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Experiências de casais que procuram o centro de reprodução humana

Married couple's experiences seeking a human reproduction center

Resumos

O presente estudo tem como proposta tentar compreender os sentimentos dos casais que procuram o Centro de Reprodução Humana para o tratamento da infertilidade. Na tentativa de compreender como é vivenciar a reprodução assistida como tratamento, na perspectiva do casal, recorremos a uma abordagem fenomenológica, tendo como questão norteadora: "Como vocês se sentem em utilizar a Reprodução Assistida como tratamento ?".

Infertilidade; Reprodução Humana


The present study was intended to understand the feeling demonstrated by married couples seeking a Human Reproduction Center for infertility evaluation. Intending to understand the way Assited Reproduction is experienced from the couple's perspective, a phenomenological approach was adopted and the directing question was: "How do you feel using the Assisted Reproduction as a treatment ?".

Infertility; Human Reproduction


ARTIGO ORIGINAL

Experiências de casais que procuram o centro de reprodução humana

Married couple's experiences seeking a human reproduction center

Clarice Heiko MuramatsuI; Patrícia Flores CapelossiII; Márcia Bueno de GouvêaII; Miriam Aparecida Barbosa MerighiIII; Isabela Maria Dias SanchezIV

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Docente da Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einsten

IIDiscentes da Faculdade de Enfermagem do Hospital Israelita Albert Einsten

IIIProf. Doutor do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psiquiátrica da EEUSP

IVEnfermeira, Especialista em Enfermagem Obstétrica, Chefe do Centro de Reprodução Humana da Universidade Federal do Estado de São Paulo

RESUMO

O presente estudo tem como proposta tentar compreender os sentimentos dos casais que procuram o Centro de Reprodução Humana para o tratamento da infertilidade. Na tentativa de compreender como é vivenciar a reprodução assistida como tratamento, na perspectiva do casal, recorremos a uma abordagem fenomenológica, tendo como questão norteadora: "Como vocês se sentem em utilizar a Reprodução Assistida como tratamento ?".

Unitermos: Infertilidade, Reprodução Humana.

ABSTRACT

The present study was intended to understand the feeling demonstrated by married couples seeking a Human Reproduction Center for infertility evaluation. Intending to understand the way Assited Reproduction is experienced from the couple's perspective, a phenomenological approach was adopted and the directing question was: "How do you feel using the Assisted Reproduction as a treatment ?".

Uniterms: Infertility. Human Reproduction.

1 INTRODUÇÃO

A necessidade de conhecer os sentimentos dos casais, que vivenciam a experiência de busca da fertilidade, surgiu a partir de um trabalho teórico sobre infertilidade, desenvolvido na disciplina de Enfermagem Obstétrica e Ginecológica do Curso de Graduação em Enfermagem, de uma Instituição de Ensino Privada. Nesta ocasião, através da revisão de literatura constatamos que, os autores preocuparam-se em definir, discutir as causas da infertilidade, diagnóstico e os diferentes tratamentos, quase não mencionando os aspectos emocionais dos casais que necessitam desta assistência.

Atualmente, a abordagem do casal infértil exige a utilização de uma tecnologia muito avançada, tanto no diagnóstico, quanto no tratamento, o qual pode ser feito apenas com um tratamento clínico até o processo da fertilização assistida como a micromanipulação de gametas.

O emprego desta tecnologia, se por um lado permite atingir objetivos, que há bem pouco tempo foram tidos como impossíveis, por outro lado, produzem grandes desgastes físicos e psíquicos dos envolvidos. No entanto, as autoras deste trabalho, preocupadas com o aspecto emocional dos casais, visitaram o Centro de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), para vivenciar os sentimentos de casais na busca de tratamentos e dos processos diagnósticos das causas da infertilidade.

Segundo MALDONADO; CANELLA (1981), "a incapacidade de conceber gera sentimentos de perda em muitos casais, não conseguir ter filhos é uma situação que pode gerar apreensão, ansiedade, tensão e frustração". No entanto, esses sentimentos manifestam-se de maneiras diferentes dependendo da concepção individual, preconceitos culturais, morais, econômicos, espirituais e sociais. Os autores salientam, ainda que, as pressões culturais e até mesmo familiares, podem provocar atitudes de desprezo e desvalorização tanto na mulher como no homem.

