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História oral de vida: buscando o significado da hemodiálise para o paciente renal crônico

Life oral history: the meaning of hemodialysis For the chronic renal patient

Historia oral de vida: significado de la hemodialisis Para el paciente crónico renal

Resumos

Este artigo tem como objetivo mostrar a utilização da história oral de vida como referencial metodológico para obtenção de dados qualitativos, buscando compreender o significado da hemodiálise e o impacto desta modalidade terapêutica na vida de pacientes do serviço de Hemodiálise do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo.

Qualidade de Vida; Hemodiálise; Nefrologia; Doença crônica


This article has the objective to show the use of life oral history as methodological framework for qualitative data collection and analysis, aimed to understand the meaning of hemodialysis and the impact of this therapeutic modality of treatment in the patient's life in the Hemodialysis Unity at the Universitary Hospital at the University of São Paulo.

Quality of life; Renal dialysis; Nephrology; Chronic disease


Este artículo tiene como objetivo mostrar la utilización de la historia oral de vida como referencial metodológico, para la obtención de datos cualitativos, de una investigación realizada con la finalidad de comprender el significado de la hemodiálisis y el impacto de esta modalidad terapéutica de acuerdo a la vida de pacientes del servicio de Hemodiálisis del Hospital Universitário de la Universidad de São Paulo.

Calidad de vida; Hemodiálisis; Nefrologia; Enfermedad cronica


ARTIGOS ORIGINAIS

História oral de vida: buscando o significado da hemodiálise para o paciente renal crônico* * Extraído de LIMA, A.F.C. O significado da hemodiálise para o paciente renal crônico: a busca por uma melhor qualidade de vida. São Paulo,, 2000. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.

Life oral history: the meaning of hemodialysis For the chronic renal patient

Historia oral de vida: significado de la hemodialisis Para el paciente crónico renal

Antônio Fernandes Costa LimaI; Dulce Maria Rosa GualdaII

IEnfermeiro responsável pelo Serviço de Hemodiálise do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Mestre em Fundamentos de Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

IIProfa. Associada do Departamento Materno Infantil da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Diretora do Departamento de Enfermagem do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo.E-mal: tonifer@usp.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivo mostrar a utilização da história oral de vida como referencial metodológico para obtenção de dados qualitativos, buscando compreender o significado da hemodiálise e o impacto desta modalidade terapêutica na vida de pacientes do serviço de Hemodiálise do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo.

Palavras-chave: Qualidade de Vida. Hemodiálise. Nefrologia. Doença crônica.

ABSTRACT

This article has the objective to show the use of life oral history as methodological framework for qualitative data collection and analysis, aimed to understand the meaning of hemodialysis and the impact of this therapeutic modality of treatment in the patient's life in the Hemodialysis Unity at the Universitary Hospital at the University of São Paulo.

Keywords: Quality of life. Renal dialysis. Nephrology. Chronic disease.

RESUME

Este artículo tiene como objetivo mostrar la utilización de la historia oral de vida como referencial metodológico, para la obtención de datos cualitativos, de una investigación realizada con la finalidad de comprender el significado de la hemodiálisis y el impacto de esta modalidad terapéutica de acuerdo a la vida de pacientes del servicio de Hemodiálisis del Hospital Universitário de la Universidad de São Paulo.

Palabras-clave: Calidad de vida. Hemodiálisis. Nefrologia. Enfermedad cronica.

INTRODUÇÃO

A pessoa portadora de insuficiência renal crônica em programa de hemodiálise convive com o fato de possuir uma doença incurável, que a obriga a submeter-se a um tratamento doloroso, de longa duração e que geralmente provoca limitações e alterações de grande impacto que repercutem na sua vida e nas vidas de seus familiares e amigos.

Nossa experiência, como profissionais atuantes junto ao cliente renal crônico no contexto da hemodiálise, nos permite afirmar que esta modalidade terapêutica apresenta-se para o mesmo como um evento inesperado que o remete a uma relação de dependência a uma equipe especializada, a um esquema terapêutico rigoroso e a uma máquina. A vivência desta nova realidade parece ser experimentada de maneiras diferentes e permite à pessoa atribuir significado(s) à doença e ao tratamento.

