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Tuberculose na população de rua: revisão sistemática

RESUMO

Objetivo:

Analisar as evidências disponíveis na literatura sobre a ocorrência da tuberculose em pessoas que vivenciam situação de rua.

Método:

Revisão Sistemática realizada nas bases de dados PubMed, EMBASE, LILACS e biblioteca eletrônica SciELO. A hermenêutica norteou a análise do material empírico. Buscou-se apreender os principais temas que corporificaram a associação entre a tuberculose e a população que vivencia situação de rua.

Resultados:

Foram identificados, inicialmente, 343 artigos, mas apenas sete atendiam aos critérios de elegibilidade. A literatura mostrou que pessoas nessa condição e que tinham tuberculose apresentaram desfechos do tratamento desfavoráveis quando comparadas à população com residência fixa, sendo alguns dos motivos associados o uso abusivo de álcool e outras drogas e doenças associadas, como o vírus da imunodeficiência adquirida, entre outros.

Conclusão:

Apesar da importância do tema, a análise da produção científica evidencia a necessidade de estudos voltados não só à compreensão da ocorrência da doença nesse grupo vulnerável, mas principalmente às formas de enfrentamento.

DESCRITORES
Tuberculose; Pessoas em Situação de Rua; Populações Vulneráveis; Enfermagem em Saúde Comunitária; Revisão

ABSTRACT

Objective:

To analyze evidence of the occurrence of tuberculosis in people living on the streets provided by the literature.

Method:

Systematic review conducted in the databases PubMed, EMBASE, LILACS, and SciELO electronic library. Analysis of the empirical material was guided by Hermeneutics. The main themes which give shape to the association between tuberculosis and street population were sought to be understood.

Results:

Initially, 343 articles were identified, but only seven met the eligibility criteria. The literature shows that homeless people with tuberculosis presented unfavorable treatment outcomes when compared to the population with fixed residence. Some of the associated reasons were abusive consumption of alcohol and other drugs and associated diseases, such as human immunodeficiency virus and others.

Conclusion:

Despite the importance of this theme, analysis of the scientific production has provided evidence of the need for studies aimed not only at comprehending the occurrence of disease in this vulnerable group, but specially ways of fighting it.

DESCRIPTORS
Tuberculosis; Homeless Persons; Vulnerable Populations; Community Health Nursing; Review

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la evidencia disponible en la literatura sobre la ocurrencia de la tuberculosis en personas que viven en las calles.

Método:

Revisión sistemática realizada en las bases de datos PubMed, EMBASE, LILACS y biblioteca electrónica SciELO. La hermenéutica guió el análisis del material empírico. Se estudiaron los principales temas que daban forma a la asociación entre la tuberculosis y la población que habita la calle.

Resultados:

Inicialmente, se identificaron 343 artículos, pero sólo siete cumplían con los criterios de elegibilidad. La literatura mostró que las personas en esta condición y que tenían tuberculosis presentaban malos resultados de tratamiento cuando se comparaban con la población con residencia fija. Algunas de las razones se asocian con el abuso de alcohol y otras drogas y enfermedades asociadas, como el virus de inmunodeficiencia adquirida, entre otras.

Conclusión:

A pesar de la importancia del tema, el análisis de la producción científica muestra la necesidad de estudios dirigidos no sólo a comprender la ocurrencia de la enfermedad en este grupo vulnerable, sino principalmente las formas de confrontación.

DESCRIPTORES
Tuberculosis; Personas sin Hogar; Poblaciones Vulnerables; Enfermería en Salud Comunitaria; Revisión

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) representa um problema de saúde pública mundial, sendo particularmente grave no Brasil. A magnitude da doença em 2018 é evidenciada por indicadores como o coeficiente de incidência de 34,8/100.000 habitantes, testagem para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) realizada em 75,5% dos casos novos e coinfecção TB/HIV de 8,8%. Em relação ao desfecho do tratamento, os resultados encontram-se abaixo da recomendação do Ministério da Saúde, visto que a porcentagem de cura e de abandono do tratamento entre os casos novos com confirmação laboratorial foi, respectivamente, de 71,4% e 10,8%, com coeficiente de mortalidade de 2,2/100.000 habitantes em 2017. Em relação às populações especiais, em 2018, a população privada de liberdade representou 10,5% dos casos e as pessoas que vivenciam situação de rua (PVSR) ocuparam a segunda posição, com 2,5% do total de casos novos de TB(11 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: MS; 2018.).

