Roberto (Orgs.). Olhar: Fabio Herrmann: uma viagem psicanalítica. São Paulo: Pedro & João Editores, 2008.), como realizado neste estudo.

A partir do estabelecimento dos resultados interpretativos, elaboramos interlocuções reflexivas sobre os campos de sentido afetivo-emocional - o que exige a suspensão da atenção flutuante e da associação livre de ideias. Nesse momento, dialogamos com autores que se debruçam sobre as questões apontadas pelos campos, procurando aprofundar nossa compreensão de modo reflexivo.

Interpretações e interlocuções reflexivas

Obtivemos, como resposta à nossa solicitação de desenho e história de um “jogador/jogadora” de futebol, um total de 18 desenhos-estórias. É importante salientar que nossa instrução lembrava manifestamente a possibilidade de a participante escolher o gênero da figura desenhada, o que se traduziu em 14 desenhos sobre jogadoras e 4 desenhos sobre jogadores. Tal configuração indica que, desde a perspectiva psicológica, as atletas aqui entrevistadas mostraram-se capazes de apresentar um imaginário correspondente à possibilidade de mulheres praticarem esse esporte.

A consideração psicanalítica do material permitiu que produzíssemos interpretativamente, segundo um paradigma intersubjetivo de produção de conhecimento compreensivo, três campos de sentido afetivo-emocional ou inconscientes intersubjetivos. São eles: Viver é lutar, O futebol me salvou e Futebol é coisa de homem.

O campo Viver é lutar é aquele que se organiza ao redor da fantasia de que o sucesso do(a) jogador(a) de futebol depende exclusivamente do esforço individual. Este campo subjaz a condutas que aparecem nos seguintes trechos e imagem dos Desenhos-Estórias produzidos:2 2 Todos os trechos dos desenhos-estórias foram reproduzidos sem edições, isto é, optamos por manter o modo como os quais foram escritos pelas próprias participantes da pesquisa (P).

Não foi fácil chegar nesse patamar, mas ela teve Fé em Deus, lutou e se dedicou muito para chegar onde está hoje, e a luta continua para permanecer (...). P7

Mas para que isso acontecesse ela teve que passar por muitas coisas, dentre elas foi deixar seus familiares para trás, abdicar de sua vida, passar dificuldades financeiras e ver quem mais amava partir sem ao menos estar perto. P13

Dificuldade é algo que pode ser superado através de esforço e trabalho duro e acima de tudo força de vontade, pois sem ela você não vai nem na esquina de casa. P14

Imagem 1
Viver é Lutar

Compreendemos que o campo Viver é lutar apontaria para o que Bleger (2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963)) descreveu, a partir de uma visão dialética da natureza humana, como mitos da pessoa humana,3 3 Em seu próprio texto, Bleger usa a expressão “homem” e não “pessoa humana”, o que é compreensível dado o momento histórico em que viveu. Não temos dúvidas de que seu pensamento ficaria mais bem expresso atualmente se criteriosamente separado de ressonâncias sexistas. isolada e abstrata, que consistem numa perspectiva antropológica que, sob marcada influência do cartesianismo, desconhece a centralidade das condições concretas da existência humana, tomando o indivíduo como que pairando acima do acontecer humano, conforme destacamos:

É um dos erros conceptuais e metodológicos mais sérios em que se incorre no campo da psicologia, por derivação do erro filosófico correspondente. Consiste em estudar o ser humano como determinado, isolado das situações reais, históricas e presentes, nas quais transcorre sua vida, forma-se sua personalidade e se estabelecem suas relações de todo o tipo (BLEGER, 2007BLEGER, José. Psicología de la conducta. Buenos Aires: Paidós, 2007. (Obra originalmente publicada em 1963), p. 18).

