Acessibilidade / Reportar erro

Lésbicas negras em movimento

Black Lesbians in Movement

Lesbianas negras en movimiento

Resumo:

Neste artigo, exploramos a militância de lésbicas negras brasileiras que tiveram suas trajetórias de vida marcadas pela raiva e pela indignação diante dos poderes estabelecidos, em um momento histórico no qual os movimentos sociais começaram a estar alicerçados na luta das mulheres negras feministas lésbicas, agregadoras das múltiplas segregações às quais estiveram historicamente submetidas. Esperamos que este artigo sirva de fonte de reflexão para ações políticas e acadêmicas para quem quer se ancorar nos estudos de gênero e saberes feministas, propostos sobretudo pelo feminismo negro como também pelos estudos lésbicos feministas.

Palavras-chave:
feminismo negro; lésbicas negras; racismo; raiva; sexismo

Abstract:

In this paper we explored the militancy of black Brazilian lesbians, who had their life trayectories marked by anger and indignation in the face of established powers, at a historical moment in which social movements began to be grounded in the struggle of black lesbian feminist women, aggregators of the multiple segregations to which they were historically subjected. I hope that this article will serve as a source of reflection for political and academic actions for those who want to anchor themselves in gender studies and feminist knowledges, proposed especially by Black feminism as well as lesbian feminist studies.

Keywords:
Black feminism; Black lesbians; Racism; Anger; Sexism

Resumen:

En este artículo exploramos la militancia de las lesbianas negras brasileñas, que tuvieron sus trayectorias de vida marcadas por la rabia y la indignación hacia los poderes establecidos, en un momento histórico en el que los movimientos sociales comenzaron a fundamentarse en la lucha de las mujeres lesbianas negras feministas, agregadoras de las múltiples segregaciones a las que fueron sometidas históricamente. De esta manera, espero que este artículo sirva como fuente de reflexión para las acciones políticas y académicas de quienes quieran anclarse en los estudios de género y los saberes feministas, propuestos principalmente por el feminismo negro así como por los estudios feministas lésbicos.

Palabras clave:
feminismo negro; lesbianas negras; racismo; ira; sexismo

Acadêmicas ou Militantes?

Se quisermos renovar a luta feminista e garantir que estamos na direção certa,

ainda precisamos de uma teoria feminista que fale a todos,

que deixe todos cientes de que

o movimento feminista pode mudar suas vidas para melhor.

(bell hooks, 2019hooks, bell. O feminismo é para todo mundo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019a.a, p. 21)

A militância de lésbicas negras feministas na sociedade brasileira ainda é um tema pouco discutido nos espaços acadêmicos, onde os saberes são constituídos por pessoas com estudos universitários que tiveram sua formação alicerçada por anos de práticas intelectuais, dentro das normas e padrões concebidos pelos saberes dominantes como válidos (Pedro MACHADO, 1997MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 12 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1997. p. VII-XXIII., p. XII). Provavelmente por partirem de reflexões historicamente reconhecidas por seus pares, e que, a partir dos anos oitenta, passaram a ocupar um lugar nos quadros das universidades brasileiras, que naquele momento se abriram para as metodologias feministas e os estudos de gênero que então se consolidavam no país (Joana Maria PEDRO, 2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008.).

Assim, a metodologia utilizada neste artigo procura explorar as palavras expostas na trajetória de vida, bem como nas expressões, nos sentimentos que se entrecruzam, se conectam, se assemelham e por vezes se distanciam (Nadia NOGUEIRA, 2008NOGUEIRA, Nadia. Invenções de Si em Histórias de Amor: Lota & Bishop. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008., p. 36), durante uma entrevista realizada de maneira on-line no início de 2021, com duas ativistas históricas, uma do Rio de Janeiro, Rosangela Castro (Grupo Felipa de Sousa) e outra de Minas Gerais, Soraya Menezes (ALEM).

Concordamos com as teóricas e ativistas negras que apontam pela predominância de um feminismo branco, heteronormativo, classe média, que pouco vislumbrava a ação política das mulheres negras nos movimentos sociais e defendia um projeto teórico-epistemológico e político articulado com a pesquisa acadêmica e não articulava explicitamente o que acontecia nos movimentos sociais. Vale ressaltar que, se em pleno século XXI, ainda temos que lutar pela visibilidade e valorização dos estudos feministas e de gênero enquanto saberes legítimos, e que necessariamente devem estar integrados aos currículos universitários, naquele momento histórico, essa área aparecia ainda numa posição marginal.

Evidenciamos que não se tratou de um descaso das teóricas feministas presentes nas universidades brasileiras, que desprezaram as ações das mulheres negras nos movimentos sociais, mas a própria condição histórica e o lugar ocupado pela epistemologia feminista em construção, bem como as condições de pesquisa, de financiamento, entre outras, nas instituições de ensino, e nos quase 150 núcleos de estudos sediados nas universidades; de acordo com a pesquisa de Miriam Pillar Grossi, havia um total de 147 núcleos em 1997:

Para muitas pessoas da universidade, as mulheres que compunham esses diversos núcleos de estudos, que se formaram desde os anos oitenta, eram consideradas ‘apenas’ feministas, portanto sem qualificações acadêmicas; para as feministas que continuavam no movimento, essas mesmas mulheres eram desqualificadas como ‘acadêmicas’. Ainda hoje, essa tensão permanece (PEDRO, 2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008., p. 87).

Nas palavras de Joana Maria Pedro (2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008.), outras tensões marcaram os estudos feministas das teóricas nas universidades, em questões que refletiram sobre manter a militância em atuação direta com as camadas populares, ou ocupar cargos governamentais com a possibilidade de novos espaços de interferência e reais transformações sociais: “Aquilo que, para algumas, era o fim das atividades políticas e do feminismo, era, para outras, a possibilidade de encontrar novos espaços de interferência para a mudança da sociedade e/ou para buscar alternativas individuais de carreiras” (PEDRO, 2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008., p. 88).

Desta maneira, as práticas políticas iniciadas por mulheres negras nos movimentos sociais nos anos setenta, e consolidadas em grupos de atuação política espalhadas pelo país (Alex RATTS; Flavia RIOS, 2010RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez: Retratos do Brasil Negro. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 66), não foram identificadas e exploradas naquele momento de inserção de intelectuais brancas nos quadros das universidades. Em certa medida, pode-se afirmar que a ação das mulheres negras nos movimentos sociais se não foi desqualificada pelos estudos acadêmicos, estava invisibilizada, uma circunstância que parece se modificar com a chegada de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Luiza Bairros, entre outras nos movimentos sociais e nas universidades a partir dos anos oitenta.

