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Crianças e adolescentes renais crônicos em espaço educativo-terapêutico: subsídios para o cuidado cultural de enfermagem

Niños y adolescentes renales crónicos en espacio educativo-terapéutico: ayudas para el cuidado cultural de enfermería

Resumos

Trata-se de estudo qualitativo na abordagem etnográfica, cujos objetivos foram compreender como crianças e adolescentes com doença renal crônica vivenciam o adoecimento e a terapêutica e descrever o cuidado educativo-terapêutico no enfoque da enfermagem transcultural. Participaram onze sujeitos em tratamento dialítico. As fases da pesquisa seguiram o modelo observação-participação-reflexão complementado com a entrevista. A análise foi orientada pelas quatro fases do guia da etnoenfermagem, emergindo as categorias: convivência com a insuficiência renal e mudanças no cotidiano; ambiente hospitalar e atividades educativo-terapêuticas, as quais mostram desconfortos e dificuldades em várias dimensões da vida de certa forma compensados pelo ambiente terapêutico e oferta de lazer. O cuidar culturalmente congruente foi entendido como uma ação intencional construída pela interação entre os saberes científicos e a valorização dos saberes culturais das crianças e adolescentes e de suas famílias

Criança; Adolescente; Insuficiência renal crônica; Enfermagem transcultural; Cuidados de enfermagem


Estudio cualitativo de abordaje etnográfico que objetivó comprender el modo en que niños y adolescentes con enfermedad renal crónica experimentan el padecimiento y la terapéutica, y describir el cuidado educativo-terapéutico en el enfoque de enfermería transcultural. Participaron 11 sujetos en tratamiento dialítico. Las fases de la investigación siguieron el modelo observación-participación-reflexión, complementado con entrevista. El análisis se orientó por las cuatro fases guía de la etnoenfermería, emergiendo las categorías: convivencia con la insuficiencia renal y cambios en el cotidiano; ambiente hospitalario y actividades educativo-terapéuticas, las cuales mostraron incomodidades y dificultades en varias dimensiones de la vida, en cierto grado compensadas por el ambiente terapéutico y la oferta de recreación. El cuidado culturalmente congruente se interpretó como acción intencional construida por la interacción entre los conocimientos científicos y la valorización de los conocimientos culturales de los niños y adolescentes y de sus familias.

Niño; Adolescente; Insuficiencia renal crónica; Enfermería transcultural; Atención de enfermería


This qualitative study was performed using an ethnographic approach, with the objective to understand how children and adolescents with chronic kidney disease experience their disease and treatment, and describe the educational-therapeutic care from the perspective of transcultural nursing. Participants were eleven subjects undergoing dialysis treatment. The study phases followed the observation-participation-reflection model, complemented by interviews. The analysis was guided by the four phases of the ethnonursing guide, revealing the following categories: living with kidney failure and changes in everyday life; and the hospital environment and educational-therapeutic activities, which show the discomforts and difficulties that impact several dimensions of life, somewhat compensated by the therapeutic environment and the opportunity for leisure. Culturally consistent care was understood as an intentional intervention constructed by the interaction between scientific knowledge and the valorization of the cultural knowledge of children and adolescents and their families.

Child; Adolescent; Renal insufficiency, chronic; Transcultural nursing; Nursing care


ARTIGO ORIGINAL

Crianças e adolescentes renais crônicos em espaço educativo-terapêutico: subsídios para o cuidado cultural de enfermagem* * Extraído da dissertação "Vivências de crianças e adolescentes com doença renal crônica: aproximações com o cuidado cultural", Universidade Estadual do Ceará, 2010.

Niños y adolescentes renales crónicos en espacio educativo-terapéutico: ayudas para el cuidado cultural de enfermería

Viviane Peixoto dos Santos PennafortI; Maria Veraci Oliveira QueirozII; Maria Salete Bessa JorgeIII

IEnfermeira. Mestre em Cuidados Clínicos. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Saúde e Enfermagem da Universidade Estadual do Ceará. Professora Substituta da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil, vivipspf@yahoo.com.br

IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Docente do Curso de Mestrado Acadêmico em Cuidados Clínicos em Saúde e Mestrado Profissional em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, CE, Brasil. Pesquisadora do CNPq, veracioq@hotmail.com

IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Coordenadora do Curso de Doutorado em Saúde Coletiva da Universidade Estadual/Universidade Federal do Ceará. Pesquisadora do CNPq. Fortaleza, CE, Brasil, masabejo@uece

Correspondência Correspondência: Viviane Peixoto dos Santos Pennafort Rua Clóvis Meton, 189, Jardim Cearense CEP 60712092 – Fortaleza, CE, Brasil

RESUMO

Trata-se de estudo qualitativo na abordagem etnográfica, cujos objetivos foram compreender como crianças e adolescentes com doença renal crônica vivenciam o adoecimento e a terapêutica e descrever o cuidado educativo-terapêutico no enfoque da enfermagem transcultural. Participaram onze sujeitos em tratamento dialítico. As fases da pesquisa seguiram o modelo observação-participação-reflexão complementado com a entrevista. A análise foi orientada pelas quatro fases do guia da etnoenfermagem, emergindo as categorias: convivência com a insuficiência renal e mudanças no cotidiano; ambiente hospitalar e atividades educativo-terapêuticas, as quais mostram desconfortos e dificuldades em várias dimensões da vida de certa forma compensados pelo ambiente terapêutico e oferta de lazer. O cuidar culturalmente congruente foi entendido como uma ação intencional construída pela interação entre os saberes científicos e a valorização dos saberes culturais das crianças e adolescentes e de suas famílias

Descritores: Criança. Adolescente. Insuficiência renal crônica. Enfermagem transcultural. Cuidados de enfermagem.

