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Violência, burnout e transtornos psíquicos menores no trabalho hospitalar* * Extraído da tese "Violência no Trabalho em Pronto Socorro: implicações para a saúde mental dos trabalhadores", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011

Resumos

OBJETIVO

Identificar a violência sofrida pelos trabalhadores da equipe de saúde e a sua associação com burnout e transtornos psíquicos menores.

MÉTODO

Estudo transversal, realizado com 269 profissionais da equipe de saúde em hospital público da região sul do Brasil. Na coleta de dados foram utilizados o Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector, Maslach Inventory Burnout e o Self-Report Questionaire.

RESULTADOS

A violência no trabalho acometeu 63,2% dos trabalhadores, prevaleceu no sexo feminino (p=0,001), entre auxiliares/técnicos de enfermagem (p=0,014) e foi associada aos transtornos psíquicos menores (p<0,05), sendo que a exposição a diferentes formas de violência acresceu em 60% as chances desses transtornos (IC95%:1,2-2,1). As três dimensões do burnout também se associaram à violência no trabalho (p<0,05).

CONCLUSÃO

Os trabalhadores de saúde sofrem violência em seu ambiente de trabalho e a essa exposição associam-se os sintomas de burnout e transtornos psíquicos menores.

Violência no Trabalho; Saúde do Trabalhador; Recursos Humanos em Saúde; Recursos Humanos de Enfermagem


OBJECTIVE

Identifying the violence suffered by the health team workers and their association with Burnout and minor psychiatric disorders.

METHODS

Cross-sectional study with 269 health team professionals of a public hospital in southern Brazil. Data were collected through the use of the Survey Questionnaire: Workplace Violence in the Health Sector, Maslach Inventory Burnout and Self-Report Questionnaire.

RESULTS

Workplace violence struck 63.2% of workers, prevailing mostly in women (p = 0.001), among nursing auxiliaries/technicians (p=0.014) and was associated with minor psychiatric disorders (p<0.05), as exposure to different forms of violence increased the chances of these disorders by 60% (CI 95%: 1.2-2.1). The three Burnout dimensions were also associated to violence at work (p<0.05).

CONCLUSION

Health workers experience violence in the workplace and this exposure is associated with Burnout symptoms and minor psychiatric disorders.

Workplace Violence; Occupational Health; Health Manpower; Nursing Staff


OBJETIVO

Identificar la violencia sufrida por los trabajadores del equipo de salud y su asociación con burnout y trastornos psíquicos menores.

MÉTODO

Estudio transversal, realizado con 269 profesionales del equipo de salud en hospital público de la región sur de Brasil. En la recolección de datos se utilizaron el Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector, el Maslach Inventory Burnout y el Self-Report Questionaire.

RESULTADOS

La violencia laboral comprometió al 63,2% de los trabajadores, fue prevalente en el sexo femenino (p=0,001), entre auxiliares/técnicos de enfermería (p=0,014) y estuvo asociada con los trastornos psíquicos menores (p<0,05), siendo que la exposición a distintas formas de violencia añadió en el 60% la probabilidad de ocurrir dichos trastornos (IC95%:1,2-2,1). Las tres dimensiones del burnout también se asociaron con la violencia laboral (p<0,05).

CONCLUSIÓN

Los trabajadores de salud sufren violencia en su ambiente laboral y con esa exposición se asocian los síntomas de burnout y trastornos psíquicos menores.

Violencia Laboral; Salud Laboral; Recursos Humanos en Salud; Personal de Enfermería


Introdução

A violência no trabalho é considerada fenômeno crescente no mundo e um importante problema de saúde pública, sendo o setor da saúde apontado como campo prevalente para a ocorrência de agressões aos trabalhadores(1Organización Internacional del Trabajo; Consejo Internacional de Enfermeras; Organización Mundial de la Salud; Internacional de Servicios Públicos. Directrices marco para afrontar la violencia laboral en el Sector de la Salud [Internet] Ginebra: OIT; 2002 [citado 2014 jun. 27]. Disponíbel en: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---sector/documents/publication/wcms_160911.pdf
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/...
-2Spector PE, Zhou ZE, Che XX. Nurse exposure to physical and nonphysical violence, bullying, and sexual harassment: a quantitative review. Int J Nurs Stud. 2014;51(1):72-84.). Desse modo, a violência no trabalho tem ganhado destaque internacional no âmbito das discussões sobre os desafios relacionados aos recursos humanos em saúde(3Campos AC, Pierantoni CR. Violência no trabalho em saúde: um tema para a cooperação internacional em recursos humanos para a saúde. R Eletr Com Inf Inov Saúde. 2010;4(1):86-92.

Farrell GA, Shafiei T. Workplace aggression, including bullying in nursing and midwifery: a descriptive survey: the SWAB study. Int J Nurs Stud.2012;49(11):1423-31.
-5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.). As prevalências que evidenciam o problema da violência nos serviços de saúde variam de 17 a 94%, e frequentemente ultrapassam 50% dos trabalhadores(2Spector PE, Zhou ZE, Che XX. Nurse exposure to physical and nonphysical violence, bullying, and sexual harassment: a quantitative review. Int J Nurs Stud. 2014;51(1):72-84.