Observamos uma constante tensão entre a militância política das mulheres negras e a valorização dessas práticas pelos saberes instituídos nas universidades brasileiras. De acordo com Sueli Carneiro (2004CARNEIRO, Sueli. “Negros de pele clara”. Portal Geledés [online], São Paulo, 2004. Disponível em Disponível em https://www.geledes.org.br/negros-de-pele-clara-por-sueli-carneiro/ . Acesso em 20/02/2021.
https://www.geledes.org.br/negros-de-pel...
), o racismo aprisiona o outro em imagens fixas e estereotipadas, enquanto reserva para os racialmente hegemônicos o privilégio de serem representados em sua diversidade, o que se nota também em ambientes universitários, que aniquilam a capacidade cognitiva e a confiança intelectual da população negra (CARNEIRO, 2004CARNEIRO, Sueli. “Negros de pele clara”. Portal Geledés [online], São Paulo, 2004. Disponível em Disponível em https://www.geledes.org.br/negros-de-pele-clara-por-sueli-carneiro/ . Acesso em 20/02/2021.
https://www.geledes.org.br/negros-de-pel...
). Uma tensão apontada por Pedro (2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008.) no artigo em comemoração aos quinze anos da Revista Estudos Feministas, mas que parece tão atual, sobretudo pela invisibilidade de escritos sobre a ação política destas mulheres, que fizeram da sua trajetória de vida um instrumento de luta, marcado pela indignação e pela raiva contra opressões estruturais, tecnologias de poder que imprimem sentidos nos corpos e os marcam como úteis, dóceis, produtivos e que são também múltiplos marcadores de exclusão social nos aproxima do feminismo interseccional que estuda a sobreposição de identidades sociais e os sistemas relacionados de discriminação, dominação, opressão, o que nos permite compreender melhor as desigualdades existentes em nossa sociedade. O conceito de interseccionalidade e suas múltiplas possibilidades de análise demarcam também os sistemas de dominação que produzem violências, sobretudo sobre mulheres lésbicas negras, por serem discriminadas, exploradas, oprimidas, e por terem suas trajetórias de vida desafiando diretamente a estrutura social vigente e sua ideologia sexista, classista e racista (hooks, 2019hooks, bell. Teoria Feminista. Da Margem ao Centro. São Paulo: Perspectiva, 2019b.b).

Como afirma Pedro (2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008.), a Revista Estudos Feministas ocupa um lugar diferenciado nas publicações feministas “por ser ao mesmo tempo acadêmica e militante”, assim, apesar das “evidentes ligações entre ambas, são comuns as mútuas desqualificações, que certamente não resistem a um olhar mais atento” (PEDRO, 2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008.).

É a partir desse “olhar mais atento” proposto pela teórica catarinense que nos propomos a contar um pouco sobre a atuação de lésbicas negras nos movimentos sociais, que neles estão inseridas desde os anos setenta, e que realizaram uma militância histórica muitas vezes conhecida e reconhecida apenas por seus pares, e nem tanto, ou muito pouco pelos saberes acadêmicos, evidenciando aquelas tensões enunciadas, e tão evidentes para aquelas e aqueles que estão fora dos núcleos universitários.

A academia, aqui, é pensada como o lugar da pesquisa científica, universitária, formadora de novas gerações de pesquisadoras, e a militância feminista como uma atividade engajada, voluntária, tendo por alvo principal a luta pela equidade de gênero (PEDRO, 2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008., p. 90).

Vale lembrar que o feminismo negro do qual aqui falamos é muito anterior às disputas nos espaços de saber dominante, como os núcleos acadêmicos, sobretudo a partir dos anos oitenta; como dizem mulheres negras nos movimentos sociais e em outras práticas políticas, “nossos passos vêm de longe”, a exemplo de Jurema Werneck, mulher negra, lésbica, nascida no morro, médica, diretora da Anistia Internacional e uma das fundadoras da ONG Criola, organização de mulheres negras no Rio de Janeiro, que foi entrevistada por Cidinha da Silva (2018SILVA, Cidinha da. “Feminismo Negro. De onde viemos: Aproximações de uma Memória”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 252-260., p. 252) e afirma existir uma confusão “bastante grande presente nestes tempos marcados pelo ativismo político mobilizado pelas redes sociais” de que o fazer político das mulheres negras tenha começado agora, por isso a necessidade do “reconhecimento histórico de lugares do fazer político das mulheres negras organizadas anteriormente ao território da política na web”. E ainda sobre as ações políticas afirmativas transformadoras, militantes e ativistas das chamadas culturas negras:

As ações e construções políticas sólidas e transformadoras vêm sendo realizadas há décadas, por meio de debates, ações formadoras, intervenções nas áreas de educação, saúde, cultura, religiosidades, gestão pública, direito, controle social de políticas públicas, imprensa negra, além de ações afirmativas e vivência de manifestações culturais que mantêm acesa a chama das culturas negras e as dinamizam (SILVA, 2018SILVA, Cidinha da. “Feminismo Negro. De onde viemos: Aproximações de uma Memória”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 252-260., p. 253).

Uma Reunião de Militantes Lésbicas

Na afirmação de nossa identidade feminista,

nós, ativistas negras, historicamente consideradas ‘as outras do feminismo’,

em diferentes contextos, construímos epistemologias feministas negras decoloniais,

tomando por base nossas experiências e as de nossas antepassadas.

(Claudia Pons CARDOSO, 2019CARDOSO, Claudia Pons. “Apresentação”. In: hooks, bell. Teoria Feminista. Da Margem ao Centro. São Paulo: Perspectiva, 2019, p. 9-11., p. 11)

No ano 2000, foi realizada uma reunião de militantes lésbicas feministas em Brasília, ressaltando aqui a militância feminista como “uma atividade engajada, voluntária, tendo por alvo principal a luta pela equidade de gênero” no sentido dado por Pedro (2008PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008., p. 91), mas também como conquista de direitos humanos básicos para uma população marcada historicamente pela invisibilidade. O encontro ocorreu em um sítio afastado da cidade, com militantes lésbicas de diferentes regiões do país que puderam discutir propostas relacionadas à saúde das mulheres lésbicas, entre outras questões. Uma vez que mencionar que seria uma reunião de lésbicas discutindo direitos humanos ainda não passava nas agências financiadoras que fomentavam cursos de formação de novas lideranças (Rosangela CASTRO, 2021),1 1 Depoimento concedido para esta pesquisa, realizado por videochamada, em 21/02/2021. bem como subsídios para a elaboração da Cartilha dos Direitos da população LGBTQIA+, que seria distribuída por instituições governamentais, ação essa que foi impedida pelo combate da bancada evangélica que se compunha no cenário nacional a partir daquele momento histórico, e hoje representa o maior número de deputados e senadores no Congresso Nacional, um total de cento e vinte, influenciando nas decisões e nos temas abordados pelo órgão, bem como nas deliberações das pautas mais urgentes.