A partir dessa ótica, sistemas políticos, como os liberalismos, podem cultivar ideias que regulam a vida social em um sentido que favorece a opressão dos subalternos (Flávia BIROLI, 2018BIROLI, Flávia. Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.), na medida em que declara uma igualdade formal, enquanto oculta e nega as desigualdades de fato. Tal concepção atravessa a sociedade brasileira, de modo que muitas vezes o sucesso é compreendido como resultado de esforço, embora saibamos que sucesso e fracasso se vinculam essencialmente aos contextos macrossociais, que têm impacto decisivo na possibilidade de desenvolvimento de capacidades e de amadurecimento pessoal saudável.

Deste modo, é possível inferir que o modelo de sociedade brasileira liberal leva as pessoas a acreditarem que a maior ou menor capacidade individual define a posição de sucesso ou fracasso que vão ocupar na sociedade, sendo sujeitas a situações de opressão e exploração. Assim, conforme descrito por Rosangela Werlang e Jussara Maria Rosa Mendes (2013WERLANG, Rosangela; MENDES, Jussara Maria Rosa. “Sofrimento social”. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 116, p. 743-768, jun. 2013. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282013000400009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt . Acesso em 12/09/2019.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
), as situações sociais de precariedade configuram-se como sofrimentos socialmente determinados, os quais, muitas vezes em contornos sutis, afetam a vida das pessoas.

Este campo criado/encontrado dialoga também com outro campo do estudo de Aline Montezi, Tomíris Barcellos, Ambrosio e Aiello-Vaisberg (2013MONTEZI, Aline Vilarinho; BARCELLOS, Tomíris Forner; AMBROSIO, Fabiana Follador; AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José. “Linha de Passe: adolescência e imaginário em um filme brasileiro”. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 74-88, abr. 2013. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682013000100007 . Acesso em 09/12/2019.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
), do longa-metragem brasileiro Linha de Passe, que retrata dramas do futebol juvenil. Aí também foi possível produzir interpretativamente um campo denominado Viver é lutar, que está organizado ao redor da crença de que “o viver humano seria um empreendimento inerentemente penoso, uma verdadeira batalha, da qual não são poupados os adolescentes pobres” (MONTEZI; BARCELLOS; AMBROSIO; AIELLO-VAISBERG, 2013MONTEZI, Aline Vilarinho; BARCELLOS, Tomíris Forner; AMBROSIO, Fabiana Follador; AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José. “Linha de Passe: adolescência e imaginário em um filme brasileiro”. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 19, n. 1, p. 74-88, abr. 2013. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682013000100007 . Acesso em 09/12/2019.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 81). Assim, há um imaginário de que o atleta realiza feitos heroicos, ultrapassa limites e, dessa forma, vivencia uma realização pessoal importante e satisfatória (Katia RUBIO, 2001RUBIO, Katia. O atleta e o mito do herói: o imaginário esportivo contemporâneo. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.; RODRIGUES, 2016RODRIGUES, Letícia Molina. O imaginário de adolescentes sobre o esporte: um estudo psicanalítico. 2016. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Psicologia) - Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil.).

Por sua vez, o campo de sentido afetivo-emocional O futebol me salvou é aquele que se organiza ao redor da fantasia de que a pobreza e a vulnerabilidade social podem ser superadas quando um membro da família se torna jogador de futebol. Como condutas que emergem deste campo, destacamos a busca das atletas por melhores condições de vida para as suas famílias. No imaginário dessas atletas, bens materiais dificilmente seriam conquistados sem uma grande fonte de renda, a qual acreditam poder advir do futebol, que surge como uma salvação das condições de pobreza e de vulnerabilidade social, isto é, de superação e uma transição para boas condições de vida. Recorremos a trechos dos desenhos-estórias e um desenho-estória confeccionado, de modo a ilustrar esse importante campo:

Depois de tanto sofrer, lutar, essa menina consegue ser multicampeã e consegue realizar o sonho da sua família de ter condições melhores e uma casa própria e junto com sua mãe elas abrem uma ONG e conseguem ajudar outras pessoas. P18

Através dele [futebol] estudo hoje e tenho condições de ajudar minha família a ter uma vida melhor. P3