Campos AC, Pierantoni CR. Violência no trabalho em saúde: um tema para a cooperação internacional em recursos humanos para a saúde. R Eletr Com Inf Inov Saúde. 2010;4(1):86-92.

Farrell GA, Shafiei T. Workplace aggression, including bullying in nursing and midwifery: a descriptive survey: the SWAB study. Int J Nurs Stud.2012;49(11):1423-31.

Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.
-6Hahn S, Hantikainen V, Needham I, Kok G, Dassen T, Halfens RJG. Patient and visitor violence in the general hospital, occurrence, staff interventions and consequences: a cross-sectional survey. J Adv Nurs. 2012;68(12):2685-99.).

O potencial para essa exposição pode ser atribuído às características da atividade desempenhada pelos profissionais da saúde, que envolve contato físico constante e interações intensas com as pessoas que recebem os cuidados prestados, seus familiares e acompanhantes(3Campos AC, Pierantoni CR. Violência no trabalho em saúde: um tema para a cooperação internacional em recursos humanos para a saúde. R Eletr Com Inf Inov Saúde. 2010;4(1):86-92.,6Hahn S, Hantikainen V, Needham I, Kok G, Dassen T, Halfens RJG. Patient and visitor violence in the general hospital, occurrence, staff interventions and consequences: a cross-sectional survey. J Adv Nurs. 2012;68(12):2685-99.). Ainda, as condições desfavoráveis para a prestação do serviço podem ser entendidas como entraves geradores de desacordos que facilmente evoluem para agressões entre pacientes e profissionais de saúde, ou entre os próprios profissionais, uma vez que ambos têm infringidas as suas expectativas e seus desejos(7Dal Pai D, Lautert L. Work under urgency and emergency and its relation with the health of nursing professionals. Rev Latino Am Enfermagem. 2008;16(3):439-44.-8Vasconcellos IRR, Abreu AMM, Maia EL. Violência ocupacional sofrida pelos profissionais de enfermagem do serviço de pronto atendimento hospitalar. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):167-75.). Nesse contexto, entende-se a violência no trabalho como agressões que decorrem das relações laborais e que se apresentam sob a forma de ameaças, abusos ou ataques(1Organización Internacional del Trabajo; Consejo Internacional de Enfermeras; Organización Mundial de la Salud; Internacional de Servicios Públicos. Directrices marco para afrontar la violencia laboral en el Sector de la Salud [Internet] Ginebra: OIT; 2002 [citado 2014 jun. 27]. Disponíbel en: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_dialogue/---sector/documents/publication/wcms_160911.pdf
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/...
), tendo sua gênese diretamente relacionada às condições e à organização do trabalho.

No cenário internacional, estudos têm revelado a preocupação com a violência nos serviços de saúde(2Spector PE, Zhou ZE, Che XX. Nurse exposure to physical and nonphysical violence, bullying, and sexual harassment: a quantitative review. Int J Nurs Stud. 2014;51(1):72-84.,5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.-6Hahn S, Hantikainen V, Needham I, Kok G, Dassen T, Halfens RJG. Patient and visitor violence in the general hospital, occurrence, staff interventions and consequences: a cross-sectional survey. J Adv Nurs. 2012;68(12):2685-99.). Entretanto, no Brasil, o problema ainda necessita ser mais estudado(8Vasconcellos IRR, Abreu AMM, Maia EL. Violência ocupacional sofrida pelos profissionais de enfermagem do serviço de pronto atendimento hospitalar. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):167-75.

Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.
-1010 Batista CB, Campos AS, Reis JC, Schall VT. Violência no trabalho em saúde: análise em unidades básicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Trab Educ Saúde. 2011;9(2):295-317.), uma vez que a invisibilidade das ocorrências e de suas consequências contribui para que as agressões sejam tratadas como 'naturais' em muitos ambientes laborais e a magnitude do problema seja subestimada.

As consequências negativas da violência sobre a saúde dos trabalhadores e sobre a assistência prestada têm sido evidenciadas por meio de sintomas de estresse, baixa autoestima e desmotivação das vítimas(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.,1010 Batista CB, Campos AS, Reis JC, Schall VT. Violência no trabalho em saúde: análise em unidades básicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Trab Educ Saúde. 2011;9(2):295-317.

11 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Violência institucional: vivências no cotidiano da equipe de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):84-90.
-1212 Estryn-Behar M, Heijden B, Camerino D, Fry C, Nezet OL, Conway PM, Hasselhorn HM. Violence risks in nursing: esults from the European 'NEXT' Study. Occup Med. 2008;58(2):107-14.). Esses sintomas, que já foram relacionados à exposição de trabalhadores à violência, são característicos do burnout, uma síndrome prevalente em trabalhadores da saúde e caracterizada por altos níveis de exaustão emocional e despersonalização, com baixa realização profissional(1313 Lautert L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm.1997;18(2):133-44.).

