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Suicídio em idosos: um estudo epidemiológico

RESUMO

Objetivo:

Analisar a incidência e os meios usados no suicídio de idosos no Brasil.

Método:

Pesquisa epidemiológica, transversal, quantitativa e retrospectiva. Os dados foram obtidos em uma plataforma do Ministério da Saúde e analisados. Calculou-se o coeficiente de mortalidade e foram obtidas médias e percentuais quanto aos meios utilizados.

Resultados:

No período, ocorreram 8.977 suicídios na população acima de 60 anos. As taxas de suicídio mais elevadas concentram-se na população acima de 80 anos, que apresentou média de 8,4/100.000 no período, e entre 70 e 79 anos, com taxa média de 8,2/100.000. Considerando-se a totalidade da população idosa acima de 60 anos, o valor chegou a 7,8/100.000, enquanto na população geral ficou em 5,3/100.000. Os valores mantêm-se sempre superiores entre a população idosa: a taxa média dos últimos 5 anos entre idosos é 47,2% superior à média da população geral. O principal meio foi enforcamento (68%), seguido por arma de fogo (11%), autointoxicações (9%), precipitação de lugar elevado (5%) e meios indefinidos ou indeterminados (6%).

Conclusão:

Análises epidemiológicas trazem visibilidade ao binômio envelhecimento e suicídio, corroborando a pertinência do tema.

DESCRITORES
Idoso; Suicídio; Epidemiologia; Enfermagem Geriátrica

ABSTRACT

Objective:

To analyze the incidence and means of elderly suicide in Brazil.

Method:

Epidemiologic, cross-sectional, quantitative, and retrospective study. The data were obtained in a platform maintained by the Ministry of Health and analyzed. The mortality rate was calculated and means and percentages regarding the employed means of suicide were obtained.

Results:

In this period, 8,977 suicides took place among the population over 60 years. The highest suicide rates were concentrated in the population over 80, which presented a mean 8.4/100,000 for this period, and between 70 and 79 years, with a mean rate of 8.2/100,000. Considering the total elderly population over 60 years, this value reached 7.8/100,000, whereas in the general population this was 5.3/100,000. The values are always higher among the elderly population: the mean rate in the last five years among the elderly is 47.2% higher than the mean for the general population. The main mean of suicide was hanging (68%), followed by firearm (11%), self-intoxication (9%), falling from a high place (5%), and undefined or undetermined means (6%).

Conclusion:

Epidemiologic analyses bring visibility to the dyad aging and suicide, corroborating the pertinence of this theme.

DESCRIPTORS
Aged; Suicide; Epidemiology; Geriatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la incidencia y los medios de suicidio utilizados por ancianos en Brasil.

Método:

Estudio epidemiológico, transversal, cuantitativo y retrospectivo. Los datos se obtuvieron de una plataforma del Ministerio de Sanidad y se analizaron. Se calculó el coeficiente de mortalidad y se obtuvieron los promedios y porcentajes de los medios utilizados.

Resultados:

En el periodo, se produjeron 8.977 suicidios en la población mayor de 60 años. Las tasas de suicidio más elevadas se concentraron en la población mayor de 80 años, que tuvo una media de 8,4/100.000 en el periodo, y entre 70 y 79 años, con una tasa media de 8,2/100.000. Considerando el conjunto de la población anciana mayor de 60 años, la cifra alcanzó el 7,8/100.000, mientras que en la población general fue del 5,3/100.000. Los valores se mantuvieron más altos entre la población anciana: la tasa media de los últimos 5 años entre los ancianos es un 47,2% superior a la media de la población general. El principal medio de suicidio fue el ahorcamiento (68%), seguido de las armas de fuego (11%), la autointoxicación (9%), alturas (5%) y los medios indefinidos o indeterminados (6%).

Conclusión:

Los análisis epidemiológicos aportan visibilidad al binomio envejecimiento y suicidio, corroborando la relevancia del tema.

DESCRIPTORES
Anciano; Suicidio; Epidemiología; Enfermería Geriátrica

INTRODUÇÃO

Os desafios trazidos pelo progressivo envelhecimento da população mundial vêm sendo discutidos tanto na literatura acadêmica quanto por diversos setores da sociedade nas últimas décadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com idade superior a 60 anos chegará a 2 bilhões até 2050, de modo que representará um quinto da população mundial. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)(11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2016 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
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) aponta que em 2016 o Brasil já tinha a quinta maior população idosa do mundo(22 Organização Mundial da Saúde. Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde [Internet]. Genebra: OMS; 2015 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: http://sbgg.org.br/wp-content/uploads/2015/10/OMS-ENVELHECIMENTO-2015-port.pdf
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) e que, em 2030, o número de idosos terá ultrapassado o total de crianças entre zero e 14 anos(11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2016 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
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).