Imagem 2
O futebol me salvou

Quando pensamos em vulnerabilidade social, referimo-nos às condições fundamentais para o bem-estar da população em geral. Para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - Ipea, essas estariam atreladas a três dimensões, que em grande parte são de responsabilidade da esfera pública, sendo elas: infraestrutura urbana, capital humano e renda e trabalho. Ainda com base nos dados produzidos pelo Ipea, num período de dez anos, tendo o estudo delimitado até o ano de 2010, a dimensão que mais contribuiu para a diminuição da vulnerabilidade social foi renda e trabalho (Marco Aurélio COSTA et al., 2018COSTA, Marco Aurélio et al. Vulnerabilidade Social no Brasil: Conceitos, Métodos e Primeiros Resultados para Municípios e Regiões Metropolitanas Brasileiras. Rio de Janeiro: Ipea, 2018. Disponível em Disponível em http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2364b.pdf . Acesso em 10/02/2020.
http://www.ipea.gov.br/portal/images/sto...
).

No entanto, de acordo com Mary Garcia Castro e Miriam Abramovay (2002CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam. “Jovens em situação de pobreza, vulnerabilidades sociais e violências”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 143-176, jul. 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742002000200007&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 29/01/2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
), a vulnerabilidade social, que é encontrada em países da América Latina, incluindo sobremaneira o Brasil, não se refere somente a uma gama de direitos individuais que são violados, como o direito à moradia, alimentação, renda, saúde e trabalho. Para as autoras, essa versaria também sobre toda uma geração que vivencia certo momento histórico, com suas condições concretas e sofrimentos socialmente determinados. Tais sofrimentos, inerentes às condições precárias de vida, resultam em condutas juvenis que caminham no sentido de buscarem solução para este problema. Exemplo disso ocorre, no Brasil, na situação de trabalho infantil, a qual demonstra situação de carência socioeconômica comum na história de muitos brasileiros, assim como evidenciamos em nosso material de pesquisa (Ana Maria Viola SOUSA; Maria Aparecida ALKIMIN, 2017SOUSA, Maria Viola; ALKIMIN, Maria Aparecida. “Trabalho infantil no brasil: o dilema entre a sobrevivência e a exploração”. Revista de Direitos e Garantias Fundamentais, Vitória, v. 18, n. 2, p. 131-152, fev. 2017. Disponível em Disponível em https://www.researchgate.net/publication/323101095_Trabalho_infantil_no_Brasil_o_dilema_entre_a_sobrevivencia_e_a_exploracao . Acesso em 10/11/2019.
https://www.researchgate.net/publication...
; Elenise Martins COSTA; Ricardo Luiz Vieira de SOUZA; Patrícia Beatriz Argollo Gomes KIRST, 2015COSTA, Elenise Martins; SOUZA, Ricardo Luis Vieira de; KIRST, Patrícia Beatriz Argollo Gomes. “Trabalho infantil: um estudo sobre os danos biopsicossociais percebidos pelos pesquisadores”. Aletheia, Canoas, n. 46, p. 131-141, set. 2015. Disponível em Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942015000100011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt . Acesso em 14/03/2020.
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
; CASTRO; ABRAMOVAY, 2002CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam. “Jovens em situação de pobreza, vulnerabilidades sociais e violências”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 143-176, jul. 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742002000200007&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 29/01/2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
).

Torna-se importante compreender que, no Brasil, país onde as oportunidades de trabalho e de educação de qualidade são escassas, sobretudo na população com baixa renda, o futebol também desponta como uma conduta juvenil que surge como uma possibilidade de ascensão econômica, tendo em vista que é apresentado socialmente como uma fonte de renda muito alta, conferida aos melhores craques. Sendo assim, é dentro dessa realidade que o futebol surge como salvação, estando no papel de uma instituição de qualidade, que pode contribuir para o enfrentamento de condições de vida difíceis.

