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Estratégias de Ensino de Enfermagem, incentivando os Estudantes à Questão, Argumentação e Explicação

Resumos

Os estudantes de enfermagem necessitam desenvolver as competências de explicação, argumentação e questionamento porque estas são fundamentais também para que possam manter uma relação com seus pacientes no sentido de uma melhor humanização dos cuidados. O presente artigo tem como objetivo analisar a perceção dos alunos do 1º ano de enfermagem acerca da humanização dos cuidados aos doentes, no contexto do incentivo à discussão de episódios da vida real. O estudo foi de cariz qualitativo e a análise de conteúdo teve como principais discursos as perguntas, a explicação e a argumentação dos estudantes. Os resultados apontam, entre outras conclusões, para a importância de se potencializar as atividades que estimulam os diferentes tipos de discursos dos estudantes de enfermagem e a capacidade de perceberem os padrões de humanização e desumanização a partir de episódios da vida real usados como caso de estudo.

ensino de enfermagem; questionamento; explicação; argumentação; discurso; estratégias; aprendizagem ativa


Nursing students need to develop competences in the field of explanation, argumentation and questioning as they are pivotal to foster a relationship with their patients and achieve a greater humanisation of care. The objective of this paper is to analyse the perception of 1st-year nursing students with regard to the humanisation of care provided to patients by encouraging them to discuss real-life episodes. The study is qualitative and content analysis used the students’ questions, explanations and argumentation as core discourses. Among other conclusions, results point towards the importance of promoting activities that encourage the different nursing students’ discourses and the ability to understand the humanisation and dehumanisation patterns arising from the real-life episodes used as case study.

nursing education; questioning; explanation; argumentation; discourse; strategies; active learning


Los estudiantes de enfermería tienen necesidad de desarrollar competencias de explicación, argumentación y cuestionamiento porque estas son fundamentales también para que puedan mantener una relación con sus pacientes en el sentido de una mejor humanización de los cuidados. El artículo presente tiene como objetivo analizar la percepción de los alumnos de 1er año de enfermería respecto a la humanización de los cuidados a los enfermos, en el contexto del incentivo a la discusión de episodios de la vida real. El estudio ha sido de carácter cualitativo y el análisis del contenido tuvo como principales discursos las preguntas, la explicación y la argumentación de los estudiantes. Los resultados apuntan, entre otras conclusiones, a la importancia de la potencialización de las actividades que estimulan los diferentes tipos de discursos de los estudiantes de enfermería y la capacidad en entender los estándares de humanización y deshumanización a partir de episodios de la vida real usados como caso de estudio.

educación en enfermería; cuestionamiento; explicación; argumentación; discurso; estrategias; aprendizaje activo


Introdução

É esperado dos estudantes de enfermagem que pensem criticamente e tomem decisões sobre o cuidado dos pacientes, conforme as palavras de Myrick and Yonge(11. Myrick F, Yonge O. Preceptor questioning and student critical thinking. J Prof Nurs. 2002 May;18(3):176–81. ) “Clinical decision making and the ability to make a clinical judgment requires relevant knowledge for application to the clinical situation, skill in data collection, and knowledge of appropriate strategies for effective problem solving with patients. Clinical decision making requires the ability to think critically”.

Este autores consideram que formular questões estimulantes e desafiadoras é a mais importante competência (skill) que o instrutor de enfermagem clínica ou preceptor pode dispor e, acrescentam: “At best, effective questioning can trigger preceptees to think critically and thus enhance their problem-solving and clinical decision-making abilities by stimulating the highest level of thought processing”(11. Myrick F, Yonge O. Preceptor questioning and student critical thinking. J Prof Nurs. 2002 May;18(3):176–81. ). Acreditamos também que quando confrontados com questões a respeito de situações reais dos pacientes, os estudantes podem tomar decisões clínicas efetivas, lembrarem dos conhecimentos relevantes, interpretar e flexibilizar este conhecimento à luz da situação em particular que for questionada.

Ao discutir sobre a importância do questionamento do professor (nurse preceptor) para promover e desenvolver o pensamento crítico dos estuantes, este autores declaram que a integração das perguntas "can challenge the way preceptees think, encourage them to justify or clarify their assertions, promote the generation of original ideas, explanations, or solutions to patient problems, provide mental and emotional tools to help resolve dilemmas, promote dis- cussion, and evaluate learning."(11. Myrick F, Yonge O. Preceptor questioning and student critical thinking. J Prof Nurs. 2002 May;18(3):176–81. )

No entanto, os investigadores tem constatado que os estudantes não formulam ou formulam poucas perguntas, e estas são de baixo nível cognitivo. Estas poucas perguntas são quase exclusivamente de memorização de informação ou respostas do tipo sim/não. Frambach et al.(22. Frambach JM, Driessen EW, Beh P, van der Vleuten CPM. Quiet or questioning? Students’ discussion behaviors in student-centered education across cultures. Stud High Educ [Internet]. 2013 Jan 9 [cited 2014 Sep 24];39(6):1001–21. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03075079.2012.754865
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) atribuem este padrão de questionamento a vários fatores: “Uncertainty and tradition, group relations and face, hierarchical relations, and achievement and competition were generally found to inhibit students from speaking up, asking questions, and challenging others in discussions”.