Uma vida mais longa pode trazer perspectivas auspiciosas: mais tempo para dedicar-se aos relacionamentos com familiares e amigos, para dedicar-se às suas paixões, para desfrutar das conquistas e engajar-se em novas buscas. Essa experiência positiva de envelhecimento, porém, depende da possibilidade de ser vivenciada com saúde e qualidade.

É importante que o processo de envelhecer se integre ao cotidiano, às limitações físicas, processos de adoecimento e alterações na composição da rede social e familiar, ressignificando as formas de viver e o sofrimento relacionado às progressivas perdas por meio de uma visão de crescimento e evolução. Alguns idosos, porém, podem expressar dificuldades que se arrastam, cristalizam e podem evoluir para melancolia, depressão e suicídio(33 Sousa GS, Silva RM, Figueiredo AEB, Minayo MCS, Vieira LJES. Circunstâncias que envolvem o suicídio de pessoas idosas. Interface (Botucatu). 2014;18(49):389-402. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0241
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).

Os idosos são considerados o grupo populacional de maior risco para o suicídio em todo o mundo. Apesar disso, esse fenômeno ainda recebe pouca atenção das autoridades da área de saúde pública, de pesquisadores e da mídia, os quais, em suas reflexões e ações, costumam priorizar os grupos populacionais mais jovens(44 Pinto LW, Pires TO, Silva CMFP, Assis SG. Evolução temporal da mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos estados brasileiros, 1980 a 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17( 8 ):1973-81. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232012000800008
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).

Isolamento social, falta de uma rede de apoio, solidão, luto pela perda de companheiro e filhos, assim como patologias relacionadas a fragilidade, quadros demenciais e depressão, são fatores de risco para o suicídio entre idosos, bem como ideações, tentativas prévias e acesso aos meios(44 Pinto LW, Pires TO, Silva CMFP, Assis SG. Evolução temporal da mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos estados brasileiros, 1980 a 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17( 8 ):1973-81. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232012000800008
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5 Ciulla L, Nogueira EL, Silva Filho IG, Tres GL, Engroff P, Ciulla V, et al. Suicide risk in the elderly: data from Brazilian public health care program. J Affect Dis. 2014;152:513-6. doi: https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.05.090
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-66 Zhang W, Ding H, Su P. Does disability predict attempted suicide in the elderly? A community-based study of elderly residents in Shanghai, China. Aging Ment Health. 2016;20(1):81-7. doi: https://doi.org/10.1080/13607863.2015.1031641
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).

O suicídio é um ato de autoaniquilamento associado à percepção da morte como a melhor solução para escapar de uma dor psíquica insuportável. Assim, o suicídio emerge de decisões pessoais, mas é influenciado por fatores sociais e microssociais(33 Sousa GS, Silva RM, Figueiredo AEB, Minayo MCS, Vieira LJES. Circunstâncias que envolvem o suicídio de pessoas idosas. Interface (Botucatu). 2014;18(49):389-402. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0241
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).

Estima-se que, anualmente, mais de 800 mil pessoas morram por suicídio e que, a cada adulto que se suicida, pelo menos outros 20 atentem contra a própria vida(77 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde. Suicídio: saber, agir e prevenir. Perfil epidemiológico das tentativas e óbitos por suicídio no Brasil e a Rede de Atenção à Saúde [Internet]. Brasília; 2017 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
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). No Brasil, ocorrem cerca de 10 mil mortes por suicídio por ano, com valores estáveis ao longo dos últimos anos. O coeficiente médio de mortalidade por suicídio no período 2004-2010 foi de 5,7/100 mil (7,3/100 mil no sexo masculino e 1,9/100 mil no feminino), valor que, se comparado aos de outros países, pode ser considerado baixo. Entretanto, os dados identificados na série de 1994 a 2004 apontam que alguns estados brasileiros já apresentam taxas comparáveis aos países que possuem incidência de suicídios de média a elevada - especialmente entre idosos(88 Botega NJ. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicol USP. 2014;25(3);231-6. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564d20140004
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9 Marín-León L, Oliveira HB, Botega NJ. Suicide in Brazil, 2004-2010: the importance of small counties. Rev Panam Salud Pública. 2012;32(5):351-9.
-1010 Minayo MCS, Cavalcante FG. Suicide in elderly people: a literature review. Rev Saúde Pública. 2010; 44(4):750-7. doi: https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000400020
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).

Diante das altas taxas de suicídio em idosos, traduzidas por meio dos dados epidemiológicos apresentados, e considerando o crescimento da população idosa, suas vulnerabilidades e a reduzida atenção às questões de saúde mental, justifica-se a pertinência deste estudo.

