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Representações sociais do processo de escolha de chefias na perspectiva da equipe de enfermagem

Representaciones sociales del proceso de elección de jefaturas en la perspectiva del equipo de enfermeira

Resumos

Pesquisa exploratório-descritiva, qualitativa, com o objetivo de analisar a representação social do processo de escolha de chefias entre profissionais de enfermagem de um hospital universitário. As informações foram obtidas mediante as técnicas de associação livre de palavras e entrevista aberta. Para este artigo realizou-se análise de conteúdo categorial temática, tendo como guia de leitura a Teoria das Representações Sociais. A partir desse enfoque emerge a categoria: divisão da equipe de enfermagem - constituintes e constituídos pelo processo de escolha de chefias. Esta se configura como a cristalização da representação social sobre o objeto, ancorada em elementos relacionados à liderança, imparcialidade, mudança, conhecimento, confiança e humanização. Destaca-se a noção de liderança por acenar um movimento na imagem de divisão da equipe ao associar o processo de escolha de chefias a um espaço de comunicação, propício à integração da equipe e ao reconhecimento de potenciais líderes.

Liderança; Gestão em saúde; Equipe de enfermagem; Administração hospitalar; Supervisão de enfermagem


Investigación exploratorio-descriptiva, objetivando analizar la representación social del proceso de elección de jefaturas entre profesionales de enfermería de un hospital universitario. Informaciones obtenidas mediante técnica de asociación libre de palabras y entrevista abierta. Para este artículo se realizó análisis de contenido categorial temático, teniéndose como guía de lectura la Teoría de las Representaciones Sociales. A partir de tal enfoque, emerge la categoría: división del equipo de enfermería - constituyentes y constituidos por el proceso de elección de jefaturas. Esta se configura como la cristalización de la representación social sobre el objeto, anclada en elementos relacionados al liderazgo, imparcialidad, cambio, conocimiento, confianza y humanización. Se destaca la noción de liderazgo por inducir un movimiento en la imagen de división del equipo al asociar el proceso de elección de jefaturas a un espacio de comunicación, favorecedor de la integración del equipo y al reconocimiento de potenciales líderes.

Liderazgo; Gestión en salud; Grupo de enfermería; Administración hospitalaria; Supervisión de enfermería


This exploratory-descriptive, qualitative study was performed with the objective to analyze the social representation of the process of choosing leaders among nursing workers of a university hospital. The information was obtained through free word association and open interviews. For the purposes of this study, thematic content analysis was performed, guided by the Social Representations Theory. Through this focus the following category emerged: division of the nursing team - the input and output of the process of choosing leaders. The category consists of a crystallization of the social representation of the subject, anchored in elements related to leadership, impartiality, change, knowledge, trust and humanization. The idea of leadership is highlighted as inducing a movement in the division of the team as it is associated with the process of choosing leaders for an environment of communication, suitable for integrating the team and recognizing potential leaders.

Leadership; Health management; Nursing team; Hospital administration; Nursing, supervisory


ARTIGO ORIGINAL

Representações sociais do processo de escolha de chefias na perspectiva da equipe de enfermagem

Representaciones sociales del proceso de elección de jefaturas en la perspectiva del equipo de enfermeira

Gisela Maria Schebella Souto de MouraI; Ana Maria Müller de MagalhãesII; Dirciara Barañano SouzaIII; Clarice Maria Dall'AgnolIV

IEnfermeira. Doutora em Administração. Docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Vice-Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Gestão em Enfermagem. Porto Alegre, RS, Brasil, giselasm@terra.com.br

IIEnfermeira. Doutora em Administração. Docente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Membro do Núcleo de Estudos sobre Gestão em Enfermagem. Porto Alegre, RS, Brasil, amagalhaes@hcpa.ufrgs.br

IIIEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista REUNI. Membro do Núcleo de Estudos sobre Gestão em Enfermagem. Porto Alegre, RS, Brasil, dirciara@ufrgs.br

IVEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Associada da Escola de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Gestão em Enfermagem. Porto Alegre, RS, Brasil, clarice@adufrgs.ufrgs.br

Correspondência Correspondência: Gisela Maria de Moura Schebella Souto de Moura Rua Gen. Ibá Mesquita Ilha Moreira, 180/501 - Bairro Boa Vista CEP 91340-190 - Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

Pesquisa exploratório-descritiva, qualitativa, com o objetivo de analisar a representação social do processo de escolha de chefias entre profissionais de enfermagem de um hospital universitário. As informações foram obtidas mediante as técnicas de associação livre de palavras e entrevista aberta. Para este artigo realizou-se análise de conteúdo categorial temática, tendo como guia de leitura a Teoria das Representações Sociais. A partir desse enfoque emerge a categoria: divisão da equipe de enfermagem – constituintes e constituídos pelo processo de escolha de chefias. Esta se configura como a cristalização da representação social sobre o objeto, ancorada em elementos relacionados à liderança, imparcialidade, mudança, conhecimento, confiança e humanização. Destaca-se a noção de liderança por acenar um movimento na imagem de divisão da equipe ao associar o processo de escolha de chefias a um espaço de comunicação, propício à integração da equipe e ao reconhecimento de potenciais líderes.

Descritores: Liderança. Gestão em saúde. Equipe de enfermagem. Administração hospitalar. Supervisão de enfermagem.

RESUMEN

Investigación exploratorio-descriptiva, objetivando analizar la representación social del proceso de elección de jefaturas entre profesionales de enfermería de un hospital universitario. Informaciones obtenidas mediante técnica de asociación libre de palabras y entrevista abierta. Para este artículo se realizó análisis de contenido categorial temático, teniéndose como guía de lectura la Teoría de las Representaciones Sociales. A partir de tal enfoque, emerge la categoría: división del equipo de enfermería – constituyentes y constituidos por el proceso de elección de jefaturas. Esta se configura como la cristalización de la representación social sobre el objeto, anclada en elementos relacionados al liderazgo, imparcialidad, cambio, conocimiento, confianza y humanización. Se destaca la noción de liderazgo por inducir un movimiento en la imagen de división del equipo al asociar el proceso de elección de jefaturas a un espacio de comunicación, favorecedor de la integración del equipo y al reconocimiento de potenciales líderes.

Descriptores: Liderazgo. Gestión en salud. Grupo de enfermería. Administración hospitalaria. Supervisión de enfermería.

INTRODUÇÃO

Os processos de gestão e modelos de organização do trabalho em saúde tornam-se a cada dia mais complexos e desafiadores frente à necessidade de avançar na consolidação das políticas do Sistema Único de Saúde (SUS). Os profissionais de enfermagem, como sujeitos, e a enfermagem, como área de conhecimento, têm a oportunidade de ocupar um espaço central nestes processos pelo alcance e importância de sua atuação nas instituições que operam as políticas de saúde junto aos usuários e aos demais profissionais.

Nesse sentido, salienta-se a necessidade de modernizar as práticas gerenciais e os processos de produção de cuidados em enfermagem a partir de marcos conceituais que dêem conta de um sistema tão complexo e dinâmico, com vistas ao alcance de um ambiente mais democrático e participativo(1-3). Esta noção remete ao pressuposto da liderança como um processo que se pauta no estabelecimento de vínculo construtivo entre as pessoas e o ambiente, requerendo uma contínua aprendizagem alicerçada em relações de troca em nome do coletivo grupal(4-5).

No momento atual, o hospital ainda ocupa e cultiva sua hegemonia sobre as ações de saúde e reproduz um modelo de gestão pouco democrático que reitera práticas de trabalho cristalizadas que não favorecem a emergência de sujeitos transformadores do modo de gerenciar e fazer saúde(6-7).