Buscando compreender o significado da hemodiálise para o paciente renal crônico e o impacto desta modalidade terapêutica em sua vida, desenvolvemos um estudo, de natureza qualitativa, no serviço de hemodiálise do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (HU-USP), optando pela História Oral de Vida como referencial metodológico. O objetivo do presente artigo é relatar nossa experiência neste processo.

Cabe ressaltar que a pesquisa qualitativa favorece a investigação dos fenômenos na perspectiva da própria pessoa, na sua realidade, no seu contexto, analisando e interpretando dados descritivos, com base na sua linguagem, escrita e falada, ou por meio da observação dos fenômenos em estudo(1,2).

Consideramos que a História Oral de Vida poderia permitir a compreensão do cliente renal crônico tanto em sua complexidade e especificidade, quanto em relação à valorização de sua experiência de vida pois, na perspectiva de Meihy (3), refere-se à narrativa do conjunto da experiência de vida de uma pessoa, que encadeia sua história, segundo a sua vontade, sendo soberana para revelar ou ocultar casos, situações e pessoas. O depoente é considerado o sujeito primordial, tem a liberdade para dissertar sobre a sua experiência pessoal e participa em todo o processo sendo denominado colaborador.

Para a seleção dos colaboradores é necessário o estabelecimento de uma colônia. Meihy (3)(1998) descreve a colônia como uma coletividade que possui um destino comum marcado, sendo estabelecida uma rede (subdivisão da colônia) por meio da sua definição. Ao se escolher as pessoas que serão entrevistadas, muitas vezes, torna-se difícil estabelecer prioridades. Este autor sugere que seja definida uma entrevista, que será conhecida como ponto zero. Entende-se, por ponto zero, o depoente que conhece a história do grupo ou com quem se quer fazer uma entrevista central. Por sua vez, este depoente indica outra ou outras pessoas, que fazem parte da colônia, para a formação da rede.

A entrevista caracteriza-se por ser um processo de relação interpessoal onde ocorre o encontro entre a subjetividade do pesquisador e a do colaborador ("inter-subjetividade"). Para tanto, o pesquisador deve respeitar a forma utilizada pelo colaborador para construir a sua narrativa, na tentativa de captar a sua interpretação da realidade e deve "desvestir-se" de suas crenças, valores e formação intelectual.

A base da existência da História Oral é o depoimento gravado. Sua operacionalização demanda a adoção de algumas medidas (3):

• agendar as entrevistas, segundo a conveniência do colaborador;

• comparecer ao local no horário e data marcados;

• criar um clima de solidariedade aberto ao aconchego, à confidência e ao respeito;

• solicitar consentimento para gravar.

Antes da gravação, devem ser registrados os dados de identificação (nome do projeto, data, nome do entrevistador, nome do colaborador, local da entrevista) e, durante a sua realização, deve ficar registrado que a entrevista terá uma conferência e que nada será publicado sem a autorização prévia do colaborador. As questões de corte devem ser formuladas, preferencialmente, ao final da entrevista. Durante o desenvolvimento da entrevista, deve-se evitar as interferências para que o entrevistado possa seguir sua lógica de narrativa. Ao término, deve-se dizer ao colaborador que a transcrição é um processo demorado, razão pela qual o retorno do material para a conferência levará um tempo incerto.

