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Processo de amostragem teórica em pesquisa de Teoria Fundamentada nos Dados vertente Straussiana* * Extraído da tese: “Presença da família durante o atendimento emergencial: vivências e percepções de pacientes, familiares e profissionais de saúde”, Universidade Estadual de Maringá, 2017.

RESUMO

Objetivo:

Descrever o processo de amostragem teórica no desenvolvimento de uma Teoria Fundamentada nos Dados na vertente Straussiana. O objetivo da pesquisa de campo, empregada como exemplo, foi elaborar uma teoria substantiva, fundamentada no referencial teórico do Interacionismo Simbólico, acerca das percepções e vivências de pacientes, familiares e profissionais de saúde relativas à presença da família durante o atendimento emergencial.

Método:

Na amostragem teórica foram recrutados 42 participantes, divididos em nove grupos amostrais, constituídos a partir do método comparativo constante.

Resultados:

Com a descrição deste exemplo, foi possível identificar como a amostragem teórica direcionou a coleta de dados, o que ocorreu por meio do aprofundamento de conceitos e da busca de respostas para questões provenientes dos dados.

Considerações finais:

Espera-se que os leitores encontrem subsídios para compreender o modo como a amostragem teórica é conduzida em um estudo de Teoria Fundamentada nos Dados, vertente Straussiana, e assim possam aplicá-la.

DESCRITORES
Pesquisa Qualitativa; Pesquisa em Enfermagem; Pesquisa Metodológica em Enfermagem; Teoria Fundamentada

ABSTRACT

Objetive:

Describing the theoretical sampling process in the development of a Grounded Theory based on the Straussian strand. The objective of the field research, used as an example, was to develop a substantive theory, based on the theoretical framework of Symbolic Interactionism, about the perceptions and experiences of patients, family members, and health professionals regarding the presence of the family during emergency care.

Method:

In the theoretical sampling, 42 participants were recruited, divided into nine sample groups, constituted based on the constant comparative method.

Results:

The description of this example allowed to identify how theoretical sampling guided data collection, which occurred through the in-depth study of concepts and the search for answers to questions arising from the data.

Final Considerations:

It is expected that the readers find subsidies to understand how theoretical sampling is conducted in a Grounded Theory study, based on the Straussian strand, and thus be able to apply it.

DESCRIPTORS
Qualitative Research; Nursing Research; Nursing Methodology Research; Grounded Theory

RESUMEN

Objetivo:

Describir el proceso de muestreo teórico en el desarrollo de una Teoría Fundamenta en la vertiente Straussiana. El objetivo de la investigación de campo, empleada como ejemplo, fue elaborar una teoría sustantiva, con fundamentación en el referencial teórico del Interaccionismo Simbólico, acerca de las percepciones y vivencias de paciente, familiares y profesionales de salud relativas a la presencia de la familia durante el atendimiento de urgencias.

Método:

En el muestreo teórico fueron seleccionados 42 participantes, divididos en nueve grupos, constituidos a partir del método comparativo constante.

Resultados:

Con la descripción de este ejemplo, fue posible identificar como el muestreo teórico direccionó la recogida de datos, lo que ocurrió por medio de la profundización de conceptos y de la búsqueda de respuestas para cuestiones provenientes de los datos.

Consideraciones finales:

Se espera que los lectores encuentren subsidios para comprender el modo como el muestreo teórico se conduce en un estudio de Teoría Fundamentada, vertiente Straussiana y, luego, puedan aplicarla.

DESCRIPTORES
Investigación Cualitativa; Investigación en Enfermería; Investigación Metodológica en Enfermería; Teoría Fundamentada

INTRODUÇÃO

A Teoria Fundamentada nos Dados (TFD) foi desenvolvida pelos sociólogos americanos Barney Glaser e Anselm Strauss, nos anos de 1960, para estudar o processo da morte em ambientes hospitalares(11. Glaser BG, Strauss AL. The discovery of Grounded theory: Strategies for qualitative research. New York: Aldine Publishing; 1967.). O método busca construir uma teoria substantiva, pautada nos dados obtidos e analisados a partir da pesquisa social, para melhor descrever, compreender e explicar o significado do evento na perspectiva das pessoas investigadas(22. Rieger KL. Discriminating among grounded theory approaches. Nurs Inq. 2019;26(1):e12261. DOI: https://doi.org/10.1111/nin.12261.
https://doi.org/10.1111/nin.12261...
).

Desde a apresentação do método, diferentes abordagens surgiram. Na década de 1990, por exemplo, vários textos foram publicados defendendo opiniões divergentes de seus cocriadores em relação a questões de indução-dedução, análise dos dados e geração teórica(33. Charmaz K, Thornberg R. The pursuit of quality in grounded theory. Qual Res Psychol. 2021;18(3):305-27. DOI: https://doi.org/10.1080/14780887.2020.1780357.
https://doi.org/10.1080/14780887.2020.17...
). Inclusive, destaca-se que numa perspectiva mais recente, a TFD insere-se nos paradigmas construtivista de Charmaz, de análise situacional pós-moderna de Adele Clarke e de análise dimensional de Leonard Schatzman(44. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017021803303
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).

