Abordagem problematizadora da educação permanente em saúde na formação em enfermagem: uma experiência na atenção hospitalar

RESUMO

Objetivo:

Relatar a experiência de uma prática educativa de sensibilização dos trabalhadores de saúde às ações de Educação Permanente em Saúde.

Método:

Trata-se de um relato de experiência, de cunho qualitativo e natureza descritiva, conduzido por meio do Arco de Maguerez, no ano de 2019, em um hospital de referência para o tratamento de doenças infectocontagiosas do estado de Rondônia.

Resultados:

O Arco de Maguerez foi ponto importante para a intervenção na realidade do contexto, por meio de duas dinâmicas intituladas “mitos e verdades” e “roleta lúdica”, que facilitaram a reflexão e a compreensão sobre o papel da educação permanente nos serviços estudados.

Conclusão:

As ações de educação permanente têm papel fundamental na construção de saberes, ampliando o conhecimento, por facilitar o compartilhamento de novas experiências com a equipe e o público externo.

DESCRITORES
Educação Continuada; Política de Saúde; Estratégias de Saúde; Educação Profissionalizante; Hospitais

ABSTRACT

Objective:

To report the experience of an educational practice of sensitization of health workers to the actions of Permanent Health Education.

Method:

This is an experience report, of a qualitative and descriptive nature, conducted through the Arc of Maguerez, in 2019, in a reference hospital for the treatment of infectious diseases in the state of Rondônia.

Results:

The Arc of Maguerez was an important point for intervention in the context reality, through two dynamics entitled “myths and truths” and “ludic wheel”, which facilitated reflection and understanding of the role of continuing education in the services studied.

Conclusion:

Continuing education actions play a fundamental role in the construction of expertise, expanding knowledge, as they facilitate the sharing of new experiences with the team and the external public.

DESCRIPTORS
Education, Continuing; Health Policy; Health Strategies; Education, Professional; Hospitals

RESUMEN

Objetivo:

Relatar la experiencia de una práctica educativa de sensibilización de los trabajadores de salud a las acciones de Educación Permanente en Salud.

Método:

Se trata de un relato de experiencia, del tipo cualitativo y naturaleza descriptiva, conducido por medio del Arco de Maguerez, en 2019, en un hospital de referencia para tratamiento de enfermedades infectocontagiosas del estado de Rondonia, Brasil.

Resultados:

El Arco de Maguerez fue punto importante para la intervención en la realidad del contexto, por medio de dos dinámicas llamadas “mitos y verdades” y “ruleta lúdica”, que facilitaron la reflexión y la comprensión sobre el rol de la educación permanente en los servicios estudiados.

Conclusión:

Las acciones de educación permanente tienen un rol fundamental en la construcción de saberes, ampliando el conocimiento, pues facilitan el compartir de nuevas experiencias con el equipo y el público externo.

DESCRIPTORES
Educación Continua; Política de Salud; Estrategias de Salud; Educación Profesional; Hospitales

INTRODUÇÃO

No campo de atuação das instituições hospitalares, muitas vezes marcado pela influência da tradição do modelo hegemônico, os trabalhadores de saúde encontram desafios para trabalhar com modelos que favoreçam mudanças significativas em suas práticas(¹).

A Educação Permanente em Saúde (EPS) é uma estratégia político-pedagógica desenvolvida em âmbito internacional pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)(¹) que tem o intuito de diminuir as lacunas da formação fragmentada e, por diversas vezes, individualizada, para uma educação do trabalhador da saúde que contribua para qualificações integralizadas das situações contextualizadas pelos próprios profissionais. Tal iniciativa pressupõe ações coletivas do trabalho, reunindo as dimensões sociais, políticas, econômicas e históricas de homens e mulheres no mundo do trabalho(²).

Neste artigo, adotamos a definição da Educação Permanente (EP) de Paulo Freire, alicerçada em uma pedagogia que possibilite a autonomia e a construção de homens e mulheres no mundo. Freire autor considera todas as dimensões dos indivíduos capazes de ensinar e aprender em suas relações mediatizadas pelo diálogo, transformando sua vida e seu destino de forma coletiva e colaborativa(²).