Além disso, os transtornos psíquicos menores também têm sido associados às vítimas de violência no trabalho(9Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.), os quais são descritos por sintomas psiquiátricos não psicóticos(1414 Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry [Internet]. 1986 [cited 2014 July 12];148:23-6. Available from: http://bjp.rcpsych.org/content/bjprcpsych/148/1/23.full.pdf
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), como ansiedade, insônia, tristeza, fadiga, esquecimento, dificuldade de concentração, irritabilidade, queixas somáticas e neurastenia. Sendo assim, além do interesse na identificação da violência sofrida por trabalhadores da equipe de saúde, este estudo questionou a sua associação com burnout e transtornos psíquicos menores. Diante do exposto, objetivou-se identificar a violência sofrida pelos trabalhadores da equipe de saúde e a sua associação com burnout e transtornos psíquicos menores.

Método

Estudo de delineamento transversal realizado em um hospital público referência para a assistência ao trauma na região sul do Brasil. Trata-se de serviço que dispõe de 139 leitos e presta mais de 900 atendimentos diários, que se iniciam pelas salas de urgência e emergência e contam com unidades de internação, cirurgia e tratamento intensivo. Seus profissionais atuam em cargo de provimento efetivo e regidos por estatuto municipal.

A amostra do estudo foi composta de 269 sujeitos, definida segundo cálculo amostral sobre a população de 1.025 profissionais da equipe de saúde. O cálculo amostral foi realizado com auxílio do software WinPepi versão 9.4, assumindo nível de confiança de 95%, estimativa de erro de 5%, poder de 80% e prevalência de 50%.

A seleção aleatória dos sujeitos foi realizada por sorteio estratificado segundo a proporcionalidade das categorias profissionais sobre a totalidade de 349 médicos, 103 enfermeiros, 482 auxiliares/técnicos de enfermagem e 91 profissionais de outras categorias da equipe de saúde (assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeutas, odontólogos, nutricionistas e técnicos de radiologia), independentemente de turno de trabalho ou setor. Os sujeitos foram selecionados a partir de uma listagem de funcionários fornecida pelo setor de recursos humanos do hospital e conforme os critérios de inclusão de tempo mínimo de um ano de serviço no hospital e de estar ativo no período da coleta dos dados, ocorrida nos meses de junho a agosto de 2011. As recusas em participar do estudo (n=7) foram substituídas por profissionais da própria categoria, seguindo a mesma modalidade de sorteio.

Para o levantamento dos dados, os participantes responderam a questões que verificavam informações sociodemográficas e laborais. Para avaliar a ocorrência da violência nos últimos 12 meses foi utilizado o Survey Questionnaire Workplace Violence in the Health Sector(1515 Di Martino V. Workplace violence in the health sector - country case studies: Brazil, Bulgarian, Lebanon, Portugal, South Africa, Thailand, plus an additional Australian study: synthesis report [Internet]. Geneva: WHO; 2003 [cited 2014 Oct 22]. Available from: http://www.who.int/violence_injury_prevention/injury/en/WVsynthesisreport.pdf
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), proposto pela Organização Mundial da Saúde, Organização Internacional do Trabalho e de Serviços Públicos e Conselho Internacional de Enfermagem, traduzido e adaptado para a língua portuguesa(1616 Palácios M. Relatório Preliminar de Pesquisa. Violência no trabalho no Setor Saúde - Rio de Janeiro - Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002 [citado 2014 set. 03]. Disponível em: http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesquisa_sobre_Violencia_no_trabalho_Universidade_Federal_RJ.pdf
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). Para os profissionais que também atuavam em outra instituição, foi esclarecido o foco da pesquisa nos episódios de violência ocorridos no local do estudo.

O burnout foi avaliado por meio do Maslach Inventory Burnout (MBI)(1717 Maslach C, Jackson S. The measurement of experienced Burnout. J Occup Behav. 1981;2(1):99-113.), que detecta uma síndrome caracterizada por alta Exaustão Emocional e Despersonalização, com baixa Realização Profissional. Essas dimensões compõe a escala de 22 questões utilizada para identificação do burnout. O MBI foi traduzido para o português e validado no Brasil, com alfa de Cronbach de 0,86 na subescala de desgaste emocional, 0,69 na de despersonalização, e 0,76 na de realização profissional(1313 Lautert L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm.1997;18(2):133-44.).

Para rastrear os Transtornos Psíquicos Menores foi utilizado o Self-Report Questionaire (SRQ-20), recomendado pela Organização Mundial da Saúde e validado para a população brasileira em 1986, apresentando sensibilidade de 83% e especificidade de 80%(1414 Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry [Internet]. 1986 [cited 2014 July 12];148:23-6. Available from: http://bjp.rcpsych.org/content/bjprcpsych/148/1/23.full.pdf
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). O SRQ possui 20 questões que avaliam sintomas psiquiátricos não psicóticos.