Apesar das diferentes abordagens, há consenso de que a TFD, excluindo a vertente Glasseriana, é um estilo interpretativo de pesquisa qualitativa enraizado no paradigma pós-positivista, caracterizando-a como uma metodologia inerentemente complexa(55. Tie YC, Birks M, Francis K. Grounded theory research: A design framework for novice researchers. SAGE Open Med. 2019;7(1):1-8. DOI: https://doi.org/10.1177/2050312118822927.
https://doi.org/10.1177/2050312118822927...
). Especificamente na vertente Straussiana, são adotadas como características o pós-positivismo e o Interacionismo Simbólico (IS)(44. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017021803303
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,66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.), o que reforça sua complexidade teórico-metodológica. Por isso, a fim de garantir o rigor na coleta e análise de dados, bem como no resultado alcançado, componentes fundamentais devem ser abordados(44. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017021803303
http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017...
,77. Achora S, Matua GA. Essential methodological considerations when using grounded theory Nurse Res. 2016;23(6):31-6. DOI: https://doi.org/10.7748/nr.2016.e1409.
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). Entre esses destacam-se: sensibilidade teórica; método comparativo constante; amostragem teórica; desenvolvimento de memorandos e diagramas; codificação; saturação teórica de dados; e identificação da teoria substantiva(88. Barreto MS, Garcia-Vivar C, Marcon SS. Methodological quality of Grounded Theory research with families living with chronic illness. Int J Africa Nurs Sci. 2018;8:14-22. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijans.2018.01.001.
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). Embora todos os componentes mereçam análise crítica, a amostragem teórica é o foco deste artigo.

A amostragem teórica caracteriza-se como a seleção de participantes que não é limitada aos critérios de inclusão inicialmente propostos. Decorre da coleta, codificação e análise concomitante de dados, para decidir quais novos dados serão coletados e onde encontrá-los(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.). Desse modo, é possível desenvolver as bases teóricas e explorar as categorias conceituais emergentes, testando e explicando a teoria à medida que a análise de dados avança(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.). Portanto, não é um procedimento que busca significância numérica ou representatividade populacional, mas sim a variabilidade para identificação de padrões de comportamentos e atitudes(99. Glaser BG. Theoretical sensitive: Advances in the methodology of Grounded Theory. San Francisco: University of California; 1978.), bem como para facilitação do teste, desenvolvimento e aperfeiçoamento de categorias conceituais emergentes(1010. Charmaz K. Teaching theory construction with initial Grounded Theory tools: A reflection on lessons and learning. Qual Health Res. 2015;25(12):1610-22. DOI: https://doi.org/10.1177/1049732315613982.
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), na busca da completude teórica(1111. Currie K. Using Survey data to assist theoretical sampling in grounded theory research. Nurse Res. 2009;17(1):24-33. DOI: https://doi.org/10.7748/nr2009.10.17.1.24.c7336
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). É empregada em todas as variantes da TFD, pois é considerada procedimento-chave para a construção da teoria(1212. Conlon C, Timonen V, Elliott-O’Dare C, O’Keeffe S, Foley G. Confused about theoretical sampling? Engaging theoretical sampling in diverse Grounded Theory studies. Qual Health Res. 2020;30(6):947-59. DOI: https://doi.org/10.1177/1049732319899139.
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).

O processo de construir uma teoria substantiva requer a interação entre induções e deduções(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.,1313. Santos JLG, Erdmann AL, Sousa FGM, Lanzoni GMM, Melo ALSF, Leite JL. Methodological perspectives in the use of Grounded Theory in nursing and health research. Esc Anna Nery. 2016;20(3):e20160056.). Isso é necessário para identificar instâncias empíricas com potencial para aprofundar os insights que surgem mediante processo de análise rigorosa, sistemática e organizada de dados(1212. Conlon C, Timonen V, Elliott-O’Dare C, O’Keeffe S, Foley G. Confused about theoretical sampling? Engaging theoretical sampling in diverse Grounded Theory studies. Qual Health Res. 2020;30(6):947-59. DOI: https://doi.org/10.1177/1049732319899139.
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). Esse processo deve ocorrer até o momento em que se identifica a saturação teórica, que é alcançada com o emprego adequado da amostragem teórica. Isso porque o foco do método é alcançar a melhor explicação teórica sobre determinado conceito(1414. Saunders B, Sim J, Kingstone T, Baker S, Waterfield J, Bartlam B, et al. Saturation in qualitative research: Exploring its conceptualization and operationalization. Qual Quant. 2018;52(4):1893-907. DOI: https://doi.org/10.1007/s11135-017-0574-8
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).