Segundo a OMS, suicídios são evitáveis. Há uma série de medidas de prevenção ao suicídio e suas tentativas com estratégias universais, indicadas e seletivas. Entre essas estratégias, inclui-se a promoção de capacitação e treinamento para profissionais de saúde, em especial os não-especialistas em saúde mental, e profissionais de outras áreas, como professores e profissionais da mídia, visando à divulgação segura de informações e à conscientização do público. Também é importante a redução de acesso aos meios (por exemplo, pesticidas, armas de fogo e certas medicações) e vigilância em saúde, com melhora na obtenção e análise de dados sobre suicídios e tentativas de suicídio(1111 World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2019 June 15]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/131056/9789241564779_eng.pdf?sequence=1
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).

Desse modo, este estudo objetiva analisar a incidência e os meios usados no suicídio de idosos no Brasil.

MÉTODO

Tipo de estudo

Pesquisa epidemiológica, transversal, quantitativa, retrospectiva.

Coleta de dados

Os dados sobre suicídios de idosos foram coletados a partir do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS) disponíveis no site do Departamento de Estatística do SUS - DATASUS(1212 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. Brasília; 2016 [citado 2019 mar. 6]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10
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).

O DATASUS é responsável por administrar e divulgar informações de saúde, indicadores epidemiológicos, informações de morbimortalidade e demográficas. O acesso às informações é de domínio público por meio da interface online TABNET, um programa estatístico elaborado para tabulação rápida de informações em saúde fornecidas pelo Ministério da Saúde no Brasil.

A coleta foi realizada nos meses de junho e julho de 2019 e considerou o período de 2012 a 2016.

Critérios de seleção

Dados de pessoas com 60 anos ou mais sobre suicídio de ambos os sexos. Empregou-se a 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), códigos X60 a X84, para a identificação dos meios utilizados no suicídio. Os CID com meios semelhantes foram agrupados para melhor análise do fenômeno, de modo que os dados estão apresentados segundo a organização disposta no Quadro 1.

Quadro 1
CID referentes aos meios de suicídio, agrupados por semelhança ou por baixa incidência (menos de 1%) - São Paulo, SP, Brasil, 2019.

Análise e tratamento dos dados

No cálculo das taxas de mortalidade por suicídio, foi considerada como numerador a quantidade de óbitos por suicídio ocorridos no ano e, como denominador, a estimativa populacional pela faixa etária no país, fornecida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(11 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira: 2016 [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98965.pdf
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) para o ano. Foram considerados para análise os sexos (masculino e feminino) e as faixas etárias referentes à população idosa (60 a 69 anos, 70 a 79 anos e 80 anos ou mais), também se relacionando os dados à população geral.

Desse modo, a incidência de suicídio de idosos no Brasil foi analisada a partir das taxas (número de suicídios/número de habitantes multiplicado por 100.000) e sua evolução temporal entre 2012 e 2016. Foi também calculada a taxa média de suicídios no período por faixa etária e na população geral e a proporção do uso dos diferentes meios de suicídio por idosos e pela população geral por sexo.

Aspectos éticos

Por trata-se de um estudo com base em dados secundários e de livre acesso, não houve a necessidade de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

As taxas de suicídio mais elevadas concentram-se na população acima de 80 anos, que apresentaram média de 8,4/100.000 habitantes no período, e entre 70 e 79 anos, com taxa média de 8,2/100.000. Considerando-se a totalidade da população idosa acima de 60 anos, o valor da taxa média de suicídio chegou a 7,8/100.000, enquanto na população geral o valor ficou em 5,3/100.000. Os valores mantêm-se sempre superiores entre a população idosa: a taxa média dos últimos 5 anos entre idosos é 47,2% superior à média da população geral.

Os dados referentes às taxas de suicídio na população geral, em idosos (população total acima de 60 anos), idosos entre 60 e 69 anos, entre 70 e 79 anos e 80 anos ou mais, por sexo, nos anos de 2012 a 2016, são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Número total e taxa de suicídio em idosos (população total acima de 60 anos) e na população geral, de 2012 a 2016, no Brasil - São Paulo, SP, Brasil, 2019.

A evolução temporal da taxa de suicídios em ambos os sexos entre 60 e 69 anos, entre 70 e 79 anos e 80 anos ou mais no Brasil entre os anos de 2012 e 2016 está apresentada na Figura 1.

Figura 1
Evolução da Taxa de suicídios em idosos de ambos os sexos (população total acima de 60 anos) e na população geral no Brasil de 2012 a 2016.