Estes mesmos autores(22. Frambach JM, Driessen EW, Beh P, van der Vleuten CPM. Quiet or questioning? Students’ discussion behaviors in student-centered education across cultures. Stud High Educ [Internet]. 2013 Jan 9 [cited 2014 Sep 24];39(6):1001–21. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03075079.2012.754865
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) discutem na investigação quatro factores culturais e seis factores contextuais que inibem ou aumentam o comportamento de discursão dos estudantes de enfermagem orientais e ocidentais. Estes quatro fatores são: (1) uncertainty and tradition, (2) group relations and face, (3) hierarchical relations, and (4) achievement and competition. Ao compararem os resultados perceberam que estes factores inibidores do processo de discussão foram mais forte nos estudantes das instituições não-ocidentais estudadas. Os seis factores contextuais encontrados no comportamento de discussão foram: (1) the nature of students’ prior school education, (2) the scope of PBL implementation, (3) students’ per- sonal characteristics, (4) language of instruction, (5) tutor behavior, and (6) the assessment system.

Por outro lado Lim(33. Lim FA. Questioning: a teaching strategy to foster clinical thinking and reasoning. Nurse Educ [Internet]. 2011;36(2):52–3. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21330888
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) acredita que usando a estratégia de colocar perguntas aos alunos individualmente ou em grupo durante as aulas ou clinica diária (clinical day), pode ajudar a aumentar a interação, melhorar o pensamento clínico e promover a aplicação de uma prática baseada em evidências. Por isso, este autor sugere um conjunto de questões que se deveria questionar aos alunos periodicamente. Por exemplo: i) What’s the plan for this patient? What should you focus on when assessing this patient?, iii) Did you wash your hands? Did you ask what your patient’s name and birth date were?

Compreendemos também que as estratégias que melhoram a qualidade da interação dos estudantes através do questionamento, argumentação e explicação não deveriam ficar restritas na sala de aula. Hoje é necessário introduzir as tecnologias de informação e comunicação para promover a aprendizagem ativa e consequentemente o pensamento crítico dos estudantes. Contudo, Montello and Bonnel(44. Montello L, Bonnel W. The versatile question: Diverse uses of questioning in online and traditional learning. Teach Learn Nurs [Internet]. National Organization for Associate Degree Nursing; 2009 Jul [cited 2014 Feb 27];4(3):71–5. Available from: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S1557308708001054
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) acreditam que “questions posed in the online setting can be more easily misunderstood than those posed in the classroom”, mas acreditam também que “Questions can also help online students engage with others” e com o professor, assim aumentando a dinâmica da aulas online. Estes autores concluem seu artigo de revisão admitindo que é necessário investigações adicionais sobre como melhor integrar as técnicas de questionamento, dando especial atenção ao papel dos estudantes no processo de questionamento.

Ao considerar o contexto de interação online, Beaudin's(55. Beaudin BP. Keeping Online Asynchronous Discussions on Topic. J Asynchronous Learn Networks. 1999;3(2):41–53. ) “survey of 135 online instructors suggested that the best way to hold asynchronous discussions on topic is to design good questions with pedagogical purpose, provide guidance with the questions, reword questions when needed, and provide discussion summaries. To this author designed questions are clear, concise, and directly related to the purpose of posing the question. A good question, based on Bloom's taxonomy, can also promote active learner engagement”.

Concordamos com Nichol & Tracey quando afirma que educação em enfermagem pouco se tem escrito sobre a importância do questionamento efetivo como técnica de ensino para desenvolver uma aprendizagem ativa. Com base nestas e muitas investigações técnicas de questionamento efetivas melhoram a aprendizagem dos alunos, seu nível de conhecimento, confiança e competências de comunicação. No entanto, admitimos que somente ao levantar problemas em contextos reais e complexos pode melhorar a análise, criatividade e argumentação dos estudantes. O processo de questionamento, argumentação e explicação efetivo é exigente. Implica planejar e construir bem as perguntas ou o argumento que sejam apropriados e precisos para os propósitos educacionais que se deseja estabelecer.

Profetto-McGrath, Smith, Day & Yonge(66. Profetto-McGrath J, Smith KB, Day RA, Yonge O. The questioning skills of tutors and students in a context based baccalaureate nursing program. Nurse Educ Today. 2004;24:363–72. ) realizaram uma investigação quantitativa com 30 tutores de enfermagem e 314 estudantes para descrever e comparar os níveis e tipos de questões formuladas por eles. Chegaram a conclusão que a maioria das questões formuladas pelos tutores e estudantes dos três primeiros anos de formação em enfermagem, é de baixo nível cognitivo e tinham como objetivo obter informações factuais e respostas do tipo sim/não. Concordamos com estes autores quando reconhecem que o aumento da complexidade da educação em enfermagem e sua prática efetiva requer de educadores e estudantes a habilidade de formularem uma variedade maior de perguntas para que sirva para propósitos diferentes. Por isso, é esperado o aumento do número de questões de análise, síntese e avaliação, bem como perguntas que envolvam a exploração e explicação para uma aprendizagem ativa que facilite o pensamento crítico.

