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Revisão sistemática e metanálise sobre o valor preditivo da proteína C-reativa em infecção pós-operatória

Revisión sistemática y meta-análisis sobre el valor predictivo de la proteína C-reactiva en infección postoperatorias

Resumos

Revisão sistemática sobre a proteína C-reativa (PCR) a fim de identificar seu valor preditivo no prognóstico/diagnóstico de infecção em pacientes cirúrgicos. As fontes de busca foram: COCHRANE, EMBASE, LILACS, MEDLINE E OVID, e referências bibliográficas dos estudos encontrados. Em todos os estudos a elevação dos níveis de PCR foi observada após a cirurgia e na presença de infecções pós-operatórias (PO), em oito estudos um pico de PCR entre o segundo e o terceiro PO foi relatado como aspecto normal da curva de PCR, declinando em pacientes sem complicações pós-operatórias, e elevando em pacientes com complicações. A metanálise revelou média de 85% (sensibilidade), 86% (especificidade), a área sob a curva SROC foi de 0,9060, e a Odds Ratio foi de 23,56. A PCR com outras intervenções clínicas apresenta alto valor no prognóstico/ diagnóstico de infecção pós-cirúrgica.

Proteína C-reativa; Período pós-operatório; Infecção da ferida operatória; Revisão


Revisión sistemática sobre la proteína C-reactiva (PCR) para identificar su valor predictivo en pronóstico/diagnóstico de infección en pacientes quirúrgicos. Las fuentes de búsqueda fueron: COCHRANE, EMBASE, LILACS, MEDLINE y OVID, y referencias bibliográficas de los estudios encontrados. En todos los estudios la elevación de los niveles de PCR fue observada después de la cirugía y en presencia de infecciones postoperatorias (PO), en 8 estudios un pico de PCR entre el 2º y el 3º PO fue definida como aspecto normal de la curva de PCR, declinando en pacientes sin complicaciones postoperatorias, y elevándose en pacientes con tales complicaciones. El meta-análisis determinó una media de 85% (sensibilidad), 86% (especificidad), el área bajo la curva SROC fue de 0,9060, y el Odds Ratio fue de 23,56. La PCR junto a otras intervenciones clínicas presenta alto valor en el pronóstico/diagnóstico de infección post quirúrgica.

Proteína C-reactiva; Periodo postoperatorio; Infección de herida operatoria; Revisión


This systematic review on C-reactive protein (CRP) was performed with the purpose to identify its predictive value in the prognosis/diagnosis of infection in surgical patients. The sources used in the search were: COCHRANE, EMBASE, LILACS, MEDLINE and OVID, and bibliographic references of the located studies. All studies found increased CRP levels after surgery in cases of postoperative infection (PO), in eight studies a CRP peak between the second and third PO was reported as normal aspect of the CRP curve, reducing in patients without postoperative complications and increasing in patients with complications. The meta-analysis revealed an average of 85% (sensitivity), 86% (specificity), the area under the SROC curve was 0.9060, and the Odds Ratio was 23.56. Along with other clinical interventions, CRP is considerably valuable in the prognosis/diagnosis of postoperative infections.

C-reactive protein; Postoperative period; Surgical wound infection; Review


ARTIGO DE REVISÃO

Revisão sistemática e metanálise sobre o valor preditivo da proteína C-reativa em infecção pós-operatória* * Extraído de Estudo de Iniciação Científica PIBIC/ CNPq, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2009.

Revisión sistemática y meta-análisis sobre el valor predictivo de la proteína C-reactiva en infección postoperatorias

Bruna Kosar NunesI; Rúbia Aparecida LacerdaII; Jaquelline Maria JardimIII

IEnfermeira pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Aprimoranda de Enfermagem em Neonatologia do Programa de Aprimoramento Profissional do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. bruna.nunes@usp.br

IIProfessora Associada da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 2. São Paulo, SP, Brasil. rlacerda@usp.br

IIIMestranda do Programa de Pós-Graduação de Enfermagem na Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Enfermeira da Unidade de Terapia Intensiva Cirúrgica do Instituto do Coração - InCor, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. jacjardim@yahoo.com.br