Identifica-se que investigadores nacionais(44. Santos JLG, Cunha KS, Adamy EK, Backes MTS, Leite JL, Sousa FGM. Data analysis: comparison between the different methodological perspectives of the Grounded Theory. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03303. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017021803303
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,88. Barreto MS, Garcia-Vivar C, Marcon SS. Methodological quality of Grounded Theory research with families living with chronic illness. Int J Africa Nurs Sci. 2018;8:14-22. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijans.2018.01.001.
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,1515. Peiter CC, Santos JLG, Kahl C, Copelli FHS, Cunha KS, Lacerda MR. Grounded Theory: use in scientific articles published in Brazilian nursing journals with Qualis A classification. Texto & Contexto – Enfermagem. 2020;29:e20180177. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0177.
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) e internacionais(1111. Currie K. Using Survey data to assist theoretical sampling in grounded theory research. Nurse Res. 2009;17(1):24-33. DOI: https://doi.org/10.7748/nr2009.10.17.1.24.c7336
https://doi.org/10.7748/nr2009.10.17.1.2...
,1616. Lewis LF. Putting ‘quality’ in qualitative research: a guide to Grounded Theory for mental health nurses. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2015;22(10):821-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/jpm.12270.
http://dx.doi.org/10.1111/jpm.12270...
,1717. McCrae N, Purssell E. Is it really theoretical? A review of sampling in Grounded Theory studies in nursing journals. J Adv Nurs. 2016;72(10):2284-93. DOI: https://doi.org/10.1111/jan.12986.
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) têm trazido luz para as discussões conceituais, metodológicas e operacionais da aplicação da TFD na área da enfermagem. Contudo, não foram identificadas publicações que discutissem, de forma particular, o processo de amostragem teórica na vertente Straussiana da TFD. Além disso, revisões de literatura acerca da aplicação do referido método na pesquisa em enfermagem constataram a necessidade de maior rigor científico na sua utilização(88. Barreto MS, Garcia-Vivar C, Marcon SS. Methodological quality of Grounded Theory research with families living with chronic illness. Int J Africa Nurs Sci. 2018;8:14-22. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijans.2018.01.001.
https://doi.org/10.1016/j.ijans.2018.01....
,1515. Peiter CC, Santos JLG, Kahl C, Copelli FHS, Cunha KS, Lacerda MR. Grounded Theory: use in scientific articles published in Brazilian nursing journals with Qualis A classification. Texto & Contexto – Enfermagem. 2020;29:e20180177. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2018-0177.
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,1818. Girardon-Perlini NMO, Simon BS, Lacerda MR. Grounded Theory methodological aspects in Brazilian nursing thesis. Rev Bras Enferm. 2020;73(6):e20190274. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0274.
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), em especial no que concerne ao processo iterativo do trabalho de campo e o desenvolvimento teórico a partir da amostragem teórica(1717. McCrae N, Purssell E. Is it really theoretical? A review of sampling in Grounded Theory studies in nursing journals. J Adv Nurs. 2016;72(10):2284-93. DOI: https://doi.org/10.1111/jan.12986.
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).

Os textos clássicos sobre amostragem teórica na TFD são focados principalmente em seus fundamentos metodológicos(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.,99. Glaser BG. Theoretical sensitive: Advances in the methodology of Grounded Theory. San Francisco: University of California; 1978.,1919. Charmaz, K. Constructing Grounded Theory. 2nd ed. London: Sage; 2014.), e um número limitado de livros e artigos(1212. Conlon C, Timonen V, Elliott-O’Dare C, O’Keeffe S, Foley G. Confused about theoretical sampling? Engaging theoretical sampling in diverse Grounded Theory studies. Qual Health Res. 2020;30(6):947-59. DOI: https://doi.org/10.1177/1049732319899139.
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,2020. Bryant A, Charmaz K. The SAGE handbook of current developments in Grounded Theory. London: Sage; 2019.) preocupou-se em descrever como a amostragem teórica ocorre no desenvolvimento prático da TFD. Portanto, este estudo reveste-se de significância ao fornecer subsídios, sobretudo, para investigadores iniciantes interessados em utilizar a TFD, pois seu objetivo foi descrever o processo de amostragem teórica no desenvolvimento de uma Teoria Fundamentada nos Dados na vertente Straussiana.

DELINEANDO A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Tipo de Estudo e Aspectos Éticos

Estudo teórico que descreve o processo de desenvolvimento da amostragem teórica em uma pesquisa de TFD, cujo objetivo era elaborar uma teoria substantiva, fundamentada no referencial do IS, acerca das percepções e vivências de pacientes, familiares e profissionais de saúde sobre a presença da família durante o atendimento emergencial. A pesquisa respeitou os preceitos éticos contidos na Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovada pelo Comitê Permanente de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da instituição signatária (Parecer: 1.882.37/2017).

DESCRIÇÃO DO CENÁRIO

Contexto da Pesquisa

Compuseram o cenário do estudo a Sala de Emergência (SE) de duas unidades de saúde, nomeadas como Unidade A e Unidade B, que apesar de localizadas em dois municípios próximos no estado do Paraná, Brasil, se diferenciam em relação à abrangência geográfica e social da população de usuários, bem como na estrutura física, perfil profissional e quadros clínicos atendidos. A unidade A recebe pacientes apenas com agravos clínicos e a Unidade B configura-se como referência para 30 municípios, atendendo, portanto, pacientes graves e complexos com agravos clínicos e traumáticos. Tais configurações permitiram variabilidade na composição da amostragem teórica, o que é importante para o processo inicial de coleta de dados em TFD.

Participantes da Pesquisa

Para a seleção dos participantes, realizou-se a triangulação de informantes, os quais foram definidos intencionalmente e compuseram três grupos amostrais (GA) iniciais compostos por profissionais, pacientes e familiares, conforme os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos (Figura 1).

Figura 1.
Critérios de inclusão e exclusão inicialmente delimitados para os participantes do estudo.

PERÍODO DE COLETA DE DADOS E TÉCNICAS EMPREGADAS

A coleta de dados ocorreu entre outubro de 2016 e fevereiro de 2017, sendo empregadas entrevistas individuais, face a face, gravadas em áudio, com duração média de 43 minutos, que ocorreram nas dependências dos serviços de saúde, em espaço reservado. A questão geradora das entrevistas inicias foi: Qual a sua percepção em relação à presença da família na SE durante o atendimento? O roteiro das entrevistas também continha questões sobre o perfil sociodemográfico dos participantes, o que foi especialmente útil para “quebrar o gelo” inicial. Posteriormente, essas informações permitiram identificar a realidade social dos participantes e reconhecer que cada narrativa estava inserida em seu contexto geográfico, político, social, econômico e cultural.