Para SPEROFF; GLASS; NATHAN (1991), "tratar um assunto tão íntimo com um estranho, planejar um filho e discutir como fazê-lo, é muito doloroso, pois o casal é invadido por perguntas, curiosidades e sugestões que interferem na sua intimidade e privacidade". O autor acrescenta que “quando o casal resolve seguir o tratamento, a velha angústia da infertilidade vem somar-se a aflição cotidiana, de esperar resultados de exames, de se informar sobre as técnicas, realizar exames que, causam constrangimento no casal e a sensação desagradável em ter que fazer algo que usualmente faz-se com naturalidade e prazer”.

MALDONADO; CANELLA ( 1981), apontam também que, subjacente à atitude de cooperação e empenho em tratar-se, o homem e a mulher vivenciam ressentimentos e passam a acusar e culpar um ao outro pela inexistência do filho.

Da dinâmica emocional, vista até aqui, verifica-se que pelo menos um certo grau de tensão e de ansiedade é absoluta e inevitável neste processo. Assim, realizamos este estudo com o objetivo de compreender como é vivenciar a Reprodução Assistida como tratamento, na perspectiva do casal, com o intuíto de assistí-lo adequadamente.

Portanto, na intenção de desvendar os sentimentos envolvidos no tratamento da infertilidade, decidimos investigar esse aspecto, tendo diante de nós a seguinte indagação:

"Como vocês se sentem em utilizar a reprodução assistida como tratamento?".

2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Com a finalidade de melhor conhecer e compreender a experiência de assistir casais que procuram o Centro de Reprodução Humana, interrogamos neste estudo como é para eles, utilizar o serviço de reprodução assistida como forma de tratamento. Por meio dos discursos dos próprios casais é que pretendemos que este fenômeno se mostre.

Segundo MARTINS, BOEMER, FERRAZ (1990) fenômeno é aquilo que surge para uma consciência, o que se manifesta para essa consciência, como resultado de uma interrogação.

Nesse sentido, a fenomenologia vem de encontro com o propósito deste estudo, uma vez que a sua preocupação é com a compreensão e não com a explicação, pois ela procura descrever a estrutura total das experiências vividas, incluindo o significado que estas têm para o indivíduo que deles participam.

Para MERIGHI (1993), na fenomenologia não existe problema, mas sim uma interrogação, e quando o pesquisador interroga ele traça uma trajetória, na qual caminhará por si atrás do sujeito que experiencia a situação. Acrescenta ainda, que o método fenomenológico é intuitivo e descritivo. O objetivo do método é descrever a estrutura total da experiência vivida, incluindo o significado que estas experiências têm para os indivíduos que delas participam.

2.1 ANÁLISE DAS DESCRIÇÕES

Para a análise das descrições, nesta modalidade, é necessário seguir quatro momentos propostos por MARTINS; BOEMER; FERRAZ (1990): a) leitura do princípio ao fim, sem a preocupação de interpretar ou identificar qualquer elemento do discurso, mas com objetivo de chegar a um sentido geral; b) a seguir, o pesquisador tenta apreender as unidades de significado, focalizando o fenômeno estudado; c) após a obtenção das unidades de significado, o pesquisador percorre todas as unidades identificadas e expressa o significado contido nelas; d) finalmente o pesquisador sintetiza todas as unidades de significado para chegar a uma estrutura do fenômeno.

3 CONSTITUIÇÃO DA PESQUISA

3.1 CAMPO DE ESTUDO

Este estudo realizou-se no Centro de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), por ser um serviço de referência, voltado a assistência, ao ensino e à pesquisa. O atendimento é feito através de uma equipe multidisciplinar com a participação de uma enfermeira.

3.2 DELIMITAÇÃO DO NÚMERO DE SUJEITOS

Os sujeitos da pesquisa foram casais que não conheciam o tratamento, apresentando-se pela primeira vez ao Centro de Reprodução Humana com o intuito de iniciarem o tratamento. Deve-se acrescentar que todos os casais nunca estiveram em contato com tratamento semelhante.

O número de casais considerados sujeitos da pesquisa foi definido pela análise dos próprios discursos. Desta forma, trabalhamos com 13 discursos por constatarmos serem suficientes para responder à interrogação proposta.