Os dados foram codificados e tabulados com auxílio do Microsoft Windows Excel. Para análise estatística utilizou-se o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 18.0. Para as variáveis sociodemográficas e laborais foram calculadas as frequências relativa e absoluta quando categóricas, e medidas de tendência central e dispersão quando contínuas. O fator em estudo (violência no trabalho) foi analisado com categorias dicotômicas (vítimas e não vítimas da violência) e considerado como variável contínua a exposição a diferentes formas de perpetração da violência, física, verbal, moral, racial e/ou sexual.

Os escores do SRQ-20 e as dimensões do MBI foram tratados como variáveis escalares, obtendo-se média e desvio-padrão. O ponto de corte na escala do SRQ-20 foi de sete respostas positivas para ambos os sexos, constituindo-se os grupos com e sem Transtornos Psíquicos Menores(1414 Mari JJ, Williams P. A validity study of a psychiatric screening questionnaire (SRQ-20) in primary care in the city of São Paulo. Br J Psychiatry [Internet]. 1986 [cited 2014 July 12];148:23-6. Available from: http://bjp.rcpsych.org/content/bjprcpsych/148/1/23.full.pdf
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). Para identificação dos níveis (alto, moderado e baixo) das dimensões do burnout, foram selecionados os escores superiores ou iguais ao percentil 75 nas subescalas de Exaustão Emocional e Despersonalização, e o percentil até 25 na subescala Realização Profissional. O burnout como variável categórica (sim e não) foi constatada nos sujeitos com alta Exaustão Emocional e Despersonalização e baixa Realização Profissional(1313 Lautert L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm.1997;18(2):133-44.).

Foram verificadas associações entre os grupos por meio do teste qui-quadrado. As diferenças entre médias nos escores do MBI e SRQ-20 foram analisadas por meio do Teste T (para variáveis com distribuição normal) e teste de Mann-Whitney (para variáveis com distribuição assimétrica). As correlações com a exposição a diferentes formas de violência foram realizadas por meio do Spearman e Kruskal-Wallis.

Na análise de regressão logística múltipla, verificou-se primeiramente a influência das variáveis independentes sobre os desfechos (burnout e Transtornos Psíquicos Menores), a fim de serem selecionadas as variáveis com p<0,15 para serem incluídas no modelo analítico. Para a interpretação dos resultados, consideraram-se estatisticamente significativos os valores de p≤0,05 nas análises de regressão múltipla de Poisson (Transtornos Psíquicos Menores) e regressão linear múltipla (Dimensões do burnout).

O estudo desenvolvido atendeu às prerrogativas éticas da pesquisa envolvendo seres humanos, conforme Resolução 196, de 1996, do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, sob o número 001.014667.11.8. Todos os sujeitos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.

Resultados

O estudo foi realizado com 269 trabalhadores da saúde, dentre os quais 157 (58,4%) eram do sexo feminino, com média de 49 (+7,4) anos de idade, possuíam companheiros (63,9%, n=172), mediana de dois (1-2) filhos, escolaridade mediana de 17 (14-21) anos de estudo, com experiência profissional média de 24,8 (+7,8) anos de atuação na área da saúde e 16,2 (+7,7) anos na instituição.

Em relação à categoria profissional, a amostra foi composta por 122 (45,4%) auxiliares/técnicos de enfermagem, 27 (10%) enfermeiros, 90 (33,5%) médicos e 30 (11,1%) profissionais de outras categorias da saúde. A maioria atuava em unidades críticas (44,2%, n=119), como unidades de tratamento intensivo e bloco cirúrgico, seguidos pelas salas de urgências e emergências (21,9%, n=59), unidades de internação (17,8%, n=48) e outros setores (16%, n=43), nos quais estavam incluídas as unidades de banco de sangue, radiologia, fisioterapia, psicologia e serviço social.

A distribuição da amostra quanto ao turno de trabalho revelou que 39,4% (n=106) dos participantes atuavam no período diurno e 27,9% (n=75) no noturno. O regime de plantão (com períodos que incluem dia e noite) foi referido por 32,7% (n=88) da amostra. A carga horária semanal dos trabalhadores teve mediana de 40 (30-40) horas semanais. A maioria dos sujeitos (63,2%, n=170) referiu não trabalhar em outra instituição e 8,9% (n=24) dos trabalhadores possuíam algum cargo de chefia.

Na amostra, 63,2% (n=170) dos sujeitos foram expostos a situações de violência, com prevalência de vítimas mulheres (p=0,001), mais jovens (p=0,044), de menor escolaridade (p=0,036) e pertencentes à categoria profissional de auxiliares/técnicos de enfermagem (p=0,014) (Tabela 1). Dentre as vítimas, foi possível verificar que 35% (n=94) sofreram um tipo de violência, ao passo que 28,2% (n=76) da amostra foi exposta a duas ou mais formas de perpetração da violência no trabalho.