Conforme proposto pela TFD, foi utilizado o método comparativo constante, de modo que a coleta e análise dos dados eram concomitantes, sendo o roteiro da entrevista ajustado ao longo da pesquisa, a fim de contemplar o desenvolvimento progressivo, o aprofundamento e a densificação das categorias. Esse aspecto de modulação do instrumento de coleta, a partir das demandas provenientes da análise dos dados, é comum e relevante para que a amostragem teórica aconteça.

Análise dos Dados

Na vertente Straussiana da TFD a análise ocorre por meio da codificação aberta, axial e seletiva(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.). O software QDA miner® foi utilizado no processo de codificação.

APRESENTANDO O PROCESSO DE AMOSTRAGEM TEÓRICA

O estudo foi guiado pelo referencial teórico do IS(2121. Blumer H. Symbolic Interactionism: perspective and method. Los Angeles: University of California Press; 1986.). Isso porque, além deste referencial formar parte das bases paradigmáticas da TFD vertente Straussiana, partiu-se do entendimento de que as percepções e experiências de cada ator ativo envolvido no atendimento de emergência (pacientes, familiares e profissionais) integram um processo em constante interação, atribuindo significados às experiências mediante a interação do self, da mente e da sociedade. Pela perspectiva interacionista as pessoas agem em relação aos atos dos outros, interpretando a ação e agindo novamente, com base nos significados. Assim, o IS conferiu sustentação ao desenvolvimento do estudo e orientou o movimento analítico realizado na amostragem teórica, a partir da coleta, análise e interpretação dos dados.

Ao longo da pesquisa foram conformados nove grupos amostrais independentes – profissionais de saúde, familiares e pacientes constituíram, cada um, três grupos distintos (Figura 2). No total, participaram 42 pessoas, assim distribuídas: 13 pacientes atendidos em SE, 13 familiares de pacientes e 16 profissionais (oito médicos e oito enfermeiros). Destaca-se que os grupos amostrais (por exemplo, G1 de familiares, pacientes e profissionais) não necessariamente eram constituídos de forma simultânea, mas isso poderia acontecer e ocorreu, especialmente, nos grupos de familiares e pacientes. Contudo, reforça-se que os grupos eram independentes entre si.

Figura 2.
Representação do processo de amostragem teórica e formação dos grupos amostrais. DC: Doença Crônica; SE: Sala de Emergência.

O processo de amostragem teórica auxiliou na elaboração da teoria substantiva: “A construção social de uma presença familiar condicionada, esporádica e volúvel durante o atendimento emergencial”, composta por quatro categorias e 12 subcategorias (Figura 3). A seguir, descreve-se detalhadamente o processo de amostragem teórica para os grupos de profissionais de saúde, familiares e pacientes.

Figura 3.
Representação da teoria substantiva identificada, suas categorias e subcategorias.

Profissionais de Saúde

A coleta de dados com o 1º GA composto pelos profissionais de saúde foi iniciada por conveniência na Unidade A, devido a maior facilidade de acesso do pesquisador. Esse grupo foi composto por cinco participantes – três enfermeiras e dois médicos – selecionados aleatoriamente de um universo de oito enfermeiras e oito médicos. No início do processo de codificação identificou-se que, apesar de o padrão usual de comportamento, socialmente aceito e praticado, ser o de não permitir a presença da família na SE, havia casos específicos em que os profissionais consentiam, ainda que por breves momentos. Nesse sentido, os profissionais referiram que era necessário avaliar “caso a caso” (código in vivo), considerando diferentes aspectos e interações.

Durante a codificação axial buscou-se identificar quais fatores cooperavam para moldar a ação dos profissionais para permitir ou não a presença da família. Como justificativa dada por aqueles que permitiam, estavam a idade mais velha do paciente e a tentativa de proporcionar maiores informações à família. Já para aqueles que não eram permitidos identificou-se o código conceitual: “Aspectos que não permitem a presença da família”, sendo que entre os motivos mais relevantes – pois também apareceram como códigos conceituais, e não apenas como códigos provisórios – constavam aspectos relacionados à “Falta de estrutura física”; “Falta de recursos humanos” e “Falta de equipamentos e materiais médico-hospitalares”. Desse modo, e considerando que o ambiente e o contexto da SE pareciam despontar como aspectos influenciadores da decisão profissional, considerou-se oportuno buscar profissionais que estivessem inseridos em outro contexto emergencial, onde, sabidamente, tais condições de estrutura e recursos materiais e humanos eram distintas, fazendo com que eles estabelecessem outras interações sociais dentro do espaço físico disponível.

Assim, na busca por compreender melhor conceitos provisórios e códigos conceituais que estavam surgindo, a formação do novo GA de profissionais buscou responder as seguintes questões: a) O que os profissionais entendem pelo conceito emergente “caso a caso”? b) As preocupações para não permitir a presença da família na SE, concernentes ao ambiente, caracterizado inicialmente como precário, são generalizáveis ou estão diretamente relacionadas às interações sociais estabelecidas nesse contexto no qual os primeiros entrevistados estavam inseridos? Caso as preocupações relativas à precariedade do ambiente não sejam evidentes, c) Quais outros aspectos simbólicos influenciam a ação dos profissionais para permitir ou não a presença da família na SE? Nesse momento a amostragem deixou de ser por conveniência e passou a ter intencionalidade a partir da análise dos dados. Assim, o 2ª GA dos profissionais foi composto por seis médicos e três enfermeiros atuantes na SE da Unidade B, selecionados de forma aleatória em um universo de oito enfermeiros e 12 médicos.