A taxa de 2016 é 5,7% maior que a de 2012 na população geral, enquanto os valores na população idosa, apesar de oscilarem (tendo redução de 9% em 2014), mantiveram-se os mesmos em 2012 e 2016 - 8,0/100.000. Entretanto, quando consideramos a distribuição por sexo, observamos um panorama muito diferente. As taxas de suicídio por sexo na população idosa (acima de 60 anos) e na população geral entre 2012 e 2016 estão apresentadas na Figura 2.

Figura 2
Taxa de suicídio (número de suicídios por 100.000 habitantes) por sexo em idosos e na população geral entre 2012 e 2016.

Entre homens idosos, houve um aumento de 2,8% (de 14,4/100.000 para 14,8/100.000) nas taxas de suicídio no período, enquanto em mulheres idosas houve uma redução de 10,3% (de 2,9/100.000 para 2,6/100.000). Em homens na população geral, o aumento foi de 4,7% (de 8,5/100.000 para 8,9/100.000) e, em mulheres na população geral, os valores se mantiveram estáveis (2,3/100.000). Nota-se que, tanto na população idosa quanto na população geral, o aumento ocorreu exclusivamente na população masculina.

Em relação aos meios usados no suicídio em idosos, a proporção de mortes por enforcamento, arma de fogo, afogamento e outros meios vem se mantendo estável nos últimos 5 anos. Esses dados, porém, diferem muito entre homens e mulheres. Os dados referentes à proporção de uso dos diferentes meios de suicídio entre homens e mulheres idosos entre 2012 e 2016 encontram-se na Figura 3.

Figura 3
Proporção de uso dos diferentes meios de suicídio entre homens e mulheres acima de 60 anos entre 2012 e 2016, por CID.

Em idosos de ambos os sexos, o enforcamento foi o meio mais utilizado em todo o período estudado (67% para homens e 59% para mulheres); o mesmo padrão se observa na população geral.

Os demais meios diferem entre homens e mulheres: para os homens idosos, as armas de fogo ocupam o segundo lugar (13%), seguido das autointoxicações (9%), lesões com objetos cortantes e precipitação de lugar elevado (ambos com 3%) e meios não especificados (2%). Afogamentos, fogo e chamas e demais meios tiveram apenas 1%.

Para mulheres idosas, em segundo lugar estão as autointoxicações (18%) e, em terceiro, a precipitação de lugar elevado (10%). Lesões autoprovocadas por fumaça, fogo e chamas ocupam o 4º lugar (5%) e lesões autoprovocadas intencionalmente por objeto cortante e por objeto contundente, lesões autoprovocadas por afogamento, assim como armas de fogo, são responsáveis igualmente por 3% dos suicídios de mulheres idosas.

Entre as substâncias utilizadas para autointoxicação, as mais utilizadas em ambos os sexos entre idosos são os pesticidas (43%); em segundo lugar, estão medicações (25,1%) e em terceiro lugar, produtos químicos e substâncias nocivas não especificadas (23,7%). No que se refere às autointoxicações por medicações, as mais utilizadas são as não especificadas (49,8%), drogas anticonvulsivantes, sedativos, hipnóticos e antiparkinsonianos (40,1%) e anti-inflamatórios (4,8%).

DISCUSSÃO

Estudos datados do século XX já traziam à tona considerações sobre os principais fatores associados a ideação, tentativas e suicídio propriamente dito, considerando a complexidade e a associação de fatores físicos, sociais, mentais e biológicos. No entanto, é pouco explorado que na população idosa o fenômeno é mais incidente(1313 Machado DB, Santos DN. Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012. J Bras Psiquiatr. 2015;64(1):45-54. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000056
http://dx.doi.org/10.1590/0047-208500000...

14 Kumar P.NS, Anish PK, George B. Risk factors for suicide in elderly in comparison to younger age groups. Indian J Psychiatry. 2015;57(3):249-54. doi: http://dx.doi.org/10.4103/0019-5545.166614
http://dx.doi.org/10.4103/0019-5545.1666...
-1515 Teixeira RR. Três fórmulas para compreender "O suicídio" de Durkheim. Interface (Botucatu). 2002;6(11):143-52. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832002000200021
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).

De acordo com o Relatório Global para Prevenção do Suicídio da OMS de 2014(1111 World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2019 June 15]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/131056/9789241564779_eng.pdf?sequence=1
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), as taxas mais altas de suicídio estão entre as pessoas acima dos 70 anos de idade em todo o mundo, corroborando este estudo, no qual os valores da taxa de suicídio mantêm-se sempre superiores entre a população idosa: a média dos últimos 5 anos entre idosos é 47,2% superior à média da população geral.