Lançado em 2017, o Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública reforça o compromisso político e baseia-se em estratégias relacionadas ao acesso à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento da doença. Possibilita o planejamento de ações com vistas à melhoria dos indicadores epidemiológicos, tendo como metas até 2035 a redução do coeficiente de incidência da TB para menos de 10 casos/100.000 habitantes e o de mortalidade para menos de um óbito/100.000 habitantes. Visando essa finalidade, o Plano estrutura-se em três pilares (Prevenção e cuidado integrado centrados na pessoa com TB, Políticas arrojadas e sistema de apoio e Intensificação da pesquisa e inovação), levando em consideração a análise da situação socioeconômica e de saúde de diferentes cenários(22 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Brasil livre da tuberculose: Plano Nacional pelo Fim da Tuberculose como Problema de Saúde Pública. Brasília: MS; 2017.).

Dadas as particularidades da vida imposta nas ruas, revelando as consequências da exclusão social e da pobreza extrema, as PVSR são altamente vulneráveis a diversas enfermidades, dentre as quais encontra-se a TB. As PVSR apresentam risco 56 vezes maior de adoecer por TB quando comparadas à população em geral(11 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: MS; 2018.). Ademais, destacam-se alguns condicionantes que agravam o controle da doença nesse grupo, com destaque para a falta de percepção em relação a se sentir doente e aos cuidados com a saúde, a ausência de um projeto de vida, as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, o estigma e preconceito, entre outros(33 Hino P, Santos JO, Rosa AS. People living on the street from the health point of view. Rev Bras Enferm 2018;71 Suppl 1:732-40. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0547
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-05...
).

Apesar de haver algumas políticas públicas voltadas às PVSR, muitos são os desafios para o desenvolvimento de ações voltadas ao controle da TB, dada a complexidade de se garantir uma assistência de qualidade, considerando as características da situação de vida e as necessidades de saúde desse grupo(33 Hino P, Santos JO, Rosa AS. People living on the street from the health point of view. Rev Bras Enferm 2018;71 Suppl 1:732-40. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0547
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-05...
). Destaca-se que a exclusão social e a pobreza são um resultado da organização da sociedade, cujo modo de produção privilegia alguns em detrimento da situação de vida de muitos outros. Adverte-se que os processos de reprodução social advêm dessa dada forma de produção.

Destaca-se a importante contribuição dos profissionais que compõem a equipe de Consultório na Rua no Controle da TB(33 Hino P, Santos JO, Rosa AS. People living on the street from the health point of view. Rev Bras Enferm 2018;71 Suppl 1:732-40. doi: http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0547
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-05...

4 Alecrim TFA, Mitano F, Reis AA, Roos CM, Palha PF, Protti-Zanatta ST. Experience of health professionals in care of the homeless population with tuberculosis. Rev Esc Enferm USP. 2016; 50(5):809-16. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0080-623420160000600014
http://dx.doi.org/10.1590/s0080-62342016...
-55 Hino P, Monroe AA, Takahashi RF, Souza KMJ, Figueiredo TMRM, Bertolozzi MR. Tuberculosis control from the perspective of health professionals working in street clinics. Rev Latino Am Enfermagem. 2018;26:e3095. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.2691.3095.
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2691.3...
). Instituídas em 2011, tais equipes representam um avanço no cuidado à saúde das PVSR, pois passaram a oferecer assistência integral às pessoas que enfrentavam diversas barreiras para acessar os serviços de saúde. Uma nova forma de cuidar é resultado do perfil e da competência de profissionais de saúde que reconhecem o papel dos determinantes sociais no processo saúde-doença-cuidado(66 Rosa AS, Santana CLA. Street clinic as good practice in collective health. Rev Bras Enferm 2018;71(1):501-2. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-201871sup102
https://doi.org/10.1590/0034-7167-201871...
).

As PVSR representam uma população especial para o controle da TB e, neste sentido, foram elencadas ações prioritárias pelo Ministério da Saúde, sendo algumas delas a realização de busca ativa de sintomático respiratório, em qualquer oportunidade de contato com o profissional de saúde e independentemente do tempo de tosse, e realização da baciloscopia ou teste rápido molecular, além de cultura com teste de sensibilidade(11 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: MS; 2018.).

A TB é uma doença socialmente determinada; portanto, o modo de viver na rua reforça a vulnerabilidade à doença por diversos motivos decorrentes, tais como: falta de moradia, condições precárias de sono, repouso e alimentação, uso abusivo de álcool e outras drogas, luta pela sobrevivência, dificuldade para realizar o autocuidado, entre outros.

Observa-se, na contemporaneidade, o aumento da visibilidade da temática, principalmente pelo aumento de pessoas vivendo nessa condição e pela presença cada vez mais frequente de estudos que abordam a população que vivencia situação de rua. Destaca-se que, no Brasil, houve uma ascendente progressão do número de pessoas nessa situação, em virtude da crescente destruição do papel do Estado e dos direitos sociais e trabalhistas, além da desigualdade social.