Naquela reunião, estavam presentes aproximadamente quarenta mulheres com a liderança de lésbicas ativistas dos movimentos sociais dos seus respectivos Estados, como Rosangela Castro, do Grupo Felipa de Souza, e Yone Lindgren, do Grupo Dellas, do Rio de Janeiro, além de Miriam Weber da Saphos, do Rio Grande do Sul, entre outras representantes da militância lésbica feminista dos seus Estados. O depoimento de Rosangela Castro (2021), que representa o Rio de Janeiro e participa dos movimentos sociais desde os anos setenta, período “em que atuou no movimento negro em São Paulo, onde vivia, e pôde sentir a rivalidade com o Rio de Janeiro naquele momento, além de não ser considerada negra o suficiente, portanto, realizava atividades pouco valorizadas dentro do movimento”. Yone Lindgren e Rosangela Castro mantêm-se atuantes no movimento lésbico feminista, seja na organização da Parada LGBTQIA+ do Rio de Janeiro ou na manutenção de uma casa junto com outras ativistas do Grupo Felipa de Souza “para jovens lésbicas em situação de violência doméstica, ou que foram expulsas de suas casas por assumirem sua orientação sexual, realidade ainda presente na atualidade” (CASTRO, 2021).

Participamos deste evento por ação do MO.LE.CA, Movimento Lésbico de Campinas, SP, que atuou entre 2000 e 2010, tendo como um dos objetivos a construção da cidadania de jovens lésbicas, através de cursos, palestras, entre outras formas de expressão para a conscientização dos direitos desta população, formada também por mulheres cis no seu quadro. O grupo “definia-se de orientação feminista”, e propunha-se a:

Discutir e debater a experiência homossexual entre mulheres, tendo as seguintes finalidades: defender a ampliação dos seus direitos sociais, civis e políticos de mulheres lésbicas e bissexuais; ser um instrumento de luta pela conquista de sua plena cidadania e defesa de seus direitos humanos e civis; atuar contra e denunciar quaisquer formas de discriminação, preconceito e intolerância; estabelecer relações com outras entidades que atuassem na defesa dos direitos humanos, dos direitos de homossexuais e dos direitos das mulheres; e ser um instrumento de reflexão sobre a subjetividade lésbica nos espaços de articulação (Bruna Pimentel CILENTO; Cássia GARCIA; Maria Helena de Almeida FREITAS, 2020CILENTO, Bruna Pimentel; GARCIA, Cássia; FREITAS, Maria Helena de Almeida. “MO.LE.CA. sai do armário: experiência de uma militância lésbico-feminista nos anos 2000”. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, v. 3, n. 10, 2020. Disponível em Disponível em https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/11589 . Acesso em 12/03/2021.
https://periodicoscientificos.ufmt.br/oj...
, p. 55).

Durante o período da atuação do grupo em Campinas, pudemos participar de alguns cursos de formação e de conscientização de cidadania e dos direitos civis e humanos da jovem população de mulheres lésbicas, além de ter encontrado naquelas reuniões um rico material de estudo. Aquelas jovens traziam questões, atitudes, postura física, símbolos, estereótipos bastante diferenciados das mulheres lésbicas de cinquenta anos ou mais, entrevistadas em momentos anteriores; assim, o recorte geracional parecia muito rico.

No encontro em Brasília, pudemos observar a militância política de lésbicas negras que traziam na sua fala, nos debates e mesas-redondas oferecidas por elas, uma consciência de seu lugar de fala, termo conceituado por Djamila Ribeiro (2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento; Justificando, 2017. (Coleção Feminismos Plurais)) como ferramenta política com o intuito de ser colocado contra uma autorização discursiva, pois um dos objetivos do feminismo negro é marcar o lugar de fala de quem as propõem, percebendo assim que essa marcação se torna necessária para entendermos realidades que foram consideradas implícitas dentro da normatização hegemônica (RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento; Justificando, 2017. (Coleção Feminismos Plurais), p. 58-61). O lugar de fala daquelas mulheres negras marcou um espaço de atuação e de visibilidade, com consequências para todas as participantes. Talvez por nossa experiência acadêmica e por estarmos aprendendo sobre a importância da ação política, para além dos espaços institucionais tradicionais, sentimos um forte impacto na fala, na postura, na orientação e no compartilhamento das trajetórias de vida de todas aquelas lésbicas militantes.

Testemunhas da Indignação

Toda mulher tem um arsenal de raiva bem abastecido

que pode ser muito útil contra as opressões,

pessoais e institucionais, que são a origem dessa raiva.

Usada com precisão, ela pode se tornar uma poderosa

fonte de energia a serviço do progresso e da mudança.

(Audre LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 159).

A declaração de Rosangela Castro, naquele encontro em Brasília, silenciou todas as participantes, sobretudo pela exposição pessoal de uma lésbica negra que trazia, na sua fala, no seu olhar, na sua expressão gestual a dor de ter sido vítima de um estupro, “justamente por ter tido a ousadia de assumir publicamente seu lugar de mulher negra lésbica”. Em depoimento recente (2021), a militante assumiu que a sua chegada nos movimentos sociais foi pela dor, e que essa dor não recebeu o apoio das lésbicas paulistanas, que a viam como “uma estranha no ninho, pois vinha do Rio de Janeiro e essas “não a apoiaram, não a ouviram, não se solidarizaram com sua história”.

Refletindo posteriormente sobre aquela fala, olhar, expressão gestual, silêncios cortados pela respiração pausada de quem está se expondo publicamente, entendemos melhor quando Audre Lorde comenta sobre a reação de mulheres brancas quando ouvem um comentário racista e ficam enfurecidas e em silêncio; e essa raiva não expressa é geralmente atirada contra a primeira mulher negra que fale sobre racismo, sexismo, ou outras opressões (LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 160).

Neste sentido, a fala de lésbicas negras comporta uma ruptura com o medo que historicamente algumas mulheres sentiram de serem socialmente tachadas de lésbicas. De acordo com Lorde (2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 150), isso “tem levado algumas de nós a fazer alianças destrutivas, e outras ao desespero e ao isolamento”. Entretanto, quando uma mulher negra lésbica assume um lugar político de fala, de visibilidade, ela parece romper com esse legado de isolamento imposto pelas tecnologias de poder e pelas interseccionalidades que são os marcadores sociais na vida das minorias, que segregam direitos e inclusão social, por serem mulheres, negras, lésbicas, contidas nas análises por Lélia Gonzalez (1981GONZALEZ, Lélia. “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. In: KEMPER, Anna Katrin (Coord.). Psicanálise e política. Rio de Janeiro: Clínica Social de Psicanálise, 1981. p. 155-180.), quando menciona o quanto o “racismo produz efeitos violentos sobre a mulher negra”.

Nos encontros ocorridos posteriormente nos movimentos sociais, houve outras lésbicas negras militantes, profundamente envolvidas com sua posição política e liderança, como Heliana Hemetério, liderança em 2008 do Grupo Arco-Íris; Neusa das Dores, do Grupo Felipa de Sousa e do Fundo Angela Borba, e Soraya Menezes, da ALEM, Associação Lésbica de Minas, que fizeram da militância uma ruptura ao silenciamento imposto socialmente e transformaram o silêncio em linguagem e em ação.