Diante desse panorama, devemos considerar também como a pobreza se articula com outros marcadores sociais, como é o caso das questões de gênero. Segundo Kimberlé Crenshaw (2002CRENSHAW, Kimberlé. “Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 7, n. 12, p. 171-188, jan. 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-026X2002000100011&script=sci_abstract&tlng=pt . Acesso em 25/03/2020.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
), esses marcadores podem se sobrepor, potencializando sofrimentos significativos. Resultado disso seria, por exemplo, a desigualdade salarial existente entre jogadoras e jogadores de futebol. De acordo com Luiz Cosenzo (2019COSENZO, Luiz. “Só minoria no Brasileiro feminino tem atletas com carteira assinada”. Folha de São Paulo, 2019. Disponível em Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2019/03/so-minoria-no-brasileiro-feminino-tem-atletas-com-carteira-assinada.shtml . Acesso em 23/02/2020.
https://www1.folha.uol.com.br/esporte/20...
), a minoria dos clubes de futebol brasileiros que possuem equipes femininas tem atletas com registro profissional em carteira e paga salários às atletas profissionais; a maioria disponibiliza bolsas e outros recursos.

Ainda assim, o futebol configura-se como uma oportunidade de trabalho para jovens que nutrem o desejo de alcançarem autonomia financeira por meio da profissão de jogadora de futebol. Nesse sentido, percebemos que, com o crescimento do futebol feminino no Brasil, acompanhamos um movimento de mulheres que cada vez mais tentam ocupar postos de trabalho tradicionalmente considerados masculinos, demonstrando, assim, rupturas históricas importantes. Segundo dados do Relatório de Gestão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) (2017), realizado em 2017, houve um aumento substancial no registro de contratos de mulheres. Torna-se importante mencionar também que, a partir de 2019, a CBF (2019CBF. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Regulamento de Licenças de Clubes. Rio de Janeiro: CBF, 2019.) estabeleceu que todos os clubes que estão na série A do campeonato brasileiro são obrigados a terem uma equipe profissional e uma de base, que disputem ao menos um campeonato oficial. A nova regra que chega ao futebol feminino, rompendo com as barreiras que foram postas para essa modalidade ao longo dos anos, faz parte do processo de licenciamento de clubes, documento que regula a temporada de competições profissionais no país, e segue a orientação da Conmebol, que adota a mesma regra para clubes participantes da Libertadores e Sul-Americana. Desse modo, os clubes ficam condicionados a essa nova norma para poderem disputar tais campeonatos (CBF, 2019CBF. CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL. Relatório de Gestão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Rio de Janeiro: CBF, 2017.).

O trabalho que envolveu o acesso ao imaginário coletivo de jogadoras de futebol demonstrou como resultado um terceiro campo que versa sobre as normativas de gênero que perpassam a sociedade e, consequentemente, o ambiente esportivo. O campo de sentido afetivo-emocional denominado Futebol é coisa de homem é aquele que se organiza ao redor da fantasia de que apenas pessoas do gênero masculino devem praticar o futebol. Condutas como a desvalorização da mulher no futebol, o preconceito com jogadoras de futebol feminino, a dificuldade de acessar o esporte profissional e a visão discutível de que o corpo feminino deve obedecer a um ideal estético e biológico que não corresponde ao esporte de alto rendimento emergem desse campo e ressoam nos trechos dos desenhos-estórias a seguir:

Iniciei a prática aos 7 anos em casa com meu pai, aos 9 com os meninos da escola e da rua. Única menina no meio deles. Com as meninas só iniciei aos 15 anos, através de uma professora que me descobriu na escola e me levou a um clube. Entrei nesse universo à parte que é o futebol feminino. P3

Hoje em dia o mundo tem bastante preconceito com mulheres que gostam de jogar futebol. Mas aos poucos vamos ganhando nosso espaço. Vou contar uma história da Tatiana. Ela gostava de jogar futebol, enfrentou várias barreiras para realizar seu sonho, e uma delas foi enfrentar preconceitos dos seus pais que falavam que futebol era coisa de menino. P8