Os constantes avanços e transformações nos cenários de produção de práticas de saúde, especialmente no ambiente hospitalar, têm repercutido nas formas como as equipes se organizam para prestar atendimento de saúde e levado os profissionais a repensar suas ações e modos de cuidar, sem esquecer que a enfermagem ocupa uma posição central nos sistemas de saúde e no processo de atendimento ao usuário, sendo essa uma condição essencial para a transformação de realidades(8).

A atuação das equipes de trabalho e os arranjos organizacionais constituem-se num poderoso instrumento para a operacionalização das estratégias e políticas de saúde no atendimento da população. Ao mobilizar-se, com este intuito, é importante que se dedique um olhar mais atento aos processos de gestão das equipes de trabalho e para a forma como são definidos os cargos de chefia e de coordenação desses grupos.

Os processos de escolha ou indicação de chefias nas estruturas organizacionais refletem, em certo grau, os modos de fazer gestão das instituições, revelando traços que sinalizam os modelos vigentes na administração. A adoção de modelos de gestão em direção a uma cultura participativa, compartilhada ou colegiada, aponta para uma transformação em nosso meio, onde ainda persistem muitos obstáculos a serem superados para se democratizar efetivamente as relações de poder que existem nas organizações de saúde, particularmente as hospitalares, as quais, ainda, reproduzem um modelo de gestão ancorado nos pressupostos tradicionais de administração com concentração de poder e tomada de decisão pelos enfermeiros(6).

Ao destacar a importância do processo participativo para escolha de dirigentes e para o alcance de resultados positivos nas organizações de saúde e na enfermagem, seria pertinente questionar algumas afirmativas e explorar alguns sentidos, tais como: Qual o significado de positivo ao se pensar em alcance de resultados, para quem? Quais contradições permeiam as representações de quem elege essas lideranças? Que tensões se estabelecem no cotidiano desses profissionais de enfermagem e como influenciam no voto?

Com base nessa compreensão, o objetivo consistiu em analisar a representação social do processo de escolha de chefias entre profissionais de enfermagem de um hospital universitário.

Convém o assinalamento de que o processo de análise das representações sociais, entre os diferentes segmentos que compõem as equipes (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem), na escolha dos candidatos, implica explicitar o não-dito e o latente, na complexa trama das relações cotidianas que se estabelecem no grupo de trabalho.

O acesso a essas representações poderá subsidiar novas abordagens metodológicas na condução dessas escolhas a fim de enriquecer a sistemática que vem sendo adotada. O elemento construção assume um espaço central, representando o esforço de trazer o indivíduo ao seu lugar de sujeito, na medida em que percebe sua condição bidimensional de, ao mesmo tempo, ser constituinte e socialmente constituído. Isto porque,

as representações sociais são tanto fruto da reapropriação dos conteúdos advindos de outros períodos cronológicos como daqueles gerados pelos novos contextos, o que faz com que elas se estabeleçam, concomitantemente, como pensamento constituído e constituinte (9).

O presente artigo, dessa forma, busca agregar valor à discussão acadêmica acerca do tema processo de escolha de chefias de enfermagem iniciado em publicação anterior(10). Acredita-se que a leitura deste processo à luz da Teoria das Representações Sociais possa contribuir para maior compreensão dos elementos presentes e, assim, qualificar uma prática de gestão fundamentada nos pressupostos da abordagem participativa.

MÉTODO

Trata-se de um estudo do tipo exploratório-descritivo, qualitativo, realizado em um hospital de ensino universitário, integrante da rede de hospitais do Ministério da Educação, escolhido intencionalmente. Participaram da pesquisa 62 profissionais de enfermagem, representantes de todos os setores da instituição, que concordaram em realizar a entrevista e documentaram a anuência no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A vivência no último processo consultivo de escolha de chefias de unidade que ocorreu na instituição foi considerada um critério para integrar o grupo de respondentes da entrevista, que ocorreu no período de junho a setembro de 2009.