RESUMEN

Estudio cualitativo de abordaje etnográfico que objetivó comprender el modo en que niños y adolescentes con enfermedad renal crónica experimentan el padecimiento y la terapéutica, y describir el cuidado educativo-terapéutico en el enfoque de enfermería transcultural. Participaron 11 sujetos en tratamiento dialítico. Las fases de la investigación siguieron el modelo observación-participación-reflexión, complementado con entrevista. El análisis se orientó por las cuatro fases guía de la etnoenfermería, emergiendo las categorías: convivencia con la insuficiencia renal y cambios en el cotidiano; ambiente hospitalario y actividades educativo-terapéuticas, las cuales mostraron incomodidades y dificultades en varias dimensiones de la vida, en cierto grado compensadas por el ambiente terapéutico y la oferta de recreación. El cuidado culturalmente congruente se interpretó como acción intencional construida por la interacción entre los conocimientos científicos y la valorización de los conocimientos culturales de los niños y adolescentes y de sus familias.

Descriptores: Niño. Adolescente. Insuficiencia renal crónica. Enfermería transcultural. Atención de enfermería.

INTRODUÇÃO

A Insuficiência Renal Crônica (IRC), geralmente, desenvolve-se após a injúria renal, seguida de perda lenta, progressiva e irreversível da função renal. O diagnóstico baseia-se na identificação dos grupos de risco, presença de microalbuminúria, proteinúria, hematúria e na redução do ritmo de filtração glomerular, avaliado por um teste laboratorial chamado clearance de creatinina sérica(1).

Em relação à doença renal na infância, os primeiros registros datam do século XIX, com a Púrpura de Henoch-Schõnlein, a extrofia da bexiga e as nefrites. Já no século XX ocorreu o nascimento, desenvolvimento e estabelecimento da Nefrologia Pediátrica como especialidade(2).

Nesse contexto, observou-se que a incidência de Insuficiência Renal Crônica Terminal (IRCT) em crianças e adolescentes em tratamento dialítico nos Estados Unidos, em um estudo de coorte realizado em 2003, foi de 15 pacientes por um milhão de habitantes, semelhante aos países europeus com 15,5(2).

No mundo, cerca de um milhão e duzentos mil pessoas sobrevivem sob tratamento hemodialítico. No Brasil, são aproximadamente 70.872 pacientes, dos quais 90,7% estão em tratamento hemodialítico e 9,3% em diálise peritoneal, e ainda, 1,5% corresponde a pacientes com idade inferior a 18 anos. A etiologia e a incidência da insuficiência renal crônica variam em função da idade. Em crianças antes dos cinco anos, as causas mais frequentes são as malformações (congênitas) do trato urinário, enquanto na faixa etária de cinco a 15 anos prevalecem as doenças renais adquiridas e hereditárias(3).

Apesar da incidência e prevalência aparentemente baixas, essa população demanda extensivos cuidados de assistência e de materiais, além de medicamentos onerosos para o Estado, especialmente quando em tratamento dialítico ou após transplante renal(4).

A doença renal crônica possui uma dimensão permeada de significados na vida da criança e do adolescente que se manifestam no decorrer da hospitalização e outras etapas do tratamento. A criança percebe a gravidade da sua doença crônica e conhece os procedimentos realizados e os efeitos colaterais de alguns medicamentos, procurando entendê-los e justificá-los(5).

No contexto do cuidado hospitalar, é fundamental que a enfermagem compreenda que as rotinas rígidas e os procedimentos extremamente dolorosos isolam e amedrontam crianças e adolescentes de maneira diferentes, pois as ocorrências dificultam a participação ativa na terapêutica. Desse modo, os enfermeiros devem articular conhecimentos que permitam o cuidado por meio de atividades de domínio afetivo e cognitivo que contemplem a subjetividade através de práticas terapêutico-educativas e interação profissional-usuário.

A educação em saúde é uma estratégia que permite esta abordagem e implica em princípios educativos que possibilitem compreender a realidade cotidiana dos usuários, ou seja, uma compreensão do ser humano em suas variadas dimensões e não apenas no aspecto biológico, condição mais valorizada na atuação profissional(6).

Ações educativas pressupõem-se um caminho inovador que produz atitudes conscientes e intencionais das pessoas envolvidas, além da valorização e do reconhecimento do exercício de cidadania. Para tanto, faz-se necessário incorporar o conhecimento dos sujeitos no processo de aprendizagem(7).