Endereço para correspondência: Endereço para correspondência: Bruna Kosar Nunes Rua Santa Terezinha, 100 - Bairro Jordanópolis CEP 09892-340 - São Bernardo do Campo, SP, Brasil

RESUMO

Revisão sistemática sobre a proteína C-reativa (PCR) a fim de identificar seu valor preditivo no prognóstico/diagnóstico de infecção em pacientes cirúrgicos. As fontes de busca foram: COCHRANE, EMBASE, LILACS, MEDLINE E OVID, e referências bibliográficas dos estudos encontrados. Em todos os estudos a elevação dos níveis de PCR foi observada após a cirurgia e na presença de infecções pós-operatórias (PO), em oito estudos um pico de PCR entre o segundo e o terceiro PO foi relatado como aspecto normal da curva de PCR, declinando em pacientes sem complicações pós-operatórias, e elevando em pacientes com complicações. A metanálise revelou média de 85% (sensibilidade), 86% (especificidade), a área sob a curva SROC foi de 0,9060, e a Odds Ratio foi de 23,56. A PCR com outras intervenções clínicas apresenta alto valor no prognóstico/ diagnóstico de infecção pós-cirúrgica.

DESCRITORES: Proteína C-reativa; Período pós-operatório; Infecção da ferida operatória; Revisão.

RESUMEN

Revisión sistemática sobre la proteína C-reactiva (PCR) para identificar su valor predictivo en pronóstico/diagnóstico de infección en pacientes quirúrgicos. Las fuentes de búsqueda fueron: COCHRANE, EMBASE, LILACS, MEDLINE y OVID, y referencias bibliográficas de los estudios encontrados. En todos los estudios la elevación de los niveles de PCR fue observada después de la cirugía y en presencia de infecciones postoperatorias (PO), en 8 estudios un pico de PCR entre el 2º y el 3º PO fue definida como aspecto normal de la curva de PCR, declinando en pacientes sin complicaciones postoperatorias, y elevándose en pacientes con tales complicaciones. El meta-análisis determinó una media de 85% (sensibilidad), 86% (especificidad), el área bajo la curva SROC fue de 0,9060, y el Odds Ratio fue de 23,56. La PCR junto a otras intervenciones clínicas presenta alto valor en el pronóstico/diagnóstico de infección post quirúrgica.

DESCRIPTORES: Proteína C-reactiva; Periodo postoperatorio; Infección de herida operatoria; Revisión.

INTRODUÇÃO

A Proteína C Reativa (PCR), produzida pelas células hepáticas, constitui a maior proteína presente no plasma, com meia-vida circulante curta (4-6 horas). É um reagente inflamatório de fase aguda, elevando-se muito durante a resposta inflamatória desencadeada por injúria tecidual ou infecções, atingindo pico num período de 24 a 72 horas, para então diminuir rapidamente após a resolução do processo inflamatório(1).

A PCR tem a capacidade de ligar-se aos componentes da membrana celular, formando complexos que ativam o sistema complemento, com liberação de opsoninas e eventual fagocitose e remoção dessas estruturas da circulação. A sua ligação às membranas celulares se dá apenas após a ruptura destas. Tal propriedade sugere importante papel da PCR na defesa inespecífica do hospedeiro, pela remoção de restos celulares derivados de células necróticas ou danificadas no processo inflamatório, permitindo a reparação do tecido(2).

É sabido que o primeiro dia após o procedimento cirúrgico, a PCR eleva-se devido a fenômenos clínicos como leucocitose, febre e arritmias e declina rapidamente ao término da resposta inflamatória(3).

A PCR é um teste que vem sendo empregado para identificação precoce de infecção do sítio cirúrgico (ISC). Vários estudos demonstram que os níveis de PCR no pré-operatório mantiveram-se aumentados em pacientes que desenvolveram uma infecção no curso pós-operatório(3). Ele, contudo, não é específico e pode ser confundido com muitas doenças com resposta inflamatória. Outros fatores que podem mudar os valores de PCR são obesidade, fumo, osteoartrose degenerativa, mudança da fase aguda e resposta à idade, queimaduras, estresse pós-trauma, desordens emocionais e ciclo menstrual(4).