Tal contexto impõe ampliar a discussão sobre questões que dizem respeito a esse grupo e, dessa forma, refletir sobre as práticas em saúde e aprimorar o cuidado a ele ofertado. Sendo assim, frente ao impacto da TB nesse grupo vulnerável e à escassez de estudos nacionais sobre a temática, justifica-se a presente Revisão Sistemática, com vistas a minimamente fornecer subsídios para o aprimoramento do cuidado em saúde junto a esse grupo, tendo como principal objetivo analisar as evidências disponíveis na literatura sobre a ocorrência da TB em pessoas que vivenciam situação de rua.

MÉTODO

Trata-se de Revisão Sistemática que teve como propósito conhecer o estado da arte sobre a ocorrência da TB em população que vivencia situação de rua, por meio da análise de artigos científicos. Para atingir o objetivo proposto, foi definida a seguinte questão norteadora: Quais são as evidências científicas sobre a ocorrência da TB nas PVSR?

Realizou-se levantamento bibliográfico de artigos científicos nas seguintes bases de dados: PubMed, EMBASE, LILACS e SciELO.

Quadro 1
Descritores utilizados na estratégia de busca.

Foram definidos como critérios de elegibilidade: artigos científicos disponíveis na íntegra, publicados nos idiomas português, inglês ou espanhol e sem restrição quanto ao ano de publicação. Artigos de revisão foram excluídos do estudo. A coleta de dados foi realizada no mês de outubro de 2018 e resultou na seleção de sete artigos.

Os estudos selecionados foram avaliados com base no título e resumo e analisados por dois revisores independentes. Em caso de dúvida ou discordância, um terceiro revisor participou da análise. Todos os estudos selecionados foram lidos na íntegra.

No que diz respeito ao protocolo do estudo, a Revisão Sistemática baseou-se nos protocolos de revisão estabelecidos pela colaboração Cochrane, com vistas à obtenção de evidências relacionadas ao objeto de estudo.

A avaliação da qualidade metodológica é definida pela segurança de que o desenho e o relato dos estudos estão livres de vieses. O instrumento utilizado para a avaliação dos estudos foi o Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE), que possibilita a classificação dos estudos em A (estudos que preencheram valor igual ou maior que 80% dos critérios); B (estudos com 50 a 80% dos critérios) e C (inferior a 50% dos critérios)(77 von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP. The strengthening the reporting of observational studies in epidemiology: STROBE statement. Int J Surg. 2014;12(12):1495-9. doi: 10.1016/j.ijsu.2014.07.013
https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2014.07.0...
).

RESULTADOS

O levantamento bibliográfico possibilitou a identificação de 343 estudos, sendo 229 na PubMed, 105 na Embase e nove na LILACS. Na triagem, foram excluídos dois artigos duplicados, permanecendo 341 estudos, dos quais 321 foram excluídos, pois não correspondiam ao tema do estudo e dois não disponibilizavam o resumo. Foram selecionados 18 estudos; porém, 11 foram excluídos por não englobarem a população do estudo e/ou não abordarem os critérios de elegibilidade. Sendo assim, foram selecionados sete artigos, conforme ilustração da Figura 1.

Figura 1
Fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) sobre a seleção dos estudos.

Os sete estudos estão sintetizados no Quadro 2, com informações relacionadas a referência, delineamento do estudo, tempo de seguimento, principais achados, desfecho e classificação quanto à categoria STROBE.

Quadro 2
Sumário das características dos estudos incluídos.

O período de publicação dos artigos analisados foi de 2005 a 2016, com predomínio no ano de 2013 (n=3). A maioria utilizou dados oriundos de banco de dados de âmbito nacional ou estadual de suas respectivas localidades(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
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9 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
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10 Uchimura K, Ngamvithayapong-Yanai J, Kawatsu L, Ohkado A, Yoshiyama T, Shimouchi A, et al. Characteristicis and treatment outcomes of tuberculosis cases by risk groups, Japan, 2007-2010. WPSAR. 2013; 4(1):11-8. doi: 10.5365/wpsar.2012.3.4.016
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11 Korzeniewska-Kosela M, Kus J, Lewandowska K, Siemion-Szczesniak I. Tuberculosis in homeless persons in Poland. Przegl Epidemiol 2015;69:445-51.
-1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.), enquanto outros utilizaram dados de instituições de saúde(1313 Heo D, Min HG, Lee HH. The clinical characteristics and predictors of treatment success of pulmonary tuberculosis in homeless persons at a public hospital in Busan. Korean J Fam Med. 2012;33:372-80. doi: 10.4082/kjfm.2012.33.6.372
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-1414 Feske ML, Teeter LD, Musser M, Graviss EA. Counting the homeless: a previously incalculable tuberculosis risk and its social determinants. Am J Public Health. 2013;103(5):839-48. doi: 10.2105/AJPH.2012.300973
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).