3.3 CONSTITUIÇÃO DOS DADOS

Na busca do significado para o fenômeno em foco, procuramos obter informações dos casais que procuram o Centro de Reprodução Humana, pois através de suas experiências vividas chegaremos ao significado que estas experiências têm para eles. Como forma de interrogar e desvelar o fenômeno, as descrições foram norteadas por meio de uma pergunta orientadora:

Como vocês se sentem em utilizar a reprodução assistida como tratamento?

3.4 COLETA DE DADOS

A coleta de dados foi realizada pelas pesquisadoras, em três dias 01, 15 e 29 de fevereiro de 1996, que correspondiam às datas da primeira consulta destes casais com a equipe do Centro de Reprodução Humana. Antes da entrevista, realizamos um contato prévio com os casais, onde expusemos nossa intenção em compreender a experiência de vida deles e qual o significado de ter que iniciar o tratamento; nesta oportunidade foi feito o convite para a inclusão na pesquisa, assegurando-lhes o direito de não participar, caso não o desejassem. Os casais foram chamados separadamente, e após tomarem ciência da questão norteadora discorriam sobre o assunto, e nesta ocasião, os discursos foram registrados em gravador, sendo permitido aos sujeitos falarem livremente sobre o fenômeno, não sendo estabelecido tempo de duração.

3.5 O MOMENTO DA ANÁLISE

Para efetuar a análise dos dados obtidos, enumeramos os discursos de I a XII, e realizamos leituras completas, com atenção e critério, mas não interpretativa e nem com o objetivo de: proceder a análise enquanto texto, mas sim com a finalidade de apreender o sentido global do discurso.

A seguir, extraímos as unidades de significado dos discursos, isto é, aspectos essenciais do fenômeno que mostraram-se significativos para nós, enquanto pesquisadoras, e iniciamos o levantamentos dos dados através da redução fenomenológica. Foi desconsiderado para efeito de análise, tudo o que não dizia respeito ao fenômeno. Em seguida, buscamos as convergências das unidades dentro de cada discurso, ou seja, reunimos as unidades de significado que, se referiam ao mesmo assunto, ou que possuíam o mesmo conteúdo.

As unidades de significado foram agrupadas, com a finalidade de organizar as articulações do discurso, formando núcleos de pensamentos, que foram sintetizados e tematizados conforme várias perspectivas que emergiram das experiências dos casais.

As tematizações surgem do agrupamento das unidades de significado, evidenciando sete diferentes temas.

I) Sentimentos de culpa;

II) Preocupação com o fator financeiro;

III) Preocupação quanto ao fator tempo;

IV) Interferência na relação conjugal;

V) Busca das soluções para as dificuldades e resolutividade;

VI) Tranquilidade e confiança;

VII) Insegurança, ansiedade e medo.

4 CONSTRUINDO OS RESULTADOS

A análise compreensiva dos discursos, nos revelou que, através dos casais, iniciar uma experiência no Centro de Reprodução Humana se mostra como:

I) Sentimentos de culpa

(marido): "... Para mim como eu já fiz tratamento e tenho quase certeza que o problema é comigo, estamos nas últimas, se não der certo aqui, nenhum lugar mais vai dar certo."

(marido): "... eu principalmente que tenho o problema, estou correndo atrás de uma coisa muito importante para mim e que está me dando muito trabalho."

(esposa): "Se eles resolvessem o meu problema seria bom, porque vai ter que ser com doação de óvulo."

(marido): "...eu sei que os meus espermas são fracos, às vezes morrem todos, nós queremos saber o porquê do problema."

(marido): "..olha, o meu caso é meio complicado, porque ela não tem problema, o problema é comigo, e por isso que estou aqui, ela não tem nenhum problema."

(esposa): "... ele fez exame e não tem esperma, então a causa é ele, não é?"

(marido): "... a gente descobre se o problema é do homem ou da mulher."

(esposa): "... eu acho que o problema não é meu, eu tenho uma filha."

(marido): "...ela já fez todos os exames, inclusive eu já fiz o espermograma mas, ela tem as trompas obstruídas."

(esposa) : "...eu já tive duas filhas e não são dele, apesar dele gostar das meninas do mesmo jeito, mas não é como se fossem os filhos dele."

II) Preocupação com o fator financeiro.

(marido): "Eu acho que tem muita gente que não pode fazer o tratamento."