A EPS foi instituída no Brasil por meio da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS), Portaria Ministerial nº 1996 de 20 de agosto de 2007, que passou a indicar também as relações entre formação e gestão, desenvolvimento institucional e controle social em saúde(³,⁴). A EPS busca superar os tradicionais modelos de qualificação e de educação continuada, em que as atividades eram pensadas e desenvolvidas alheias às necessidades reais dos serviços(⁵).

A EPS é um instrumento essencial para a construção coletiva, por meio de problematizações e reflexões acerca do processo de trabalho e de suas vivências, além de ser baseada na aprendizagem significativa e na perspectiva de transformação das práticas profissionais. As bases teóricas que constituem a EPS são autonomia, participação cidadã, subjetividade dos atores e o aprender na/pela/para a prática cotidiana do trabalho na saúde. Deve ocorrer de forma conjunta entre trabalhadores de saúde, estudantes e usuários(⁶).

Na formação inicial dos trabalhadores da saúde, é imprescindível a inserção dos elementos teóricos-conceituais e metodológicos da EPS. Neste estudo, destaca-se a implementação de práticas educativas desenvolvidas em colaboração com os trabalhadores dos serviços de saúde. Neste sentido, investiu-se na inserção dos estudantes de um curso de graduação em enfermagem no cotidiano dos serviços de saúde, para que a vivência/experimentação junto aos trabalhadores e gestores possibilitasse uma aprendizagem significativa, considerando a realidade do mundo do trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS).

A atividade educativa foi disparada a partir da discussão e identificação do problema elencado pelos componentes do Grupo de Trabalho de Prática Educativa (GTPE), composto por alunos e docentes da Universidade Federal do Estado de Rondônia (UNIR), além de uma enfermeira coordenadora do Núcleo de Educação Permanente (NEP) do Hospital de Referência do Estado de Rondônia em doenças infectocontagiosas. O NEP atua no ambiente de trabalho da construção coletiva, no planejamento junto aos trabalhadores para a elaboração de ações de educação permanente.

Apesar das atribuições do NEP, foram encontrados alguns obstáculos para sua efetivação, dentre eles: os recursos humanos insuficientes nos setores que dificultam a participação dos trabalhadores nas ações durante o horário de trabalho; trabalhadores considerados resistentes à atualização e a falta de articulação entre chefias, gestores e equipe para participar das atividades educativas(⁶).

Como problema central, base da experiência relatada, destacou-se a baixa adesão dos trabalhadores às ações educativas promovidas pelo NEP. A problemática apresentada foi compreendida como um meio para ampliar o aprendizado tanto da formação inicial (graduação) quanto da formação dos trabalhadores do serviço. Dessa forma, visou-se ao aperfeiçoamento dos conhecimentos pré-existentes e à inclusão dos profissionais, alunos e docentes, promovendo a integração e a corresponsabilização pela segurança do paciente que incide diretamente na qualidade da assistência ofertada, valorizando o trabalho e o protagonismo do trabalhador(⁷). A justificativa para o estudo foi a necessidade de implementação e compartilhamento de estratégias educativas ancoradas na problematização em serviços de saúde, agregando a formação oriunda da graduação.

Na busca por evidências, pouco tem sido discutido sobre as práticas educativas experimentadas no cotidiano dos serviços de saúde que tenham aproximação com elementos problematizadores da EPS. Dessa forma, torna-se imprescindível a difusão de inovações estratégicas e tecnológicas de EPS realizadas durante o processo de trabalho nos variados contextos de atenção à saúde, dentre eles, o hospitalar. Diante do exposto, o presente estudo objetivou relatar a experiência de uma prática educativa de sensibilização dos trabalhadores de saúde às ações de EPS.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Trata-se de um relato de experiência, com abordagem qualitativa e natureza descritiva, sobre uma prática educativa ancorada na metodologia da problematização(²,⁸). No processo de construção coletiva e problematizadora foi importante utilizar o Arco de Maguerez para maior compreensão das etapas, uma vez que o aluno aprende algo quando o transforma: participando ativamente da observação da realidade, e a identificação do problema promove sua teorização e a elaboração de soluções práticas para o retorno à realidade.

Para ilustração das etapas, apresenta-se um esquema (Figura 1) representando uma adaptação do modelo do arco de Maguerez(⁸).

Figure 1.
Esquema representativo do Arco de Maguerez.