No hospital que foi cenário deste estudo, a construção de um modelo de gestão alicerçado na perspectiva participativa vem se constituindo num exercício coletivo que, evoluindo através dos anos, tem conquistado maior participação nos processos decisórios da instituição. O processo de escolha de chefias de unidade ocorre por meio de uma proposta em que enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem participam da escolha de sua chefia por meio de um processo consultivo, através do voto, no setor onde trabalham.

A coleta das informações foi iniciada após a tramitação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição em que foi realizado o estudo e obtenção de parecer favorável pelo protocolo de homologação 07-275.

As informações foram obtidas mediante as técnicas de associação livre de palavras e entrevistas abertas. Realizou-se análise categorial temática dessas informações, tendo como guia de leitura a Teoria das Representações Sociais(9,11). A partir desse enfoque, emerge a categoria Divisão da equipe de enfermagem - constituintes e constituídos pelo processo de escolha de chefias. Seguindo-se esse delineamento, o conceito de representações sociais definiu a inserção psicossocial no estudo, buscando-se o limite entre o social e o psicológico, como um processo dinâmico a fim de se compreender a formação do pensamento social e os mecanismos de funcionamento da elaboração social do real.

O teste de associação livre de palavras foi operacionalizado por meio da evocação de palavras, utilizando-se a expressão processo de escolha de chefias de unidade, como indutora das associações. Fez-se a seguinte pergunta: Quais as três primeiras palavras que lhe vêm à cabeça quando você escuta a expressão processo de escolha de chefias de unidade? Logo após, solicitou-se aos participantes que organizassem estas três palavras destacando as duas mais significativas ou importantes. Essa técnica ajuda a localizar zonas de bloqueio e de recalcamento de um indivíduo e a disparar o processo de apreensão dos elementos constitutivos das representações sociais, buscando-se a primeira noção dos sujeitos da pesquisa sobre o objeto de estudo(12).

Na sequência, foram realizadas as entrevistas mediante roteiro composto de questões abertas. A cada participante foi solicitado que expressasse livremente sua opinião e relatasse vivência sobre o tema em estudo, destacando critérios utilizados na escolha da chefia de unidade, bem como sobre as estratégias utilizadas, nesse processo, e as expectativas com relação ao futuro chefe.

A técnica de associação de palavras permite que se faça uma análise qualitativa de dados processados quantitativamente, uma vez que foram quantificados os significantes, ou seja, as palavras evocadas a partir da expressão que caracteriza o objeto em estudo(13). Entretanto, para se chegar as representações condensadas e explicativas é preciso que as informações tornem-se acessíveis e manejáveis(12). As entrevistas foram gravadas em áudio, posteriormente transcritas e codificadas com a letra E, seguida de um número, conforme a ordem cronológica que as mesmas foram realizadas.

Assim, o produto das evocações foi organizado mediante utilização do programa Microsoft Excel 2010, em listas de frequência, ordem de aparecimento das três palavras evocadas e importância atribuída a elas pelos participantes. Posteriormente, averiguaram-se pontos de convergência e reforço, nos resultados dos significantes, levantados a partir do teste de associação de palavras, por meio de associações ou confrontamento com os significados que emanaram das entrevistas.

Ao analisar as entrevistas, na perspectiva da técnica de análise de conteúdo categorial, entende-se que

a noção de tema está ligada a mensagem que se refere a determinado assunto. (...) é unidade ou significação que depreende de um texto analisado de acordo com critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura (12).

Os temas, em sua concepção, aparecem como o centro da consciência fundamentado na experiência, sendo que a estruturação temática coincide de algum modo, com o trabalho de objetivação da representação. Assim, os elementos afetivos, cognitivos e sociais, que organizam e propiciam emergir os temas, indicam o segundo ponto primordial para a compreensão das representações sociais, ou seja, a ancoragem(14).