Oferecer oportunidades para que a criança possa se expressar, a fim de tornar o sofrimento suportável, é obrigação da enfermagem(8). Nesse sentido, é imprescindível que haja uma articulação entre a história do sujeito e sua constituição subjetiva como ser de linguagem. Portanto, as intervenções de enfermagem extrapolam seu caráter instrumental e perpassam por uma articulação do conhecimento profissional com o popular do usuário por meio da escuta e participação ativa dos sujeitos envolvidos.

Ao investigar, utilizando-se da abordagem cultural, na enfermagem, tem-se a Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural, que pressupõe a saúde entendida em uma concepção subjetiva ou objetiva da percepção do corpo e sua interação com a realidade vivida, que influencia os sujeitos ou os grupos nas decisões sobre o seu cuidado. O desenvolvimento da teoria manifesta que o cuidado à saúde é exercido por meio de dois sistemas, o popular e o profissional. O sistema popular de cuidado é considerado como o sistema local, das tradições, em que se inclui a família ou a comunidade. O sistema profissional de cura e cuidado é desenvolvido nos serviços especializados realizados por profissionais nas instituições. A saúde nestes sistemas é um estado percebido ou cognitivo de bem-estar, que capacita o indivíduo ou grupo a efetuar as atividades, segundo os padrões desejados em determinada cultura(9).

No contexto da enfermagem em Nefrologia, as ações e os cuidados dispensados às pessoas com doença renal e suas famílias ainda são escassos, assim como os trabalhos que consideram suas vivências, ante a experiência da doença crônica. Pondera-se que o enfermeiro ignora o fato de que as crenças surgem com base nos significados elaborados pelo paciente e sua família sobre a doença crônica e que estas influenciam as decisões tomadas, as ações e os comportamentos adotados, o que resulta em constantes imposições de formas de cuidar desvinculadas daquilo que as famílias acreditam e adotam(10).

Logo, é válido lembrar que o processo saúde-doença dos indivíduos, familiares e grupos é influenciado pela cultura. O enfermeiro deve, portanto, analisar o contexto cultural em que se encontra o paciente e perceber se o cuidado profissional se aproxima do cuidado familiar. Desta forma, o profissional estará cuidando, considerando a cultura do cliente(9).

Acredita-se que estudos sobre as experiências da doença e da hospitalização trazem subsídios para o cuidado cultural. Nesse sentido, os pressupostos teórico-filosóficos, descritos na Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural, pautados na Antropologia cultural, oferecem fundamentos importantes para a investigação dessas experiências, dando suporte para o cuidado de enfermagem prestado às crianças e aos adolescentes com insuficiência renal crônica.

Em vista do contexto aduzido, o estudo buscou desvelar o cotidiano de crianças e adolescentes renais crônicos em tratamento dialítico, no contexto cultural. Essa abordagem tem relevância no campo assistencial e educativo, e poderá subsidiar ações que se aproximem às necessidades dessa clientela.

Para desenvolver a pesquisa, delinearam-se os seguintes objetivos: compreender como crianças e adolescentes com doença renal crônica vivenciam o adoecimento e a terapêutica, e descrever as ações do cuidado educativo-terapêutico no enfoque da enfermagem transcultural.

MÉTODO

Realizou-se estudo qualitativo, na abordagem etnográfica, fundamentada nos pressupostos da Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural, cujo método é denominado etnoenfermagem. Para se aproximar da visão cultural, o método etnográfico vem ocupando um espaço importante na Enfermagem contemporânea(9).

A pesquisa de campo foi desenvolvida de julho a outubro de 2009, com inserção da pesquisadora principal no ambiente da pesquisa. O primeiro contato foi com a clínica de Nefrologia, local onde os sujeitos realizavam o tratamento dialítico; posteriormente, nos domicílios de algumas crianças e adolescentes, a fim de complementar algumas informações. A clínica investigada é uma instituição privada vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), especializada no diagnóstico e tratamento da insuficiência renal crônica em crianças e adolescentes, localizada na cidade de Fortaleza, CE. No período da coleta das informações, estavam inscritos 205 pacientes renais crônicos. Destes, 33 eram crianças e adolescentes que realizavam tratamento dialítico nas diferentes modalidades de terapia renal substitutiva.

A apreensão das informações subjetivas efetivou-se por meio da observação-participante e das entrevistas com perguntas subjetivas, realizadas com 11 sujeitos escolhidos intencionalmente e obedecendo a alguns critérios de inclusão: crianças com idade acima de sete anos e adolescentes entre 12 e 18 anos(11) com diagnóstico definido de insuficiência renal crônica e em tratamento dialítico há pelo menos um mês.

A pesquisa direta com as crianças e os adolescentes somente incluiu aqueles informantes que demonstraram pleno interesse e condição de participar do estudo, após apresentação dos objetivos, da finalidade da pesquisa e forma de participação por meio da leitura, compreensão do conteúdo e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que ocorreu junto aos sujeitos e seus responsáveis legais.