As localidades dos estudos incluídos foram: três dos Estados Unidos da América(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
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-99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
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,1414 Feske ML, Teeter LD, Musser M, Graviss EA. Counting the homeless: a previously incalculable tuberculosis risk and its social determinants. Am J Public Health. 2013;103(5):839-48. doi: 10.2105/AJPH.2012.300973
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), um da Coreia(1313 Heo D, Min HG, Lee HH. The clinical characteristics and predictors of treatment success of pulmonary tuberculosis in homeless persons at a public hospital in Busan. Korean J Fam Med. 2012;33:372-80. doi: 10.4082/kjfm.2012.33.6.372
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), um do Japão(1010 Uchimura K, Ngamvithayapong-Yanai J, Kawatsu L, Ohkado A, Yoshiyama T, Shimouchi A, et al. Characteristicis and treatment outcomes of tuberculosis cases by risk groups, Japan, 2007-2010. WPSAR. 2013; 4(1):11-8. doi: 10.5365/wpsar.2012.3.4.016
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), um da Polônia(1111 Korzeniewska-Kosela M, Kus J, Lewandowska K, Siemion-Szczesniak I. Tuberculosis in homeless persons in Poland. Przegl Epidemiol 2015;69:445-51.) e um do Brasil(1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.). Os achados quanto às características epidemiológicas revelaram que, independentemente da situação de moradia (situação de rua ou com residência), a TB acometeu, em sua maioria, pessoas do sexo masculino, com predomínio da faixa etária economicamente ativa, variando entre 15 a 64 anos(1010 Uchimura K, Ngamvithayapong-Yanai J, Kawatsu L, Ohkado A, Yoshiyama T, Shimouchi A, et al. Characteristicis and treatment outcomes of tuberculosis cases by risk groups, Japan, 2007-2010. WPSAR. 2013; 4(1):11-8. doi: 10.5365/wpsar.2012.3.4.016
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), 25 a 64 anos(99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
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,1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.)) e 40 a 60 anos ou mais(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
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,1111 Korzeniewska-Kosela M, Kus J, Lewandowska K, Siemion-Szczesniak I. Tuberculosis in homeless persons in Poland. Przegl Epidemiol 2015;69:445-51.,1313 Heo D, Min HG, Lee HH. The clinical characteristics and predictors of treatment success of pulmonary tuberculosis in homeless persons at a public hospital in Busan. Korean J Fam Med. 2012;33:372-80. doi: 10.4082/kjfm.2012.33.6.372
https://doi.org/10.4082/kjfm.2012.33.6.3...
-1414 Feske ML, Teeter LD, Musser M, Graviss EA. Counting the homeless: a previously incalculable tuberculosis risk and its social determinants. Am J Public Health. 2013;103(5):839-48. doi: 10.2105/AJPH.2012.300973
https://doi.org/10.2105/AJPH.2012.300973...
). Quanto à cor da pele, alguns estudos apontaram a preponderância da cor negra nas PVSR e nas pessoas com residência fixa(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
https://doi.org/10.1001/jama.293.22.2762...
,1414 Feske ML, Teeter LD, Musser M, Graviss EA. Counting the homeless: a previously incalculable tuberculosis risk and its social determinants. Am J Public Health. 2013;103(5):839-48. doi: 10.2105/AJPH.2012.300973
https://doi.org/10.2105/AJPH.2012.300973...
), parda para as PVSR(1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.), enquanto as pessoas com residência fixa eram em sua maioria da cor branca(1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.) e asiáticas(99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
https://doi.org/10.5588/ijtld.13.0270...
). Alguns estudos apontaram que o uso de álcool e drogas foi mais frequente nas PVSR, quando comparadas às pessoas com residência(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
https://doi.org/10.1001/jama.293.22.2762...
-99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
https://doi.org/10.5588/ijtld.13.0270...
,1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.

13 Heo D, Min HG, Lee HH. The clinical characteristics and predictors of treatment success of pulmonary tuberculosis in homeless persons at a public hospital in Busan. Korean J Fam Med. 2012;33:372-80. doi: 10.4082/kjfm.2012.33.6.372
https://doi.org/10.4082/kjfm.2012.33.6.3...
-1414 Feske ML, Teeter LD, Musser M, Graviss EA. Counting the homeless: a previously incalculable tuberculosis risk and its social determinants. Am J Public Health. 2013;103(5):839-48. doi: 10.2105/AJPH.2012.300973
https://doi.org/10.2105/AJPH.2012.300973...
). Destaca-se que apenas um artigo nacional compôs este estudo(1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.).