Imagem 3
Futebol é coisa de Homem

A compreensão social de que o corpo da mulher não serve para a prática de esportes, como o futebol, ocupou a sociedade do século XX e perdura até os dias de hoje, através de reflexos que ainda revelam dificuldades vividas por atletas do futebol feminino simplesmente pelo fato de não serem homens cisgêneros. Silva (2015SILVA, Giovana Capucim e. Narrativas sobre o futebol feminino na imprensa paulista: entre a proibição e a regulamentação (1965-1983). 2015. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), em seu estudo sobre o discurso da imprensa paulista acerca do futebol feminino durante o período de sua proibição na época da ditadura militar (1965 a 1983), discorre a respeito dos impactos das normas de gênero na vida das mulheres, as quais não são compreendidas como tendo um corpo fisiologicamente preparado para o esporte de alto rendimento. Sobre isso, a autora conta que a associação existente entre a mulher e a maternidade, sobretudo nas ciências médicas, justificava intervenções do Estado sobre o corpo da mulher, o que reverberava nos esportes femininos. Desse modo, compreendia-se que praticar esportes como profissionais desviaria a mulher da sua condição de mãe e de sua saúde.

Franzini (2005FRANZINI, Fábio. “Futebol é ‘coisa para macho’? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 50, p. 315-328, jul. 2005. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882005000200012 . Acesso em 26/07/2019.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
), em seu estudo histórico sobre o futebol feminino na primeira metade do século XX, corrobora a crítica ao redor do sexismo que circulava no ambiente futebolístico à época, trazendo um trecho de uma carta de um cidadão do gênero masculino endereçada ao Presidente da República, que representa o pensamento vigente nesse período e que foi acatada pelo Ministério de Educação e Saúde, que encontrou nesse argumento justificativas para punir o futebol feminino, conforme exposto a seguir:

Venho solicitar a clarividente atenção de Vossa Excelência. Refiro-me, Snr. Presidente, ao movimento entusiasta que está empolgando centenas de moças, atraindo-as para se transformarem em jogadoras de futebol, sem se levar em conta que a mulher não poderá praticar esse esporte violento sem afetar seriamente o equilíbrio fisiológico das suas funções orgânicas, devido à natureza que a dispôs a ser mãe ...

Ao que dizem os jornais, no Rio já estão formados nada menos de dez quadros femininos. Em S. Paulo e Belo Horizonte também já estão constituindo-se outros. E, neste crescendo, dentro de um ano é provável que, em todo o Brasil, estejam organizados uns 200 clubes femininos de futebol, ou seja: 200 núcleos destroçadores da saúde de 2.200 futuras mães, que, além do mais, ficarão presas de uma mentalidade depressiva e propensa aos exibicionismos rudes e extravagantes; pois, desde que já se chegou à insensatez inqualificável de organizar-se pugnas de futebol com um grupo de cegos a correrem, às tontas, atrás de uma bola cintada de guizos, não será de admirar que o movimento feminino a que nós estamos reportando seja o ponto de partida para, no decorrer do tempo, as filhas de Eva se exibirem também em assaltos de luta livre e em justas da ‘nobre arte’, cuja nobreza consiste em dois contendores se esmurrarem até ficarem babando sangue (José FUZEIRA apudFRANZINI, 2005FRANZINI, Fábio. “Futebol é ‘coisa para macho’? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 50, p. 315-328, jul. 2005. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882005000200012 . Acesso em 26/07/2019.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
, p. 319-320).

A esse respeito, assim como nos trabalhos de Silva (2015SILVA, Giovana Capucim e. Narrativas sobre o futebol feminino na imprensa paulista: entre a proibição e a regulamentação (1965-1983). 2015. Mestrado (Programa de Pós-Graduação em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), Franzini (2005FRANZINI, Fábio. “Futebol é ‘coisa para macho’? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol”. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 50, p. 315-328, jul. 2005. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882005000200012 . Acesso em 26/07/2019.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
) e Pisani (2018PISANI, Mariane da Silva. Sou feita de chuva, sol e barro: o futebol de mulheres praticado na cidade de São Paulo. 2018. Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.), o terceiro campo criado/encontrado alinha-se com o que é exposto em pesquisas brasileiras que denunciam o sexismo existente no contexto do futebol profissional e nas dificuldades deste como modalidade esportiva. Em outras palavras, tal campo denuncia como a vida social contemporânea é fortemente marcada pelas questões de gênero, as quais configuram diferentes dramas e sofrimentos na história das pessoas humanas.