Neusa das Dores esteve à frente em muitas lutas, em diferentes espaços públicos e infinitas reuniões, com muito ativismo e militância. Rosangela Castro (2021) afirma ter sido Neusa das Dores a primeira mulher negra a assumir-se como lésbica nos movimentos sociais no Rio de Janeiro, “pois muitas feministas negras não se colocavam como lésbicas, muitas por questões políticas e outras por questões pessoais e ainda as alpinistas, que usavam os espaços institucionais dos movimentos sociais” para galgarem algum tipo de benefício pessoal, por isso “não se assumiram, não saíram do armário”.

Além disso, a entrada das lésbicas negras nos movimentos sociais “trouxe novas discussões e perspectivas de ação política, como a defesa do uso de roupas masculinas para as mulheres”, pois havia certas conveniências no movimento que não permitiam algumas discussões, e foram elas também que levaram a discussão sobre a saúde das mulheres que fazem sexo com mulheres - MSM - para o Ministério da Saúde no final do século XX:

Isso foi em 1999 e ainda não era possível usar a palavra lésbica porque os projetos não eram aprovados. Muita coisa foi feita, a saúde e assistência às lésbicas encarceradas, à saúde mental, a atenção às lésbicas em situação de prostituição, às lésbicas vítimas do tráfico de mulheres, às lésbicas camelôs, cobradoras de transporte coletivo, às jovens em privação de liberdade, a maioria delas lésbicas negras. Por isso o Grupo Felipa de Sousa mantém há vinte anos, no Rio de Janeiro, uma casa de proteção a essas lésbicas que sofrem todo o tipo de violência, em lugares públicos e nas casas também, muitas sendo expulsas (CASTRO, 2021).

O primeiro torneio de futebol de lésbicas do Brasil foi organizado por elas, bem como a atenção às lésbicas da periferia; as que trabalham no jogo do bicho são as mesmas que chegam nas duas casas de ajuda mantidas pelo Grupo Felipa de Sousa.

Atualmente existe o “projeto costura” que denuncia trabalho escravo na indústria têxtil e da moda nos Estados do Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará e Bahia. Foram as lésbicas negras que alertaram sobre os cuidados com as cidadãs soropositivas, em 2006, com o seguinte slogan em um encontro na Bahia: “A gente existe. Lésbicas Negras Soropositivas” (CASTRO, 2021).

A atuação política das lésbicas negras é muito ampla e vai além dos limites que desejamos tratar neste texto, mas queremos ressaltar a amplitude da conquista de direitos humanos a uma população praticamente invisível - como a saúde dos homens trans, sobre a qual pouco ou nada se falava em 2002. Essas militantes tiveram a ousadia de trazer esses temas para o centro da discussão, e sua atuação junto ao Departamento de Saúde garantiu direitos a uma minoria que o movimento feminista universalizado não percebia em suas ações.

O Fundo Angela Borba, atual Fundo Elas, foi a ação pioneira de uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores em 1979, engajada no movimento de mulheres e membro do Brasil Mulher, que participou de uma experiência pioneira na construção de um modelo feminista de exercício de mandato eletivo, tendo como parceiras Lúcia Arruda e Fernanda Carneiro. Ao ser eleita, Lúcia Arruda, titular do mandato de deputada estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), teve Angela Borba como principal assessora direta, mas, de fato, o mandato era partilhado entre toda a equipe e as decisões eram tomadas de forma conjunta. Desta forma, dividiam o mandato e promoviam eventos públicos fora do âmbito da Assembleia, numa sintonia fina com o movimento de mulheres (ELAS+ELAS+: doar para transformar. “Ângela Borba”. Institucional. ELAS+: doar para transformar, s.d. Disponível em http://elasfundo.org/institucional-angela-borba.asp.
http://elasfundo.org/institucional-angel...
..., s.d.). Esse grupo financiou projetos de movimentos feministas, lésbicas feministas e outros que partilhavam do empoderamento das mulheres (Schuma SCHUMAHER; Érico Vital BRAZIL, 2000SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil. De 1500 até a atualidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.).

Soraya Menezes, de Belo Horizonte, tem uma participação histórica nos movimentos sociais iniciada nos anos setenta, como enfermeira sindicalista. Por depoimento enviado pelo celular, ela narrou sua história de militância política, quando as reuniões ocorriam secretamente, dada a circunstância às quais o país estava imerso na Ditadura Militar e posteriormente, até chegar na sua participação no SENALE (Seminário Nacional de Lésbicas), primeiramente em Salvador, em 1997, e logo em seguida, em 1998, abrigando o encontro em Belo Horizonte. Soraya estava no Rio de Janeiro em 1996 e ouviu falar do SENALE, mas não participou. No ano seguinte, 1997, ela inscreveu-se para o encontro em Salvador, em uma oficina sobre lésbicas nos espaços de poder e nos espaços sindicais, e ali ela começou a sentir o verdadeiro movimento político das lésbicas:

Eu comecei a enxergar de verdade o movimento político de lésbicas, o movimento organizado. Neste ano ainda não tinha nada organizado em Belo Horizonte, mas aí as meninas animaram e disseram, vamos fazer lá em Minas? De fato, não existia nada organizado, de gays, lésbicas. Em 1998 organizamos o SENALE aqui, com muitas dificuldades, mas organizamos e desse seminário nasceu a ALEM (Associação Lésbica de Minas) (MENEZES, 20212 2 Depoimento de Soraya Menezes concedido para esta pesquisa, via WhatsApp, no dia 24/02/2021. ).

A história de militância política de Soraya Menezes, Rosangela Castro e Neusa das Dores é algo que poderá ser narrado em um futuro trabalho, pois perpassam mais de quatro décadas de participação em associações, encontros, projetos de lei, casas de abrigo, cursos e oficinas de formação política, entre muitas outras conquistas efetivas nos direitos das populações LGBTQIA+ do país, que merecem e necessitam ser (re)conhecidas pelas gerações que acreditam que tudo começou pelas redes sociais e não creditam a importância dessas líderes. Um exemplo é o projeto de lei que a ALEM (Associação Lésbica de Minas) conquistou em 1999:

Nós entramos com o projeto de lei, porque aqui quando duas mulheres ou dois homens iam para o Motel, era cobrado em dobro. E várias outras coisas absurdas. Então, eu conversei com o Coletivo de Lésbicas do Rio (COLERJ), e Neusa das Dores e Elizabeth Cauvert (já falecida) vieram para Belo Horizonte. Com isso, Neusa, Elizabeth, eu e Suely Martins Sevilha, nós sentamos e escrevemos um projeto de lei, que hoje é a lei 14.170/MG que coíbe a discriminação de mulheres com afetividade em espaço público, como bar ou restaurante, ela tem que ser respeitada (MENEZES, 2021).