(marido): "...não dá para pagar um tratamento sofisticado."

(esposa): "...a necessidade de encontrar uma ajuda é muito grande, principalmente porque o financeiro é dificil."

(marido): "...esse tratamento é caro."

( marido): "Como nós não temos condições financeiras para fazer o tratamento particular viemos aqui."

(marido): "Como as condições financeiras não permitiam, eu fiquei meio sem esperanças porque não tinhamos dinheiro."

( marido): "Esses exames, esses tratamentos são uma coisa caríssima."

III) Preocupação quanto ao fator tempo.

(esposa): "Fazem muitos anos que tento engravidar e não consigo."

(marido) : "...estamos tentando há três anos e somos casados há quatro anos."

(esposa): "...faz muito tempo que nós tentamos."

(marido): “Faz dez anos que nós procuramos realizar este desejo.”

(esposa): "...estamos tentando há cinco anos."

(esposa): "...já faz tempo que tentamos, quase dois anos."

(esposa): "Nós tentamos durante sete anos."

(esposa): "...faz muito tempo que estamos tentando, as coisas estão começando a ficar pesadas."

(esposa): "Nós já temos dez anos de casados e um filho adotivo, mas nós queremos tentar porque para adotar outro agora é difícil....ele já vai fazer oito anos e reclama que não vai ter um irmão."

(marido) : "...nós temos dois anos de casados e ela está muito ansiosa para ter filhos, ela já tomou remédios e até agora não ficou grávida."

IV) Interferência na relação conjugal.

(marido): "...nós nunca brigamos por isso...resolver o problema para melhorar o relacionamento com a mulher."

(marido): "...a gente se sente feliz mesmo não tendo, mas tendo o filho aí melhor ainda."

(marido): ".. nunca atrapalhou nossa relação porque nós já sabíamos antes de nos casar."

(marido): "...abalou o casal no começo, mas agora está tudo mais ou menos controlado... estarmos numa fase mais calma até emocionalmente."

(esposa): "Atualmente estamos num período de paz, mas tivemos várias brigas,... nossa relação piorou bastante quando nós decidimos fazer tratamento...cheguei até a pensar em desquite."

(esposa): "Para mim, um filho é como se o meu casamento dependesse disso."

(marido): "...ela sente falta de um filho, fica angustiada e nervosa, trabalho à noite, isso gera problema."

V) Busca das soluções para as dificuldades e resolutividade.

(esposa): "Espero solucionar e acabar com o meu problema, não posso engravidar, eu quero chegar lá, conseguir o que mais quero."

( esposa): 'Se eles resolvessem o meu problema seria bom."

(marido): "Espero que dê tudo certo, estou louco para ser pai"

(esposa): "...espero sucesso, uma ajuda, estou louca para ser mãe, também."

(marido): "...espero resolver o meu problema, engravidar, apostando tudo neste tratamento, eu quero ter o meu filho."

(esposa): "...espero resolver o problema."

(esposa): "...espero engravidar...descobrir o que acontece."

(marido): "...espero que dê tudo certo, nós queremos muito ter um filho, não tem outro jeito, acho que é aqui ou nada."

(esposa): ".. é a nossa última tentativa, eu acho que nós não vamos mais conseguir investir em alguma outra coisa."

(esposa): "...é o auxílio que estávamos precisando, esperamos ter o nosso filho."

(esposa): "...esse tratamento representa esperança de podermos ter essa criança."

(marido): "..espero que com esse tratamento eu consiga ter o bebê, a coisa que eu mais quero ter é um filho."

(marido): "Para nós, o tratamento representa a cura, verificar qual o problema, para podermos gerar uma família."

(marido) "..se não der jeito nesse tratamento de termos o nosso filho, nós vamos partir para a adoção."

(marido): "...nós partiremos para outra coisa ou adoção, ou então nos conformamos com esta situação."

(esposa): "..nós vamos ter que trabalhar o lado emocional, pensar se vamos querer adotar."

(marido): "Ela já me falou em adoção, mas eu não quero adotar, eu quero o meu filho. (esposa): "...agora se não tiver jeito mesmo, a gente vai ver o que vai fazer, adoção, ou sei lá o quê; ... ele ter o filho dele com outra."