A partir dos novos dados obtidos foi possível saturar códigos e categorias iniciais, os quais revelavam que os profissionais entendiam cada situação de atendimento, paciente, família, equipe e contexto da SE como únicos e singulares e que, portanto, precisam ser considerados desta forma ao se aventar a possibilidade de as famílias acompanharem o atendimento. Destarte, mesmo tendo sido entrevistados profissionais de outro serviço emergencial, com distintas características estruturais e processo de trabalho, verificou-se que o ambiente e o contexto – despreparados para receber as famílias, segundo suas percepções – foram novamente interpretados e definidos como inadequados, sendo, portanto, balizadores e fortes limitadores para a decisão de permitir a presença das famílias.

Ademais, outras angústias dos profissionais foram sendo delineadas pela luz da interpretação dos dados, tais como o estado clínico do paciente e os procedimentos que seriam realizados; as necessidades e comportamentos da família; e até mesmo as angústias individuais enquanto pessoa e profissional de saúde, por exemplo, no que tange ao receio de ocorrerem interpretações errôneas, por parte da família, diante da conduta profissional. Nesse momento, foi possível progredir da “busca inicial por novos dados”, para “identificando influências entre os dados” e “estabelecendo conexões entre categorias” o que possibilitou a construção de inter-relações entre categorias emergentes.

Com isso, foi necessário ampliar o entendimento das categorias que se formavam e saturar aquelas já identificadas e desenvolvidas. Portanto, necessitava-se descobrir os significados que os gestores das unidades emergenciais atribuíam ao ambiente e ao contexto, permitindo identificar se, de fato, se esses eram os mais relevantes para justificar o comportamento e a ação profissional. Os novos questionamentos que se originaram foram: a) Na percepção de quem gerencia as unidades, as mesmas estão preparadas para acolher e atender as demandas das famílias durante o atendimento de emergência? b) De que forma as unidades e seus profissionais poderiam se preparar melhor para receber as famílias na SE durante o atendimento? Assim sendo, entrevistaram-se os gestores das duas unidades sedes do estudo, conformando o 3ª GA dos profissionais.

A análise dos dados, empregando a codificação seletiva, permitiu enxergar que outros elementos, além do ambiente e contexto, eram também relevantes para a decisão dos profissionais. A partir do entendimento de aspectos relativos à gestão do serviço, referente às potencialidades e fragilidades para a efetivação da presença da família nas SE, foi possível constatar que os profissionais balanceiam/oscilam entre permitir ou não a presença da família ao considerar, nessa decisão, advinda da interação social estabelecida, a análise “caso a caso” de aspectos concernentes ao ambiente e ao contexto, aos pacientes e seus procedimentos, aos profissionais e à própria família do paciente.

Familiares

Para os familiares, o 1ª GA, selecionado por conveniência de acesso do pesquisador, foi composto por quatro mulheres (uma cunhada, uma irmã, uma esposa e uma filha) com mais de 50 anos, baixa escolaridade e renda, que se encontravam na Unidade A. Seus familiares em atendimento eram idosos que apresentavam condições crônicas agudizadas (i.e.: diabetes mellitus – DM, doença pulmonar obstrutiva crônica, hipertensão arterial sistêmica – HAS e síndrome da imunodeficiência adquirida). O contato com elas ocorreu por meio da identificação dos pacientes em atendimento na SE e posterior busca, na recepção da unidade, por seus familiares.

A codificação aberta dos dados demonstrou o código conceitual “Querendo ‘estar com’ meu familiar na SE”. “Estar com”, portanto, foi outro código in vivo identificado nas falas e empregado na análise dos dados. Os familiares mostravam que, apesar de confiarem na atuação profissional e de caracterizarem o atendimento recebido na SE como adequado, gostariam de permanecer integralmente com o paciente. Isto porque acreditavam que sua presença seria benéfica tanto para o paciente, como para elas próprias. Os dados também apontaram que a atenção em saúde era centrada apenas no paciente, mas que nos casos de idosos havia maior flexibilidade por parte dos profissionais, permitindo às famílias acessarem mais facilmente a SE.

Ademais, uma participante revelou que: “o paciente jovem não necessita da presença da família, mas para a pessoa que já passou dos 60 anos deveria ser permitido o acompanhamento de algum familiar, porque a pessoa idosa é mais sensível”. A idade e as condições crônicas pareciam influenciar essa definição e, consequentemente, o desejo familiar. Diante das constatações iniciais, surgiram as seguintes questões: a) Será que, de fato, os familiares identificam essa sensibilidade aumentada, que leva à necessidade da presença da família, apenas em pacientes idosos com condições crônicas? b) Será que familiares de pacientes jovens ou idosos acometidos por um problema agudo de saúde também desejam “estar com” o seu ente na SE e percebem as mesmas facilidades, para se fazerem presentes, comparados com os familiares de idosos com condições crônicas?

Dessa forma, buscou-se conformar um novo GA que contemplasse familiares de pacientes jovens ou idosos, cujo motivo de busca pelo serviço emergencial não apresentasse relação direta com a agudização de condições crônicas. Assim, no 2ª GA, foram entrevistados seis familiares (duas tias, um esposo, uma esposa, um filho e uma mãe), com idades entre 35 e 63 anos. A renda familiar per capta e o número de anos de estudo foram mais elevados comparados com o primeiro grupo. Cinco dos pacientes eram jovens ou adultos e um era idoso, e todos apresentavam problemas agudos de saúde (i.e.: peritonite aguda; volvo intestinal com ruptura de alça; acidente de motocicleta; acidente de bicicleta com ruptura de baço; afogamento; e tentativa de suicídio).