A Associação Lésbica de Minas (ALEM) tem como pauta os princípios feministas, pensamento exposto por Soraya Menezes em depoimento porque acredita que só haverá uma sociedade melhor e mais justa a partir da equidade de gênero (MENEZES, 2021). Em testemunho recente, Soraya (2021) ressalta que, como sindicalista atuante, não se dava conta da necessidade de criação de um grupo específico de lésbicas. Mas quando estava em uma reunião no Rio de Janeiro, em 1996, “ficou sabendo que estava ocorrendo” o I SENALE (atual SENALESBI), hoje o maior evento deliberativo de movimento de mulheres - cis e trans - lésbicas e bissexuais do Brasil.

Essas mulheres tiveram suas trajetórias de vida marcadas pela ação política e talvez não seja exagero pensar que fizeram das suas vivências uma escrevivência (Conceição EVARISTO; ITAÚ CULTURAL, 2017EVARISTO, Conceição; ITAÚ CULTURAL. “Ocupação Conceição Evaristo”. Itaú Cultural [online], São Paulo, 2017. Disponível em Disponível em https://www.itaucultural.org.br/ocupacao/conceicao-evaristo/ . Acesso em 20/02/2021.
https://www.itaucultural.org.br/ocupacao...
) na história do movimento lésbico feminista negro do país, que possui especificidades e características apresentadas neste texto. Adequamos o conceito da escritora mineira Conceição Evaristo para as falas das entrevistadas neste artigo, um conceito pensado há mais de vinte e cinco anos, que encontra matéria-prima na vivência das mulheres negras, e que faz do seu trabalho um retrato das profundas desigualdades raciais e de gênero no país e diz que “a escrevivência serve também para as pessoas pensarem” (EVARISTO In; EVARISTO; ITAÚ CULTURAL, 2017, grifo nosso), pois sua importância não está somente no texto escrito, mas também na oralidade, na evolução dos indivíduos e no fortalecimento do coletivo. Um dos aspectos que ressalto na ação dessas lésbicas negras é a ruptura com o silêncio imposto historicamente às mulheres negras, aquilo que não podia ser dito, ser escrito, visões de mundo que incomodam, desestabilizam: A escrevivência quer justamente provocar essa fala, provocar essa escrita e provocar essa denúncia. Você brinca com as palavras para dar um soco no estômago ou no rosto de quem não gostaria de ver determinadas temáticas ou de ver determinadas realidades (EVARISTO; ITAÚ CULTURAL, 2017).

Falar da raiva e da indignação é também o que Audre Lorde refletiu como um arrependimento que teve a possibilidade de romper quando da proximidade da morte. Os medos marcados por tantas feridas, o tempo todo sentidas, e que reconheceu dentro de si “um poder cuja fonte é a compreensão de que, por mais desejável que seja não ter medo, aprender a vê-lo de maneira objetiva lhe deu uma força enorme” (LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 52). É essa força, energia, coragem, bravura, entusiasmo, astúcia e tantos outros adjetivos possíveis e imagináveis que marcaram e ainda marcam a atuação dessas lésbicas negras feministas nos movimentos sociais, na militância, na formação de novas lideranças, nas conquistas de direitos humanos, civis, políticos e sociais no Brasil há mais de quatro décadas.

Disputas, barreiras, diferenças

Posso dizer que existe uma narrativa de crítica de feministas negras em relação às feministas brancas pela ausência de autocrítica em relação ao racismo.

O final dos anos oitenta e o início dos anos noventa foram marcados por uma perspectiva militante e teórica de enegrecimento e pluralização dos feminismos.

(SILVA, 2018SILVA, Cidinha da. “Feminismo Negro. De onde viemos: Aproximações de uma Memória”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 252-260., p. 257).

Teóricas negras feministas vêm chamando atenção desde os anos oitenta para a universalização do feminismo eurocêntrico, e a consequente “exclusão das mulheres negras do conhecimento e das políticas feministas”, com ênfase para as “relações de opressão entre mulheres e, nelas, para o silenciamento das mulheres negras”; um silêncio do oprimido, “aquele profundo silêncio engendrado de resignação e aceitação perante seu destino” (hooks, 2020hooks, bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020., p. 17).

A insurreição das lésbicas negras brasileiras aqui citadas no seu ativismo político, no seu papel de liderança nas associações e grupos de ajuda mútua, emerge como uma ruptura histórica, diante da enunciação do silêncio aos quais as mulheres negras foram submetidas historicamente no movimento feminista. Um rompimento diante da opressão sexista, da brutalidade do racismo e mesmo da não inclusão das suas questões específicas no interior do movimento feminista, talvez o maior dos abusos por tratar-se de mulheres lutando pelo direito de outras mulheres.

Desta maneira, podemos afirmar que as mulheres negras, de acordo com Jurema Werneck, “participavam de encontro feministas, sem falar que eram feministas”, principalmente por não se sentirem contempladas pelas questões levantadas pelo movimento feminista, por isso, Jurema Werneck afirma que a relação das mulheres negras com o movimento feminista foi marcada mais pelo conflito do que pelo pertencimento:

Sempre houve organizações no Rio de Janeiro de mulheres negras, tirando Lélia Gonzalez, tirando poucas, poucas muito importantes, e as outras nunca se disseram feministas. Sempre falaram em movimento de mulheres negras e sempre em relação com o movimento feminista foi mais de conflito do que de pertencimento (SILVA, 2018SILVA, Cidinha da. “Feminismo Negro. De onde viemos: Aproximações de uma Memória”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 252-260., p. 257).

O sentido de pertencimento e de visibilidade do feminismo lésbico negro se consolida com mais força na primeira década do século XXI, com a Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras, bem como com a “entrada significativa de mulheres negras politicamente posicionadas nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras e como docentes”, o que provavelmente também levou à produção de “uma teoria feminista negra no Brasil” (SILVA, 2018SILVA, Cidinha da. “Feminismo Negro. De onde viemos: Aproximações de uma Memória”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 252-260., p. 260).

Entretanto, foi bem antes disso, no final dos anos setenta, com a atuação de Lélia Gonzalez e sua participação no Movimento Negro Unificado, que emerge uma política de enfrentamento negra, que ia além da escrita e do debate com a academia, e foi para as ruas protestando contra o discurso oficial do Estado, para dar visibilidade “às reivindicações negras”. E assim, a partir de 1978, com o surgimento do MNU, o Movimento Negro Unificado, e durante toda década seguinte, o Brasil experimentou uma “onda de protestos negros” (RATTS; RIOS, 2010RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez: Retratos do Brasil Negro. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 90).