Nesse sentindo, seguiram-se as etapas: observação da realidade, definição dos pontos-chave, teorização, hipóteses de solução e aplicação à realidade de forma colaborativa. A experiência relatada foi desenvolvida como uma etapa da disciplina “Prática Educativa em Saúde/Enfermagem”, durante os meses de agosto a outubro de 2019. Esta é uma disciplina que compreende as bases teóricas da EPS no curso de Graduação em Enfermagem da UNIR, na região Norte do Brasil.

Local

O hospital de referência para o tratamento de doenças infectocontagiosas, no município de Porto Velho, Rondônia, foi o local onde se desenvolveu a experiência, mas especificamente em três unidades de clínica médica, um setor de isolamento e uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Este hospital é uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade, sendo utilizado como campo de aprendizado prático para estudantes da área da saúde da UNIR. A partir do ano de 2020, tornou-se referência para os casos de Infecção Humana pelo novo Coronavírus (covid-19).

População

A prática educativa envolveu acadêmicos e docentes do curso de graduação de enfermagem do 7^° período, que no momento desempenhavam atividades de ensino prático nas dependências do Hospital, e trabalhadores de saúde (enfermeiros, técnicos de enfermagem e um fisioterapeuta), que estavam no exercício de suas funções determinadas por escalas de plantão em três clínicas médicas, no isolamento e na UTI.

A amostra do estudo foi de conveniência, composta por 32 participantes, sendo: sete acadêmicos de enfermagem e dois docentes da UNIR, uma enfermeira do NEP, e 22 profissionais de saúde que atuavam nas clínicas médicas, no isolamento e na UTI (16 técnicos de enfermagem; 5 enfermeiros e 1 fisioterapeuta). Importante destacar que nas clínicas médicas, no isolamento e na UTI, havia 47 potenciais participantes, os quais foram identificados por meio de escala de plantão disponibilizada pela Gerência Administrativa, e destes, 22 compuseram a amostra de modo a tornar factível a execução da Proposta de Intervenção (PI).

Os critérios de inclusão foram: ser acadêmico ou docente do curso de graduação de enfermagem do 7ª período da UNIR; trabalhadores de saúde, que estavam no exercício de suas funções determinadas por escalas de plantão no quinto e no sexto encontro organizado pelo GTPE, período em que foi desenvolvida a quinta etapa do Arco – a aplicação na realidade. Não foram incluídos no estudo os trabalhadores de saúde que estavam em afastamento, férias ou licença.

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu entre os meses de agosto e outubro de 2019, em seis encontros, considerando as etapas do Arco de Maguerez durante as rodas de conversas, com duração média de três horas cada encontro.

No primeiro encontro ocorreu a etapa inicial da coleta de dados – a observação da realidade – disparada por meio do seguinte questionamento: “Quais são as principais situações encontradas no cotidiano de trabalho pela equipe em suas práticas?” A partir das respostas dos participantes, realizou-se a listagem dos pontos-chave (primeira e segunda etapa do Arco de Maguerez). Ao final, definiu-se uma pergunta para as buscas de explicação teórica. Foi estabelecido um período de dispersão de sete dias, em que o GTPE realizou buscas em bases científicas, ampliando a compreensão do problema e seus pontos-chave por meio da teorização.

No segundo encontro, o GTPE desenvolveu as etapas de teorização e hipóteses de solução (terceira e quarta etapas do Arco de Maguerez) por meio do retorno à situação – problema principal, estratégias de buscas e discussão dos achados das bases científicas, finalizando com a indicação da construção de uma Proposta de Intervenção (PI). Foi acordado um novo período de dispersão de sete dias para reflexão e início da construção da PI base da etapa cinco: a aplicação à realidade.

No terceiro e quarto encontros, o GTPE elaborou a PI, resultando em uma proposta de ação educativa a ser aplicada nos setores anteriormente definidos para as atividades. A PI foi apresentada e discutida com as coordenações de enfermagem e fisioterapia com intuito de ampliar o debate, a aceitação, a viabilidade, a importância e a necessidade de desenvolvimento e colaboração da PI.

Na quinta etapa do Arco – a aplicação na realidade –, o uso da PI construída foi a base, consolidando-se sua implementação no quinto e no sexto encontros. Nessa etapa, o GTPE foi dividido em dois subgrupos, cada um constituído por quatro alunos e um docente e a enfermeira do NEP. Em todos os encontros foram desenvolvidas rodas de conversas e registros em diários de campo.