Inicialmente ponderou-se a variabilidade das características sociodemográficas dos participantes, assim como o motivo de entrada na SE pelo paciente como relevantes, na tentativa de imprimir maior versatilidade aos dados coletados. Contudo, conforme se avançava no desenvolvimento da teoria, considerou-se importante que a amostragem teórica fosse conduzida para o ajuste e refinamento da teoria substantiva emergente.

A partir do método comparativo constante verificou-se que a necessidade de “estar com” o ente querido mantinha-se entre os familiares, independentemente de o paciente ser jovem ou idoso sem condições crônicas, pois o significado da presença, apreendido nas interações familiares, remete aos laços de união que precisam ser preservados, independente da condição clínica e da etapa de desenvolvimento familiar.

Até aquele momento havia sido possível constatar que os familiares percebiam a restrição de acesso à SE com resignação e entendiam que pouco poderia ser feito para modificar esse cenário. Possivelmente, como todos os pacientes já estavam no serviço há, no mínimo, 24 horas – inclusive havia o caso de uma paciente que mesmo após a realização de uma cirurgia abdominal retornou à SE, enquanto aguardava vaga para internamento – os familiares já haviam buscado superar as barreiras percebidas para se fazerem presentes na SE, com pouco ou nenhum êxito, ocasionando a resignação.

Então, surgiu um questionamento sobre o fator “tempo”, pois nas situações de prolongada permanência no serviço de emergência os membros da família demonstravam menor ansiedade e maior familiaridade com o ambiente. Isso se deve ao fato de as visitas à unidade e os encontros com os profissionais de saúde já terem ocorrido por algumas vezes ou, em específico, no caso da mãe de um paciente de 17 anos, que pode estar com o filho por tempo integral, a interação social estabelecida com o paciente e os profissionais era constante.

Nessa perspectiva, surgiram os questionamentos: a) As necessidades de informação e de poder “estar com” o ente querido na SE são influenciadas pelo tempo de chegada do paciente na unidade emergencial? b) Quais ações estratégicas os familiares empregavam/empregariam para “estar com” o seu ente querido na SE? Tais questionamentos levaram os pesquisadores a entrevistar familiares de pacientes que tivessem dado entrada na unidade há, no máximo, uma hora, a fim de se investigar a forma como eles estavam significando e vivenciando a imediaticidade da situação de adoecimento agudo e grave de seu familiar e se isso influenciava o seu desejo de estar na SE e as estratégias utilizadas para lograr esse feito.

A busca por familiares que apresentassem essas características dificultou um pouco a coleta de dados, pois era necessário que os novos participantes experienciassem um aspecto particular do fenômeno referente ao tempo transcorrido entre a chegada do paciente no serviço de emergência e a concretização da entrevista, demandando mais tempo para localizar os potenciais participantes do 3º GA. Nesse grupo participaram três familiares (um filho, uma esposa e uma sobrinha – criada como filha pelos tios). A idade variou de 29 a 45 anos e a escolaridade de quatro a 12 anos de estudo. Nos três casos, os pacientes possuíam mais de 54 anos e condições crônicas (HAS e/ou DM), sendo que a busca pela unidade decorreu do agravamento ou agudização das enfermidades de base.

A codificação seletiva permitiu identificar que, nesse GA, os significados atribuídos apontavam para uma experiência ainda mais difícil nas primeiras horas após a entrada do familiar na SE, pois a angústia e o medo eram mais latentes, sendo que a necessidade de informação acerca do paciente e o desejo de “estar com” eram mais notórios. Quanto às estratégias que utilizavam para “estar com” o familiar, percebeu-se que não diferiam daquelas apontadas pelos demais entrevistados, pois a sensação de impotência diante da exclusão da SE era percebida na mesma medida que para os outros familiares, demonstrando a saturação teórica dos dados para este grupo.

Pacientes

No caso do 1º GA, selecionado por conveniência de facilidade no acesso e, especialmente, limitado pela impossibilidade física e/ou emocional de comunicação com o pesquisador por parte de muitos potenciais participantes, ele foi composto por quatro mulheres, idosas em atendimento na Unidade A, sem vínculo empregatício, com baixa escolaridade e baixa renda familiar. O método comparativo constante permitiu identificar que elas gostariam de ter tido a presença familiar durante o atendimento, pois consideravam a família importante nos momentos de doença e seu ingresso na SE traria benefícios para a tríade família-paciente-profissional.

A partir disso, surgiram questionamentos relativos à importância dada à família durante um episódio de doença/agravo agudo e se a necessidade da sua presença no atendimento estaria circunscrita à percepção de mulheres idosas ou se seriam generalizáveis e extensíveis a outros perfis de paciente. Buscando responder essas questões, constituiu-se um GA composto por pacientes jovens e/ou do sexo masculino, uma vez que aspectos referentes a idade e gênero poderiam estar simbolicamente relacionados aos conceitos provisórios e códigos conceituais identificados.