Para coleta de dados, utilizou-se o modelo da observação-paticipação-reflexão (O-P-R). Esta técnica favoreceu várias fases de observação, ou seja, desde observações gerais ao momento de observação-participação e, finalmente, a observação com reflexão. Além da observação, foi possível participar das atividades e situações do cotidiano dos informantes, favorecendo a interação e a comunicação. Dessa forma, o pesquisador pôde captar as informações que não foram aclaradas no relato verbal do informante(9).

Durante a fase de observação-participação, foi realizada a entrevista semiestruturada, seguindo as seguintes questões: relate sobre seu dia a dia, considerando a doença e o tratamento. Quando está em casa, o que precisa fazer para seguir o tratamento e os cuidados orientados? O que você gosta de fazer em casa e no hospital? Que atividades são ofertadas no hospital que ajudam a cuidar de si?

As entrevistas foram gravadas em mídia player - MP4, pela possibilidade de armazenar e reproduzir as entrevistas no computador, o que facilitou a escuta e transcrição. Todas as entrevistas foram realizadas na Unidade de Diálise, por decisão dos participantes ou da família destes, com duração média de 40 minutos cada uma, em local reservado.

Para análise das informações, seguiu-se o guia de análise das informações qualitativas, constituído pelas fases: transcrição, descrição e documentação das informações; identificação, categorização e codificação das unidades de significado; agrupamento das categorias e análise contextual; identificação dos temas e descrição das ações e decisões da enfermagem para o cuidado cultural(9).

Dos procedimentos analíticos descritos, emergiu um tema: crianças e adolescentes renais crônicos e o espaço educativo-terapêutico: ações e decisões para o cuidado cultural da enfermagem; e duas categorias: convivência com a insuficiência renal e mudanças no cotidiano e ambiente hospitalar como promotor de saúde.

O estudo seguiu rigorosamente as exigências e orientações da Resolução nº 196/96 que define as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos(12). O estudo foi submetido à avaliação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e da Diretoria da Instituição em que se realizou o estudo. A coleta das informações somente aconteceu mediante parecer de aprovação do Comitê de Ética sob protocolo de número 08670492-3, autorização do representante legal da Instituição. Para preservar o anonimato, os participantes foram identificados por códigos representados pela letra E (Entrevistado), seguido do número sequencial da entrevista E1... E11.

RESULTADOS

Caracterização dos sujeitos da pesquisa

Dos 11 participantes, três eram crianças com idade entre 10 e 11 anos e oito adolescentes com idade de 13 a 18 anos, ou seja, a maioria foi constituída de adolescente, todos em tratamento dialítico. Do total, três eram do sexo masculino e oito feminino.

Quanto à procedência, seis eram de cidades do Estado do Ceará e cinco da capital Fortaleza. A renda familiar autorreferida destes sujeitos variou de um a dois salários mínimos. Apenas uma adolescente era unida consensualmente e morava com o companheiro e a mãe, enquanto os demais eram solteiros, moravam com os pais, ou parentes. Uma criança residia em um hospital há um ano, porque estava aguardando a construção de um quarto e um banheiro para realizar a diálise peritoneal em casa.

Crianças e adolescentes renais crônicos em espaço terapêutico-educativo: ações e decisões para o cuidado cultural da enfermagem foi expressa por duas categorias emergentes dos discursos analisados: Convivência com a insuficiência renal e mudanças no cotidiano; e Ambiente hospitalar e atividades educativo-terapêuticas.

Convivência com a insuficiência renal e mudanças no cotidiano

A primeira categoria apreendida nas fases de observação-paticipação-reflexão expressou a convivência dos sujeitos com a doença renal, as mudanças ocorridas no cotidiano desde o adoecimento e as repercussões em várias dimensões do viver. Foram visões de mundo construídas nas interações sociofamiliares e profissionais manifestadas nas unidades de significados: corpo transformado; hábitos de vida; distanciamento da rotina escolar; vivência do lazer; dificuldades enfrentadas; apoio familiar; crenças em busca da cura.

As crianças e os adolescentes ressignificaram o corpo transformado pela presença de cicatrizes arraigadas por inúmeros procedimentos invasivos já realizados. Relataram acerca do incômodo e do preconceito das pessoas em relação à presença de cateteres, fistulas e curativos visíveis em seus corpos.

Tenho várias cicatrizes no corpo por causa desse tratamento e também porque já tirei um rim, já tive aquele cateter na barriga, e quando fui pra hemodiálise o doutor colocou outro no pescoço, esse era muito ruim, doía muito, sangrava, e o curativo que as enfermeiras fazia grudava no cabelo, agora com fístula é melhor(...) Desse jeito não gosto de ir mais na praia (E6).

Essa fístula aqui muita gente pergunta o que é já me perguntaram se era um tumor, eu disse que não, que era a veia pra fazer hemodiálise, as pessoas ficam com medo de pegar a doença, fico sem graça quando olham muito (E8).

Hábitos de vida foi outro significado presente nos relatos sobre as mudanças cotidianas a envolver a alimentação e restrição hídrica, diurese, higiene pessoal e padrão de sono.

Como arroz, feijão de corda, macarrão, só não posso é beber muita água, nem suco, isso é o pior, ter que ficar com sede, não pode beber muita água porque senão passa mal (E3).