Sellappah, Hussey, Blackmore, Mcmurray(77. Sellappah S, Hussey T, Blackmore AM, Mcmurray A. The use of questioning strategies by clinical teachers Conceptual framework. 1998;28(1):142–8.) confirmam os resultados obtidos por outras investigações, neste caso os professores clínicos de universidade australianas, que formularam perguntas de baixo nível cognitivo (91,2%). Também recomendam que os professores clínicos sejam ensinados em como formular perguntas especialmente perguntas de alto nível cognitivo. Este estudo revelou também que as perguntas de alto nível dos professores clínicos estão positivamente correlacionados com as respostas de alto nível cognitivo dos estudantes (r=0.9, P=0.001).

Diante do que apresentamos até o presente momento podemos perceber que o ato do questionamento e argumentação pode estimular o raciocínio, as habilidades para a resolução de problemas que são a base para o pensamento crítico. Portanto, o incentivo do questionamento, argumentação e as explicações de fenómenos são estratégias eficientes para promover a educação e a aprendizagem ativa dos enfermeiros. Fazer perguntas reflexivas e elaborar argumentos bem estruturados, são das atividades das mais importantes em qualquer ciência e, portanto, estas competências são essenciais para a aprendizagem. Fazer boas perguntas e argumentar é um ato criativo e torna-se um instrumento para aprender sobre a enfermagem e para aprender a fazer enfermagem. Fazer perguntas e argumentar nos ajuda a dar sentido ao mundo e atribuir significado à informação e aos contextos em que vivemos, aumentado nosso poder explicativo.

Como vimos, as perguntas dos professores ainda dominam a sala de aula e são de baixo nível cognitivo ou sem intencionalidade pedagógica para a construção do conhecimento. Bastable(88. Bastable SB. Nurse as Educator: Principles of Teaching and Learning for Nursing Practice. 2nd ed. London: Jones and Bartlett Publishers; 2003. ) apresenta que o uso adequado das perguntas é um dos princípios gerais para todos os professores de enfermagem. Esta autora apresenta três tipos de perguntas: i) Questões factuais ou descritivas, ii) questões de clarificação e iii) questões de alto nível.

Por muitas décadas, os estudos nesta área focaram as perguntas dos professores. Podemos reconhecer, no entanto, uma nova ênfase que os investigadores colocaram no estímulo e estudo das perguntas dos alunos. Esta nova ênfase segue a tendência geral observada na educação centrada no aluno, focando a autonomia e a responsabilidade pela suas próprias aprendizagens – Aprendizagem ativa(9,10).

Por exemplo, Neri de Souza(99. Neri de Souza F. Questions in Chemistry Learning in Higher Education. University of Aveiro; 2006. ) realizou uma pesquisa para estudar quais as dificuldades que poderiam ser reveladas através do questionamento e explicações dos alunos. Ele concluiu que a natureza das dificuldades reveladas pelas perguntas e explicações são diferentes. As perguntas se apresentaram em contextos mais naturalistas, dificuldades complexas e relacionadas com a sala de aula. No entanto, as explicações mostram dificuldades que não foram vinculadas ao contexto de ensino e aprendizagem. Estas dificuldades estão mais relacionadas com os próprios conceitos, e nas perguntas dos estudantes estes conceitos são tratados em relação a outros conceitos e contextos académicos. Neste sentido, estas duas atividades são complementares entre si, especialmente quando as situações-problemas requerem explicações a dificuldades levantadas pelas perguntas. As perguntas podem proporcionar um "retorno" relacionado com os contextos das estratégias e ferramentas utilizadas no ensino e na aprendizagem.

Nossa investigação analisou as percepções dos alunos do 1º ano do Curso de Enfermagem sobre a disciplina de Antropologia e Sociologia da Saúde, através do estímulo ao questionamento, argumentos e explicações depois de algumas estratégias de ensino ativo. Para isso, recorreu-se a histórias de contextos reais sobre a humanização dos cuidados e saúde.

Os temas das ciências sociais estão incluídos no currículo dos cursos de Enfermagem a fim de preparar os futuros enfermeiros com o aspecto sócio-cultural de cuidados. O fator sócio-cultural na área da saúde ou da doença tornou-se de extrema importância em cursos de graduação em enfermagem pelo reconhecimento dos profissionais de saúde e cientistas sociais, por causa das mudanças nas sociedades e o respeito à diversidade cultural dos pacientes. Assim, os enfermeiros precisam receber formação adequada a fim de estabelecerem um cuidado transcultural.

O ponto de viragem para a importância dessa mudança de visão foi difundido por Madeleine Leininger. Sua teoria promoveu uma nova visão para a enfermagem e o processo de atendimento. Segundo Oriá, Ximenes e Alves(1111. Oriá MOB, Ximenes LB, Alves MDS. Madeleine Leininger and the Theory of the Cultural Care Diversity and Universality: an Historical Overview. Online Brazilian J Nurs. 2005;4(2). ), a teoria de Leininger é a premissa para a enfermagem ao descobrir o significado do cuidado cultural, a prática do cuidado, específico para cada cultura e fatores culturais com particular à religião, política, economia, visão do mundo, meio ambiente, género, entre outros fatores, que podem influenciar o cuidado humano.