No que diz respeito ao desfecho do tratamento, a maioria dos estudos apontou que as PVSR apresentaram desfechos menos favoráveis, tais como menor percentual de cura e maiores taxas de óbito e abandono, quando comparadas às pessoas com residência(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
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-99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
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,1111 Korzeniewska-Kosela M, Kus J, Lewandowska K, Siemion-Szczesniak I. Tuberculosis in homeless persons in Poland. Przegl Epidemiol 2015;69:445-51.

12 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.
-1313 Heo D, Min HG, Lee HH. The clinical characteristics and predictors of treatment success of pulmonary tuberculosis in homeless persons at a public hospital in Busan. Korean J Fam Med. 2012;33:372-80. doi: 10.4082/kjfm.2012.33.6.372
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), as quais apresentaram maior adesão ao tratamento da TB(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
https://doi.org/10.1001/jama.293.22.2762...
,1010 Uchimura K, Ngamvithayapong-Yanai J, Kawatsu L, Ohkado A, Yoshiyama T, Shimouchi A, et al. Characteristicis and treatment outcomes of tuberculosis cases by risk groups, Japan, 2007-2010. WPSAR. 2013; 4(1):11-8. doi: 10.5365/wpsar.2012.3.4.016
https://doi.org/10.5365/wpsar.2012.3.4.0...

11 Korzeniewska-Kosela M, Kus J, Lewandowska K, Siemion-Szczesniak I. Tuberculosis in homeless persons in Poland. Przegl Epidemiol 2015;69:445-51.

12 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.
-1313 Heo D, Min HG, Lee HH. The clinical characteristics and predictors of treatment success of pulmonary tuberculosis in homeless persons at a public hospital in Busan. Korean J Fam Med. 2012;33:372-80. doi: 10.4082/kjfm.2012.33.6.372
https://doi.org/10.4082/kjfm.2012.33.6.3...
). A taxa de óbitos foi proporcional em dois estudos, sendo de 9%(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
https://doi.org/10.1001/jama.293.22.2762...
) e 8%(99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
https://doi.org/10.5588/ijtld.13.0270...
) e mais elevada entre as PVSR em comparação às pessoas com residência(1111 Korzeniewska-Kosela M, Kus J, Lewandowska K, Siemion-Szczesniak I. Tuberculosis in homeless persons in Poland. Przegl Epidemiol 2015;69:445-51.-1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.).

Corroborando a afirmativa de que as PVSR apresentam maior vulnerabilidade à TB doença, além de apresentar dificuldades em relação ao acesso ao diagnóstico e ao tratamento da TB, entre outros condicionantes, estudo realizado nos Estados Unidos da América identificou que 6,4% dos casos de TB ocorreram em PVSR no período de 1994 a 2003. Os autores afirmam que, dada a relação entre a TB e as precárias condições de vida, o planejamento de ações para a redução da incidência da doença na população que vivencia tal situação requer o conhecimento das características e particularidades desse grupo, além da compreensão de indicadores socioeconômicos como educação e renda(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
https://doi.org/10.1001/jama.293.22.2762...
).

O contexto de vulnerabilidade, que evidencia aspectos referentes à vulnerabilidade individual e social, também se associa à dificuldade de adesão ao tratamento da TB. Um estudo realizado nos Estados Unidos da América, no período de 1994 a 2010, investigou 270.948 notificações de TB, sendo 6% em PVSR. Nesta, observou-se aumento na incidência de aproximadamente 10 vezes no período, menor adesão ao tratamento e maior propensão ao uso abusivo de substâncias. Nesse sentido, os autores destacaram o desafio de incorporar ações voltadas à redução da carga da doença nessa população, com vistas ao alcance da meta nacional de eliminação da TB(99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
https://doi.org/10.5588/ijtld.13.0270...
).

DISCUSSÃO

A presente revisão sistemática permitiu analisar os principais achados de estudos que investigaram o perfil epidemiológico da TB na população que vivencia situação de rua. A literatura apontou, em sua maioria, semelhanças em relação à ocorrência da doença em tal grupo.

A TB ainda representa um problema de saúde pública e um desafio em diversos países, visto que seu controle depende da conjugação de ações intersetoriais, institucionais e sociais, além daquelas que incidem sobre os fatores biológicos. Constatou-se apenas um estudo sobre as características epidemiológicas da TB na população de rua no cenário brasileiro. Os resultados do presente estudo revelaram que, no Estado de São Paulo, há elevada carga da doença em PVSR e que a ausência de moradia e as condições associadas refletiram na adesão ao tratamento. Os achados revelaram que a falta de moradia levou a uma redução acentuada no sucesso do tratamento, o que exige a implementação de intervenções específicas que alcancem essa população vulnerável por meio de políticas públicas(1212 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.).