Quando percebi eu fui parando de urinar, hoje não urino mais nada, é estranho ficar assim, ainda não acostumei com isso (E7).

Banhar sozinho ainda é difícil, ainda fico com medo de puxar o cateter ou não secar direito, de pegar infecção (E2).

Eu sempre dormia em rede, aí quando tive que fazer a hemodiálise, minha mãe comprou uma cama pra mim, pra mim não dormir em cima desse braço que tem a fístula (E1).

O distanciamento da rotina escolar foi evidenciado por todos os sujeitos que consideraram este como uma perda que ultrapassava a formação escolar e ocasionava redução de outras oportunidades de aprendizagens, como ter amizades e momentos distrações.

Eu não tô indo pra escola esse ano, estudo em casa mesmo, às vezes minha colega leva as tarefas pra mim, e aí eu faço em casa mesmo, mas não é a mesma coisa de ir pra escola, ficar com meus amigos (E4).

Na vivência do lazer, os sujeitos elencaram as necessidades essenciais para o desenvolvimento socioeducativo, enfatizaram o contato com os amigos, namorados (as), vizinhos e com o grupo religioso, como momentos significativos para a recreação e lazer.

Meu namorado é uma pessoa muito bacana, vamos pro parque que tem perto de casa, vamos na igreja com os nossos amigos, mas não vamos pra lugar que tem muita gente não, prefiro ficar em lugares mais calmos, me sinto melhor (E7).

Toda semana vou pra igreja, eu canto no coral da igreja junto com as meninas, quando tô em casa vou pro alpendre fico conversando com meus vizinhos (E1).

Outra unidade de significação presente na categoria convivência com a doença foram as dificuldades enfrentadas por eles e suas famílias no tocante à locomoção para a clínica de diálise ou hospital. A condição financeira e de moradia foram apontadas como aspectos que dificultavam a realização do tratamento e do acompanhamento contínuo na clínica de diálise.

Preciso acordar às três horas da manhã pra chegar na clínica as seis, e às vezes chego atrasada, demora muito pra chegar em casa também, e nos outros dias que não faço diálise, preciso voltar pra cá (Fortaleza) pra fazer os exames pro transplante, fico muito cansada, mas tenho que vim (E4).

Eu tô morando no hospital de Banabuiu, (este é um município distante da capital) porque meu pai ainda não teve dinheiro pra terminar o quarto pra mim fazer a diálise na minha casa, e também precisa fazer um banheiro (E11).

Na visita ao domicílio de E1, a adolescente informou que o transporte coletivo era o único meio de locomoção utilizado pela família, ademais o considerava deficitário. Dada a escassez do transporte público municipal, a adolescente e sua mãe levavam em média duas horas para chegar à unidade de diálise.

Apoio familiar foi a unidade de significado, na qual os sujeitos expressaram a importância do envolvimento e ajuda da família no tratamento dialítico.

Minha mãe deixa tudo pra cuidar de mim, me leva pra diálise, pra fazer os exames, eu gosto muito dela e reconheço cada esforço que ela já fez e tá fazendo por mim, é minha melhor amiga, a única pessoa que realmente posso ter todo apoio, conto tudo pra ela, confio muito nela (E10).

Minha família se preocupou muito comigo, minha mãe fica comigo o tempo todo, meu pai ficou arrumando o quarto que eu vou dialisar quando voltar pra casa (E2).

Mereceu a atenção o discurso da adolescente E6, que relatou não ter apoio de seus irmãos, já que seu pai morava em outra cidade cearense e sua mãe já havia falecido. Verbalizou o sentimento de desprezo e tristeza por não ter um componente familiar com quem pudesse dividir suas preocupações e a sobrecarga do tratamento.

Aí agora não tenho mais o apoio do meu pai, porque ele ficou no interior cuidando das coisas dele (...) Não tenho mais a minha mãe, é muito triste não ter o apoio deles nesse momento, hoje eu preciso muito dos meus irmãos, mas eles não estão nem aí pra mim(...)Tenho dois irmãos que não me ajudam em nada, não entende o tratamento que faço, são até violentos comigo, já me bateram quando comecei a namorar, são muito ignorantes, sabe como é o pessoal do interior. Me sinto muito só pra resolver tudo (E6).

Sobre as crenças em busca da cura, os sujeitos destacaram a fé e as crendices como uma possibilidade de melhora e até mesmo de cura.

Hoje eu tava pensando que Deus existe em tudo... hoje eu to na igreja, continuo orando e queria que todos também fizesse o mesmo, ir na igreja, orar, pedir a Deus pra curar, porque não pode ser hoje, não pode ser amanhã, mas em cada oração, Jesus já marcou a hora e o dia que vai ser o dia do nosso milagre (E1).

Não conseguiam descobrir o que eu tinha, aí meu pai e a minha mãe me levaram pro rezador, pra ele ver o que eu tinha e me curar, que é assim tipo um macumbeiro. Pra ver se eu estava com algum mau espírito, né? Só que não era isso, aí eu continuei inchando, hoje eu sou evangélica, porque sei que Jesus pode tudo, estava quase morrendo, fiquei na UTI por 15 dias, hoje estou bem, mas quero ficar melhor (E6).