De acordo com os mesmos autores, Leininger considera que existe uma diversidade e universalidade cultural do cuidado na prática que precisa ser conhecido e compreendido para que os enfermeiros possam ajudar seus pacientes de forma satisfatória e humanista.

A teoria de Leininger coaduna, por exemplo, com a realidade portuguesa com o Programa nacional de Saúde 2011-2016 que salienta a necessidade de concretizar o Modelo Conceptual que objetiva “maximizar os ganhos em saúde da população através do alinhamento e integração de esforços sustentáveis de todos os sectores da sociedade, como o foco no acesso, qualidade, politicas saudáveis e cidadania”. Assim como a realidade brasileira que no ano de 2000 regulamentou o programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) do Ministério da Saúde, que evidencia para uma nova cultura de atendimento à saúde o “aprimorar as relações entre profissionais, entre usuários/profissionais (campo das interações face-a-face) e entre hospital e comunidade (campo das interações sociocomunitárias), visando à melhoria da qualidade e à eficácia dos serviços prestados por estas instituições”(1212. Deslandes SF. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Cien Saude Colet. 2004;9(1):7–14. ). De acordo com a mesma autora, o programa alcançou uma perspetiva mais transversal de política de assistência hoje intitulado de “Humaniza SUS”.

Boehs(1313. Boehs AE. Análise dos conceitos de negociação/acomodação da teoria de M. Leininger. Rev Lat Am Enfermagem. 2002;10(1):90–6.) em sua pesquisa com as famílias de recém-nascidos, observou que o trabalho com uma visão antropológica torna-se um grande desafio. Isto significa estar dentro da cultura de enfermeira, desenhada por momentos que protegem o modelo profissional e vendo os pacientes em seu mundo, a compreensão de suas ações, mas, ao mesmo tempo, continua a ser uma enfermeira.

Naturalmente, não esperamos que os alunos tenham a priori esta visão ampla da enfermagem, mas tencionamos compreender algumas das dificuldades, percepções e preconceitos próprios sobre o papel do enfermeiro da enfermagem e sensibilizar para a importância da humanização dos cuidados.

Humanizar a prática de enfermagem tem ao longo das últimas décadas sido alvo de estudos que acautelam para a compreensão além dos elementos técnicos e instrumentais dos serviços.

Um dos aspectos revelados acerca da humanização dos cuidados aponta para a relação do doente como anonimato, ou seja, a despersonalização. Esta problemática é estudada desde a década de 90 do século 20 por Leclainche(1414. Leclainche X. É preciso humanizar o hospital. Rev Paul Hosp. 1962;10(5):7–10.), quando afirma que os doentes não são um centro de interesse, e sim um número, um caso, um objeto de atividades. Esta situação leva à reflexão o papel da enfermagem na prática dos cuidados, colocando em causa a qualidade dos serviços ao fragmentar as tarefas, perdendo a perspectiva de ver o paciente de forma holística.

Gelain nos anos de 1968(1515. Gelain, I J. Humanização do hospital. RevPaul Hosp. 1968;16(1):3–7. ) já destacava que a precária prestação dos cuidados de enfermagem no atendimento aos doentes se agravou com o desenvolvimento tecnológico que tem dificultado as relações humanas, desencadeando numa relação individualista, calculista e consequentemente fria. Perspetiva que não se altera em pleno século 21. Há que ter presente que os autores deste trabalho não se opõem às tecnologias, mas que a prestação de cuidados, como salienta os estudos de Franco e Florentim(1616. Franco, M and Florentim R. A satisfação dos utentes em serviços de saúde: um estudo explicativo sobre o Departamento de Pasiquiatria e Saúde Mental do Centro Hospitalar da Cova da Beira. A Satisf dos utentes. 2006;24(1). ), tenha como objectivo a satisfação do doente.

A visão do profissional de enfermagem difere dos doentes e pode ser o factor a ser estudo. Enquanto o profissional de saúde preocupa-se em reduzir erros e melhorar práticas, o doente deseja ser bem assistido em condições de conforto e segurança.

Concordamos com Oliveira, Collet e Viera(1717. Oliveira BRG, Collet N, Viera CS. A humanização na assitência à saúde. Rev Latino-am Enferm. 2006;14(2):277–84.) quando afirmam que “a humanização depende da capacidade de falar e de ouvir, pois as coisas do mundo só se tornam humanas quando passam pelo diálogo com os semelhantes, ou seja, viabilizar nas relações e interações humanas o diálogo, não apenas como uma técnica de comunicação verbal que possui um objectivo pré-determinado, mas sim como forma de conhecer o outro, compreendê-lo e atingir o estabelecimento de metas conjuntas que possam propiciar o bem-estar recíproco”.

Em face desta realidade complexa e multifacetada, mas com o sentido de contribuir para uma prática mais humanizadora, acreditamos que como Casate e Corrêa(1818. Casate JC, Corrêa AK. Humanização do atendimento em saúde: conheciento veiculado na literatura brasileira de enfermagem. Rev Latino-am Enferm. 2005;13(1):105–11. ), a formação dos profissionais de enfermagem poderá contribuir para reverter esta situação. A finalidade é repensar a formação ainda muito centrado nos factores técnicos da enfermagem e sugerir nos currículos aspectos psicológicos, sociológicos e antropológicos, com o objetivo de abordar com os alunos matérias mais humanísticas e, assim, instruí-los para a importância da humanização dos cuidados de saúde e consequentemente o aumento na melhoria da qualidade dos serviços prestados.