É sabido que as PVSR estão mais suscetíveis ao adoecimento e morte por TB, dado o contexto de vulnerabilidade imposto pela vida na rua. Observou-se que a ocorrência de óbito foi proporcional nas duas populações (de rua e aquela que tem residência fixa) em ambos os estudos realizados nos Estados Unidos da América, sendo de 8%(99 Bamrah S, Woodruff RSY, Powell K, Ghosh S, Kammerer JS, Haddad MB. Tuberculosis among the homeless, United States, 1994-2010. Int J Tuberc Lung Dis. 2013;17(11):1414-9. doi: 10.5588/ijtld.13.0270
https://doi.org/10.5588/ijtld.13.0270...
) e 9%(88 Haddad MB, Wilson TW, Ches MS, Ljaz K, Marks SM, Moore M. Tuberculosis and homelessness in the United States, 1994-2003. JAMA. 2005;293(22):2762-6. doi: 10.1001/jama.293.22.2762
https://doi.org/10.1001/jama.293.22.2762...
); porém, outros estudos revelaram ocorrência maior na população de rua(1010 Uchimura K, Ngamvithayapong-Yanai J, Kawatsu L, Ohkado A, Yoshiyama T, Shimouchi A, et al. Characteristicis and treatment outcomes of tuberculosis cases by risk groups, Japan, 2007-2010. WPSAR. 2013; 4(1):11-8. doi: 10.5365/wpsar.2012.3.4.016
https://doi.org/10.5365/wpsar.2012.3.4.0...

11 Korzeniewska-Kosela M, Kus J, Lewandowska K, Siemion-Szczesniak I. Tuberculosis in homeless persons in Poland. Przegl Epidemiol 2015;69:445-51.

12 Ranzani OT, Carvalho CRR, Waldman EA, Rodrigues LC. The impact of being homeless on the unsuccessful outcome of treatment of pulmonary TB in São Paulo State, Brazil. BMC Med. 2016;14(41):1-13.
-1313 Heo D, Min HG, Lee HH. The clinical characteristics and predictors of treatment success of pulmonary tuberculosis in homeless persons at a public hospital in Busan. Korean J Fam Med. 2012;33:372-80. doi: 10.4082/kjfm.2012.33.6.372
https://doi.org/10.4082/kjfm.2012.33.6.3...
).

Um estudo desenvolvido em uma cidade da Espanha revelou que doenças infecciosas representaram o segundo grupo de doenças mais frequentes nas PVSR, sendo que a TB foi observada em 6,1% desse grupo, em relação a 0,1% das pessoas com residência. A ausência de moradia, o uso de drogas injetáveis ​​e as dificuldades para manter hábitos de vida saudáveis podem favorecer a emergência de TB, hepatite B e C, HIV, dentre outras doenças infectocontagiosas, sendo que as PVSR apresentaram 40 vezes mais chances de desenvolver TB quando comparadas às pessoas com residência(1515 Patricio ST, Ajuria AF, Castro LC. Características de los ingresos hospitalarios de lãs personas sin hogar em Sevilla. Rev Esp Salud Pública 2016;90(10):e1-11.). Outro estudo, conduzido em Portugal, também revelou que as PVSR apresentaram maior uso de álcool e drogas, além de outras condições, como tratamento anterior de TB, coinfecção TB/HIV e maiores taxas de tratamento desfavorável(1616 Dias M, Gaio R, Sousa P, Abranches M, Gomes M, Oliveira et al. Tuberculosis among the homeless: should we change the strategy? Int J Tuberc Lung Dis. 2017;21(3):327-32. doi: 10.5588/ijtld.16.0597
https://doi.org/10.5588/ijtld.16.0597...
).

Os resultados do presente estudo permitiram observar que as PVSR estiveram mais propensas ao uso de álcool e outras drogas, ao abandono do tratamento de TB e, consequentemente, ao óbito, em comparação às pessoas com residência. Tal fato enfatiza a importância da oferta do cuidado em saúde que considere essas questões e as particularidades que envolvem a vida na rua. Além da vulnerabilidade social, os profissionais de saúde devem estar atentos a outras possíveis situações que possam comprometer a adesão ao tratamento. Reforça-se, assim, a necessidade do acompanhamento continuado das PVSR(11 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: MS; 2018.).

Os estudos que integraram a presente revisão não mostraram diferenças significativas em relação à cobertura do TDO, quando comparadas às PVSR e às pessoas com residência. A Organização Mundial da Saúde recomenda a realização da supervisão medicamentosa; entretanto, uma opção a essa modalidade é a articulação com os serviços da assistência social, que podem ser parceiros na realização do TDO, os quais geralmente dispõem de profissionais com competência para aplicar mecanismos de proteção social para as PVSR. Em caso de falência das estratégias que mantêm as pessoas amparadas pela assistência social, é possível recorrer, como última alternativa, ao regime de internação social, que pode viabilizar a adesão do tratamento e possibilitar que este tenha desfecho favorável(11 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: MS; 2018.), ainda que tal medida concretize uma situação extrema. Entretanto, tal estratégia não modifica a situação de vida, assumindo-se que a situação de vida dessas pessoas é produto de um processo que é sobretudo de ordem social e decorrente da desigualdade social, além de ser fruto da ausência do Estado provedor que ampare a sua população.