Após a realização da entrevista, há a necessidade da transformação do relato oral em texto escrito para torná-lo disponível ao público. Para tanto, fazem-se necessárias as etapas de transcrição, textualização e transcriação, conforme descritas por Meihy(4):

- Transcrição: é a passagem rigorosa da entrevista (após a escuta minuciosa de todo o conteúdo por algumas vezes) da fita para o papel, com todos os seus lapsos, erros, vacilos, repetições e incompreensões, incluindo as perguntas do entrevistador;

- Textualização: etapa na qual as perguntas são suprimidas e agregadas às respostas, passando a ser todo o texto de domínio exclusivo do colaborador, assumindo, como personagem único, a primeira pessoa. Durante esta etapa, a narrativa recebe uma pequena reorganização para se tornar mais clara. Escolhe-se, então, o Tom vital, que é uma frase a ser colocada na introdução da História de Vida, por representar uma síntese moral da narrativa;

- Transcriação: é a etapa na qual se atua no depoimento de maneira mais ampla, invertendo-se a ordem de parágrafos, retirando ou acrescentando-se palavras e frases e, enfim, realizando-se o "teatro de linguagem". Para teatralizar, a própria língua dispõe de instrumentos, como a pontuação, particularmente as reticências e a interjeição - que se prestam para fantásticas mostras de onde o leitor deve respirar, quais as paradas estratégicas e quais as sinuosidades propostas. Recria-se, então, a atmosfera da entrevista, procurando trazer ao leitor o mundo de sensações provocadas pelo contato, o que não ocorreria reproduzindo-se palavra por palavra. Há a inferência do autor no texto, que será refeito várias vezes, devendo obedecer a acertos combinados com o colaborador. Neste procedimento, torna-se vital a legitimação da entrevista por parte do colaborador.

SELEÇÃO DOS COLABORADORES

Os pacientes em programa de hemodiálise são divididos em dois turnos (manhã e tarde), sendo uns dialisados às segundas, quartas e sextas-feiras e outros às terças, quintas e sábados. Em se tratando de um grupo específico, onde não há um depoente que conheça a história do grupo, não foi possível neste estudo estabelecer o ponto zero e a rede, como definidos por Meihy(3).

Dessa forma, optamos por escolher como colaboradores pessoas que pudessem, em sua singularidade, representar o grupo, sendo: dois clientes mais jovens, dois clientes mais idosos e dois clientes praticantes de diferentes crenças religiosas. Os mesmos estavam em programa de hemodiálise há mais de um ano, compreenderam a finalidade deste estudo e estavam com suas capacidades expressivas em boas condições.

REALIZAÇÃO DAS ENTREVISTAS

Inicialmente encaminhamos o projeto de pesquisa à Comissão de Ensino e Pesquisa (CEP) do HU-USP e, somente após a sua aprovação, iniciamos a realização das entrevistas. As entrevistas foram realizadas na referida instituição, no período de julho a setembro de 1999, algumas no próprio serviço de hemodiálise e outras numa sala próxima. Tiveram a duração média de uma hora.

Para a realização das entrevistas informamos aos nossos colaboradores, antecipadamente, sobre a finalidade deste estudo, explicando que seria uma entrevista gravada e a forma pela qual os dados obtidos seriam apresentados. Combinamos a data, o horário e o local, conforme suas preferências e conveniências. Antes de iniciarmos as entrevistas, cada colaborador assinou o Termo de Consentimento Informado (Anexo 1 Anexo 1 ), sendo enfatizada a importância da sua participação neste estudo e a sua liberdade de, a qualquer momento, desistir da mesma.

Informamos aos colaboradores sobre o processo de transcrição e deixamos que optassem pelo uso de um pseudônimo. Todos optaram pela utilização do seu próprio nome e muitos deles revelaram se sentir valorizados ao ver o seu nome no depoimento.

Iniciamos as entrevistas solicitando que nos contassem sobre as suas vidas, desde a infância até o momento atual. Durante as narrativas, realizamos perguntas, quando julgamos necessário, com o objetivo de estimular os depoimentos. Ao término de cada entrevista, efetuamos anotações com o propósito de melhor compreender aquele momento e as emoções que dele emergiram. Em seguida, prosseguimos para as etapas de transcrição, textualização e transcriação.

Após leitura minuciosa de cada depoimento constatamos a existência de pontos em comum que poderiam ser agrupados e aprofundados. Procuramos, então, realizar uma interpretação que nos possibilitasse transitar entre os pontos gerais e específicos por elas evidenciados com a intenção de compreender as histórias de vida narradas.