Esta proposta é salientada pelo Conselho de Enfermagem (2001) português que aborda a humanização dos cuidados como uma extensão, pela ética em enfermagem, através da relação entre o enfermeiro e o doente e pelo respeito dos direitos dos doentes. Nesta mesma linha de pensamento, Watson(1919. Watson J. Enfermagem: Ciência Humana e cuidar uma teoria de enfermagem. 1a ed. Lisboa: Lusociência; 2002.) incide que a “enfermagem é a profissão que tem uma responsabilidade ética e social, tanto para o indivíduo como para a sociedade, para ser responsável pelo cuidar e estar na vanguarda das necessidades de cuidados da sociedade no presente e no futuro”(1919. Watson J. Enfermagem: Ciência Humana e cuidar uma teoria de enfermagem. 1a ed. Lisboa: Lusociência; 2002.).

Método

Pelo facto de muitos dos alunos não terem conhecimento da disciplina de sociologia e antropologia da saúde, tampouco o conteúdo a ser ministrado, algumas questões foram suscitadas pela docente: i) Qual o conhecimento prévio que os alunos têm sobre os conteúdos da disciplina?; ii) Será que os alunos compreendem a importância desta disciplina no contexto da graduação em enfermagem? iii) Podemos entender os problemas e as expectativas dos alunos através de suas explicações e questionamentos? iv) É possível estimular os alunos a formularem questões, argumentos e explicações? v) Podemos compreender a percepção dos alunos acerca da humanização dos cuidados, através dos diferentes discursos?

A partir destas questões tencionamos analisar as percepções dos alunos sobre o tema da Humanização dos cuidados, abordagem a ser trabalhada na disciplina de Antropologia e Sociologia da Saúde através da atividade do estímulo do questionamento e explicação. As atividades foram acerca de situações para promover a reflexão sobre as atitudes que os profissionais de saúde devem exercer em casos semelhantes com os futuros pacientes. As atividades consistiam na discussão reflexiva de três episódios. Dois episódios ocorreram em contexto real e um baseado numa série televisiva.

Para uma melhor visualização, apresentamos na Figura 1 as atividades e as estratégias utilizadas.

Figura 1
Sequência de atividades nas estratégias de estimulo a interação dos estudantes

A primeira atividade foi realizado no 1º dia de aula, antes da docente apresentar o programa da disciplina. A proposta foi conhecer a história real de D. Beatriz. Uma senhora idosa de 93 anos, socorrida na urgência de um Hospital na cidade de Lisboa. O objetivo era percepcionar se através da história os alunos poderiam perceber o que iriam estudar na disciplina. A atividade consistia em ler a história e fazer alguma associação com a disciplina. Foi apresentada duas questões orientadoras aos alunos: Consegue encontrar uma relação entre o texto e a importância de se estudar o tema de Antropologia e Sociologia da Saúde? Releia a história de D. Beatriz e elabore uma ou mais perguntas sobre o episódio.

A segunda atividade compreendia um episódio da série de televisão Dr. House e teve como finalidade abordar a problemática da humanização e desumanização dos cuidados dos profissionais de saúde com os pacientes que, em muitos casos, pode ocorrer nos ambientes hospitalares. Divididos em duplas, foi solicitado aos alunos que selecionassem cenas que relatassem trechos de humanização ou desumanização dos cuidados. Após a seleção, os alunos deveriam elaborar perguntas sobre as cenas. A série Dr. House é conhecida pelo comportamento deste médico junto aos seus pacientes.

Na sequência da temática em estudo, foi desenvolvida a terceira e última atividade. Ela correspondia em conhecer o caso real de D. Solange, vítima de contaminação do HIV pelo marido, relatado num dos capítulos do livro de Deslandes(2020. Deslandes SF. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006.). A proposta foi aplicar em sala de aula um júri simulado. A turma foi dividida em 3 grupos. Um grupo defendia a posição dos profissionais de saúde, enquanto o outro grupo defendia a situação de Solange. O outro pequeno grupo de estudantes ficou responsável para julgar os argumentos contra e a favor da situação problema.

O propósito para a realização das atividades foi promover a reflexão dos alunos acerca da temática de humanização dos cuidados e incentivar a interação e os diferentes discursos dos estudantes através da elaboração de perguntas, argumentações e/ou explicações.

A análise de conteúdo dos dados teve o apoio do software webQDA(2121. Neri de Souza F, Costa AP, Moreira A. Questionamento no Processo de Análise de Dados Qualitativos com apoio do software WebQDA. EDUSER Rev Educ [Internet]. 2011;3(1):19–30. Available from: www.eduser.ipb
www.eduser.ipb ...
,2222. Neri de Souza D, Costa AP, Neri de Souza F. Avaliação da Perceção dos Formandos sobre o Software WebQDA. II Congresso Internacional TIC e Educação (ticEDUCA2012). Lisboa: ticEDUCA2012; 2012. P. 365–76.). A análise contou com a validação e aumento da consistência interna através de um processo iterativo semelhante ao preconizado por Frambach et al.(22. Frambach JM, Driessen EW, Beh P, van der Vleuten CPM. Quiet or questioning? Students’ discussion behaviors in student-centered education across cultures. Stud High Educ [Internet]. 2013 Jan 9 [cited 2014 Sep 24];39(6):1001–21. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/03075079.2012.754865
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), que apresentamos na Figura 2

Figura 2
Processo de codificação e análise

Resultados

Os participantes deste estudo foram estudantes do 1º ano do curso de graduação em Enfermagem de uma Escola da região norte de Portugal no ano letivo de 2007/2008. Dos 50 alunos inscritos, 48 estavam presentes em sala de aula e todos voluntariamente participaram da atividade proposta. Em relação ao sexo, 14 são do sexo masculino, 36 do sexo feminino do total de matriculados.