Tabela 1
Distribuição dos trabalhadores expostos e não expostos à violência no trabalho, segundo características sociodemográficas e laborais - Porto Alegre, RS, Brasil, 2011.

Foram identificados 46 (17,1%) trabalhadores com Transtornos Psíquicos Menores (TPM), dentre os quais 38 (82,6%) relataram exposição à violência (p=0,003) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos trabalhadores segundo a presença de Transtornos Psíquicos Menores e escores do SRQ-20 segundo amostra total, vítimas da violência e a exposição a diferentes formas de violência sofrida no trabalho - Porto Alegre, RS, Brasil, 2011

Na mesma tabela pode ser vista a correlação significativa entre os TPM e a exposição a múltiplas formas de violência. A partir da seleção das variáveis laborais e sociodemográficas associadas aos TPM, a força da associação foi analisada por meio do Modelo de Regressão de Poisson (Tabela 3).

Tabela 3
Modelo de regressão de Poisson para variáveis associadas aos Transtornos Psíquicos Menores - Porto Alegre, RS, Brasil, 2011

A partir da razão de prevalência foi possível constatar que a exposição a diferentes formas de perpetração da violência acresceu em 60% as chances desses transtornos (IC95%:1,2-2,1).

A aplicação do MBI constatou o burnout em 18 (6,7%) trabalhadores, dentre os quais 13 haviam sofrido violência no trabalho (p=0,411). Os altos níveis de exaustão emocional, baixa realização profissional e alta despersonalização associaram-se à violência (Tabela 4).

Tabela 4
Distribuição das médias e níveis das dimensões do burnout, bem como da Síndrome de burnout, segundo a exposição dos trabalhadores à violência e a diferentes formas de violência. Porto Alegre, RS, Brasil, 2011

A partir da seleção das variáveis sociodemográficas e laborais associadas a cada uma das dimensões que compõe o burnout, fez-se regressão linear (Tabela 5).

Tabela 5
Modelo de regressão linear múltipla para as dimensões do burnout - Porto Alegre, RS, Brasil, 2011

Sobre as variáveis de influência das dimensões do Burnout, destaca-se a correlação entre a exposição aumentada às diferentes formas de perpetração da violência e a Exaustão Emocional (p=0,003), sendo que a cada acréscimo no tipo de violência que o trabalhador sofre, aumentam em dois pontos as médias dessa dimensão. A violência no trabalho não permaneceu no modelo final de regressão da Realização Profissional. A exposição aumentada a diferentes formas de perpetração da violência no trabalho foi variável correlacionada à Despersonalização (p=0,003).

Discussão

O percentual de vítimas da violência no trabalho (63,2%) supera as estatísticas de estudos que utilizaram a mesma estratégia de inquérito em serviços de saúde da Bahia(1818 Silva IV, Aquino EML, Pinto ICM. Violência no trabalho em saúde: a experiência de servidores estaduais da saúde no Estado da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(10):2112-22.), do Rio de Janeiro (46,7%) e em países como Portugal (37%), Tailândia (54%) e África do Sul (61%)(1515 Di Martino V. Workplace violence in the health sector - country case studies: Brazil, Bulgarian, Lebanon, Portugal, South Africa, Thailand, plus an additional Australian study: synthesis report [Internet]. Geneva: WHO; 2003 [cited 2014 Oct 22]. Available from: http://www.who.int/violence_injury_prevention/injury/en/WVsynthesisreport.pdf
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). Contudo, foi inferior à prevalência na Austrália (67,2%) e Bulgária (75,8%)(1515 Di Martino V. Workplace violence in the health sector - country case studies: Brazil, Bulgarian, Lebanon, Portugal, South Africa, Thailand, plus an additional Australian study: synthesis report [Internet]. Geneva: WHO; 2003 [cited 2014 Oct 22]. Available from: http://www.who.int/violence_injury_prevention/injury/en/WVsynthesisreport.pdf
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).

Na Austrália, outro estudo identificou que 52% dos profissionais de saúde foram vítimas de algum tipo de violência no trabalho nas últimas quatro semanas(4Farrell GA, Shafiei T. Workplace aggression, including bullying in nursing and midwifery: a descriptive survey: the SWAB study. Int J Nurs Stud.2012;49(11):1423-31.). Achado semelhante foi visto em hospital geral universitário suíço, com 50% de violência nos últimos 12 meses e 11% na última semana(6Hahn S, Hantikainen V, Needham I, Kok G, Dassen T, Halfens RJG. Patient and visitor violence in the general hospital, occurrence, staff interventions and consequences: a cross-sectional survey. J Adv Nurs. 2012;68(12):2685-99.). Esses dados revelam a prevalência de vítimas em período recente, caracterizando a violência no trabalho como um fenômeno pertencente ao cotidiano laboral. Estudos brasileiros têm identificado prevalências de 25 a 65% para algum tipo de violência nos últimos 12 meses(9Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.,1818 Silva IV, Aquino EML, Pinto ICM. Violência no trabalho em saúde: a experiência de servidores estaduais da saúde no Estado da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(10):2112-22.).