RESULTADOS

A teoria das representações sociais detém-se sobre um sujeito que, em sua relação com o mundo, constrói tanto este como a si próprio. Pelos processos geradores de representação - objetivação e ancoragem - ganha destaque a representação do processo de escolha de chefias pelos profissionais de enfermagem na categoria Divisão da Equipe de Enfermagem - constituintes e constituídos pelo processo de escolha de chefias, enfocando divisão técnica e social do trabalho e o sentimento de não pertencimento à equipe, conforme expressado nas falas:

Nesse tempo que eu estou aqui assim, sempre houve uma indicação ou da própria chefia ou do grupo dos enfermeiros (E33).

Os nomes vieram, pelo que eu me recordo assim, já indicados pelas enfermeiras (E6).

(...) porque é muito fácil falar em humanidade, mas muito pouco se vê aqui dentro (...) elas (enfermeiras) são tipo um robô (...). Eu trabalho muito tempo pra saber, mudou muito. Ficaram as antigas e elas continuam com a mesma visão. Porque há alguns anos atrás, quando eu entrei aqui, isso aqui era muito difícil, aqui era um quartel general de terror, era muito terrorismo, e hoje, tem pessoas que ainda agem assim (E38).

Porque essa escolha é feita pela, (...) como é que eu vou te explicar assim: as enfermeiras em si, elas selecionam, por exemplo, entre elas quem tem interesse (E42).

(...) havia a possibilidade de uma outra que retirou a candidatura porque havia muita dificuldade de relacionamento interpessoal, não tanto com nós, enfermeiros, mas o pessoal técnico e auxiliar (...) Então houve essa coisa de se articularem entre si para que votassem nela (E62).

A representação sobre o processo de escolha de chefias apresenta-se, a partir da análise das entrevistas, ancorada em elementos relacionados à liderança, imparcialidade, mudança, conhecimento, confiança e humanização. Esses temas foram reforçados no teste de associação de palavras, com destaque para liderança e conhecimento pela maior frequência, ordem de aparecimento e importância atribuída pelos participantes, tendo sido mencionadas com destaque nas três evocações. Os conteúdos destas ancoragens possibilitam aos sujeitos compreender e transmitir a imagem de divisão da equipe de enfermagem, permitindo que ocorram adaptações da representação às mudanças do contexto desse processo participativo e a tomada de posições diante de uma dada situação.

Os temas liderança, imparcialidade e conhecimento foram mencionados como elementos presentes no processo de escolha de chefias que são ilustrados nos depoimentos:

Através de reuniões e o próprio grupo acabou construindo a plataforma junto, que a candidata acabou endossando e assumindo aquela plataforma coletiva como a dela. Então eu acho que esse é o melhor processo (...) (E13).

(...) a gente podia contar na hora que precisar, podia conversar com ela, ela entendia, ela também liderava, quando ela precisava ela também cobrava, mas também conseguia te escutar (E4).

Mesmo que tu não agrades a todos, tu tens que ter uma linha que tu não precise puxar tanto para o lado do técnico, como para o lado do enfermeiro. Tu tens que ser imparcial, mas tu tens que saber quando tu tem que agir. E a nossa chefia que nós tínhamos era assim. Tanto ela tinha que nos chamar a atenção por motivos técnicos, como ela nos apoiava quando a gente necessitava dela, ela estava presente tanto humanamente quanto profissionalmente (E38).

(...) que tenha conhecimento, que tenha capacidade de liderança, que saiba também funcionar em harmonia o setor (E42).

A liderança emergiu no relato dos participantes, atrelada aos temas da humanização e confiança:

(...) visão de grupo, tratar os profissionais como seres humanos. Este tratamento tem que ser digno, tem que respeitar essas pessoas, respeitar suas diferenças, suas capacidades e tentar encontrar em cada pessoa o que ela tem de melhor. (...) uma pessoa competente na parte técnica e uma pessoa que consiga manter um grupo harmonioso e que respeitasse esse grupo, realmente como ser humano que é. Porque a parte técnica a gente aprende no dia-a-dia, mas lidar com o ser humano (E1).