BUSCANDO A COMPREENSÃO DO SIGNIFICADO DA HEMODIÁLISE

O grupo escolhido foi formado por três homens e três mulheres, sendo dois deles, Olympia e Benedito, os mais idosos, Sérgio e Suzana, os mais jovens e os demais, Ivo e Maria Lurdes, destacados por serem evangélicos, prática religiosa que permeava suas vidas. Esta escolha foi feita com a finalidade de retratar, com maior abrangência e fidelidade, a realidade da pessoa portadora de insuficiência renal crônica submetida à hemodiálise.

Na abordagem interpretativa adotada para este estudo, procuramos descrever cada experiência da maneira como ela foi vivenciada, na perspectiva daquele que a vivenciou.

Cada narrativa revelou um tom vital diferente e possibilitou a compreensão de fenômenos concretos por meio da ligação entre o mundo interno de cada indivíduo e o mundo externo que o cerca, além de ter evidenciado a dialética existente entre os eventos e a sua significação (Figura 1).


O tom vital evidenciado pela narrativa de Maria Lurdes foi : "O Senhor me abençoa e me livra de todo mal! Tenho fé que Ele ainda vai me curar... A oração do crente tem muito poder!". Para ela, a hemodiálise representa uma forma de tratamento que lhe proporciona bem estar físico, porém lhe causa restrições que a impedem de realizar suas atividades religiosas. Sua crença é depositada em um Ser Superior, que tem o poder de resolver todos os seus problemas.

A narrativa de Benedito evidenciou o seguinte tom vital: "Faço o que posso, o que não posso deixo passar... Seja o que Deus quiser!". Considera a hemodiálise como uma forma de manutenção de sua vida, no entanto revela resignação e desânimo em relação à mesma. Sente-se cansado por já ter vivido muito e, em alguns momentos, refere-se à sua própria vida como se ela fosse um fardo muito pesado.

O tom vital da narrativa de Suzana foi: "Tive a oportunidade de ser diferente e não fui. Não era para eu estar nesta situação". Não aceita a doença e recusa-se a pensar na hemodiálise, conferindo-lhe um significado de pouca importância em sua vida, que é marcada por sentimentos de culpa. Cobra de si mesma o fato de não ter aproveitado as oportunidades que a vida lhe ofereceu e não ter realizado as ações necessárias para ter tido uma vida melhor.

A narrativa de Sérgio evidenciou o tom vital: "Para mim, hemodiálise significa vida. É a renovação da vida. Acho que o mais importante é viver, e viver com a família!" Demonstra constantemente a valorização que dá à sua vida e à sua família. Por isso, a hemodiálise, que lhe representa a vida, é encarada de forma otimista, uma vez que lhe possibilita viver mais, para estar junto de sua esposa e sua filha, que enfatiza serem a razão do seu viver.

O tom vital evidenciado pela narrativa de Olympia foi: "Não gosto de ficar dependendo dos outros. Tenho que controlar o que é meu." Para ela, a hemodiálise representa apenas uma forma de tratamento que não considera como necessário em sua vida. Submete-se a ela apenas pela insistência de outras pessoas, familiares e profissionais, que lhe dizem que poderá perder a sua autonomia, a qual valoriza muito, caso não o realize. Assim, procura conformar-se com a imposição da hemodiálise, tenta manter o bom humor e, sempre que possível, o controle sobre sua vida.

O tom vital da narrativa de Ivo foi: "Não estou curado ainda porque faço coisas erradas, que não agradam a Deus... Mas tenho fé, estou lutando, orando e pedindo misericórdia! Ele vai me libertar!" Considera a hemodiálise como um tratamento obrigatório, que lhe garante a manutenção do bem estar e deposita suas esperanças num ser superior, que castiga aqueles que não lhe obedecem. Acredita não ter alcançado a cura por fazer coisas erradas que desagradam a este Ser Superior.

Apesar de vivenciarem a mesma situação e de possuírem características comuns relacionadas à doença renal crônica, cada colaborador expressa a sua visão sobre o significado da hemodiálise, evidenciado por alguns como uma forma de tratamento que lhes garante a vida.