Por ser uma doença socialmente determinada, a TB acomete com maior frequência as PVSR, dadas as características de vida impostas pela situação de rua. Destaca-se a importância de profissionais de saúde sensibilizados para atuar com esse grupo vulnerável por meio de abordagem humanizada, multidisciplinar e que ajude essa população a buscar possibilidades de superação dessa condição. No Brasil, as atividades desenvolvidas pelas equipes de Consultório na Rua possibilitam o atendimento das PVSR no serviço de saúde, de forma que suas necessidades em saúde sejam valorizadas e, consequentemente, sejam estabelecidas relações de vínculo e confiança com o profissional de saúde(1717 Zuim RCB, Trajman A. Itinerário terapêutico de doentes com tuberculose vivendo em situação de rua no Rio de Janeiro. Physis Rev Saúde Colet. 2018;28(2):e280205. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s0103-7331201828205
http://dx.doi.org/10.1590/s0103-73312018...
).

Destaca-se um estudo conduzido em Curitiba-PR que analisou os elementos constitutivos do processo de trabalho de profissionais de saúde atuantes no Consultório na Rua como relacionados aos saberes ideológicos, representados pelas políticas públicas que norteavam o processo de trabalho da equipe, tais como: acesso à saúde, saúde como direito constitucional, trabalho intersetorial e necessidades das PVSR(1818 Kami MTM, Larocca LM, Chaves MMN, Piosiadlo LCM, Albuquerque GS. Tool and ideological knowledge in Street Outreach Office working process. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(3):442-9. doi: https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000400010
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600...
).

Em estudo conduzido com profissionais da equipe de Consultório na Rua, os depoimentos revelaram que a assistência à saúde das PVSR exigiu capacitação da equipe de saúde para reconhecer as necessidades de saúde dessa população, resultantes de diversas condições que aumentam o grau de vulnerabilidade à TB, o abandono do tratamento e a evolução para o óbito. Desse modo, a atuação de uma equipe treinada pode contribuir para o controle da doença, destacando-se que tal situação transcende o âmbito da saúde e requer ações intersetoriais(55 Hino P, Monroe AA, Takahashi RF, Souza KMJ, Figueiredo TMRM, Bertolozzi MR. Tuberculosis control from the perspective of health professionals working in street clinics. Rev Latino Am Enfermagem. 2018;26:e3095. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.2691.3095.
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2691.3...
).

Uma revisão sistemática reforçou a importância do desenvolvimento de ações intersetoriais para a população de rua, considerando a elevada ocorrência da TB nesse grupo e as dificuldades para o controle da doença, como a prevenção, o diagnóstico precoce da doença e a realização do tratamento(1919 Silva EN, Pereira ACES, Araújo WN, Elias FTS. A systematic review of economic evaluations of interventions to tackle tuberculosis in homeless people. Rev Panam Salud Pública. 2018;42:e40. doi: http://doi.org/10.26633/RPSP.2018.40
http://doi.org/10.26633/RPSP.2018.40...
).

Para proporcionar a adesão ao tratamento, recomenda-se, além da criação de vínculo entre o profissional de saúde e a pessoa que vivencia a situação de rua, que sejam desenvolvidas ações como: Projeto Terapêutico Singular, parceria com a Rede de Apoio Psicossocial e oferecimento de incentivos para garantir o sucesso do tratamento (restaurante comunitário, transporte gratuito, centros de acolhida, entre outros). Os profissionais da saúde devem trabalhar em equipe para identificar os sintomáticos respiratórios e, dessa forma, agilizar o diagnóstico da TB e garantir o início imediato e oportuno do tratamento(11 Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil. Brasília: MS; 2018.). Adverte-se que as práticas de cuidado voltadas às PVSR devem ser compreendidas a partir de uma perspectiva abrangente, reconhecendo a pessoa como protagonista do seu cuidado(2020 Koopmans FF, Daher DV, Acioli S, Sabóia VM, Ribeiro CRB, Silva CSSL. Living on the streets: an integrative review about the care for homeless people. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):211-20. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0653
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
).