É fundamental lembrar os escritos de Lélia Gonzalez sobre as raízes históricas do movimento feminista, “mergulhadas na classe média branca, o que significa maiores possibilidades de acesso e de sucesso em termos educacionais, profissionais, financeiros, de prestígio, etc.”. Gonzalez alertava que as bases do feminismo brasileiro, em sua construção e consolidação, “também se valiam da opressão feminina da mulher negra” (RATTS; RIOS, 2010RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez: Retratos do Brasil Negro. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 104).

Desta maneira, a disputa por visibilidade, por direitos, por conquistas reais iniciada por Lélia Gonzalez nos anos setenta não apenas nos discursos, mas através da intervenção social e política, é ainda hoje a luta de jovens negras feministas, como Stephanie Ribeiro (2018RIBEIRO, Stephanie. “Quem somos: Mulheres Negras no Plural, Nossa Existência é Pedagógica”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 261-286.), que percebe a atuação das mulheres negras que visam construir um “novo modelo de sociedade, de relações e de narrativas”. A intenção não é destruir e nem se opor “ao feminismo de mulheres brancas”, historicamente universalizado, “mas somar e dar luz a relatos que não são contemplados por esse discurso” (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Stephanie. “Quem somos: Mulheres Negras no Plural, Nossa Existência é Pedagógica”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 261-286., p. 263). Por isso, é essencial citar Lélia Gonzalez para a nova geração, pois foi ela uma das autoras que mais debateu “as condições específicas de exploração e subordinação a que eram submetidas as mulheres negras” e que dedicou grande parte de sua vida pessoal e intelectual “a construir um pensamento crítico que explicasse as causas socioculturais e econômicas que criavam um contexto de desigualdade de raça, sexo e classe” (RATTS; RIOS, 2010RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez: Retratos do Brasil Negro. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 100).

Quando Audre Lorde refere-se aos ataques sofridos pelas lésbicas negras por homens negros e por mulheres negras heterossexuais, retomo os depoimentos das lésbicas negras brasileiras em relação ao movimento feminista, por não se sentirem contempladas por suas pautas; lembro a fala de Rosangela Castro, do Rio de Janeiro, que no final dos anos setenta não teve apoio de outras mulheres do movimento, por ter sofrido um estupro, em função da sua orientação sexual. Ela não sentia solidariedade, sororidade, atitudes de empatia entre mulheres vítimas de violência. Pelo contrário, ela sentia que incomodava quando tocava no assunto, que as feministas paulistas não se solidarizavam (CASTRO, 2021).

O ponto de convergência entre o que fala Audre Lorde sobre a rivalidade entre as mulheres negras estadunidenses em relação às lésbicas negras é semelhante com o que ocorreu aqui entre o movimento feminista e o movimento de mulheres negras, que somente na primeira década do século XXI colocaram-se como feministas negras. Apesar das comunidades de autoajuda, amparo, assistência e proteção, Lorde observa que a forma como “nos fazem encarar umas às outras com desconfiança” é um elemento marcado por disputas de espaço, barreiras contra a ajuda mútua, diferenças que nos separam, por “vermos umas às outras como suspeitas” (LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 63), tão nocivas, maléficas, perniciosas e letais como o sexismo, o racismo, a homofobia, a heteronormatividade, o machismo e o patriarcado, bem como as interseccionalidades às quais lésbicas negras estão sujeitas.

As lésbicas negras ocuparam um lugar de fala, de escuta, de organização, de produção e de visibilidade nos movimentos sociais, rompendo com disputas historicamente estabelecidas, criando outros debates que permitiram a elas não mais se “satisfazer com o sofrimento e a autonegação” que frequentemente parecem ser “as únicas alternativas na nossa sociedade”. Portanto, fazer da sua trajetória de vida, da sua história, da sua escrevivência parte fundamental dos movimentos sociais, é um “ato contra a opressão”, contra as tecnologias de poder, “motivado e empoderado desde dentro” (LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 73).

As barreiras impostas às lésbicas negras parecem ter assegurado que elas não deveriam se curvar e mudar suas vidas, pois é a sociedade que precisaria mudar. Um exemplo é quando são tachadas de agressivas, violentas, hostis, combativas, de difícil trato, assim como as mulheres negras que não sabem se comportar, porque não são submissas o bastante, ou são sedutoras demais e, por isso, são acusadas de provocarem estupro, assédio, feminicídio, lesbocídio, violência doméstica, assassinato e tantas outras formas de violência presentes no cotidiano da sociedade brasileira.

Os dados sobre lesbocídio no país atestam o quanto estamos distantes de ter conquistado respeito, dignidade, civilidade, pertencimento, pois mais se morre por sua orientação sexual em um país que tem a maior parada LGBTQIA+ do mundo, em uma evidente contradição entre o campo teórico e a intervenção social e política. Lélia Gonzalez, segundo Ratts e Rios (2010RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez: Retratos do Brasil Negro. São Paulo: Selo Negro, 2010., p. 13), acreditava ser fundamental a criação de políticas públicas protetivas, conscientização do lugar social das mulheres negras, periféricas, homossexuais, excluídas pelo sexismo, pelo racismo e por sua condição social. Os assassinatos dessas jovens, em sua maioria entre vinte e vinte quatro anos, ocorrem em todas as regiões do país, e em quase todos os Estados brasileiros; não há motivos para comemoração, e sim para indignação.

Os estudos realizados pelo NIS - Núcleo de Inclusão Social e pelo Nós: dissidências feministas, criado em 2008 e vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, ampliaram sua atuação em 2017, com a publicação de um trabalho de mapeamento dos assassinatos e suicídios de lésbicas no país, entre os anos de 2014 e 2017. Essas informações fazem parte das “histórias que ninguém conta” e evidenciam o aumento exponencial dos assassinatos (2700%) de 1983, quando o GGB - Grupo Gay da Bahia - denunciou o primeiro assassinato, em 2017. Por isso, o NIS e o Nós identificam a necessidade “de atenção às especificidades das violências contra lésbicas, em especial os lesbocídios” no país, que são crescentes ano a ano. Não há um perfil específico das vítimas, mas chama atenção, nos dados, o fato de serem muito jovens, não feminilizadas, muitas delas negras, assassinadas majoritariamente por homens com vínculos afetivos e familiares. Conforme o Dossiê sobre Lesbocídios no Brasil (Milena PERES; Suane SOARES; Maria Clara DIAS, 2018PERES, Milena Cristina Carneiro; SOARES, Suane Felippe; DIAS, Maria Clara. DOSSIÊ sobre Lesbocídios no Brasil, de 2014 até 2017. Rio de Janeiro: Livros Ilimitados Editora, 2018., p. 175), em 2015, o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos exigiu uma investigação independente de um assassinato, por tratar-se de um caso “emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil”.