As práticas corpóreas esportivas estão profundamente entrelaçadas com um sistema normativo de gênero, que determina quais esportes são condizentes para homens e mulheres.4 4 Não estamos defendendo, aqui, um binarismo de gênero. Contudo, gostaríamos de chamar a atenção que, em função das normativas sociais, os esportes são classicamente divididos e atribuídos a homens e/ou mulheres, sendo que pessoas que rompem com essas normas são alvos de preconceito e exclusão. Desse modo, entendemos que mulheres praticantes de esportes tradicionalmente concebidos como masculinos rompem com a representação da feminilidade normalizada, transgredindo e subvertendo as normas de gênero. A respeito dessa questão, dialogamos com o estudo de João Paulo Fernandes Soares, Ludmila Mourão e Igor Chagas Monteiro (2017SOARES, João Paulo Fernandes; MOURÃO, Ludmila; MONTEIRO, Igor Chagas. “Corpos dissidentes: gênero e feminilidades no levantamento de peso”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Porto Alegre, v. 39, n. 03, p. 254-260, maio 2017. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32892017000300254&lng=en&nrm=iso . Acesso em 14/12/2019.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
), que buscou compreender as experiências de gênero e a construção de feminilidades de mulheres atletas do levantamento de peso, demonstrando que atletas mulheres percebem estarem subvertendo normas de gênero quando aderem a uma modalidade esportiva culturalmente identificada como pertencente a pessoas masculinas.

Torna-se, assim, importante apontar que nossos resultados demonstram que o drama vivenciado por atletas mulheres, que encontram no futebol restrições e dificuldades atreladas ao seu gênero, relaciona-se com as expectativas sociais acerca das feminilidades e configura-se como sofrimentos sociais para elas. Em outras palavras, quando autoras como Valeska Zanello (2018ZANELLO, Valeska. Saúde mental, gênero e dispositivos: cultura e processos de subjetivação. Curitiba: Appris, 2018.) evidenciam que é esperada das mulheres a prática da renúncia sexual, da docilidade relacional, da beleza estética e do exercício da maternidade, podemos pensar que, realmente, não caberia à mulher jogar futebol. Assim, encontramos nesta pesquisa que o esporte não é concebido como conduta feminina, permanecendo como um desafio a ser superado pela sociedade brasileira, onde mulheres ainda precisam provar que o futebol também é um espaço para elas.

Considerações finais

Entendemos que as transformações no futebol feminino, no sentido de conferir igualdade e valorização ao trabalho da mulher atleta, são de fundamental importância para a evolução deste esporte no Brasil e para o enfrentamento de tantos sofrimentos sociais que ocorrem numa sociedade reconhecidamente sexista e desigual. Notamos, nesta pesquisa, o envolvimento profissional com o futebol feminino como uma possibilidade de superação de tais condições degradantes, mesmo quando esse esporte está consolidado como um mercado favorecedor de atletas do gênero masculino.

Assim, ao considerarmos o sofrimento de mulheres para além dos aspectos essencialistas e individuais, isto é, enquanto desdobramento do cotidiano e da vida social, direcionamo-nos ao encontro dos estudos sobre sofrimentos sociais, que têm sido realizados ao longo dos anos no âmbito das ciências humanas, conforme descrito por João Eduardo Coin de Carvalho (2008CARVALHO, João Eduardo Coin de. “Violência e sofrimento social: a resistência feminina na obra de Veena Das”. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 9-18, ago. 2008. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300003&lng=en&nrm=iso . Acesso em 29/01/2020.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) acerca da obra de Veena Das, ou em autoras como Teresa Cristina Carreteiro (2003CARRETEIRO, Teresa Cristina. “Sofrimentos Sociais em Debate”. Psicologia USP, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 57-72, abr. 2003. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/pdf/pusp/v14n3/v14n3a06.pdf . Acesso em 02/02/2020.
https://www.scielo.br/pdf/pusp/v14n3/v14...
) e Werlang e Mendes (2013WERLANG, Rosangela; MENDES, Jussara Maria Rosa. “Sofrimento social”. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 116, p. 743-768, jun. 2013. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282013000400009&lng=en&nrm=iso&tlng=pt . Acesso em 12/09/2019.
https://www.scielo.br/scielo.php?script=...
), que conferem especial importância para a produção de conhecimento crítico e compreensivo sobre essa temática na sociedade brasileira, a qual se encontra demasiadamente perpetrada por condutas sexistas.