Ao final da quinta etapa foi reservado um momento para a avaliação da prática educativa em que os trabalhadores puderam expressar suas opiniões e percepções sobre os seguintes aspectos: a metodologia utilizada, o tempo e o local de desenvolvimento da estratégia, a relevância da atividade no contexto do trabalho, a aceitabilidade sobre a abordagem, bem como a adesão, a sensibilização, a participação e a importância da EPS no ambiente hospitalar.

Análise e Tratamento dos Dados

Os resultados foram embasados no processo de ação-reflexão-ação sobre a realidade das atividades desenvolvidas por meio do Arco de Maguerez. Os conteúdos foram registrados em diários de campo individualmente e sintetizados em um registro único. A organização do conteúdo foi realizada logo após os encontros e a transcrição lida como “memórias” no início do encontro subsequente. A condução do estudo obedeceu aos Critérios Consolidados para Relatos de Pesquisa Qualitativa – COREQ(⁹).

Aspectos Éticos

Não houve apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com base no art. 1º da Resolução do Conselho Nacional de Saúde, n.º 510 de 2016(¹⁰). Tratou-se de um relato apresentando uma discussão das exposições realizadas pelos autores deste estudo, sem identificação dos participantes e a garantia da confidencialidade e privacidade da experiência vivenciada na prática profissional.

RESULTADOS

Os resultados estão apresentados de acordo com as etapas desenvolvidas, considerando o Arco de Maguerez.

Na primeira etapa, de Observação da Realidade – constituiu-se o GTPE, com sete graduandos de enfermagem, dois docentes e uma enfermeira (coordenadora do NEP). Dentre os produtos alcançados nesta etapa, é possível destacar a aproximação com os trabalhadores, a facilidade no diálogo com os trabalhadores que atuavam no cuidado direto ao paciente, o gerenciamento e as coordenações das ações entre os participantes, além de ampliação do diálogo e o cuidado assegurado, negociando as situações importantes para a convivência e reafirmando o respeito das opiniões e entendimentos individuais quanto à unidade do grupo.

Na segunda etapa, foram elencados e agrupados os principais pontos-chave relacionados à assistência (erros de medicação, baixa higienização das mãos, dificuldades no transporte extra-hospitalar do paciente, demanda de saúde mental e déficit na devolutiva ao NEP dos problemas identificados nas clínicas pelos trabalhadores da assistência) e aqueles relacionados às ações educativas (resistência da equipe às atividades; indisponibilidade de horários, falta de estímulo dos trabalhadores para realizar qualificações, baixa adesão dos trabalhadores aos recursos físicos existentes, como o auditório, e a alta rotatividade das equipes de plantão).

A elaboração dos tópicos referentes à observação da realidade e o encontro dos pontos-chave subsidiaram a definição do problema central, que foi a base para o desenvolvimento das demais etapas do arco. Assim, a baixa adesão dos trabalhadores às ações educativas promovidas pelo NEP foi compreendida como uma situação problema prioritária para o desenvolvimento desta experiência (Figura 2).

Figure 2.
Árvore de problemas.

Na terceira etapa, denominada “teorização”, foi realizada uma busca na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) com os descritores: Educação continuada, Políticas de saúde, Estratégias, Prática Profissional e Educação em Enfermagem. Os artigos selecionados foram discutidos, compreendidos e sintetizados, com base nos elementos, nos diferentes conceitos de EPS, educação continuada e educação em saúde, bem como na compreensão da atuação do NEP, relacionando-os aos possíveis motivos de resistência às ações educativas nos diversos contextos da assistência, desde a Atenção Primária à Saúde até a atenção hospitalar.

Na quarta etapa, intitulada “hipóteses de solução”, foram elaboradas quatro possíveis elucidações para o problema central, para então ser construída uma proposta de intervenção a ser aplicada na realidade (etapa cinco), baseada em ações exequíveis no cenário. Descrevem-se a seguir as hipóteses que foram elencadas e organizadas de forma numérica (1-4).

1. A presença dos trabalhadores da assistência, articulados ao NEP e aos Núcleos de Segurança do Paciente, Hemotransfusão, Curativo e demais núcleos instituídos, facilita a identificação de problemas e, consequentemente, potencializa as ações de intervenção.

2. A compreensão dos conceitos de EPS, educação em saúde, educação continuada e educação em serviço promove a adesão dos trabalhadores às ações educativas no ambiente hospitalar.