As duas dimensões de análise dos dados que se seguem têm como base as i) evidências do nível cognitivo da aprendizagem dos estudantes expressas pelas suas perguntas, explicações e argumentações, bem como as ii) categorias temáticas da desumanização dos cuidados do modelo de Howard de 1975(2020. Deslandes SF. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006.).

Para analisar a primeira dimensão sobre o nível da complexidade e compreensão na aprendizagem, recorremos a uma adaptação da taxonomia SOLO de Biggs e Collis(2323. Biggs JB, Collis KF. Evaluating the Quality of Learning – the SOLO Taxonomy. New York: Academic Press; 1982.) realizada por Neri de Souza(2424. Neri de Souza F, Moreira A. Perfis de Questionamento em Contextos de Aprendizagem Online. Rev Iberoam Informática Educ. 2010;12:15–25. ). Estes níveis de formalização do pensamento classificam-se em:

  1. Pré-estrutural corresponde a um nível em que os estudantes referem a pedaços de informação desligados, que não têm nenhuma organização ou não fazem qualquer sentido;

  2. Uni-estrutural os estudantes fazem conexões simples e óbvias com os conteúdos, mas apenas um aspecto da tarefa é mencionado e não há nenhum relacionamento entre os factos e as ideias;

  3. Multi-estrutural os estudantes fazem alguma conexão, mas falta as meta-conexões entre os conteúdos e o significado do todo;

  4. Relacional os estudantes procuram integrar conhecimentos na tentativa de apreciar o significado das parte com relação ao todo.

  5. Extensões abstractas os estudantes fazem conexões não somente dentro de uma única área, mas também para além dela, procurando generalizar e transferir os princípios para outro caso específico(2424. Neri de Souza F, Moreira A. Perfis de Questionamento em Contextos de Aprendizagem Online. Rev Iberoam Informática Educ. 2010;12:15–25. ).

A outra dimensão de análise teve por base o modelo para análise da “Desumanização” de Howard(2020. Deslandes SF. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006.), com diversas categorias: i) Pessoas Ambiente Estático Estéril, ii) Pessoas como iceberg, iii) Pessoa Isoladas, iv) Pessoa sem Escolha, v) Pessoa Recipiente Cuidados, vi) Subpadronizados, vii) Pessoa como problema, viii) Pessoa como coisa, ix) Pessoa com menor valor, x) Tecnologia, xi) Experimentação.

No contexto desta análise e para responder mais plenamente as nossas questões de investigação foi necessário criar uma terceira dimensão de análise que chamamos de Humanização. Embora se possa obter em certo grau esta dimensão pelo sentido inverso do modelo de Howard, não é menos verdade que a necessidade de compreender a forma mais sintética do sentido de humanização expresso pelos estudantes, levou-nos a criar as seguintes categorias: i) Psicológica-Sentimentos, ii) Técnica Científica, iii) Social Relações e iv) Ética.

Para este trabalho foram analisadas as relações da Taxonomia SOLO, aspectos da humanização dos cuidados, a teoria de desumanização de Howard, com os três tipos de discurso produzidos pelos estudantes, que constituem o corpus de dados que agora analisaremos: i) perguntas, ii) explicação e iii) argumentação. Estes discursos foram elaborados por escrito com base em três diferentes episódios. Conforme se pode ver na Tabela 1, os estudantes elaboraram perguntas (55,6%) e explicações (44,3%) no episódio de Beatriz, mas nenhum discurso argumentativo. Por outro lado, na atividade de júri simulado acerca da história de D. Solange, não foi solicitado explicitamente elaboração de perguntas como na atividade que tinha por base o relato de Beatriz. A ênfase das estratégias justifica porque nestes episódios não existem respectivamente este tipos de discursos. No que toca a atividade que tinha por base o episódio de Dr. House, destaca-se a correspondência de Perguntas (25,3%), Explicações (37,3%) e Argumentações (37,3%) escritos pelos estudantes sobre a (des)humanização dos cuidados.

TABELA I
DIFERENTES TIPOS DE DISCURSO PRODUZIDOS PELOS ESTUDANTES EM DIFERENTES ESTRATÉGIAS/EPISÓDIOS

A Tabela 1 deixa claro que a ênfase ou a solicitação explicita para os estudantes formularem perguntas, argumentações ou explicações está diretamente relacionada ao nível de participação e de discussão em sala de aula.