As jovens negras atuantes nas redes sociais na atualidade, a exemplo da arquiteta e ativista paulista Stephanie Ribeiro, afirmam que, como mulher negra, não buscam uma fala conciliadora, mas de ruptura. Que rompe pela ausência de sororidade, pela permanência da visão da negra sensual, mulata no carnaval e doméstica no cotidiano, da mãe preta que amamentava, cuidava, amolecia a comida e as palavras, e representava a maternidade; da mulher negra forte, capaz de resistir aos trabalhos mais difíceis, às privações todas sem reclamar, que tudo suporta, do incômodo que ainda hoje causa a objetificação do corpo da mulher negra. Neste sentido, a jovem militante das redes sociais salienta: “Meu discurso é o do incômodo e muitas vezes o da raiva. Se as pessoas sentiram isso até aqui, significa que estou no caminho certo. Afinal, nenhum incômodo é tão grande quanto o das violências perpetuadas por séculos contra corpos negros e femininos” (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Stephanie. “Quem somos: Mulheres Negras no Plural, Nossa Existência é Pedagógica”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 261-286., p. 262).

Ocupar um lugar no movimento social, estar inscrita em uma associação que luta pelos direitos das minorias, ter o poder de voz dentro de um grupo, consente às lésbicas negras um diálogo com a sociedade e com os homens negros pela compreensão da natureza opressora da sociedade, do machismo, do sexismo, do patriarcado, e de outras formas de exclusão social, como o estereótipo, a obesidade, a performance masculina, entre tantos outros demarcadores de exclusão social, cultural, política e econômica.

Lembrar a ação militante na conquista de direitos das lésbicas negras é uma maneira de dar visibilidade ao que bell hooks chama de crítica interna de qualquer movimento de transformação política, “assim como nossas vidas não são estáticas, estão sempre mudando, nossa teoria tem de permanecer fluida, aberta, permeável ao novo” (hooks, 2019a, p. 19).

Raiva e Indignação

Mulheres que reagem ao racismo são mulheres que reagem à raiva;

a raiva da exclusão, do privilégio que não é questionado, das distorções raciais,

do silêncio, dos maus-tratos, dos estereótipos, da postura defensiva,

do mau julgamento, da traição e da cooptação.

(LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 155)

A maneira opressora, excludente e violenta com a qual a sociedade brasileira patriarcal, machista e misógina refere-se historicamente às lésbicas negras nos parece muito próxima da forma como bell hooks (2020hooks, bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020., p. 122) descreve a “sistemática desvalorização da mulheridade negra” e suas ações, iniciada no período da escravidão, com estereótipos sexistas que as descreviam como antimulheres, ocasionando uma percepção negativa “que elas tinham de si mesmas”, como das pessoas “da sua própria raça”, marcadas pela ideologia sexista. Diz ela:

Como a ideologia sexista foi aceita pelas pessoas negras, esses mitos negativos e estereótipos com efeito ultrapassaram as fronteiras de classe e de raça e afetaram tanto a forma como mulheres negras eram percebidas por pessoas de sua própria raça quanto a percepção que elas tinham de si mesmas (hooks, 2019hooks, bell. O feminismo é para todo mundo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019a.a, p. 121).

O trabalho das mulheres negras no período da escravidão nos Estados Unidos, em atividades que exigiam força física, demonstrou habilidades de sobrevivência “sem a ajuda direta dos homens”, o que não é improvável que possa ter acontecido com as lésbicas negras em contexto histórico mais recente “em suas habilidades de realizarem tarefas que eram culturalmente definidas como trabalho de ‘homem’” (hooks, 2020hooks, bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020., p. 122). Essa visão de uma capacidade mais que humana de força física e resistência pode ter representado uma ameaça à ordem patriarcal, pois suas características são consideradas “incomuns para a espécie feminina”. Essa superioridade física imputada às mulheres negras, e, no contexto nacional, às lésbicas negras, é de extrema crueldade, pois as relegou a determinados espaços e atividades de extrema exclusão.

A consequência dessa supressão de tarefas mais valorizadas socialmente, por ter sido imputada a elas por uma capacidade física incomum, produziu um “estereótipo caracterizado como antimulher” capaz de sobreviver sob as condições mais adversas, um rótulo cruel e desumano, que pode ter desenvolvido uma percepção de si mesma negativa e um sentimento de raiva, de indignação, de repulsa por não se sentir incluída socialmente, como mulher, lésbica, negra. Essa raiva que pode remeter ao estereótipo da mulher negra raivosa, aqui refletida na concepção de Grada Kilomba (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.) relacionada ao “mito da mulher negra forte, uma representação que obstrui a manifestação de profundas feridas abertas pelo racismo”, um estereótipo violento por silenciar as dores e emoções, levando-as a sofrer em silêncio. Nos limites deste artigo, a fala das mulheres lésbicas negras reagem a esse estereótipo por denunciar o racismo, o machismo, o sexismo, a misoginia e o patriarcado latentes na sociedade brasileira e até mesmo no interior dos movimentos sociais, sobretudo no que se refere à ação específica destas militantes.

O uso da raiva como reação às múltiplas formas de exclusão pode ser utilizado por meio da luta contínua contra as opressões, tanto pessoais quanto institucionais; quando usada com precisão, apresenta-se na direção de mudanças profundas. Uma transformação capaz de alterar radicalmente as bases e os pressupostos sobre os quais as vidas das mulheres lésbicas negras são (e foram) edificadas. São estruturas sólidas de quem se tornou visível e trouxe visibilidade para outras que hoje ocupam postos nas associações, nos partidos políticos e nas universidades em diferentes estados, municípios, regiões e lugares de poder de um país que ainda teima em não as inserir e as ver.

Refletir sobre essa raiva como instrumental teórico-metodológico é dar lugar para modos de agir, sentir, expressar de mulheres que a usaram como “um ato de esclarecimento que liberta e dá força” (LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 160) na ação, pois é no combate por direitos que lésbicas negras reconhecem suas aliadas e seus aliados e quem possivelmente não será.

Os usos da raiva têm como finalidade a mudança pois, ao deixar de escondê-la, demonstra-se uma reação às inações, ocorre a produção de um não conhecimento, rompe-se com uma impotência gerada pela dificuldade de comunicação. Por isso, a raiva é também uma garantia de sobrevivência; portanto, antes de abrir mão dela, é preciso certificar-se “de que exista algo pelo menos tão poderoso quanto ela e que possa substituí-la no caminho para a clareza” (LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 165).

Reconhecer que a raiva deve ser usada para a clareza e para o empoderamento mútuo permite gerar união e não separação, apesar das diferenças existentes entre as razões para a luta e o sentido de pertencimento no ideário comum, ajuda a dar forma na ação, a fazer dessa ação um objetivo que transcende a conquista do agora, mas o eleva para futuros possíveis. E assim, seguindo na companhia de Audre Lorde, a raiva pode gerar o crescimento de todes, de todas, para além das demarcações de orientação sexual.

Nós somos todas as forças que conquistamos, incluindo a raiva, para nos ajudar a definir e dar forma a um mundo onde todas as nossas irmãs possam crescer, onde todas as crianças possam amar e onde o poder de tocar e conhecer as diferenças e as maravilhas de outra mulher irá, mais dia, menos dia, transcender a necessidade de destruição (LORDE, 2019LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019., p. 167).