Esta revisão buscou evidências do valor preditivo da alteração dos níveis séricos de PCR no desenvolvimento de infecção em pacientes no período pós-operatório. Em caso positivo, a PCR pode vir a ser um marcador eficaz de predição no desenvolvimento de infecção.

MÉTODO

Estudo de revisão sistemática, realizado em conformidade as recomendações da Colaboração Cochrane(5). As buscas foram realizadas no período de dezembro de 2008 a janeiro de 2009 nas bases eletrônicas COCHRANE, EMBASE, LILACS, PubMed/MEDLINE e OVID, além das referências bibliográficas citadas nas publicações encontradas. Para a seleção dos descritores, foram utilizadas as ferramentas MeSH (Medical Subject Headings Section), do PubMed/MEDLINE, e o DeCS (Descritores em Ciências da Saúde), do Portal BVS. Para a definição dos descritores, optou-se pela estratégia PICO(6), no qual: Participantes = pacientes submetidos a cirurgias; Intervenção = dosagem da concentração sérica de PCR; Comparação = concentração de PCR entre os períodos pré e pós-operatórios ou somente ao longo do período pós-operatório; Outcome = infecções no período pós-operatório, relacionadas com alterações da PCR (Quadro 1).


Consideraram-se somente estudos primários, obtidos na íntegra, sem restrição de idade, sexo e tipo de cirurgia dos participantes, além de idioma e ano de publicação. Os estudos foram analisados quanto ao tipo de investigação, enfoque, população, resultado e força de evidência ou grau de recomendação, conforme a classificação do Centro de Medicina Baseada em Evidências de Oxford (Center for Evidence-Based Medicine), adaptada para a língua portuguesa(7). Além disso, os estudos foram avaliados quanto à validade interna, de acordo com os critérios(8): semelhança da população e do procedimento cirúrgico ou ajustes de fatores de risco para alteração de PCR, seguimento no tempo para a observação dos desfechos, recursos utilizados para mensuração do desfecho, cegamento do avaliador.

A metanálise foi realizada com 11 dos estudos, que apresentaram resultados de testes de sensibilidade e especificidade. Para análise destes dados foi utilizado o software Meta-Disc versão beta 1.1.1 (freeware)(9). Os valores de verdadeiro-positivo (sensibilidade) e falsos-positivos ( 1 - especificidade) foram sumarizados na curva denominada SROC - Summary Receiver Operating Characteristic (Figura 1), onde, para demonstrar a performance do teste diagnóstico como um todo, foi calculada a área sob a curva e, para evidenciar a acurácia dos estudos, calculou-se o valor de Q, que representa o maior valor comum de sensibilidade e especificidade. Além disso, calculou-se a Odds Ratio, indicador que também avalia a performance diagnóstica através da combinação de sensibilidade, especificidade, verdadeiro-negativo e falso-negativo.


RESULTADOS

A base MEDLINE foi a que apresentou mais estudos (244), seguindo-se a OVID (80), EMBASE (70), COCHRANE (10) e LILACS (2). Os estudos previamente selecionados, isto é, que aparentemente respondiam à questão desta revisão, após a exclusão daqueles repetidos e o acréscimo de 2 referências bibliográficas, totalizaram 27. Após análise juntamente com um segundo avaliador, outros 7 foram excluídos, totalizando 20 incluídos. Os motivos para exclusão foram: não-acompanhamento da variável infecção no período pós-operatório (3); consideração apenas do enfoque terapêutico da PCR (2); desenho retrospectivo sem enfoque prognóstico (1); tempo de acompanhamento de complicações no pós-operatório (até 3º PO) muito inferior ao recomendado (1). Todos os estudos incluídos foram publicados a partir do final da década de 1990 e quase todos constituem investigações do tipo coorte prospectiva, com exceção do E7 (caso-controle) e do E19 (coorte retrospectiva). Apesar do E8 descrever como um estudo série de casos, durante a análise de seu desenho metodológico detectou-se que se trata, na verdade, de um estudo do tipo coorte prospectiva, sendo incluído como tal nesta revisão.