Neste estudo, evidencia-se que, no Brasil, as taxas de suicídio mais elevadas concentram-se na população acima de 80 anos e entre 70 e 79 anos. Um estudo realizado na região Sul do Brasil também evidencia esses resultados e aponta o principal meio utilizado em idades mais avançadas como sendo o enforcamento. Embora o suicídio na região tenha diminuído, aumentou temporalmente em idosos mais velhos(44 Pinto LW, Pires TO, Silva CMFP, Assis SG. Evolução temporal da mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos estados brasileiros, 1980 a 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17( 8 ):1973-81. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232012000800008
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,1616 Rosa NM, Oliveira RR, Arruda GO, Mathias TAF. Mortalidade por suicídio no Estado do Paraná segundo meios utilizados: uma análise epidemiológica. J Bras Psiquiatr. 2017;66(2):73-82. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000153
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).

Tendo em vista os números relacionados aos idosos mais velhos e os programas de prevenção sugeridos pela OMS, faz-se necessário um olhar para os idosos mais jovens, já que estudos relatam que as motivações para as tentativas de suicídio podem estar relacionadas a crise econômica, papel social e solidão. Agir em tempo oportuno pode ser crucial para evitar o suicídio com o avanço da idade(44 Pinto LW, Pires TO, Silva CMFP, Assis SG. Evolução temporal da mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos estados brasileiros, 1980 a 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17( 8 ):1973-81. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232012000800008
http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232012...
,1717 Cerqueira CJL, Passos ALV, Araújo LF, Oliveira JV. Análise psicossocial do envelhecimento entre idosos: as suas representações sociais. Actual Psicol. 2020;34(128):1-15. doi: https://doi.org/10.15517/ap.v34i128.35246
https://doi.org/10.15517/ap.v34i128.3524...

18 Stanley IH, Hom MA, Rogers ML, Hagan CR, Joiner Jr TE. Understanding suicide among older adults: a review of psychological and sociological theories of suicide. Aging Ment Health. 2016;20(2):113-22. doi: https://doi.org/10.1080/13607863.2015.1012045
https://doi.org/10.1080/13607863.2015.10...

19 Meneghel SN, Moura R, Hesler, LZ, Gutierrez DMD. Tentativa de suicídio em mulheres idosas: uma perspectiva de gênero. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(6):1721-30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015206.02112015.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
-2020 Marquetti FR, Marquetti FC. Suicídio e feminilidades. Cadernos Pagu. 2017;(49):e174921. doi: https://doi.org/10.1590/18094449201700490021
https://doi.org/10.1590/1809444920170049...
).

Segundo a Sociedade Brasileira de Geriatria a Geronto logia, os idosos são a população que contabiliza menos tentativas; porém, uma em quatro tentativas resulta em morte, uma relação tentativa/suicídio muito superior à da população geral(55 Ciulla L, Nogueira EL, Silva Filho IG, Tres GL, Engroff P, Ciulla V, et al. Suicide risk in the elderly: data from Brazilian public health care program. J Affect Dis. 2014;152:513-6. doi: https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.05.090
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.05.09...
,1818 Stanley IH, Hom MA, Rogers ML, Hagan CR, Joiner Jr TE. Understanding suicide among older adults: a review of psychological and sociological theories of suicide. Aging Ment Health. 2016;20(2):113-22. doi: https://doi.org/10.1080/13607863.2015.1012045
https://doi.org/10.1080/13607863.2015.10...
,2121 Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Dia Mundial do Combate ao Suicídio: depressão entre idosos: precisamos falar sobre isso [Internet]. São Paulo: SBGG; 2016 [citado 2019 jun. 16]. Disponível em: https://sbgg.org.br/1009-dia-mundial-do-combate-ao-suicidio-depressao-entre-idosos-precisamos-falar-sobre-isso/
https://sbgg.org.br/1009-dia-mundial-do-...
).

Temporalmente o número de suicídios vem aumentando em diversas partes do mundo, fazendo com que a ONU/OPAS tenha reconhecido o suicídio e as tentativas como uma prioridade na agenda global de saúde, incentivando os países a desenvolverem e reforçarem estratégias de prevenção como parte da Agenda de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, especificamente na meta 3,4(2222 Nações Unidas Brasil. Suicídio é grave problema de saúde pública e prevenção deve ser prioridade [Internet]. Brasília: ONU; 2018 [citado 2019 jun. 16]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/suicidio-e-grave-problema-de-saude-publica-e-prevencao-deve-ser-prioridade-diz-opas-oms/
https://nacoesunidas.org/suicidio-e-grav...
).