Para uma visão mais ampla dos níveis destes diferentes discursos, apresentamos na Tabela 2 sua categorização em relação a taxonomia SOLO. A análise indica que no geral os estudantes apresentam um baixo nível de complexidade e compreensão expresso através da elaboração de perguntas (52,3%), explicações (67,3%) e argumentações (48,8%). Estes valores foram obtidos com o somatório dos valores das categorias Pré-estrutural e Uni-estrutural. Relativamente ao somatório das percentagens dos níveis mais elevados (Relacionais e Extensões Abstractas) foram 45,9% para as perguntas, 24,7% para as explicações e 22,4% para as argumentações. Com base nestes números podemos perceber que foi através da formulação de perguntas que os estudantes expressaram as ideias de maior nível cognitivo. Como veremos mais adiante, as perguntas elaboradas e codificadas como Extensões Abstratas são todas do episódio do vídeo Dr. House (n=13). Este facto pode ser um indicador de que o conteúdo de vídeos, se bem escolhidos e adequados, são uma excelente base para o questionamento dos estudantes.

TABELA II
RELAÇÃO ENTRE OS TIPOS DE DISCURSO E A TAXONOMIA SOLO

A seguir apresentamos alguns exemplos dos diferentes tipos de discursos utilizados pelos estudantes:

Eu penso que a antropologia e a Sociologia da Saúde será uma disciplina em que estudamos a vertente mais humana e psicológica da profissão de enfermeiro, tal como na história da ex-enfermeira Beatriz que a enfermeira Fátima se emociona e diz que lhe custa muito ver os velhinhos nestas situações, além das crianças e outras pessoas.

Se ela era mãe de 6 filhas, porque é que só 1 filha quis acompanhar a mãe?

Este episódio de Dr. House retrata muitos casos de desumanização, embora haja um episódio em que podemos observar humanização, ao nível dos cuidados de saúde.

Para aprofundar a discussão sobre o nível de complexidade e compreensão dos estudantes através dos seus discursos, apresentamos na Tabela 3 a relação entre a taxonomia SOLO e cada um dos episódios, que corresponde a diferentes atividades. De acordo com as atividades desenvolvidas, verificamos que, no geral, os estudantes expressaram perguntas, explicações e argumentações de baixo nível cognitivo. É fácil perceber este facto quando somamos novamente os níveis pré-estrutural e uni-estrutural respetivamente para a atividade aos episódios Beatriz (66,5%), House (51,1%) e Solange (55,2%), relativamente ao nível Multi-estrutural, considerado médio (4,5%, 11,8%, 19,1%) e o somatório dos níveis Relacional e Extensões Abstractas (28,6%,32,8%, 18,1%) considerados de alto nível cognitivo.

TABELA III
RELAÇÃO ENTRE OS EPISÓDIOS E A TAXONOMIA SOLO

Quando somamos os três níveis das categorias mais elevadas (Multi-estrutural, Relacional e Extensões Abstractas), verificamos que 44,7% estão associados ao episódio House, 33,1% a Beatriz e 44,6% a Solange. Nesta perspetiva, não existe diferenças entre as três atividades, mas se levarmos em consideração apenas os valores das Extensões Abstratas, a atividade com base no vídeo está muito acima da atividade do Capítulo e um pouco acima daquela que usou o Power Point. A seguir apresentamos um exemplo de cada um destes discursos.

A meu ver a Antropologia e Sociologia da Saúde é uma vertente que estuda os comportamentos do homem. Esta disciplina é importante para o enfermeiros pois irá ajudá-lo a compreender melhor o doente e o ajudá-lo psicologicamente a enfrentar a sua doença.

O seu trabalho obriga-o a atender todos os que se apresentam doentes, por isso, não se pode demorar nas consultas, diminuindo ao básico e concreto a conversa, para tratar todas as pessoas.

Talvez a disciplina que, penso eu, relaciona o homem e a sociedade na área da saúde seja importante para um futuro enfermeiro, no sentido em que o ajuda a perceber as diferentes necessidades e os variados sentimentos que envolvem o doente nas diferentes fases da vida.

Como já referido, para estudar a dimensão da desumanização dos cuidados, recorremos ao modelo de Howard. Procuramos verificar o que os estudantes perceberam, através das atividades implementadas, sobre a problemática acerca da desumanização dos cuidados de saúde. Do total de perguntas, explicações e argumentações apresentados em todas as atividades, apenas 13, 42 e 32 deles foram classificadas respetivamente numa das categorias apresentadas na Tabela 4. Os estudantes destacam a desumanização dos profissionais em verem os pacientes como problema em 31,3% dos seus argumentos classificados, ou seja, reduz o paciente à sua patologia. Por exemplo, um estudante ao argumentar sobre a (des)humanição expressa no episódio de Dr. House:

Acredito que o distanciamento e frieza sejam as características que lhe permite olhar apenas de uma forma racional, analisando sinais e sintomas sem olhar o paciente. Para ele o importante é encontrar a razão física (a patologia) para o estado do paciente e providenciar uma cura.

No entanto, nas explicações, uma percentagem (30,9%) dos estudantes de enfermagem apontam que muitos profissionais não veem o paciente como uma pessoa e sim como coisa. Esta visão está presente quando o estudante declara:

A nosso ver houve humanização pela parte da equipa de saúde, contudo o Dr. House não teve a mesma postura a suas intervenções, foram desprovidas de humanização, tendo segundo uma vertente assistencial/tecnicista para a prestação de cuidados.