Ambiente hospitalar e atividades educativo-terapêuticas

Compreendeu as unidades de significados em que os sujeitos expressaram o prazer, a satisfação e os direitos sociais promovidos no ambiente hospitalar, as quais foram representadas em: atividades lúdico-pedagógicas e recreativas; benefícios sociais.

A respeito das atividades lúdico-pedagógicas e recreativas, os sujeitos relataram a participação nas atividades desenvolvidas pelo Projeto Educação e Saúde na Descoberta do Aprender, as quais ocorriam durante as sessões da diálise e na sala de espera enquanto aguardavam a consulta médica ou o treinamento da diálise peritoneal realizado pela enfermeira.

É muito bom também as atividades que o pessoal da UNIFOR faz aqui (Unidade de Diálise), ajuda muito quando estamos tristes, eles chegam, animam todo mundo, conversam com a gente, trazem um desenho pra colorir, pedem pra escrever uma mensagem sobre um tema, já escrevi sobre deficiência, sobre a doença renal, sobre a vida da gente, quando eles vêm pra cá eu até esqueço que tô dialisando (E10).

As crianças e os adolescentes destacaram os momentos de descontração promovidos pela instituição, discorreram sobre os passeios, as festinhas realizadas e os presentes que ganhavam.

Todo ano aqui a X organiza as festinhas da páscoa, dia das crianças, natal, é muito bom, eu já fui no ballet que teve na UNIFOR também, foi lindo, nunca tinha visto, fiquei apaixonada. No ano passado fomos passear na praia, andamos de trenzinho, foi muito divertido (E1).

Gosto muito daqui, você viu como foi a nossa festa do dia das crianças no shopping, né? Todo ano o pessoal da clínica faz festa pra nós, ganhamos presentes, passeamos, é uma oportunidade muito boa, porque não tenho dinheiro pra sair, ir nesses lugares que eles levam a gente (E4).

Os benefícios sociais foram reconhecidos pelos sujeitos como imprescindíveis, mencionaram que a Instituição oferecia aos pacientes em tratamento dialítico cesta básica mensalmente e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) de um salário mínimo.

Não sei como seria minha vida e da minha família se eu não tivesse o benefício e a cesta básica, porque minha mãe não pode trabalhar, ela precisa vim comigo (E1).

Do meu dinheiro que recebo todo mês, é pouco, mas consigo comprar as coisas mais importantes, um remédio e comida pra ajudar nas despesa da casa do meu tio, e também dá pra mandar um pouco pro pai no interior, sei que ele também precisa (E6).

DISCUSSÃO

Em relação à primeira categoria, Convivência com a insuficiência renal e mudanças no cotidiano, a mudança da imagem corporal foi expressa como uma das dificuldades enfrentadas pela pessoa em tratamento hemodialítico, pela necessidade da confecção da fístula arteriovenosa, ou da inserção do cateter duplo lúmen(13). Acrescenta-se, ainda, o fato de que alteração da autoimagem é observada também em pacientes que realizam diálise peritoneal, em virtude da presença do cateter de Tenckhoff. Esses procedimentos tornam-se agravantes para a aceitação do tratamento.

Os discursos evidenciaram que as consequências dessas alterações na imagem corporal foram causas de curiosidades pela população e também vista como motivo para discriminação pelas outras pessoas, causando sofrimento, mal-estar, angústia e embaraço por vergonha, o que pode acarretar o isolamento social e a baixa autoestima.

Estudo mostra que o paciente renal crônico vivencia muitas privações, dentre estas a dieta que se torna uma carga a mais. As restrições e outras recomendações nutricionais, provavelmente, constituem a parte mais difícil do tratamento, pois podem alterar o estilo de vida e ir contra as preferências, os hábitos alimentares e os aspectos culturais do paciente. A aderência em longo prazo à dieta recomendada é um desafio para pacientes renais crônicos, cujo aconselhamento poderia otimizar este processo(1).

Além das restrições descritas, alguns sintomas característicos da insuficiência renal crônica, como as alterações na diurese (oligúria e anúria), foram expressos como uma sensação estranha, nas quais os pacientes estavam se acostumando. A condição para realizar a higiene pessoal também foi modificada em virtude da presença dos acessos para a diálise.

Em relação ao sono, a necessidade de trocar a rede pela cama, para não deitar sobre a fístula ou cateter, revelou que foi preciso abandonar um hábito regional muito comum no Estado do Ceará, para conseguir adaptar-se às exigências do tratamento.

Entre as atividades diárias de crianças com insuficiência renal crônica, a escola tem destaque nesta faixa etária, fazendo com que as modificações sejam sentidas mais intensamente. As relações sociais ocorrem neste espaço e os sujeitos sentem a ausência delas(14). Nesta pesquisa, os sujeitos mostraram o desejo de continuar estudando e as dificuldades que enfrentavam para acompanhar as aulas em razão da terapêutica.