Este estudo aponta que, tanto na população idosa quanto na geral, o aumento ocorreu exclusivamente entre homens: entre homens idosos, houve um aumento de 2,3% nas taxas de suicídio. Acredita-se que os homens tenham mais comportamentos de competitividade e impulsividade que mulheres e apresentem maior consumo de drogas e álcool, considerados fatores de risco para o suicídio(33 Sousa GS, Silva RM, Figueiredo AEB, Minayo MCS, Vieira LJES. Circunstâncias que envolvem o suicídio de pessoas idosas. Interface (Botucatu). 2014;18(49):389-402. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0241
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013....

4 Pinto LW, Pires TO, Silva CMFP, Assis SG. Evolução temporal da mortalidade por suicídio em pessoas com 60 anos ou mais nos estados brasileiros, 1980 a 2009. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17( 8 ):1973-81. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232012000800008
http://dx.doi.org/10.1590/s1413-81232012...
-55 Ciulla L, Nogueira EL, Silva Filho IG, Tres GL, Engroff P, Ciulla V, et al. Suicide risk in the elderly: data from Brazilian public health care program. J Affect Dis. 2014;152:513-6. doi: https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.05.090
https://doi.org/10.1016/j.jad.2013.05.09...
).

Um dado importante é que o estudo encontrou um decréscimo de 10,3% em suicídios de idosas; entre mulheres da população geral, os valores se mantiveram estáveis. Trata-se de um fenômeno pouco estudado, embora se saiba que, com exceção da China, predomina entre homens de todas as faixas etárias. O paradoxo de gênero do suicídio - mulheres fazem mais tentativas, mas os homens morrem por suicídio com mais frequência - tem sido explicado a partir do uso de meios mais letais por eles, além da cobrança social por atitudes mais impulsivas e audaciosas(66 Zhang W, Ding H, Su P. Does disability predict attempted suicide in the elderly? A community-based study of elderly residents in Shanghai, China. Aging Ment Health. 2016;20(1):81-7. doi: https://doi.org/10.1080/13607863.2015.1031641
https://doi.org/10.1080/13607863.2015.10...
,2020 Marquetti FR, Marquetti FC. Suicídio e feminilidades. Cadernos Pagu. 2017;(49):e174921. doi: https://doi.org/10.1590/18094449201700490021
https://doi.org/10.1590/1809444920170049...
,2323 Schrijvers DL, Bollen J, Sabbe BGC. The gender paradox in suicidal behavior and its impact on the suicidal process. J Affect Dis. 2012;138 (1-2):19-26. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2011.03.050
http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2011.03....
).

Além disso, pode-se intuir que as mulheres procuram mais os serviços de saúde e têm mais facilidade em lidar com questões relacionadas a estigma, preconceitos e tabus o que, por sua vez, permite que cuidados em saúde mental sejam mais dispensados para essa população. A manutenção de papéis sociais, como os de mãe e avó, não se aplica aos homens, que, com o envelhecimento, frequentemente perdem seu papel de provedor; tal fator também parece ter forte influência no paradoxo de gênero do suicídio durante o envelhecimento(2020 Marquetti FR, Marquetti FC. Suicídio e feminilidades. Cadernos Pagu. 2017;(49):e174921. doi: https://doi.org/10.1590/18094449201700490021
https://doi.org/10.1590/1809444920170049...
,2323 Schrijvers DL, Bollen J, Sabbe BGC. The gender paradox in suicidal behavior and its impact on the suicidal process. J Affect Dis. 2012;138 (1-2):19-26. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2011.03.050
http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2011.03....
).

No que se refere aos meios, o enforcamento foi o mais utilizado em ambos os sexos. Estudos indicam que sua escolha se dá pela facilidade do acesso, potencial de letalidade e tempo de socorro em geral insuficiente. Idosos tendem a utilizar meios mais letais que jovens e, em geral, o realizam no domicílio, o que pode dificultar medidas de prevenção que sugiram restrição aos meios(33 Sousa GS, Silva RM, Figueiredo AEB, Minayo MCS, Vieira LJES. Circunstâncias que envolvem o suicídio de pessoas idosas. Interface (Botucatu). 2014;18(49):389-402. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0241
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013....
,66 Zhang W, Ding H, Su P. Does disability predict attempted suicide in the elderly? A community-based study of elderly residents in Shanghai, China. Aging Ment Health. 2016;20(1):81-7. doi: https://doi.org/10.1080/13607863.2015.1031641
https://doi.org/10.1080/13607863.2015.10...
,88 Botega NJ. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicol USP. 2014;25(3);231-6. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564d20140004
http://dx.doi.org/10.1590/0103-6564d2014...
).