Houve prevalência da categoria de auxiliar/técnico de enfermagem entre as vítimas da violência no cenário do estudo, bem como predominaram trabalhadores de menor escolaridade entre as vítimas, reforçando a maior exposição dos profissionais de enfermagem com nível médio neste estudo. Estudos brasileiros já destacaram a exposição desses profissionais(1616 Palácios M. Relatório Preliminar de Pesquisa. Violência no trabalho no Setor Saúde - Rio de Janeiro - Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002 [citado 2014 set. 03]. Disponível em: http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesquisa_sobre_Violencia_no_trabalho_Universidade_Federal_RJ.pdf
http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesq...
,1818 Silva IV, Aquino EML, Pinto ICM. Violência no trabalho em saúde: a experiência de servidores estaduais da saúde no Estado da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(10):2112-22.).

Alguns autores afirmam que a enfermagem esteja mais exposta à violência tanto pelo perfil das suas atividades de cuidado direto ao paciente(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.-6Hahn S, Hantikainen V, Needham I, Kok G, Dassen T, Halfens RJG. Patient and visitor violence in the general hospital, occurrence, staff interventions and consequences: a cross-sectional survey. J Adv Nurs. 2012;68(12):2685-99.,1111 Santos AMR, Soares JCN, Nogueira LF, Araújo NA, Mesquita GV, Leal CFS. Violência institucional: vivências no cotidiano da equipe de enfermagem. Rev Bras Enferm. 2011;64(1):84-90.) quanto pelo predomínio de trabalhadoras mulheres(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.), colocando em relevo a implicação do gênero como agravante. Estudo longitudinal apontou a exposição de enfermeiras à violência de gênero, encontrando, nessa classe, risco aumentado à violência devido à sobreposição de agressões do trabalho com a violência doméstica, com acréscimo nas chances de estresse e depressão(1919 Cavanaugh C, Campbell J, Messing JT. A longitudinal study of the impact of cumulative violence victimization on comorbid posttraumatic stress and depression among female nurses and nursing personnel. Workplace Health Saf. 2014;62(6):224-32.). A implicação do gênero sobre a compreensão da violência deve considerar a histórica desigualdade cultural e econômica entre os sexos, na qual mulheres se encontram em condições desfavoráveis. A distribuição maior do sexo feminino no grupo de trabalhadores exposto à violência ocupacional tem sido recorrente no setor da saúde(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.,9Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.,1212 Estryn-Behar M, Heijden B, Camerino D, Fry C, Nezet OL, Conway PM, Hasselhorn HM. Violence risks in nursing: esults from the European 'NEXT' Study. Occup Med. 2008;58(2):107-14.).

Trabalhadores vítimas de violência no último ano apresentaram médias de idade menores que os não expostos à violência no último ano, reforçando achados de outros estudos(5,9,12,18,20-21). Este resultado pode ser explicado pela perspectiva de que profissionais mais jovens possuem menor experiência no desenvolvimento das atividades laborais e, por isso, teriam menos habilidades para prevenir as agressões. Contudo, as diferenças relacionadas ao tempo de atuação profissional não reforçam essa constatação.

A exposição de trabalhadores de saúde à violência no trabalho tem sido associada às maiores cargas horárias no labor(1212 Estryn-Behar M, Heijden B, Camerino D, Fry C, Nezet OL, Conway PM, Hasselhorn HM. Violence risks in nursing: esults from the European 'NEXT' Study. Occup Med. 2008;58(2):107-14.,2020 Gillespie GL, Gates DM, Miller M, Howard PH. Workplace violence in healthcare settings: risk factors and protective strategies. Rehabil Nurs. 2010;35(5):177-84.), conforme resultados deste estudo. Além de se considerar que o aumento dos episódios decorre do acréscimo no tempo de exposição ao fenômeno, cabe a consideração da possibilidade da sobrecarga repercutir em comportamentos que adicionem riscos, como menor atenção ou maior irritabilidade. Outros estudos brasileiros(9Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.,1616 Palácios M. Relatório Preliminar de Pesquisa. Violência no trabalho no Setor Saúde - Rio de Janeiro - Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002 [citado 2014 set. 03]. Disponível em: http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesquisa_sobre_Violencia_no_trabalho_Universidade_Federal_RJ.pdf
http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesq...
) descrevem a precarização dos contratos de trabalho como aspecto que incide sobre a vulnerabilidade dos trabalhadores.