Houve variação na quantidade de participantes, desde 32 (E8) até 1418 (E16), mas a maioria considerou somente cirurgias limpas (ortopédicas - 12 e cardíacas - 4), sendo que um deles incluiu cirurgias diferentes (ortopédicas com e sem colocação de prótese). Os demais incluíram cirurgias gastrointestinais (4) (Quadro 2). A maioria dos estudos (15) verificou a PCR nos períodos pré-operatório e pós-operatório. Os E1 e E19 somente no pós-operatório e os E2 e E9 apenas no pré-operatório. O período de verificação no pós-operatório, contudo, variou muito: até 4º (E11), 5º (E8), 6º (E13, E16), 7º (E17), 10º (E10), 12º (E5, E20), 15º (E15), 21º (E1, E3), 23º (E6) e 30º (E14, E12, E18) dias. Não citaram o período os E2, E4, E7, E9, E19. As amostras de PCR de todos os estudos foram obtidas por punção venosa.


Somente 12 estudos citaram variáveis intervenientes para controle ou exclusão de pacientes, principalmente o E15 (7), seguindo-se os E4, E12, E16 (4 cada). As variáveis mais citadas foram: neoplasia (7), infecção prévia (7) e uso de imunossupressores (4) (Quadro 2). Igualmente, 12 estudos definiram critérios para diagnóstico de infecções no período pós-operatório. As de sítio cirúrgico foram as mais citadas (E2; E4; E5; E6; E8; E10; E12; E18; E19), seguindo-se septicemia (E7; E8; E11; E17), pneumonia (E5; E17) e trato urinário (E5; E8).

Na avaliação do grau de evidência para estudos prognósticos(7), a grande maioria (18) inseriu-se na categoria A, nível de evidência 1B (coorte prospectiva). O grau de recomendação B, nível de evidência 2B, referiu-se à classificação dos E7 e E19, por se tratarem de investigações do tipo caso-controle e coorte retrospectiva ou histórica, respectivamente.

Todos os estudos concluíram favoravelmente pela PCR como marcador prognóstico para infecção em pacientes cirúrgicos e a maioria (15) realizou análises de sensibilidade e especificidade, contudo, com ampla variação de valores. A sensibilidade variou de 53% a 100% e a média da somatória de todos os estudos correspondeu a 81,3%. A especificidade variou de 65% a 100% e a média foi 83,6%. O estudo que apresentou valores maiores, concomitantemente, para sensibilidade e especificidade foi o E12 (100% e 98,4%, respectivamente) e o que apresentou valores menores foi o E4 (53% e 76%) (Quadro 2).

A metanálise revelou média da sensibilidade de 85% e de especificidade de 86%. A curva SROC (Figura 1) sintetiza os valores de sensibilidade e de falso positivo (1- especificidade) obtendo-se valor de 0,9060 da área sob a curva (AUC) e 0,8377 (Q) como o maior valor comum da sensibilidade e especificidade. A Odds Ratio global destes estudos teve valor de 23,56 (IC: 11,50 - 48,25).

DISCUSSÃO

As infecções hospitalares são consideradas um problema de saúde pública no Brasil e no mundo, a infecção de sítio cirúrgico é a segunda mais importante em pacientes hospitalizados, elevando os custos do tratamento, aumentando a probabilidade de reintervenções cirúrgicas e elevando a mortalidade(10). Embora seja possível estimar fatores de risco para desenvolvimento de infecção em pacientes cirúrgicos, a sua predição, com alto grau de probabilidade, ainda constitui um desafio. Vários marcadores vêm sendo estudados, nos últimos anos, em busca de seu valor preditivo para processos inflamatórios e infecciosos(11-14). Esta revisão sistemática constitui a primeira realizada sobre estudos que investigaram a PCR.

O fato de quase todos os estudos (18) ter utilizado o desenho de coorte prospectiva, além de lhes conferir a melhor qualidade para enfoques prognósticos, permitiu uma revisão sistemática praticamente homogênea quanto ao tipo de investigação. Desse modo, atendeu a um primeiro critério de qualidade, com relação ao desenho dos estudos.