A questão que subjaz ao futebol feminino, quando avança em igualdade de gênero e propõe debates críticos, é potencialmente mutativa, uma vez que estimula a sociedade a mudar e evoluir na direção da conquista de direitos humanos e segurança das mulheres.

Referências

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  • AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; AMBROSIO, Fabiana Follador. “Imaginários coletivos como mundos transicionais”. In: AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; AMBROSIO, Fabiana Follador (Orgs.). Cadernos Ser e fazer: imaginários coletivos como mundos transicionais São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2006.
  • AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José; MACHADO, Maria Christina Lousada. “Pesquisa psicanalítica de imaginários coletivos à luz da teoria dos campos”. In: MONZANI, Josette; MONZANI, Luiz Roberto (Orgs.). Olhar: Fabio Herrmann: uma viagem psicanalítica São Paulo: Pedro & João Editores, 2008.
  • BIROLI, Flávia. Gênero e Desigualdades: os limites da democracia no Brasil São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.
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  • BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE DESPORTOS. Deliberação nº 7/65. Baixa instruções às Entidades Desportivas do país sobre a prática de desportos pelas mulheres Brasília: Conselho Nacional de Desportos, 1965.
  • BRASIL. Decreto-lei nº 3.199 Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o país Brasília: Casa Civil, 1941.
  • CARRETEIRO, Teresa Cristina. “Sofrimentos Sociais em Debate”. Psicologia USP, São Paulo, v. 14, n. 3, p. 57-72, abr. 2003. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/pdf/pusp/v14n3/v14n3a06.pdf Acesso em 02/02/2020.
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  • CARVALHO, João Eduardo Coin de. “Violência e sofrimento social: a resistência feminina na obra de Veena Das”. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 9-18, ago. 2008. Disponível em Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300003&lng=en&nrm=iso Acesso em 29/01/2020.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902008000300003&lng=en&nrm=iso
  • CASTRO, Mary Garcia; ABRAMOVAY, Miriam. “Jovens em situação de pobreza, vulnerabilidades sociais e violências”. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 143-176, jul. 2002. Disponível em Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742002000200007&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em 29/01/2020.
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  • 1
    Ver, por exemplo, o canal de Louie Ponto no YouTube.
  • 2
    Todos os trechos dos desenhos-estórias foram reproduzidos sem edições, isto é, optamos por manter o modo como os quais foram escritos pelas próprias participantes da pesquisa (P).
  • 3
    Em seu próprio texto, Bleger usa a expressão “homem” e não “pessoa humana”, o que é compreensível dado o momento histórico em que viveu. Não temos dúvidas de que seu pensamento ficaria mais bem expresso atualmente se criteriosamente separado de ressonâncias sexistas.
  • 4
    Não estamos defendendo, aqui, um binarismo de gênero. Contudo, gostaríamos de chamar a atenção que, em função das normativas sociais, os esportes são classicamente divididos e atribuídos a homens e/ou mulheres, sendo que pessoas que rompem com essas normas são alvos de preconceito e exclusão.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    KOPANAKIS, Annie Rangel; SILVA, Gustavo Renan de Almeida; AIELLO-VAISBERG, Tânia Maria José. “Impedimentos no país do futebol”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e73166, 2021
  • Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Pesquisador: Annie Rangel Kopanakis. Instituição Proponente: Pontifícia Universidade Católica de Campinas. CAAE: 97867018.0.0000.5481. Número do Parecer: 3.065.419

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    21 Abr 2020
  • Revisado
    20 Maio 2021
  • Aceito
    01 Jun 2021
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