3. As dificuldades de adesão dos trabalhadores às ações educativas são reduzidas com a ampliação dos recursos humanos.

4. As estratégias a seguir podem funcionar como alternativas potentes para integrar e sensibilizar os trabalhadores para as ações educativas. São elas: o Cine Pipoca; os pontos de leitura; as rodas de conversa; a escuta; o diálogo; a flexibilidade dos encontros; a educação no cotidiano; a progressão funcional; as reuniões da gestão do NEP; o grupo focal; os protocolos; as vivências e os compartilhamentos; a observação; a pesquisa bibliográfica e a elaboração de procedimentos operacionais padrão (POP).

Em discussão com o GTPE, chegou-se ao consenso de que a solução de hipótese número 4, referente à quarta etapa, seria a mais factível e viável para a resolução do problema em questão. Portanto, esta foi a hipótese de solução explorada na última etapa do Arco de Maguerez, denominada “aplicação à realidade”. Para tal, foi construída uma PI, considerando as estratégias encontradas na literatura(¹–⁹) que estimulassem a escuta, o diálogo, a flexibilidade dos encontros, as vivências e o compartilhamento.

Dessa forma, na etapa cinco, a intervenção foi desenvolvida em dois momentos. Inicialmente por meio de uma dinâmica intitulada “mitos e verdades”, referentes à função do NEP e à compreensão dos conceitos de EPS e educação continuada, utilizando respostas dicotômicas, tais como ser mito ou verdade, diante das seguintes sentenças:

1. O NEP é a ouvidoria do hospital, todos os problemas podem ser relatados nesse setor para serem repassados à direção do hospital. Resultado: a maioria dos trabalhadores respondeu que não.

2. O NEP é responsável pela educação dos servidores, usuários e público externo. Resultado: os trabalhadores entenderam que sim, ou seja, o NEP pode realizar essas ações.

3. A educação permanente deve ocorrer a partir da problematização do processo de trabalho e deve ser pautada nas necessidades de saúde do usuário. Resultado: a maioria dos trabalhadores assinalou a função do NEP como positiva e potencializadora das ações de EPS.

No segundo momento, utilizou-se a dinâmica intitulada “roleta lúdica”, em que os pesquisadores construíram uma roleta lúdica e colorida (Figura 3) dividida em oito compartimentos com espaços internos para a descrição das diferentes atividades em etiquetas que foram confeccionadas manualmente. As etiquetas foram elaboradas e distribuídas nesses oito compartimentos, permitindo que cada participante sorteasse um tópico por meio do giro da roleta. Cada etiqueta continha atividades educativas relacionadas às temáticas discutidas pelo NEP e demais tópicos que também poderiam ser trabalhados, mesmo que ainda não apontados pelo grupo, como: auriculoterapia; ressuscitação cardiopulmonar; segurança do paciente; Norma Regulamentadora 32; retratar a segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde; saúde mental; saúde dos trabalhadores e infecções relacionadas à assistência à saúde.

Figure 3.
A roleta lúdica.

O tópico sobre a saúde mental foi destacado e relacionado à instabilidade emocional apresentada por alguns trabalhadores. Como uma das estratégias mitigadoras dessa situação foi destacada a ação executada por um enfermeiro do hospital, que promovia oficinas de crochê e sessões de auriculoterapia.

A respeito da temática de Segurança do Paciente, foram levantadas questões estruturais e de processo de trabalho, como a inadequação das grades do leito para manutenção da segurança do paciente, a retirada inapropriada das pulseiras de identificação pelos usuários e a descortesia de acompanhantes e usuários com os profissionais. Salientaram ainda a importância da saúde do trabalhador, enfatizando a situação delicada de saúde do profissional que lida com o processo de saúde-doença do outro e de si próprio, tendo que conciliar jornadas de trabalho longas e extenuantes.

No momento avaliativo, os profissionais manifestaram reação positiva, elogiando a relevância da abordagem, com destaque para a realização das ações educativas participativas com a enfermeira coordenadora do NEP. Afirmaram ter gostado da condução da atividade, principalmente no horário de trabalho, pois permitiu maior participação. Aprenderam e tiraram dúvidas nos momentos das dinâmicas, o que possibilitou maior aprendizado, visto tais ensinamentos estarem em consonância com suas práticas cotidianas no ambiente hospitalar.