Um Fim ou um Novo Começo

Nosso silêncio não era mera reação contra as brancas liberacionistas

nem gesto de solidariedade aos patriarcas negros.

Era o silêncio do oprimido

aquele profundo silêncio engendrado de resignação

e aceitação perante seu destino.

(hooks, 2020hooks, bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020., p. 17)

Na introdução ao livro E eu não sou uma mulher? Mulher Negra e Feminismo, bell hooks (2020hooks, bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.) confirma o silenciamento relegado às mulheres negras, que é também o das oprimidas e dos oprimidos em geral e das lésbicas negras de maneira particular. Isso porque a elas coube a resistência histórica contra o sexismo, o racismo, o machismo, o patriarcado e a misoginia reinantes na sociedade brasileira, bem como a dificuldade de acesso a profissões socialmente valorizadas e a invisibilidade das violências cotidianas por seu lugar social negligenciado.

A intenção, neste texto, foi tornar visível a participação de lésbicas negras feministas brasileiras em associações, coletivos, sindicatos, grupos de autoajuda, entre outras formas de sororidade, que buscaram nas últimas quatro décadas os direitos de existência de um setor da sociedade brasileira muitas vezes destinado ao exotismo, ou à excentricidade.

Diante do racismo estrutural, do sexismo institucionalizado, do conservadorismo latente, como forças opressivas na vida das mulheres, das negras, das lésbicas, das mulheres trans, das travestis e de tantos outros segmentos sociais, vimos neste texto a ousadia das lésbicas negras ao proporem, ainda nos anos noventa, a inserção de temas inexistentes no movimento feminista, provavelmente porque as lésbicas brancas não se assumiam como tal, mas tão somente como feministas. As lésbicas negras, por todas as opressões históricas às quais foram submetidas, tiveram que se libertar de seu conjunto, daí suas ações serem pensadas para o próximo, as outras, aquelas que tinham demandas diferentes, mas que também necessitavam emancipar-se e ter seus direitos e sua dignidade garantidos.

O contato com essas batalhadoras incansáveis, há mais de quatro décadas lutando pela reivindicação de direitos, nos permitiu compreender o quanto a intersecção de raça, gênero, classe, entre outras, é marcadora que aprisiona sujeitos históricos, normalmente invisibilizados para além de seus espaços de atuação. Portanto, nosso objetivo foi descrever a atuação dessas lésbicas negras feministas, que em sua escrevivência, em sua ação política, nos permitiram usar nossos ouvidos bem atentos diante de um silêncio enfim terminado.

Referências

  • CARDOSO, Claudia Pons. “Apresentação”. In: hooks, bell. Teoria Feminista. Da Margem ao Centro São Paulo: Perspectiva, 2019, p. 9-11.
  • CARNEIRO, Sueli. “Negros de pele clara”. Portal Geledés [online], São Paulo, 2004. Disponível em Disponível em https://www.geledes.org.br/negros-de-pele-clara-por-sueli-carneiro/ Acesso em 20/02/2021.
    » https://www.geledes.org.br/negros-de-pele-clara-por-sueli-carneiro/
  • CILENTO, Bruna Pimentel; GARCIA, Cássia; FREITAS, Maria Helena de Almeida. “MO.LE.CA. sai do armário: experiência de uma militância lésbico-feminista nos anos 2000”. Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, v. 3, n. 10, 2020. Disponível em Disponível em https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/11589 Acesso em 12/03/2021.
    » https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/view/11589
  • ELAS+: doar para transformar. “Ângela Borba”. Institucional. ELAS+: doar para transformar, s.d. Disponível em http://elasfundo.org/institucional-angela-borba.asp
    » http://elasfundo.org/institucional-angela-borba.asp
  • EVARISTO, Conceição; ITAÚ CULTURAL. “Ocupação Conceição Evaristo”. Itaú Cultural [online], São Paulo, 2017. Disponível em Disponível em https://www.itaucultural.org.br/ocupacao/conceicao-evaristo/ Acesso em 20/02/2021.
    » https://www.itaucultural.org.br/ocupacao/conceicao-evaristo/
  • GONZALEZ, Lélia. “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. In: KEMPER, Anna Katrin (Coord.). Psicanálise e política Rio de Janeiro: Clínica Social de Psicanálise, 1981. p. 155-180.
  • hooks, bell. O feminismo é para todo mundo Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019a.
  • hooks, bell. Teoria Feminista. Da Margem ao Centro São Paulo: Perspectiva, 2019b.
  • hooks, bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.
  • KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
  • LORDE, Audre. Irmã Outsider: Ensaios e Conferências Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
  • MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder 12 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1997. p. VII-XXIII.
  • NOGUEIRA, Nadia. Invenções de Si em Histórias de Amor: Lota & Bishop Rio de Janeiro: Apicuri, 2008.
  • PEDRO, Joana Maria. “Militância feminista e academia: sobrevivência e trabalho voluntário”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 85-92, abr. 2008.
  • PERES, Milena Cristina Carneiro; SOARES, Suane Felippe; DIAS, Maria Clara. DOSSIÊ sobre Lesbocídios no Brasil, de 2014 até 2017 Rio de Janeiro: Livros Ilimitados Editora, 2018.
  • RATTS, Alex; RIOS, Flavia. Lélia Gonzalez: Retratos do Brasil Negro São Paulo: Selo Negro, 2010.
  • RIBEIRO, Stephanie. “Quem somos: Mulheres Negras no Plural, Nossa Existência é Pedagógica”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 261-286.
  • RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento; Justificando, 2017. (Coleção Feminismos Plurais)
  • SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Dicionário Mulheres do Brasil. De 1500 até a atualidade Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
  • SILVA, Cidinha da. “Feminismo Negro. De onde viemos: Aproximações de uma Memória”. In: BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa. Explosão Feminista. Arte, Cultura, Política e Universidade São Paulo: Companhia das Letras, 2018. p. 252-260.
  • 1
    Depoimento concedido para esta pesquisa, realizado por videochamada, em 21/02/2021.
  • 2
    Depoimento de Soraya Menezes concedido para esta pesquisa, via WhatsApp, no dia 24/02/2021.
  • Como citar esse artigo de acordo com as normas da revista:

    NOGUEIRA, Nadia. “Lésbicas negras em movimento”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 3, e82642, 2021
  • Financiamento:

    Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem:

    Não se aplica
  • Aprovação de comitê de ética em pesquisa:

    Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2021
  • Revisado
    19 Ago 2021
  • Aceito
    30 Ago 2021
Centro de Filosofia e Ciências Humanas e Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina Campus Universitário - Trindade, 88040-970 Florianópolis SC - Brasil, Tel. (55 48) 3331-8211, Fax: (55 48) 3331-9751 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: ref@cfh.ufsc.br