Observa-se a exteriorização de sentimentos ambíguos e conflitantes, pois se, por um lado, a hemodiálise representa a possibilidade de prolongamento da vida, por outro, a sua realização requer a mudança de hábitos e costumes que, certamente, repercutirão na qualidade de sua vida atual.

A qualidade de vida dos depoentes se mostra influenciada principalmente pelas restrições na ingestão de líquidos e alimentos, como enfatizado por Suzana, Ivo e Maria Lurdes, e pela impossibilidade de viajar, ressaltada por Benedito, Olympia e Sérgio. Todos expressam a consciência da importância e da necessidade de seguir corretamente as orientações recebidas dos profissionais em relação à ingestão de líquidos e alimentos, porém a adesão às mesmas implica na utilização de um grau de autocontrole que nem sempre é alcançado. Para alguns, o fato de não poder comer os alimentos que gostariam e de não poder beber a quantidade de líquidos que desejariam representa um grande obstáculo que precisa ser enfrentado a cada dia. Para outros, a hemodiálise torna-se uma forma de tratamento que aprisiona e limita suas ações já que compromete a sua liberdade para viajar. Apesar de existir a possibilidade da obtenção de vaga provisória em outro serviço de hemodiálise, no caso de viagens distantes, há o receio por não se conhecer a dinâmica daquele serviço e a competência de seus profissionais ( Figura 2)


A repercussão e a intensidade dos efeitos destas restrições aparecem relacionadas a vários fatores, no entanto, o fator principal que norteia as ações destas pessoas é a forma pela qual cada uma percebe a sua própria vida, o valor que lhe atribui no curso de sua história e o que ela representa para si e para as pessoas que compõem a sua rede social.

A consciência das implicações da doença e do tratamento, marcado pela obrigatoriedade e pelas restrições, faz com que os depoentes reflitam sobre os acontecimentos passados e o seu momento de vida atual. Sérgio e Suzana afirmam que optaram por viver um dia de cada vez, já que o futuro se apresenta repleto de incertezas e insegurança. Ciconelli (5)enfatiza que algumas pessoas são incapazes de encontrar qualquer finalidade ou sentido em suas vidas e o medo de viver uma vida insatisfatória lhes parece tão intolerável quanto o medo da morte iminente. Para encontrarem alguma razão de viver, é necessário que sejam incentivadas a desenvolverem qualquer atividade que as faça se sentirem úteis à família e à comunidade.

Pode-se observar que cada pessoa possui uma forma singular de lidar com a doença e o tratamento, bem como, com o impacto que eles provocam na vida das pessoas que compõem sua rede social. Fatores como vontade de viver, suporte dos entes queridos, conformismo perante o inevitável, fé em Deus, dentre outros, são utilizados como uma maneira para resistir e prosseguir em sua jornada. Tais fatores,. evidentemente, variam de pessoa para pessoa e são influenciados por suas crenças e valores.

Todos os depoentes evidenciaram a fé em um ser superior, que aparece nas narrativas como fonte de esperança e força para o enfrentamento das situações difíceis e conformação perante os fatos, que não podem ser modificados ( Figura 3).


Oliveira (6) ressalta que a espiritualidade, a fé e as crenças dão a força necessária para a pessoa cuidar de si própria, e não se sentir solitária na luta pela vida. A espiritualidade dá significado e sustentação às pessoas que se vêem confrontando com a doença, as mudanças e as perdas que as acompanham. Benko, Silvae(7)salientam que a dimensão espiritual é uma parte integrante do indivíduo, sendo importante para os profissionais avaliá-la e nela intervir, quando necessário.

Em nossa vivência profissional percebemos que outra forma utilizada por alguns pacientes para o enfrentamento dos problemas vivenciados seria a comparação de sua situação com a de outros pacientes. A consciência de que existem outras pessoas em situação semelhante faz com que o paciente, inevitavelmente, estabeleça comparações entre o seu estado e o dos demais. Tais comparações podem se tornar uma fonte de conforto e esperança quando percebe que existem pessoas em situação pior que a sua . Entretanto, elas podem gerar angústia e desesperança, caso perceba que a sua situação é mais grave ou mais difícil em relação à dos outros pacientes.