Todas as etapas percorridas – observação da realidade, pontos-chave, teorização, hipóteses de solução e aplicação à realidade(¹¹) – estão resumidamente representadas na Figura 4.

Figure 4.
Síntese da construção da prática educativa desenvolvida no ambiente hospitalar, conforme as etapas do Arco de Maguerez. *Dentre os pontos elencados pelo GTPE, este foi o prioritário para o desenvolvimento das etapas subsequentes do Arco de Maguerez.

DISCUSSÃO

A discussão que se faz neste relato procura, de fato, um diálogo com as evidências científicas encontradas nas buscas, muito mais concentradas na etapa dois, referente à teorização, que diz respeito aos caminhos possíveis para uma prática educativa desenvolvida no cotidiano do trabalho. Tendo em vista as situações resultantes da implementação das etapas do Arco de Maguerez e as estratégias que permeiam e facilitam o diálogo, investiu-se na formação e na condução de um grupo de trabalho, nos encontros dialógicos no próprio setor, no uso de dinâmica para esclarecer as dúvidas mais comuns, bem como na aplicação de instrumentos lúdicos, como a roleta lúdica.

Dessa forma, pode-se afirmar que as práticas educativas desenvolvidas no próprio setor do trabalho aprimoraram no grupo a habilidade do reconhecimento crítico da realidade, indo além da replicação de métodos, técnicas e conhecimentos. Significa oferecer ao indivíduo a possibilidade de análise de sua realidade de forma política e social, a fim de definir ações conjuntas para resolver problemas e transformar situações relacionadas à saúde(⁴,¹¹). As práticas educativas que agregaram os saberes e as necessidades dos sujeitos – os trabalhadores da saúde – contribuem para sua aprendizagem significativa(²).

O GTPE revelou-se uma estratégia educativa desde o processo de construção até a realização da prática com os profissionais. O grupo possibilitou a aproximação e a organização do trabalho, bem como para o desenvolvimento de todas as etapas do Arco de Maguerez, a partir da discussão e da troca de conhecimento entre os componentes. Este foi um achado que coaduna com outras experiências que utilizaram a problematização como um caminho capaz de, ao mesmo tempo, facilitar a participação, a fala, a escuta, a organização e ainda propor e intervir de forma adequada sobre a realidade(¹²).

A problematização proposta chama a atenção para a tomada de decisão a partir da investigação da realidade, da análise dos dados, da definição das prioridades, dos objetivos e metas, com a construção objetiva de ações e processo de avaliação. Isso foi facilitado por sua estruturação, composta pelas etapas apresentadas, articuladas à realidade vivenciada com a teoria e às intervenções factíveis ao contexto do trabalho(²,⁸).

Dessa maneira, a capacidade de governabilidade dos gestores e das equipes de trabalho em saúde foi ampliada para o enfrentamento dos problemas detectados. Em todas as etapas ocorreu o envolvimento dos sujeitos no processo de ensino e aprendizagem e articulação entre teoria e prática, resultando em uma práxis renovada, crítica, construtivista e libertadora(²,¹²).

A partir das colocações sobre mitos e verdades, os trabalhadores refletiram a respeito do papel do NEP na instituição hospitalar, bem como discutiram sobre o termo EPS e manifestaram suas dúvidas em relação aos conceitos, às atribuições do NEP e à possibilidade de considerar o Núcleo como uma ouvidoria. Refletiram ainda sobre a relevância da EPS e sua inter-relação com profissionais, pacientes e acompanhantes. A maioria dos trabalhadores assinalou a função do NEP em consonância com a literatura(¹,¹³,¹⁴), como o setor responsável por prover ações de troca de experiências, por meio de oficinas, cursos, treinamentos, dentre outras estratégias.

Durante o debate sobre as temáticas sorteadas na dinâmica (momento dois) da roleta lúdica, um aspecto a destacar foi a reação positiva às ações educativas da enfermeira coordenadora do NEP. Ficou evidente o papel educador como uma atribuição imprescindível do enfermeiro, pois seu desempenho no Núcleo foi transformador por associar educação, problematização do processo de trabalho, reflexão crítica e aprendizagem significativa(²,¹¹). Além disto, no momento avaliativo realizado ao final da dinâmica, foi possível compreender a importância das principais temáticas relacionadas ao contexto do trabalho, de modo que a prática educativa atribuiu significado e possibilitou o aprendizado dos profissionais sobre a EPS e as ações educativas propostas pelo NEP(¹).