Ao se analisarem os resultados, pode-se perceber que os demais meios diferem entre homens e mulheres. Um estudo epidemiológico explora que essa diferença pode ser explicada historicamente pelo maior acesso dos homens aos meios mais letais e pela menor exposição das mulheres a sentimentos de falência frente a insucesso financeiro, competitividade e impulsividade(1919 Meneghel SN, Moura R, Hesler, LZ, Gutierrez DMD. Tentativa de suicídio em mulheres idosas: uma perspectiva de gênero. Ciênc Saúde Coletiva. 2015;20(6):1721-30. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015206.02112015.
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
,2323 Schrijvers DL, Bollen J, Sabbe BGC. The gender paradox in suicidal behavior and its impact on the suicidal process. J Affect Dis. 2012;138 (1-2):19-26. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2011.03.050
http://dx.doi.org/10.1016/j.jad.2011.03....
-2424 Dantas ESO. Prevenção do suicídio no Brasil: como estamos? Physis. 2019;29(3):e290303. doi: https://doi.org/10.1590/s0103-73312019290303
https://doi.org/10.1590/s0103-7331201929...
).

As armas de fogo ocupam o segundo lugar neste estudo. De acordo com a Pesquisa Global de Mortalidade por Armas de Fogo(2525 The Global Burden of Disease. Injury collaborators: global mortality from firearms: 1990-2016. JAMA. 2018:;8(1):792-814. doi: http://dx.doi.org/10.1001/jama.2018.10060
http://dx.doi.org/10.1001/jama.2018.1006...
), a Groenlândia foi o país com a maior taxa de suicídios causados por arma de fogo, com taxa de 22 mortes a cada 100 mil pessoas. Em segundo lugar, ficaram os Estados Unidos, em que 50,57% dos suicídios ocorrem por esse meio. Tal escolha está intimamente ligada com o potencial de letalidade e com o maior acesso dos homens às armas(1212 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. Brasília; 2016 [citado 2019 mar. 6]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
,2626 American Foundation for Suicide Prevention. Suicide statistics: additional facts about suicide in the US [Internet]. Washington; 2019 [cited 2019 June 16]. Available from: https://afsp.org/about-suicide/suicide-statistics/
https://afsp.org/about-suicide/suicide-s...
).

As autointoxicações ocupam o segundo lugar para as mulheres e terceiro lugar para os homens. Estudos relatam que muitas tentativas de suicídio se dão com a utilização desses meios, tornando fundamental a integração das ações de promoção, prevenção e notificação dessas ocorrências, evitando assim reincidência e óbito por suicídio. Tentativas anteriores são fatores de risco para óbito(1111 World Health Organization (WHO). Preventing suicide: a global imperative [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2019 June 15]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/131056/9789241564779_eng.pdf?sequence=1
http://apps.who.int/iris/bitstream/handl...
).

No presente estudo, os pesticidas foram utilizados em 43% dos óbitos por autointoxicação. Outro estudo brasileiro encontrou 40% de morte por suicídios na população geral decorrentes do uso de pesticidas comercializados ilegalmente, sugerindo controle e fiscalização inadequadas no Brasil(77 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde. Suicídio: saber, agir e prevenir. Perfil epidemiológico das tentativas e óbitos por suicídio no Brasil e a Rede de Atenção à Saúde [Internet]. Brasília; 2017 [citado 2019 jun. 15]. Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2017/setembro/21/2017-025-Perfil-epidemiologico-das-tentativas-e-obitos-por-suicidio-no-Brasil-e-a-rede-de-atencao-a-saude.pdf
http://portalarquivos2.saude.gov.br/imag...
).

Outro dado importante são as medicações prescritas e não prescritas. Um estudo brasileiro destacou a dipirona como a substância mais frequente nas tentativas de suicídio na população geral, diferentemente de outros países, onde o paracetamol e os salicilatos ocupam os primeiros lugares em proporções similares às dos antidepressivos e tranquilizantes(2727 Bernardes SS, Turini CA, Matsuo T. Perfil das tentativas de suicídio por sobredose intencional de medicamentos atendidas por um Centro de Controle de Intoxicações do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública. 2010;26(7):1366-72. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2010000700015
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000...
). Este estudo identificou que as medicações mais utilizadas foram as drogas anticonvulsivantes, sedativos, hipnóticos, antiparkinsonianos, psicotrópicos e medicações não especificadas. Idosos têm acesso a diversos fármacos prescritos e a maior carga de doenças aumenta a probabilidade de consumo desnecessário de medicamentos, sugerindo o que se chama de polifarmácia. Combinações farmacológicas podem representar potenciais perigos de reações adversas. Além disso, interações medicamentosas contraindicadas podem elevar o risco de óbito por overdose e suicídio(2828 Pereira KG, Peres MA, Iop D, Boing AC, Boing AF, Aziz M, et al. Polifarmácia em idosos: um estudo de base populacional. Rev Bras Epidemiol. 2017;20(2):335-44. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1980-5497201700020013
http://dx.doi.org/10.1590/1980-549720170...
).