O transplante renal é apontado, em alguns depoimentos, como uma maneira de libertação da obrigatoriedade da hemodiálise e sinaliza a possibilidade de resgatar ou não aspectos de suas vidas que foram deixados de lado ( Figura 4)


Apesar de saberem que o transplante não significa a cura total, Suzana e Sérgio anseiam por realizá-lo. Sérgio deposita suas expectativas no transplante renal por acreditar que, ao realizá-lo, poderá retornar ao seu trabalho e terá mais tempo para aproveitar a sua vida junto com a sua família, que afirma ser a razão do seu viver. Suzana ressalta que o transplante renal é um sonho que deseja realizar, mesmo que haja a possibilidade de rejeição após a sua realização. Para ela, a importância está no fato de ser transplantada pois acha que isto atrairia a atenção das pessoas para si. Olympia e Benedito não podem ser transplantados, em virtude de suas condições clínicas. Benedito gostaria de realizar o transplante renal, mesmo que isso representasse um risco para a sua vida. Para ele, o risco valeria a pena pois, se desse certo, poderia conquistar a sua liberdade. Já Olympia afirma não se preocupar pelo fato de não poder-realizar o transplante e procura conduzir a sua vida da melhor forma possível. Maria Lurdes é enfática quando relata que não deseja fazer o transplante por saber que ele não promove a cura e traz consigo outras formas de restrições. Prefere depositar suas expectativas num Ser Superior que poderá libertá-la, curando os seus rins ou levando-a desta para uma vida melhor. Em seu depoimento Ivo não se refere ao transplante renal e reafirma constantemente a crença num Ser Superior que irá curá-lo'' quando conseguir realizar as ações que O agradem.

O conteúdo das histórias de vida mostrou que as respostas representam a maneira pela qual cada pessoa lida com a situação que está vivenciando e, assim, não há como julgar se uma resposta foi adequada ou não, pois foi a resposta que ela pôde produzir naquele momento. As vidas são diferentes e cada pessoa tem a sua forma de perceber e viver a sua vida. Portanto, a qualidade de vida resultará da forma pela qual a pessoa consegue e pode responder às situações que forem surgindo em sua trajetória.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a realização desse estudo utilizamos as histórias narradas por seis pessoas buscando compreender o significado por elas atribuído à hemodiálise e o impacto dessa modalidade terapêutica em suas vidas. Santos, Fenili (8)afirmam que a história de vida possui um papel fundamental nas relações entre os seres no mundo pois influencia a consciência que o ser tem de si mesmo e dos outros, sendo esta percepção expressa pela linguagem.

Ao utilizarmos uma abordagem qualitativa, acreditamos ter propiciado aos colaboradores a oportunidade para que falassem de si, do tratamento e juntassem à experiência da doença suas próprias percepções e angústias. Sentimo-nos recompensados pelos resultados obtidos e consideramos ter alcançado o propósito deste estudo ao mostrarmos a validade da utilização de um referencial metodológico proveniente do campo da História.

A História Oral implica a percepção do passado como algo que tem continuidade hoje e garante sentido social à vida de depoentes e leitores, que passam a entender a seqüência histórica e a se sentirem parte do contexto em que vivem. A presença do passado no presente imediato das pessoas é a razão de ser da História Oral, que, por sua vez, é sempre uma história do "tempo presente" sendo reconhecida como história viva (3).

A narrativa, de acordo com Mattingly, Garro (9), é um caminho para compreensão da vida no tempo considerando-se a relação entre os desejos do mundo interno, ideal e emocional, e os fenômenos do mundo externo. Por meio dela podemos tentar construir um senso de como as coisas foram no passado e como as nossas ações e as ações dos outros têm ajudado a determinar a nossa história. As narrativas transformam-se, então, num processo pelo qual a experiência privada se faz pública e esta não pode ser reduzida ao modelo dicotômico que contrapõe sujeito e objeto.