(...) senta, reúne, se mobiliza e caminha todo mundo pro mesmo lado eu acho que as coisas acontecem, funciona melhor o trabalho. Então tu consegues melhorar qualidade, tu consegues humanizar (E6).

(...) transparência no processo de gestão, capacidade de trabalhar em grupo e capacidade de trabalhar com as diferenças (E10).

(...) tanto é que a nossa chefia foi eleita três ou quatro vezes, porque nenhuma das outras não nos inspirava confiança tu tem que confiar na pessoa, não que ela vai acertar 100 por cento, mas é uma pessoa que ela tem aquele jogo pra jogar, ser uma chefia, mas ela tem que saber ser tecnicamente correta, mas ela tem que ter aquele lado humano (E38).

(...) a gente escolheu a mesma chefe que já estava, mais pelo humanismo assim, porque há algum tempo atrás, aqui no hospital, não existia nem humanismo e nem respeito na chefia anterior (E44).

Que ela seja imparcial com todos e que seja pro bem da unidade, porque se o grupo está unido, a unidade anda. Mas se o grupo não é unido, aí(E46).

DISCUSSÃO

Os profissionais de enfermagem, ao falarem desse processo participativo de escolha de chefias, dão ênfase à construção de um espaço propício para a integração da equipe, sem deixarem de mencionar que o mesmo está sendo experimentado no fazer do trabalho cotidiano. É conferido destaque ao fato de que esse processo, por ser novo, ainda se encontra bastante movediço para os diferentes profissionais que compõem a equipe de enfermagem, pouco familiar.

Existe uma forte associação desse processo à categoria temática nominada como divisão da equipe de enfermagem - constituídos e constituintes do processo de escolha de chefias. Esta categoria configura-se como cristalização da representação social sobre o objeto, onde se encontra a materialização do que era abstrato aos sujeitos, ou seja, por meio do pensamento e da fala dos profissionais de enfermagem, ancorado em elementos da realidade dos mesmos(13).

Este processo de objetivação fundamenta-se na arte de transformar uma representação na realidade da representação, transformando a palavra que substitui a coisa, na coisa que substituiu a palavra (9).

Desde sua institucionalização como profissão, a enfermagem foi conformando suas práticas e ações respaldadas em normas e rotinas com marcante divisão técnica e social do trabalho com repercussão contundente na construção das relações que se estabelecem na equipe. Trata-se de uma dinâmica em que reverbera um pensamento predominantemente dilemático que, por sua vez, provoca leitura distorcida da realidade, fragmentação de vínculos e reiteração do status quo de uns e de outros, na organização do trabalho(15). Assim, é preciso levar em conta que as memórias e experiências dos profissionais de enfermagem, embora integrem o processo de escolha de chefias à ideia de liderança, ainda fornecem elementos vinculados à solidez da noção de chefe como poder que age vinculado aos interesses do universo reificado(9) - a instituição.

Esta estabilidade relaciona-se à dependência das representações à memória, uma vez que a solidez da memória impede que as representações sofram modificações súbitas, fornecendo-lhes certa dose de independência dos acontecimentos atuais (9). Sendo assim, o enfoque de divisão da equipe de enfermagem dá aos sujeitos a familiaridade necessária para o entendimento do processo de escolha de chefias e exteriorização enquanto representação manifesta na prática.

O sentimento de não pertencimento à equipe (elas/nós; elas/a gente; as enfermeiras/os funcionários) é trazido principalmente na fala dos auxiliares e técnicos de enfermagem. Estes trabalhadores, ao se referirem às enfermeiras, falam de alguém distante, como não integrante daquela equipe. O sentimento de não pertencimento à equipe pode estar indicando uma convicção, por parte dos sujeitos, de não estarem sendo percebidos como importantes pela própria instituição, representada pelas enfermeiras. Também, remete a uma imobilização ou impotência diante da problemática explicitada. Existe um pensar não muito claro sobre como se assumirem no processo de escolha de chefias, constituintes ou constituídos pelo processo?