O controle da TB em PVSR representa um desafio para a sociedade, principalmente na atualidade, em que as desigualdades sociais são crescentes e o desemprego é progressivo, com decorrências para o aumento significativo das PVSR. As necessidades em saúde desse grupo refletem na adesão ao tratamento, destacando-se que a TB é socialmente determinada e impregnada de estigma. Portanto, é fundamental a compreensão da doença como um fenômeno social. A Teoria da Determinação Social do Processo Saúde-Doença reforça e traz contribuições para a interpretação do processo saúde-doença e para superar os modelos assistenciais tradicionais(55 Hino P, Monroe AA, Takahashi RF, Souza KMJ, Figueiredo TMRM, Bertolozzi MR. Tuberculosis control from the perspective of health professionals working in street clinics. Rev Latino Am Enfermagem. 2018;26:e3095. doi: https://doi.org/10.1590/1518-8345.2691.3095.
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2691.3...
).

Pelo fato de a TB ser considerada uma doença negligenciada, de baixa visibilidade social, principalmente por acometer pessoas com dificuldades ou despojadas do acesso à dignidade na vida e no trabalho, enfatiza-se a necessidade da compreensão do adoecimento como um fenômeno social, que exige intervenções que considerem suas particularidades, incluindo ações que vão além do setor saúde. Reconhecer as desigualdades sociais implica compreender os processos que as produzem e identificar os elementos mediadores entre os processos macrossociais e os perfis epidemiológicos dos diferentes grupos sociais. Tal interpretação é indispensável para enfrentar as desigualdades sociais, no âmbito das políticas públicas, no cotidiano da atenção em saúde e na prática cidadã(2121 Bertolozzi MR, Takahashi RF, França FOS, Hino P. The incidence of tuberculosis and its relation to social inequalities: integrative review study on PubMed base. Esc Anna Nery. 2020;24(1):e20180367. doi: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0367
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

As evidências encontradas nos artigos selecionados para compor o presente estudo mostraram dados de saúde relevantes que reforçam a necessidade de compromisso político para que seja possível incorporar as práticas de cuidado às PVSR, por meio de esforços tanto do Estado quanto da sociedade civil, com o objetivo de enfrentar as singularidades decorrentes da dinâmica de vida desse grupo vulnerável(2222 Barata RB, Carneiro Junior N, Ribeiro MCSA, Silveira C. Health social inequality of the homeless in the city of São Paulo. Saúde Soc. 2015;24 Suppl 1:219-32. doi: https://doi.org/10.1590/s0104-12902015s01019
https://doi.org/10.1590/s0104-12902015s0...
).

Os estudos selecionados nesta revisão sistemática se propuseram a descrever a ocorrência da TB nas PVSR. Observaram-se situações de saúde variáveis, o que dificulta a comparação entre diferentes realidades.

Sendo as PVSR um grupo vulnerável à TB, destaca-se a participação do enfermeiro na equipe multidisciplinar, uma vez que a sua formação específica possibilita um potencial para a criação de vínculo com as PVSR. Além disso, o enfermeiro tem instrumentos para identificar necessidades, e, dessa forma, atuar ativamente no controle da doença, realizando desde o desenvolvimento de ações de promoção da saúde, prevenção e diagnóstico precoce até o tratamento e a obtenção da cura. Faz-se necessário que as ações em saúde para as PVSR abranjam não somente o diagnóstico precoce, mas também estratégias para a realização do tratamento da TB de forma individualizada, compreendendo as necessidades de saúde, o contexto social e os recursos necessários para viabilizar a adesão ao tratamento, visando a diminuir a transmissão do bacilo e os óbitos nessa população.

CONCLUSÃO

Os esforços para o controle da TB devem abordar ações específicas para a população de rua, dadas as suas particularidades. A análise da literatura científica mostrou que muitos são os desafios a serem enfrentados no controle da TB em PVSR, uma vez que essa população é mais suscetível a adoecer e diversos são os obstáculos para a adesão ao tratamento.

Apesar de o Brasil representar um dos 22 países com maior concentração de casos de TB no mundo, este estudo apontou a escassez de estudos sobre características epidemiológicas nacionais que abordaram a ocorrência da TB na população de rua.

Destaca-se a necessidade da abordagem de conteúdos relacionados às doenças negligenciadas, como é o caso da TB em PVSR, em cursos da área da saúde, a fim de sensibilizar os futuros profissionais para prestarem atendimento de forma adequada, com uma abordagem integral, e que apreendam instrumentos que possibilitem o reconhecimento das necessidades de saúde. Destaca-se a urgência de políticas públicas que contribuam para a proteção social desse grupo. Por fim, ressalta-se a importância de novos estudos que investiguem a temática, desde questões que envolvem o processo saúde-doença no contexto das PVSR, até suas formas de enfrentamento. Ademais, destaca-se que é fundamental a diminuição das desigualdades por meio de políticas que incluam essa população e garantam seu exercício da vida cidadã, de forma que tenham acesso a moradia, saúde, educação e emprego.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Dez 2019
  • Aceito
    19 Set 2020
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