No que se refere a elaboração de perguntas e ainda com base na Tabela 4, os estudantes declararam que os profissionais não possibilitam o direito de escolha aos pacientes (38,5%). Esta ideia está nas motivações, por exemplo, desta pergunta: Como enfermeiro, como actuaria numa situação em que até o próprio médico quase desiste quando não encontra soluções plausíveis? Quando está subtendido que é a escolha de um médico que é determinante numa situação específica.

TABELA IV
RELAÇÃO ENTRE A DESUMANIZAÇÃO DOS CUIDADOS E OS TIPOS DE DISCURSO

Nem tudo que foi expresso pelos estudantes através de perguntas, explicações e/ou argumentações podem ser classificadas nas categorias apresentadas como Desumanização. Foi necessário neste estudo compreender nos diversos discursos dos estudantes o caráter de humanização presente.

A análise da Tabela 5 revela que, acerca da humanização dos cuidados, os estudantes alcançaram um nível de elaboração, no geral, maior do que o discurso sobre a Desumanização, quanto ao somatório das perguntas (N=57), explicações (N=56) e argumentações (N=25). Anote-se, porém que, relativamente aos tipos de discursos dos estudantes e as categorias de humanização há deslocalização com diferentes ênfases. Assim, houve mais elaboração de perguntas no âmbito da categoria Psicológica e Sentimental com 49,1%, nas explicações (66%) e nos argumentos (48%) ambas focaram a categoria Social e Relacional.

TABELA V
RELAÇÃO ENTRE AS DIMENSÕES DA HUMANIZAÇÃO DOS CUIDADOS E OS TIPOS DE DISCURSO

Não encontramos uma razão fundamentada para explicar a associação do tipo de discurso com às diferentes ênfases dadas na categoria humanização. Também não acreditamos que este facto esteja diretamente relacionado com o tipo de atividade onde estes diferentes discursos foram estimulados (Ver Tabela 6), porque neste caso a ênfase recai em outras categorias.

TABELA VI
RELAÇÃO ENTRE AS DIMENSÕES DA HUMANIZAÇÃO DOS CUIDADOS E AS DIFERENTES ESTRATÉGIAS UTILIZADAS

Apesar de não ser possível inferir razões nesta investigação para estas tendências, é possível que num estudo mais controlado se possa estudar a existência destas associações. O importante neste estudo é focar que diferentes atividades e recursos podem promover diferentes ênfases no tipo e profundidade dos discursos dos estudantes. A seguir apresentamos alguns exemplos destes discursos associados a diferentes categorias de humanização.

Apesar de o enfermeiro saber que a enfermeira Beatriz não tinha hipóteses de sobreviver, nunca desiste. Por que razão o enfermeiro apesar de tudo, não desiste?

O médico tem medo de viver o sofrimento do doente e tem esse direito porque ninguém tem obrigação de sofrer com o sofrimento dos outros.

Ao ver o sofrimento da paciente, o médico vai se sentir importante e com isso, sentir-se-á mal por não a conseguir ajudar e isso pode piorar o estado da utente.

É importante perceber por estes discursos que os estudantes do primeiro ano de enfermagem têm as dimensões de humanização desenvolvidas com base no senso comum, estando concentrados nos aspectos dos sentimentos e das relações sociais.

Conclusão

Após esta análise, podemos asseverar que é possível, através de atividades como a leitura, júri simulado e apresentação de vídeos, implementar o estímulo ao questionamento, explicação e argumentação, para obter as percepções e expetativas dos alunos, bem como as dificuldades dos alunos. Este método de aprendizagem ativa pode envolver os alunos matriculados na disciplina desde o início do ano letivo para pensar sobre alguns conceitos das disciplinas.

Estudo realizado por Neri de Souza e Neri de Souza(2525. Neri de Souza D, Neri de Souza F. Questioning and Explanation an Active Learning Method. Teaching and Learning IASK-2008: Achieving Excellence and Quality in Education. Aveiro, Portugal; 2008. P. 394–401.) também encontrou direções diferentes quando comparou perguntas com a explicação. Sua análise mostrou que as perguntas têm diversidade e qualidade tão importantes quanto as centenas de explicações para a situação - problema analisado.

Reforçamos que ambas as perguntas e as explicações são complementares e mostram dificuldades de "natureza" diferentes. No entanto, as perguntas podem ser utilizadas de uma forma mais extensa e relacionada com o contexto do dia a dia das classes(1010. Teixeira-Dias JJC, Pedrosa de Jesus H, Neri de Souza F, Watts DM. Teaching for Quality Learning in Chemistry. Int J Sci Educ. 2005;27(9):1123–37. ).

Estes resultados indicam que o incentivo para perguntas, explicações e argumentações dos estudantes em muitos contextos e sua posterior análise é uma atividade essencial para promover a reflexão para situações da vida real que como futuros profissionais irão vivenciar, adquirir as percepções preconcebidas dos alunos e fomentar uma aprendizagem ativa.

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Agradecimentos

Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEst-C/CED/UI0194/2011. Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores – CIDTFF, Departamento de Educação, Universidade de Aveiro, Portugal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
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