Apesar da variação na quantidade de participantes (32 a 1418) entre os estudos, houve homogeneidade em critérios de validade interna referentes ao tipo de cirurgia e análise de PCR nos períodos pré e pós-operatório. No primeiro caso, todos incluíram os mesmos tipos de cirurgias (ortopédicas - 12, cardíacas - 4, gastrointestinais - 4) (Quadro 2). Embora o E18 tenha considerado cirurgias ortopédicas com e sem colocação de prótese, a utilização do mesmo tipo de cirurgia por quase todos os estudos e principalmente limpa (16) homogeneíza um fator de risco relevante de infecção do sítio cirúrgico, referente ao potencial de contaminação da cirurgia. No segundo caso, do mesmo modo, a maioria dos estudos (15) verificou a PCR nos períodos pré-operatório e pós-operatório (Quadro 2). Tal critério, obviamente, é importante para comparação e conclusão da PCR como fator prognóstico ou não.

Essa análise comparativa entre valor de PCR no pré-operatório e surgimento de infecção pós-operatória, realizada por 4 dos estudos incluídos (E4; E7; E11 e E13), observou que pacientes com aumento de PCR no pré-operatório (maior que 5mg/dl) possuíam maior incidência de complicações no pós-operatório, enquanto que o estudo E9, que comparou a relação entre a concentração de PCR no pré-operatório e a presença de foco infeccioso no pós-operatório, teve como resultado um valor preditivo positivo de 59,2% e valor preditivo negativo de 88,5%.

Alguns estudos relatam, ainda, um pico de concentração sérica de PCR entre o 2º e 3º dias do pós-operatório (E1; E3; E5; E10; E15; E16; E17 e E20) como sendo uma característica normal da curva de PCR. Pacientes que tiveram ou não tiveram complicações infecciosas apresentaram um declínio nos níveis sérico de PCR após este pico; enquanto que aqueles que tiveram infecção no pós-operatório não apresentaram declínio importante de PCR após seu pico, mantiveram níveis de PCR acima de 10mg/dl. Os estudos E4 e E12 relacionam o surgimento de um segundo pico de PCR após declínio de seu pico normal com maior chance no desenvolvimento de infecção pós-operatória.

Uma outra análise pré e pós-operatória realizada pelos estudos E5, E12, E13 e E20 apontam um nível de corte de 140mg/dl de PCR no 4º período pós-operatório, ou seja, pacientes que no 4º PO apresentarem 140mg/dl ou mais de PCR sérica possuem maiores chances de desenvolverem infecções pós-cirúrgicas.

As amostras de PCR de todos os estudos foram obtidas por punção venosa. Contudo, o período de sua análise no pós-operatório, citado por 15 estudos incluídos, variou muito, desde o 4º até o 30º dia (Quadro 2). Tal fato é preocupante, pois apenas três destes estudos apresentaram tempo de acompanhamento de acordo com as recomendações do Center for Desease Control and Prevention (CDC) para o desenvolvimento de infecção pós-operatória (30 dias); enquanto que em casos de colocação de prótese teria que ser até um ano(15).

Apesar da infecção de sítio cirúrgico (ISC) ter sido a infecção mais utilizada para análise de desfecho (E2; E4; E5; E6; E8; E10; E12; E18; E19), outras também foram consideradas: septicemia (E7; E8; E11; E17), pneumonia (E5; E17) e trato urinário (E5; E8). Conclui-se, portanto, que, embora não tenha sido explicitado pela maioria dos estudos, o período de análise da PCR considerou antes os períodos de variação de seus níveis, entre normal e alterados, do que os períodos para desenvolvimento de infecção.

Outros critérios, relacionados a fatores de risco extrínsecos para infecção, também apresentaram homogeneidade, como técnica e ambiente cirúrgicos. Apesar de não descritos, ao que parece, cada estudo foi realizado pelas mesmas equipes.

A maior variação de critérios e, portanto, não-homogeneidade entre os estudos referiu-se a fatores de risco intrínsecos aos pacientes. Somente 12 estudos citaram controle ou exclusão de pacientes baseados nesses fatores. Mesmo assim, a quantidade desses fatores variou muito e nem sempre coincidiu entre os estudos. O que mais controlou foi o E15 (7), seguindo-se os E4, E12, E16 (4 cada). Os fatores mais citados foram: neoplasia (7), infecção prévia (7) e uso de imunossupressores (4) (Quadro 2), os quais interferem nos níveis de PCR.