Logo, o 2º GA foi composto por seis pacientes (quatro homens), com idades entre 23 e 66 anos, dos quais quatro tinham menos de 40 anos. Os novos achados permitiram condensar as categorias emergentes que despontavam no 1º GA, revelando que os pacientes ansiavam pela presença das famílias, porque identificavam benefícios para eles próprios, assim como para seus familiares e profissionais. Entretanto, ao se elevar o nível de abstração, identificou-se que nenhum dos pacientes entrevistados tinha vivenciado, de fato, a presença da família durante o atendimento, fazendo com que os discursos estivessem circunscritos ao plano da idealização e ancorados nos benefícios imaginados, porém realmente sedimentados nos significados de exclusão familiar.

Assim, surgiram as questões: a) Pacientes que tiveram familiares acompanhando, ao menos em parte, o atendimento emergencial, identificavam a concretização dos benefícios imaginados? b) Quais as vivências e os significados atribuídos pelos pacientes à experiência de ter um familiar na SE durante o atendimento? Essas questões originaram o 3º GA, composto por três indivíduos cujas famílias puderam acompanhar o atendimento. Isto permitiu, a partir da codificação seletiva, expandir, densificar e saturar as categorias identificadas em etapas anteriores da amostragem teórica, confirmando o entendimento de que benefícios com a presença familiar se concretizavam quando ela, de fato, acontecia. Os benefícios identificados foram: oferta de maior segurança e conforto físico e emocional para os pacientes; bem como diminuição do sofrimento dos familiares, porque estes tinham a possibilidade de esclarecer dúvidas e constatar que o paciente recebia assistência de forma integral e qualificada. Os profissionais beneficiavam-se com a possibilidade de conseguir maiores informações acerca da história clínica pregressa e do agravo atual do paciente, facilitando o atendimento.

COTEJANDO E DISCUTINDO COM A LITERATURA

Esse estudo teórico descreve como a amostragem teórica foi empregada para conduzir uma pesquisa de TFD sobre as percepções e vivências de profissionais de saúde, familiares e pacientes, acerca da presença da família durante o atendimento emergencial. Nesse exemplo foram empregadas as estratégias de a) adição de novos participantes e b) ampliação/modificação dos instrumentos de coletas de dados, o que permitiu ao pesquisador liberdade para definir os participantes, considerando as vivências que eles tinham com o fenômeno em investigação, e até mesmo (re)definir o tipo de ambiente e as técnicas para se produzir a coleta de dados.

A amostragem teórica pode ser realizada de três maneiras principais, em diferentes estágios de um projeto de pesquisa de TFD, sendo elas: a) a partir da adição de novos participantes com um conjunto de características particulares e considerações teóricas que o pesquisador entende como relevante para a expansão dos dados; b) progredindo por meio de uma variedade de técnicas aplicadas na coleta de dados e c) realizada dentro dos próprios dados já coletados, ou seja, quando o conjunto de dados é abordado novamente para uma análise secundária(1212. Conlon C, Timonen V, Elliott-O’Dare C, O’Keeffe S, Foley G. Confused about theoretical sampling? Engaging theoretical sampling in diverse Grounded Theory studies. Qual Health Res. 2020;30(6):947-59. DOI: https://doi.org/10.1177/1049732319899139.
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).

Nos diferentes grupos de participantes (profissionais, familiares e pacientes) a coleta de dados foi iniciada por meio da amostragem de conveniência. Essa estratégia é descrita como útil para selecionar os primeiros (um ou mais) participantes que são acessíveis aos investigadores naquele momento da pesquisa. Em seguida, avançou-se para a amostragem intencional e teórica, a fim de selecionar os participantes que pudessem auxiliar na densificação das categorias conceituais emergentes e no desenvolvimento da teoria substantiva, com o foco sendo direcionado para a geração de dados que atendessem à necessidade de preencher as lacunas na análise. Este trajeto foi coerente com o que é proposto na literatura(2020. Bryant A, Charmaz K. The SAGE handbook of current developments in Grounded Theory. London: Sage; 2019.), a qual aponta que a amostragem na TFD muda de conveniência para intencional e teórica no momento em que a investigação se foca na construção e/ou desenvolvimento da teoria substantiva.

Outros autores(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.,1919. Charmaz, K. Constructing Grounded Theory. 2nd ed. London: Sage; 2014.) apontam que a amostragem teórica se inicia no ponto em que os pesquisadores se concentram em encontrar padrões e processos nos dados e, para tanto, questionam seus dados sobre “o que está acontecendo aqui?”. Ao fazer questionamentos aos dados, com vistas a empregar a amostragem teórica, os pesquisadores estão exercendo a sensibilidade teórica, que se refere à capacidade de ter insights, de dar sentido aos dados, separando o pertinente do que não o é(99. Glaser BG. Theoretical sensitive: Advances in the methodology of Grounded Theory. San Francisco: University of California; 1978.). Ainda, a sensibilidade teórica é entendida como a capacidade baseada nos conhecimentos adquiridos pelo pesquisador, provenientes da literatura científica, na experiência acadêmica, profissional, pessoal e, principalmente, na expertise com as nuances do processo analítico na TFD(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.).

Os métodos e as ferramentas elencados pelos pesquisadores auxiliaram na busca pela resposta às questões do estudo. Porém, é imprescindível que a pessoa que coleta e analisa dados na perspectiva da TFD tenha olhar atilado e ouvido apurado, para reconhecer os insights. E, a partir de então ser capaz de gerar, extrair, apurar, intensificar e produzir sentido aos dados coletados por meio da narrativa dos participantes e das observações analíticas conduzidas pelo pesquisador(2222. Prigol EL, Behrens MA. Grounded Theory: methodology applied in education research. Educ Real. 2019;44(3):e84611. DOI: https://doi.org/10.1590/2175-623684611.
https://doi.org/10.1590/2175-623684611...
).