Estudo realizado com crianças e adolescentes com doença crônica constatou que a enfermidade repercute na vida dos sujeitos, modificando seu cotidiano, já que o tratamento lhes exigia frequentes visitas ao hospital para retornos ambulatoriais, realização de exames e hospitalizações. Essas transformações, impostas pela doença e pelo tratamento, interferem diretamente na adaptação escolar e na socialização, uma vez que compromete a frequência à escola, a autoestima e, consequentemente, o relacionamento com os colegas e professores(5).

Foi apreendido nos discursos que a centralização dos serviços nos grandes centros urbanos, limitava o acesso às unidades de tratamento dialítico, pela distância e pelas condições de transporte, o que fere diretamente o princípio da integralidade constante na Constituição Brasileira vigente. Verifica-se frequentemente, esta dificuldade no sistema de saúde que depende das complexas articulações políticas municipais, distritais, estaduais e federais.

Os sujeitos pesquisados atribuíram significados às relações afetivas, pois valorizam as amizades; demonstram satisfação e alegria em face da companhia de pessoas significativas em suas vidas. Essa interação social é capaz de proporcionar os poucos momentos de lazer. Foi notável em outros relatos o fato de que as brincadeiras, as conversas e distrações aconteciam naturalmente, quando estavam juntos aos grupos de pertença.

O apoio da família foi percebido por meio da atenção recebida, da presença, da dedicação e do envolvimento dos cuidadores familiares de crianças e adolescentes em tratamento dialítico. Essas atitudes são essenciais para o tratamento e a recuperação da saúde desses sujeitos, pois o cuidado não se deve limitar à orientação alimentar, medicação e diálise, mas abranger uma dimensão maior, na qual seja desenvolvida uma relação de amizade, compreensão e interação(15).

A família foi representada pelos adolescentes como uma entidade que protege e ajuda, certamente pela forma de cuidado singular de cada família. Foi perceptível o fato de que a demanda de cuidados, assim como a necessidade da presença de um cuidador ao lado da criança ou do adolescente no seguimento clínico, estiveram permeadas por interações afetivas constituídas culturalmente entre os membros da família, na qual a ausência dessas relações de zelo e carinho ocasiona prejuízos importantes na condução da terapêutica e da harmonia familiar.

As crianças e os adolescentes do estudo demonstraram ter fé em Deus, pois suas falas e seus gestos são repletos de emoção, esperança e sensibilidade à crença de um Ser superior. No momento em que falaram como se estivessem em oração, a temporalidade da doença crônica parecia não existir, e que um dia iriam acordar e não teriam mais sofrimento, nem um rim artificial, a máquina de diálise. As igrejas foram mencionadas como os cenários que frequentavam na busca por um milagre. Não menos interessante foi a presença do rezador, macumbeiro, em um discurso, crenças espirituais comuns na cultura brasileira.

Acreditar em forças espirituais gera sentimentos de conforto. O conhecimento científico não é a única fonte de explicações sobre as razões e justificativas do que está acontecendo com a criança. Enquanto a ciência provoca incertezas, particularmente quando os prognósticos são ameaçadores, a espiritualidade encoraja a família e produz sentimentos de esperança ou de aceitação da condição imposta pela doença da criança. Conhecendo as práticas religiosas e espirituais da família, o enfermeiro poderá compreender suas atitudes perante o processo de adoecimento e terapêutico, auxiliando-a a manter práticas que promovam a saúde(16).

A percepção de que o contexto cultural influencia no modo de ser e de agir nas formas de cuidar, vem sendo explorada pela enfermagem na busca por um cuidado holístico, cuidado culturalmente definido, padronizado e expressado(9). Esta forma de cuidar é mais coerente e gratificante, uma vez que é adaptada ao modo de vida da pessoa.

O enfermeiro, ao buscar pela compreensão acerca da espiritualidade e de outros aspectos culturais poderá entender algumas atitudes e condutas do ser doente e de sua família, o que motivará a tomada de decisões relacionadas à terapêutica. Fundamentados nos conhecimentos acerca da cultura será possível o profissional negociar ou manter as práticas promotoras de saúde.

Na categoria Ambiente hospitalar e atividades educativo-terapêuticas, os sujeitos destacaram as atividades do projeto Educação e Saúde na Descoberta do Aprender, um empreendimento educacional voltado para portadores de insuficiência renal crônica e partiu da solicitação de uma paciente submetida a tratamento hemodialítico. A equipe clínica sensibilizada, contactou a Coordenação do Curso de Pedagogia e Psicologia de uma universidade que aceitaram o desafio e assumiram estas atividades desde abril de 2000. O projeto proporciona a alfabetização de pacientes durante o período da hemodiálise, com aulas de português, linguagem oral e escrita, conceitos matemáticos e procedimentos lúdicos(17).

Foi possível vivenciar esses momentos de alfabetização e de atividades lúdicas junto às crianças e aos adolescentes. Os estagiários vinculados ao projeto desenvolviam essas práticas na clínica duas vezes por semana, em turnos diferentes. Eram momentos de distração e grande interação entre os pacientes, profissionais e alunos, os quais trazem repercussões positivas no projeto terapêutico.