Ao fim dos encontros, percebeu-se que os trabalhadores responderam positivamente sobre a metodologia e tempo utilizado, apresentando um entendimento ampliado sobre a EPS a partir da problematização do processo de trabalho e pautada nas necessidades de saúde do usuário. Este entendimento é imprescindível no processo de mudança das práticas e indispensável no compartilhamento de conhecimentos(¹).

Verificou-se ainda boa adesão dos participantes e grande aceitabilidade das práticas educativas aplicadas em colaboração com os autores deste estudo. Esta avaliação pode estar relacionada às estratégias de aproximação e inserção na realidade do trabalho, facilitando a participação nas atividades(⁵). A aplicação das dinâmicas como estratégia de ensino e aprendizagem oportunizou à equipe discutir e refletir sobre a importância da EPS, considerando as ações educativas já realizadas pelo NEP e permitindo o compartilhamento de saberes(¹¹).

Durante a implementação da proposta educativa, o grupo experimentou o sentimento de colaboração com a prática do serviço. Foi possível compartilhar os conhecimentos teóricos e, sobretudo, visualizar o quão importante é o trabalho do NEP(¹). Destaca-se que tal importância implica a qualificação constante para que os profissionais que atuam neste setor tenham competência e comprometimento tanto com o trabalho, quanto com o trabalhador e os usuários, foco do cuidado na unidade hospitalar. Isto garante a segurança para os servidores do hospital, usuários, acompanhantes e comunidade civil(¹,⁵).

Além de demonstrar a necessidade dos trabalhadores de saúde de acolherem a EPS e apoiá-la junto às instituições(¹¹), essa experiência permitiu verificar a aceitabilidade e a participação dos trabalhadores nas ações educativas desenvolvidas junto ao NEP. De fato, quando há trabalho pedagógico com rigor metodológico e leveza da propositura construtiva, com estratégias possíveis de agregar entendimento aos participantes, o trabalho é muito mais valorizado, acolhedor e resolutivo(²). Essa experiência mostrou-se exitosa no ambiente hospitalar e uma importante estratégia para a aplicação de uma tecnologia relacional na EPS, em colaboração com docentes, discentes e trabalhadores do sistema de saúde, devendo, portanto, ser compartilhada.

CONCLUSÃO

As ações de EPS demonstram ser estratégias para ampliar o conhecimento por meio do compartilhamento de novas tecnologias e experiências com a equipe e o público externo. A aplicação à realidade dos profissionais, possibilitada pela problematização ancorada no Arco de Maguerez, foi relevante pela inserção na rotina dos profissionais, e pela compreensão da dinâmica do trabalho nos setores, na busca de se contemplar o maior quantitativo de trabalhadores. Além disso, foi uma boa oportunidade de contribuição para a formação pedagógica dos estudantes, bem como para a definição de estratégias para potencializar os processos de educação permanente.

As dinâmicas utilizadas durante a aplicação à realidade, intituladas “mitos e verdades” e “roleta lúdica”, mostraram-se importantes tecnologias facilitadoras no que diz respeito à participação e reflexão dos trabalhadores de saúde sobre as ações de EPS. Desse modo, a divulgação deste relato contribui para os trabalhadores de saúde, em especial a enfermagem, uma vez que tais tecnologias podem favorecer a sensibilização dos profissionais sobre o ensino e a aprendizagem no trabalho na área hospitalar, o que poderá promover a adesão dos trabalhadores às ações desenvolvidas pelo NEP, demonstrando suas opiniões, compartilhando saberes, de modo a ressignificar as atribuições deste núcleo sobre os processos formativos dentro do ambiente hospitalar.

A não contemplação de maior quantitativo de trabalhadores na aplicação da quinta etapa do Arco – aplicação à realidade – foi fator limitante, e sinaliza para que em novas iniciativas semelhantes, os momentos da intervenção ocorram em períodos ampliados. Os resultados da prática educativa realizada evidenciaram a significância da integração ensino-serviço e da utilização de estratégias pedagógicas problematizadoras e participativas para o fortalecimento dos processos de educação permanente.

EDITOR ASSOCIADO

Thelma Leite de Araújo

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Jun 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  19 Nov 2021
• Aceito
  04 Maio 2022