A discussão sobre o processo de escolha de chefias pode ganhar sentido, também, ao ser interligado ao tema imparcialidade evocado pelos profissionais de enfermagem, na medida em que os discursos dos sujeitos revelam a necessidade do novo chefe movimentar-se de maneira sincronizada e harmônica – tanto quanto possível - entre o grupo de trabalho sob sua coordenação e os objetivos da própria instituição. Da mesma forma, sobressai das entrevistas uma compreensão pautada no pressuposto de que quem pensa pode mais e manda naqueles que sabem menos e, portanto, podem menos. Acena-se aqui o que poderia estar indicando a evocação da palavra conhecimento que surge vinculada à imagem de divisão entre constituintes e constituídos no cotidiano de trabalho, concretizando o que há de abstrato na tensão que se estabelece entre essas categorias profissionais.

Na perspectiva da teoria das representações sociais, conhecimento não tem dono, ou seja, não é privilégio de grupos iluminados de cientistas, pois uma vez disseminado passa a fazer parte das conversas, das discussões de grupos específicos que o interpretam e o reconstroem. Este movimento impede que o conhecimento tenha autoria e que se desprezem as construções elaboradas no cotidiano de trabalho, independente de nível de escolaridade ou da posição hierárquica dos diferentes indivíduos no grupo. Concorda-se que

na maioria das vezes, os indivíduos não têm consciência de sua posição de constituintes (...), daí a importância de estudos que possibilitem trazer para a visibilidade do indivíduo, produtor de representação, sua condição de constituinte e não somente constituído(16).

Entretanto, a palavra mudança, evocada pelos sujeitos, pode estar sugerindo a tomada de consciência da necessidade de rever esta maneira de pensar a construção das relações no grupo.

Retoma-se a noção de liderança que emerge das entrevistas como um forte elemento de ancoragem da representação sobre o processo de escolha de chefias. Contemporaneamente, o conceito de liderança está pautado em estratégias organizacionais orientadas por decisões colegiadas e participativas que democratizem a gestão(4,6,17). Assim, liderança insurgiu nas entrevistas revelando um movimento para a transformação do que hoje está mantido na representação dos profissionais de enfermagem sobre processo de escolha de chefias. O destaque conferido pela noção de liderança revela uma contradição, entre os participantes, ao se relacionar as ideias anteriores de divisão da equipe com a sinalização desses profissionais da existência de equipes em que subjaz um espaço de comunicação e construção mais integrado e cooperativo. Nesses casos, o grupo faz menção a um processo democrático.

É possível perceber uma organização na micro-formalidade de pequenas lideranças que instituem estratégias para a escolha da enfermeira líder de equipe, embora isto não ocorra de forma totalmente consciente. Isto nos remete à existência de várias lideranças informais que, embora não reconhecidas como tal, assumem espaços e descobrem em conjunto com a equipe métodos para assumirem a condição de construtores de saberes que vão modificando as práticas.

É importante mencionar a forte ligação entre liderança e a ideia de confiança, ao falarem do que esperam num líder/chefe. O conceito de confiança desvela um sentimento de cumplicidade que se apresenta como necessidade de escolher alguém que, embora represente, também, os interesses da instituição, assuma um papel de facilitador das relações de trabalho e das relações interpessoais da equipe a qual coordena.

Nesse sentido, aflora o tema humanização. Para os participantes, a liderança necessita estar casada com o respeito ao ser humano, nas suas individualidades na equipe. Parece haver uma mágoa velada que se manifesta na queixa por uma humanização nas relações de trabalho entre líder e liderados, reforçando o sentimento de divisão entre constituídos e constituintes no processo de escolha de chefias.