O turno de trabalho das vítimas não teve prevalência significativa. Esse achado se difere de outros estudos(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.,1212 Estryn-Behar M, Heijden B, Camerino D, Fry C, Nezet OL, Conway PM, Hasselhorn HM. Violence risks in nursing: esults from the European 'NEXT' Study. Occup Med. 2008;58(2):107-14.,1616 Palácios M. Relatório Preliminar de Pesquisa. Violência no trabalho no Setor Saúde - Rio de Janeiro - Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002 [citado 2014 set. 03]. Disponível em: http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesquisa_sobre_Violencia_no_trabalho_Universidade_Federal_RJ.pdf
http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesq...
,2020 Gillespie GL, Gates DM, Miller M, Howard PH. Workplace violence in healthcare settings: risk factors and protective strategies. Rehabil Nurs. 2010;35(5):177-84.), os quais apontaram maior exposição dos profissionais no trabalho noturno.

A violência no trabalho pode repercutir sobre diferentes aspectos da vida laboral, sendo destacado neste estudo a sua relação negativa sobre a satisfação e o reconhecimento no trabalho. Outros estudos apontaram associação com a insatisfação do trabalhador(9Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.-1010 Batista CB, Campos AS, Reis JC, Schall VT. Violência no trabalho em saúde: análise em unidades básicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Trab Educ Saúde. 2011;9(2):295-317.), desmotivação com o trabalho(1010 Batista CB, Campos AS, Reis JC, Schall VT. Violência no trabalho em saúde: análise em unidades básicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Trab Educ Saúde. 2011;9(2):295-317.), diminuição do comprometimento profissional(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.), prejuízos ao trabalho em equipe, vivências de trabalho sob pressão e sobrecarga física(1212 Estryn-Behar M, Heijden B, Camerino D, Fry C, Nezet OL, Conway PM, Hasselhorn HM. Violence risks in nursing: esults from the European 'NEXT' Study. Occup Med. 2008;58(2):107-14.).

Estudo também apontou a interferência da violência sobre os eventos adversos na assistência de enfermagem(2222 Roche M, Diers D, Duffield C, Catling-Paull C. Violence toward nurses, the work environment, and patient outcomes. J Nurs Scholarsh. 2010;42(1):13-22.). Todavia, não foram encontradas pesquisas que confirmem os dados desta investigação sobre a prevalência de acidentes ocupacionais entre trabalhadores expostos à violência, mas se compreende os acidentes como representações dos prejuízos emocionais e cognitivos trazidos pela vivência da violência.

A violência no trabalho foi associada com as ausências do trabalhador, complementando achados da literatura que indicam o fenômeno como causa de afastamentos(3Campos AC, Pierantoni CR. Violência no trabalho em saúde: um tema para a cooperação internacional em recursos humanos para a saúde. R Eletr Com Inf Inov Saúde. 2010;4(1):86-92.,9Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.). No entanto, salienta-se que, além da subnotificação da violência nos serviços de saúde(8Vasconcellos IRR, Abreu AMM, Maia EL. Violência ocupacional sofrida pelos profissionais de enfermagem do serviço de pronto atendimento hospitalar. Rev Gaúcha Enferm. 2012;33(2):167-75.), ela não tem sido registrada como causa de afastamento, o que pode ser decorrente de certa naturalização da mesma nos serviços de saúde.

As vítimas da violência no trabalho têm se preocupado com esta temática(1010 Batista CB, Campos AS, Reis JC, Schall VT. Violência no trabalho em saúde: análise em unidades básicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Trab Educ Saúde. 2011;9(2):295-317.,1616 Palácios M. Relatório Preliminar de Pesquisa. Violência no trabalho no Setor Saúde - Rio de Janeiro - Brasil [Internet]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2002 [citado 2014 set. 03]. Disponível em: http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/pesquisa_sobre_Violencia_no_trabalho_Universidade_Federal_RJ.pdf
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), o que está atrelado ao desgosto da sua experimentação e às consequências sobre a segurança no trabalho. Vítimas de violência no trabalho têm experimentado sentimentos de medo e insegurança(1010 Batista CB, Campos AS, Reis JC, Schall VT. Violência no trabalho em saúde: análise em unidades básicas de saúde de Belo Horizonte, Minas Gerais. Trab Educ Saúde. 2011;9(2):295-317.), sugerindo prejuízos à saúde do trabalhador.

Nessa direção, os resultados deste estudo apontam a associação entre a vivência da violência e a prevalência dos TPM, corroborando outros achados(9Vasconcellos IRR, Griep RH, Lisboa MTL, Rotenberg L. Violence in daily hospital nursing work. Acta Paul Enferm. 2012;25(n.spe2):40-7.). A análise de regressão permitiu destacar que a exposição a diferentes formas de perpetração da violência é fator de elevadas chances para os TPM, o que confirma dados de outros estudos acerca da influência negativa da exposição a mais tipos de violência sobre a saúde mental dos trabalhadores(1919 Cavanaugh C, Campbell J, Messing JT. A longitudinal study of the impact of cumulative violence victimization on comorbid posttraumatic stress and depression among female nurses and nursing personnel. Workplace Health Saf. 2014;62(6):224-32.,2323 Bernaldo-De-Quirós M, Piccini AT, Gómez MM, Cerdeira JC. Psychological consequences of aggression in pre-hospital emergency care: cross sectional survey. Int J Nurs Stud.2015;52(1):260-70.).