Os suicídios por lesões com objetos cortantes, precipitação de lugar elevado, meios não especificados, afogamentos, fogo e chamas e demais ocupam menos de 3% dos meios utilizados por essa população; no entanto, estes requerem uma especial atenção, pois, ainda que representassem somente um caso, o desfecho é sempre a morte. Em outras faixas etárias, as lesões com objetos cortantes fazem parte de números expressivos em tentativas de suicídio(1212 Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Sistema de Informações sobre Mortalidade [Internet]. Brasília; 2016 [citado 2019 mar. 6]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/ext10
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
).

Em relação à declaração de óbito, os dados podem ser subnotificados, dependendo do olhar de quem o declara. Muitos tabus e dificuldades burocráticas estão inseridas nesse contexto, como a imagem idealizada pós-morte, burocracias relacionadas a seguros de vida e necessidade de precisão causal(2929 Vidal CEL, Gontijo ECDM, Lima LA. Tentativas de suicídio: fatores prognósticos e estimativa do excesso de mortalidade. Cad Saúde Pública. 2013;29(1):175-187. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013000100020
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2013...
). A subnotificação é um desafio a ser superado para permitir análises epidemiológicas fidedignas e, assim, embasar estratégias de cuidado eficazes.

Aparentemente, a morte por enforcamento apresenta menor probabilidade de subnotificação, já que, geralmente, a intenção da morte é mais clara. Autointoxicações e mortes por arma de fogo são frequentemente registradas como de intenção indeterminada, assim como precipitações e afogamento(1616 Rosa NM, Oliveira RR, Arruda GO, Mathias TAF. Mortalidade por suicídio no Estado do Paraná segundo meios utilizados: uma análise epidemiológica. J Bras Psiquiatr. 2017;66(2):73-82. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000153
http://dx.doi.org/10.1590/0047-208500000...
). No ano de 2009, as notificações em casos de tentativas de suicídio tornaram-se compulsórias. Justifica-se a inclusão desse agravo na lista de notificação imediata com o objetivo de dimensionar a magnitude do fenômeno e impulsionar a rápida tomada de decisão, como o encaminhamento e vinculação do paciente aos serviços da rede de atenção psicossocial.

Os resultados encontrados denotam a necessidade de ações voltadas para essa população. Recentemente foi promulgada a Lei 13.819/abril de 2019, que trata sobre a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Espera-se que essa lei desencadeie ações relacionadas à promoção de saúde mental, prevenção da violência autoprovocada e fortalecimento de ações psicossociais que dão ênfase aos cuidados em saúde mental. Abordagens multidisciplinares de base comunitária que envolvam intervenções iniciais como acolhimento, indentificação de risco e acompanhamento compõem as abordagens mais indicadas(3030 Brooks SE, Burruss SK, Mukherjee K. Suicide in the elderly: a multidisciplinary approach to prevention. Clin Geriatr Med. 2019;35(1):133-45. doi: https://doi.org/10.1016/j.cger.2018.08.012
https://doi.org/10.1016/j.cger.2018.08.0...
).

Diversos estudos tratam do envelhecimento da população, assim como do suicídio em geral; no entanto, poucos consideram esse binômio nas publicações científicas, especialmente no que se refere aos meios utilizados. Esse fato fragiliza a discussão, configurando uma das limitações deste estudo. Além disso, existe fragilidade nos dados epidemiológicos divulgados pelo DATASUS quanto ao tempo entre coleta e publicação e qualidade, considerando a já citada subnotificação do suicídio no país.

Diante disso, acredita-se que os resultados encontrados neste estudo possam adensar iniciativas que deem visibilidade à temática e posteriormente fomentem ações para garantir a singularidade no que se refere aos idosos e as idosas.

CONCLUSÃO

A análise epidemiológica trouxe dados importantes ao dar visibilidade a esse problema. Uma morte por suicídio denota gravidade por si só, trazendo diversos questionamentos: que sofrimento é esse tão grande que o desfecho é a própria morte? O que poderia ter sido feito de forma diferente?

Diante de tais dificuldades, além da restrição aos meios, as alternativas seriam: a formação profissional, a discussão de políticas públicas e, em especial, a atenção ao idoso de modo geral, considerando que, em muitos casos, a depressão se apresenta de forma atípica. A deficiência na abordagem do sofrimento psíquico em idosos reflete-se nos dados aqui apresentados. Dessa forma, é indubitável a necessidade de um olhar especial para o binômio idoso-saúde mental.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2019
  • Aceito
    22 Set 2020
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