Outro projeto Oficinas de Artes estimulava entre os pacientes e familiares à descoberta de talentos artísticos na música, no artesanato e na pintura. Além destes, o Projeto Conhecer oferecia ações de orientação e acompanhamento às famílias dos pacientes a fim de facilitar o enfrentamento da doença, por meio de palestras e rodas de conversa.

Fundamentando-se na teoria transcultural descreve-se a seguir a indicação do cuidado de enfermagem na primeira categoria: acomodação do cuidado cultural e negociação, com as seguintes ações e decisões: estimular as crianças e os adolescentes, assim como, suas famílias, a retornar a vida cotidiana dentro das possibilidades de cada uma; discutir outras formas de lazer, de acordo com a vontade e possibilidades de cada indivíduo e de sua família, como ir à praia, por exemplo, pois mesmo aqueles que moravam em cidades praianas, não tinham ou abandonaram o costume de frequentar praias; orientar os sujeitos e suas famílias sobre seus direitos, dentre eles a existência da terapia renal substitutiva em trânsito, fornecendo as informações relativas às unidades de diálise existentes nos destinos de interesse e estimulando-os na realização de viagens a passeio, ressaltando o direito à passagem interestadual(18); os profissionais que cuidam dessas crianças e adolescentes devem realizar visitas domiciliares, sempre que possível, a fim de acompanhar o tratamento e conhecer o modo de vida e as dificuldades enfrentadas pelos sujeitos e suas famílias, promovendo um cuidado culturalmente congruente.

Em relação à segunda categoria, a indicação do cuidado de enfermagem foi: a preservação do cuidado cultural e manutenção, com seguintes as ações e decisões: manter as iniciativas de recreação, distração e atividades lúdico-pedagógicas, direcionadas às crianças e aos adolescentes; preservar as propostas com ênfase no reforço da autonomia e da cidadania por meio dos projetos sociais já desenvolvidos junto aos sujeitos e suas famílias; divulgar os resultados das atividades realizadas nos projetos para que novas parcerias sejam estabelecidas como modelo para outras instituições.

O cuidado definido nas ações ou decisões que valorizava a cultura esteve associado ao tratamento digno, respeitoso e de valorização do outro, com a finalidade de melhorar a condição humana ou o estilo de vida(9). Nesse sentido, o cuidar em Enfermagem pode ser entendido como um conjunto de ações e comportamentos realizados no sentido de favorecer, manter ou melhorar a condição humana no processo de viver ou morrer. O cuidar se configura como um processo interativo, de desenvolvimento, de crescimento, que ocorre de forma contínua e poderá possibilitar a transformação(19). Ainda que a cura não seja mais possível, como acontece com os pacientes com doença renal crônica, o mais importante é considerar que cuidar e promover bem-estar da pessoa deve ser o cerne das ações de saúde.

CONCLUSÃO

A pesquisa permitiu uma aproximação com as crianças e os adolescentes, valorizando a subjetividade dessas pessoas, sentimentos, necessidades e conhecendo parte da cultura. Acredita-se que a etnoenfermagem, como método de pesquisa, oferece grande contribuição para a prática clínica, à medida que proporciona subsídios para o cuidado cultural, pois possibilita a articulação entre teoria e prática nas investigações e valoriza novas expressões para o cuidado de enfermagem, o que pode qualificar a assistência de enfermagem em nefrologia.

As crianças, os adolescentes e seus familiares enfrentam, quando da descoberta da doença renal crônica e das intervenções terapêuticas, situações desoladoras, por vezes incompreensíveis e inaceitáveis, de profunda transformação na vida cotidiana, que requer cuidados especiais por toda a vida. Dessa forma, o enfermeiro deverá estar capacitado para oferecer um cuidar diferenciado, por meio de condutas de aproximação, escuta e compreensão da existência do outro.

Ressalta-se que, no ambiente pesquisado, existiram valiosas intenções de promover o cuidado interdisciplinar mais humanizado com as crianças e os adolescentes. Esta unidade de diálise transpôs ações de assistência hospitalar, ao oferecer a essa clientela e aos demais pacientes projetos lúdico-pedagógicos, passeios e assistência social, capazes de promover alegria e inserção social.

Assim, o cuidar culturalmente congruente com as necessidades de crianças e adolescentes renais crônicos pode ser descrito como uma ação intencional de cuidar estabelecida pela interação dos saberes científicos e a valorização dos saberes culturais dessa clientela; desenvolvido por meio de ações e decisões de cuidados emergidos das necessidades dos sujeitos, desde o momento em que receberam o diagnóstico da doença até a recuperação da autonomia ante o tratamento dialítico.

Recebido: 14/02/2011

Aprovado: 20/02/2012

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  • Correspondência:
    Viviane Peixoto dos Santos Pennafort
    Rua Clóvis Meton, 189, Jardim Cearense
    CEP 60712092 – Fortaleza, CE, Brasil
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    Extraído da dissertação "Vivências de crianças e adolescentes com doença renal crônica: aproximações com o cuidado cultural", Universidade Estadual do Ceará, 2010.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Fev 2011
    • Aceito
      20 Fev 2012
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