A valorização por relações pessoais mais próximas, expressas como relações humanizadas, é algo que vem sendo sinalizado em estudos que discutem a temática a partir dos trabalhadores de saúde(18-19). Nessa perspectiva, concorda-se acerca da importância do trabalhador refletir sobre as condições e relações de trabalho e o seu modo de agir e, assim, inserir-se na realidade de uma maneira mais crítica e consciente. Problematizar e concretizar a humanização do ambiente, mais especificamente a partir do trabalhador, implica uma reflexão crítica e dialógica acerca dos princípios e valores que orientam as práticas dos profissionais(19), de modo a assumirem sua condição de sujeitos e agentes de transformação.

Cabe mencionar como limitação do estudo que os resultados até aqui discutidos dizem respeito a um contexto de hospital universitário na esfera pública e explicitam características dos sujeitos e dos grupos que o constitui. Os achados trazem novos elementos para a compreensão do fenômeno em foco, mas necessitam estudos complementares em diferentes cenários os quais guardem nexos com distintas características dos processos de gestão nos serviços de saúde.

CONCLUSÃO

A representação social dos profissionais de enfermagem sobre o processo de escolha de chefias ganha materialidade na imagem social da enfermagem expressa na divisão da equipe. Ao estabelecerem a contradição entre a ideia de serem constituintes e constituídos por esse processo participativo, acionam mecanismos de tensão que influenciam os movimentos desses profissionais. Como as representações não são pensadas pelos indivíduos - não são conscientes - podem estar influenciando comportamentos e atitudes que não significam avanços desejados conscientemente pela equipe para o processo de escolha de chefias, podendo comprometer o caráter participativo e coletivo desse processo.

Os resultados confirmam a permanência de um sentimento de não pertencimento à equipe, indicando um distanciamento entre enfermeiros e auxiliares/técnicos e explicitando um conflito instalado no relacionamento entre esses profissionais. Entretanto percebe-se um forte movimento entre os elementos que ancoram essa imagem de divisão. Este movimento, sustentado principalmente pelo conceito de liderança, acena possíveis transformações nessa representação. Liderança surge associando o processo de escolha de chefias a um espaço de comunicação, propício à integração da equipe e ao reconhecimento de potenciais líderes que sejam capazes de se movimentarem como facilitadores das relações de trabalho e das relações interpessoais da equipe, contribuindo para uma gestão efetivamente participativa.

Também, visualiza-se nessa representação social a existência de um espaço para qualificação do processo atualmente em vigor, trazendo benefícios tanto para o profissional quanto para a instituição. Isto porque, o simbólico não está à parte da organização do processo de escolha de chefias, mas é parte integrante deste último, estruturando as relações entre os grupos de trabalho e destes com a instituição. É nesse sentido que conhecer os conceitos que organizam a representação social de divisão da equipe e sua influência sobre esse processo pode contribuir para explicitar caminhos possíveis pelos quais as mudanças possam ser impulsionadas de forma participativa. Acredita-se que a aproximação dos integrantes das equipes, reduzindo o distanciamento ora percebido que foi sendo construído historicamente na enfermagem, pode favorecer o desenvolvimento dos próprios sujeitos enquanto constituintes do processo. Para a gestão da enfermagem, no hospital, pode conferir maior robustez e consistência ao processo institucional de escolha de chefias de unidade e contribuir para a legitimação deste chefe junto á equipe de enfermagem daquele setor.

Finalizando o presente estudo, pressupõe-se que o olhar sobre a escolha de chefias de enfermagem, à luz da Teoria das Representações Sociais, revela elementos genuínos da natureza humana presentes nos sujeitos participantes deste processo. A discussão acadêmica acerca do fenômeno investigado traz à tona a dinâmica do mundo social existente no interior das organizações formais, onde grupos e sujeitos se constituem e são constituídos, num movimento dinâmico e contínuo, no contexto real da vida.

Recebido: 27/06/2011

Aprovado: 16/02/2012

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  • Correspondência:

    Gisela Maria de Moura Schebella Souto de Moura
    Rua Gen. Ibá Mesquita Ilha Moreira, 180/501 - Bairro Boa Vista
    CEP 91340-190 - Porto Alegre, RS, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      27 Jun 2011
    • Aceito
      16 Fev 2012
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