Fatores de risco para ISC, contudo, amplamente categorizados como de melhor evidência(14) não foram citados, como a duração da cirurgia. O uso de antibióticos foi citado somente pelo E2.

Desse modo, o melhor tipo de investigação (coorte prospectiva) e as análises de variações de PCR antes e depois da cirurgia e de especificidade e sensibilidade constituíram os principais critérios de homogeneidade na maioria dos estudos. Esses últimos, apesar de resultarem em ampla variação (53% a 100% para sensibilidade e 65% a 100% para especificidade), todas estiveram acima de 50% e foram altas as médias das somatórias dos estudos que os realizaram (81,3% - sensibilidade e 83,6% - especificidade) (Quadro 2).

A metanálise comprova a eficácia da proteína C-reativa como marcador imunológico de processos inflamatórios e/ou infecciosos, uma vez que o cálculo da área sob a curva foi de 0,9060 e quanto mais próximo este valor for de 1, melhor o teste diagnóstico. A média de sensibilidade revela que 85% dos testes de PCR resultam em verdadeiro-positivos; os outros 15% são falso-negativos. Enquanto a média de especificidade de 86% resulta em verdadeiro-negativos, os outros 14% são falso-positivos. Estes dados de sensibilidade e especificidade, em conjunto com a Odds Ratio de 23,56 (quanto mais próximo de 100 melhor o teste diagnóstico), diminuem a confiabilidade de aplicação da PCR no desenvolvimento de infecção pós-operatória.

Tratando-se de uma revisão sistemática consideravelmente homogênea quanto à investigação de melhor evidência para o enfoque pretendido e a outros critérios utilizados (tipo de cirurgia, PCR nos períodos pré e pós-operatórios, análise e obtenção de médias altas de sensibilidade e especificidade), ao que parece, a PCR apresenta valor preditivo para o desenvolvimento de infecções cirúrgicas. Antes, porém, que a PCR seja recomendada como marcador de risco de infecção cirúrgica, é prudente a realização de mais estudos com maior rigor de validade interna, que considerem controle de variáveis que ainda não foram possíveis obter homogeneidade, sobretudo fatores de risco reconhecidos para infecção cirúrgica.

Alguns estudos analisados, inclusive, ponderam sobre tais questões, uma vez que a proteína C-reativa é um marcador inflamatório não-específico, podendo estar elevada em processos inflamatórios (não necessariamente infecciosos), como no caso de doenças crônicas. Isso faz com que muitos estudos afirmem o valor prognóstico/diagnóstico da PCR como uma ferramenta que deve ser utilizada em conjunto com avaliação clínica e outros possíveis testes laboratoriais(16-19).

CONCLUSÃO

Por se tratar de uma revisão sistemática homogênea quanto ao tipo de investigação, de melhor evidência para o enfoque pretendido, e alguns critérios de validade interna nos estudos analisados, conclui-se favoravelmente quanto ao valor preditivo de alteração da PCR no desenvolvimento de infecção em pacientes no período pós-operatório. No entanto, tal valor preditivo apresenta maior confiabilidade quando os valores de PCR são analisados junto com avaliação clínica, ou, ainda, quando há análise da curva de PCR ao longo do período pós-operatório, comparando-a com a curva normal. Este fato é evidenciado através da metanálise, que confirma a PCR como marcador imunológico (curva SROC), mas limita seu uso como teste diagnóstico. Isso acontece por se tratar de uma proteína não específica, e que, portanto não deve ser analisada de maneira pontual em infecções pós-cirúrgicas mas sim através da comparação de seus valores anteriores.

Novos estudos, contudo, com critérios homogêneos de validade interna precisam ser realizados, antes que a PCR seja recomendada como marcador de risco para essas infecções.

Recebido: 19/10/2010

Aprovado: 03/02/2011

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  • Endereço para correspondência:

    Bruna Kosar Nunes
    Rua Santa Terezinha, 100 - Bairro Jordanópolis
    CEP 09892-340 - São Bernardo do Campo, SP, Brasil
  • *
    Extraído de Estudo de Iniciação Científica PIBIC/ CNPq, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2009.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      19 Out 2010
    • Aceito
      03 Fev 2011
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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