Outro ponto preponderante para o desenvolvimento da amostragem é o fato de o pesquisador se manter próximo aos dados durante a codificação(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.). Sabidamente o método da TFD é sedimentado nos dados coletados, codificados e analisados, sendo a utilização dos códigos in vivo estratégia que pode colaborar para manter-se próximo aos dados. Destaca-se que os códigos in vivo configuram-se como termos específicos ou comumente empregados pelos participantes(1919. Charmaz, K. Constructing Grounded Theory. 2nd ed. London: Sage; 2014.), funcionando como marcadores da narrativa e dos significados atribuídos à experiência. Na pesquisa em tela utilizar estes códigos (“caso a caso” e “estar com”) permitiu manter atenção àquilo que os dados mostravam.

A finalização da amostragem teórica, neste exemplo de pesquisa, ocorreu no momento em que, ao serem integradas as análises de todos os diferentes grupos amostrais dentro do modelo paradigmático, não foram percebidas lacunas teóricas a serem respondidas com a ampliação da amostragem, ou seja, alcançou-se a saturação teórica. Para testificar o alcance da saturação foi realizado o processo de validação da teoria substantiva que ocorreu junto a quatro profissionais de saúde, dois familiares e dois pacientes, que não haviam participado das entrevistas anteriores.

A literatura(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.) aponta que os pesquisadores de TFD, na vertente Straussiana, atingem a saturação teórica, no momento em que buscam mais dados durante a amostragem teórica, contudo não localizam novas propriedades ou dimensões em suas categorias, sendo o modelo paradigmático devidamente identificado. A amostragem teórica e a saturação teórica dependem, basicamente, da busca do processo iterativo e da verificação pormenorizada das categorias construídas em relação aos dados obtidos, o que idealmente deve ser feito por meio do processo de validação do constructo(33. Charmaz K, Thornberg R. The pursuit of quality in grounded theory. Qual Res Psychol. 2021;18(3):305-27. DOI: https://doi.org/10.1080/14780887.2020.1780357.
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).

Nesse sentido, diferentes autores têm descrito que a amostragem teórica chega ao fim quando o pesquisador percebe que interrogou completamente as dimensões conceituais inerentes ao fenômeno investigado(66. Corbin JM, Strauss A. Basics of qualitative research: Techniques and procedures for developing Grounded Theory. Thousand Oaks: Sage; 2014.,1212. Conlon C, Timonen V, Elliott-O’Dare C, O’Keeffe S, Foley G. Confused about theoretical sampling? Engaging theoretical sampling in diverse Grounded Theory studies. Qual Health Res. 2020;30(6):947-59. DOI: https://doi.org/10.1177/1049732319899139.
https://doi.org/10.1177/1049732319899139...
). Isto é, a amostragem só deve ser cessada quando conceitos e a teoria substantiva estejam bem saturados e se tornem abrangentes, apresentando um alto poder explicativo, permitindo a transferência teórica, ou seja, a aplicabilidade para contextos além do estudado(2020. Bryant A, Charmaz K. The SAGE handbook of current developments in Grounded Theory. London: Sage; 2019.).

É válido considerar que a preocupação com os princípios de objetividade, validade, confiabilidade, confirmabilidade e replicabilidade na pesquisa qualitativa ainda permeia as discussões acadêmicas. Embora a qualidade seja crucial na pesquisa qualitativa, os critérios que a valida ainda permanecem obscuros e incertos(33. Charmaz K, Thornberg R. The pursuit of quality in grounded theory. Qual Res Psychol. 2021;18(3):305-27. DOI: https://doi.org/10.1080/14780887.2020.1780357.
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). Especificamente em TFD, acredita-se que a utilização da amostragem teórica para guiar a coleta de dados, promover a compreensão de conceitos e significados, alcançar a saturação teórica e desenvolver uma teoria substantiva, bem como a descrição completa e clara deste processo de amostragem nos relatórios de pesquisa publicados, constituem estratégias que imprimem maior rigor científico e qualidade às pesquisas.

A limitação deste estudo está em apresentar apenas um exemplo de pesquisa de TFD, o que possivelmente circunscreve o entendimento do leitor. Entretanto, considerando a limitação na extensão dos artigos científicos, optou-se por apresentar mais detalhes de um único exemplo, comparado a possibilidade de apresentar-se vários exemplos superficiais, que deixariam importantes lacunas para a compreensão do leitor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo teórico procurou-se descrever o processo de desenvolvimento da amostragem teórica em uma TFD na vertente Straussiana. Com a detalhada descrição da conformação de nove grupos amostrais e as estratégias empregadas para o seu desenvolvimento, espera-se que os leitores encontrem subsídios para compreender como a amostragem teórica é conduzida em um estudo de TFD e consequentemente possam aplicá-la. É fundamental que os pesquisadores, ao utilizarem a TFD, entendam as características essenciais do método. Desse modo, os estudos desenvolvidos podem produzir dados cada vez mais densos e que, de fato, retratem a realidade das pessoas frente aos fenômenos em investigação. E, por fim, destaca-se a relevância de que nos relatórios de pesquisa publicados sejam contemplados aspectos que descrevam a amostragem teórica com clareza.

  • Apoio financeiro Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 – número do processo: 99999.003873/2015-03.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2021
  • Aceito
    24 Jul 2021
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