Infelizmente a atualidade nos mostra que muitos profissionais de saúde, ao invés de direcionarem sua atenção para a pessoa doente, focalizam a doença da pessoa, perpetuando assim, o reducionismo do modelo biomédico. O desafio é justamente libertar o profissional da preocupação mórbida em relação aos processos do corpo e a visão técnica reducionista e desumanizante do tratamento.

Concordamos com Barbosa, Aguillar, Boemer(18)quando ressaltam a necessidade dos profissionais de saúde compreenderem os pacientes em programa de hemodiálise, tipo de tratamento considerado inevitável, inadiável e que tem conseqüências diretas em toda a vida da pessoa, para não serem agentes desencadeadores de novos conflitos e tensões.

Na condição de profissionais que valorizam o ser humano, precisamos compreender as respostas das pessoas frente às diferentes situações vivenciadas em sua trajetória de vida. Temos que respeitar a singularidade de cada um, principalmente num momento tão delicado como o da doença, e lhe garantir o direito de decidir sobre a sua própria vida. Há a necessidade premente de explorarmos as condições de escolhas de cada indivíduo e criarmos condições de mudança, quando e onde se fizerem necessárias, visando buscar melhor qualidade de vida, apesar da doença e do tratamento. Dessa forma, nossa relação caracterizar-se-a pela parceria de pessoas que buscam um objetivo em comum. Teremos, então, o privilégio de poder compartilhar experiências de pessoas que vivenciam a doença e, com elas, aprenderemos novas lições, sem termos que passar pela experiência da doença.

Todas as pessoas possuem a sua história de vida. A relação entre o profissional e o indivíduo doente é, antes de tudo, uma relação interpessoal. Neste contato, as histórias se cruzam, se encontram, se completam, se confundem. Em alguns momentos, profissional e paciente constróem juntos uma nova história, uma história viva.

Artigo recebido em 05/03/99

Artigo aprovado em 13/11/01

ANEXO 1 - Clique para ampliar ANEXO 1 - Clique para ampliar

  • (1) Taylor SJ, Bodgan R. Introduction to qualitative research: the search for meanings. New York: John Wiley; 1984.
  • (2) Leininger MM. Qualitative research methods in nursing. Orlando: Grune & Stration;1985.
  • (3) Meihy JCSB. Manual de história oral. Săo Paulo: Loyola;1998.
  • (4) Meihy JCSB. Canto de morte Kaiowá: história oral de vida. Săo Paulo: Loyola;1991.
  • (5) Ciconelli MIRO. O paciente com insuficięncia renal crônica em hemodiálise: descriçăo do tratamento e problemas enfrentados pelo paciente, sua família e a equipe de saúde. [dissertaçăo] Ribeirăo Preto (SP); Escola de Enfermagem de Ribeirăo Preto da Universidade de Săo Paulo; 1981.
  • (6) Oliveira AGC. Convivendo com a doença crônica da criança: a experięncia da família [tese]. Săo Paulo (SP): Escola de enfermagem da Universidade de Săo Paulo; 1994.
  • (7) Benko MA, Silva MJP. Pensando a espiritualidade no ensino de graduaçăo. Rev Lat Am Enferm 1996; 4(1):71-85.
  • (8) Santos OMB, Fenili RM. O corpo e seu significado na visăo de Merleau-Ponty. Nurs 2000; 25:20-3.
  • (9) Mattingly C, Garro LC. Introduction. Soc Sci Med 1994; 38(6): 771-4.
  • (10) Barbosa JC, Aguillar OM, Boemer MR. O significado de conviver com a insuficięncia renal crônica. Rev Bras Enferm 1999; 52(2):293-302.

Anexo 1

ANEXO 1 - Clique para ampliar

  • *
    Extraído de LIMA, A.F.C. O significado da hemodiálise para o paciente renal crônico: a busca por uma melhor qualidade de vida. São Paulo,, 2000. Dissertação (Mestrado) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Recebido
      05 Mar 1999
    • Aceito
      13 Nov 2001
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