A associação entre a violência no trabalho e a depressão, ansiedade e distúrbios do estresse pós-traumático já tem sido discutida(2424 Gates DM, Gillespie GL, Succop P. Violence against nurses and its impact on stress and productivity. Nurs Econ. 2011;29(2):59-66.). Além desses agravos, sentimentos como tristeza, raiva, choque, confusão e vergonha foram associados à violência no trabalho(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.).

Estudo longitudinal realizado com 176 enfermeiros de dois hospitais americanos revelou efeitos da exposição à violência física sobre a saúde, na forma de sintomas somáticos e danos musculoesqueléticos(2525 Yang LQ, Spector PE, Chang CH, Gallant-Roman M, Powell J. Psychosocial precursors and physical consequences of workplace violence towards nurses: a longitudinal examination with naturally occurring groups in hospital settings. Int J Nurs Stud. 2012;49(9):1091-102.). Outro apontou que a violência sofrida por trabalhadores hospitalares pode levar ao aumento do uso de drogas psicotrópicas, particularmente antidepressivos, mas também ansiolíticos(2626 Dement JM, Lipscomb HJ, Schoenfisch AL, Pompeii LA. Impact of hospital type II violent events: use of psychotropic drugs and mental health services. Am J Ind Med. 2014;57(6):627-39.).

No que tange ao burnout, mensurada por meio do MBI, os dados deste estudo demonstraram que a Exaustão Emocional e a Despersonalização foram maiores para as vítimas de violência, assim como as três dimensões da escala apresentaram associação com a violência no trabalho. Corroborando com estes dados, estudo realizado com enfermeiros de 11 hospitais públicos espanhóis constatou que a maior exposição à violência no trabalho associa-se à maior exaustão emocional e despersonalização, bem como o menor nível de bem-estar psicológico(2727 Waschgler K, Ruiz-Hernández JA, Llor-Esteban B, García-Izquierdo M. Patients' aggressive behaviours towards nurses: development and psychometric properties of the hospital aggressive behaviour scale-users. J Adv Nurs. 2013;69(6):1418-27.). Outro estudo espanhol confirma a associação da violência com as dimensões de exaustão emocional e despersonalização(2323 Bernaldo-De-Quirós M, Piccini AT, Gómez MM, Cerdeira JC. Psychological consequences of aggression in pre-hospital emergency care: cross sectional survey. Int J Nurs Stud.2015;52(1):260-70.). Investigação realizada com enfermeiros de 10 países europeus mostrou que as maiores frequências de violência se associaram a níveis mais elevados de burnout (1212 Estryn-Behar M, Heijden B, Camerino D, Fry C, Nezet OL, Conway PM, Hasselhorn HM. Violence risks in nursing: esults from the European 'NEXT' Study. Occup Med. 2008;58(2):107-14.), o que também foi concluído em revisão sistemática(5Edward KL, Ousey K, Warelow P, Lui S. Nursing and aggression in the workplace: a systematic review. Br J Nurs. 2014;23(12):653-4.).

Conclusão

Os trabalhadores de saúde sofrem violência em seu ambiente de trabalho e a essa exposição associam-se os sintomas de burnout e transtornos psíquicos menores. Trabalhadores submetidos a diferentes formas de perpetração da violência experimentam ainda mais esses agravos.

Dentre as vítimas, houve predomínio de mulheres, trabalhadores mais jovens, com maior carga horária e menor escolaridade, que atuam como auxiliar/técnico de enfermagem. Além dos sintomas de burnout e de transtornos psíquicos menores, os malefícios da violência se revelaram atrelados às intercorrências típicas do trabalho, como acidentes e o absenteísmo, refletindo a complexidade de elementos implicados no sofrimento e no adoecimento dos trabalhadores. A exposição à violência também repercute de forma negativa sobre a satisfação e o reconhecimento do trabalhador.

Esses resultados trazem implicações para o campo de estudos e práticas em saúde do trabalhador, revelando a necessidade de medidas protetivas sobre a ocorrência da violência e seus danos à saúde mental dos profissionais da equipe de saúde, especialmente da enfermagem. É necessário investir em sistemas de monitoramento dos episódios a fim de identificar medidas que contenham agressores e acompanhem as vítimas, minimizando os prejuízos da violência. Deve-se levar a temática às pautas institucionais, buscando a compreensão de sua gênese e investindo na cultura de tolerância nula à violência no trabalho.

No que tange às limitações do estudo, deve ser considerado o viés da causalidade reversa, entre as variáveis, fator em estudo e desfechos. Diante dessas especulações, percebe-se a necessidade de estudos adicionais, com indicação de desenhos longitudinais e que busquem maiores evidências relacionadas à saúde e segurança do trabalhador e aos impactos sobre a assistência aos pacientes.

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    Extraído da tese "Violência no Trabalho em Pronto Socorro: implicações para a saúde mental dos trabalhadores", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2011

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2014
  • Aceito
    10 Fev 2015
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