VI) Tranquilidade e confiança:

(marido): "...eu me sinto bem, estava é desesperado para procurar um lugar onde nós pudessemos realizar esse desejo."

(marido): "...nós nos sentimos muito bem, mais tranquilos."

(esposa): "...encaramos normalmente, não temos mêdo em fazer este tratamento, ele representa felicidade."

(marido) : "...nos sentimos tranquilos com relação a esse tratamento... é normal, nós temos a cabeça aberta e conversamos aberto sobre isso."

VII) Insegurança, ansiedade e medo.

(esposa): "..ainda temos um pouco de medo de não realizar nosso sonho, dificuldade de aceitar nossa realidade."

(esposa): "...eu estou pagando para ver, esse é o meu sentimento em relação a esse tratamento, nós já sofremos muito com essa história.... dá uma certa revolta, ver mulheres com problemas de saúde com vários filhos e grávida."

(marido): "...ela fica um pouco nervosa, a espera é muito difícil."

(esposa): "Eu estou me sentindo péssima." (começa chorar)

"...ele só fala isso para mim, que estou ansiosa, acho que é porque fico muito sózinha."

(marido): "Eu fiquei com medo, sem direção quando descobri que era estéril, é uma fase difícil, é complicado, ainda mais para o homem, porque nós vivemos em uma sociedade machista, machuca muito."

5 O QUE EMERGIU DOS SIGNIFICADOS

A análise dos temas obtidos indicaram que, a essência do fenômeno estudado foi desvelado, sendo compreendida a interrogação.

Com relação a primeira tematização, "Sentimentos de culpa", as falas revelam, um processo de culpa que, a mulher ou o homem experienciam ao ser portador da infertilidade, e a busca de ajuda médica.

No momento dos encontros, observamos o quanto a mulher ou o homem infértil respondia antecipadamente as perguntas, por vezes nem deixando o seu companheiro(a) expressar os seus sentimentos, talvez com o intuito de se explicar, expressando o seu sentimento de culpa, em relação a questão de ser infértil.

Em algumas falas, embora defrontemos com atitude de cooperação e empenho em tratar-se, houve referência do "privilégio" de não ser a causa do problema, eximindo-se da culpa por não ter filhos, sensação de alívio.

Deste modo, através destes depoimentos, averiguamos a presença constante do sentimento de culpa no indivíduo infértil, e o quanto para ele é importante a vinda de um filho, seja qual for o modo, com o intuito de retirar um grande peso da consciência. Por outro lado, o integrante do casal, que supostamente não é infértil, na maioria dos depoimentos, mostrou-se tranquilo e indiferente a ansiedade do(a) companheiro(a), demonstrando naturalmente a vontade de ter um filho.

Em relação ao custo do tratamento, emergiu a segunda tematização, "Preocupação com o fator financeiro".

O tratamento para a esterilidade em nosso país, é muito oneroso, sendo que, o nível social e o poder aquisitivo do casal poderiam constituir-se em mais uma barreira para o tratamento, fato que torna mais angustiante ser infértil, pois além da impossibilidade física, existe ainda a impossibilidade financeira. Nos discursos, evidenciamos a preocupação dos casais em relação a esta situação, e o quanto sentem-se agradecidos, por terem acesso a esse tratamento em uma instituição pública.

A terceira tematização se refere ao tempo, "Preocupação quanto ao fator tempo". Vários discursos mostram que o fator tempo (de casamento ou de tentativas para engravidar) é muito abordado pelos casais. Resgatamos através das falas, há quanto tempo existe a angústia da infertilidade, e, quanto maior o tempo de espera para iniciar o tratamento, maior a ansiedade, a angústia e a desesperança.

O relacionamento do casal é evidenciado nesta quarta tematização "Interferência na relação conjugal"; os discursos demonstram que, alguns casais buscam a compreensão e o desenvolvimento de um relacionamento significativo. No entanto, para outros casais, surgem claramente os abalos do relacionamento, os desencontros neste momento de suas vidas.

No decorrer das entrevistas, averiguamos que, no início dos depoimentos os casais afirmavam que não existiam problemas conjugais em decorrência da infertilidade, porém, conforme o depoimento transcorria, algumas falas evidenciavam tais problemas, pois o filho na vida do casal possui diferentes significados: pode representar a concretização de um casal fecundo, manter ou reconstruir um casamento em crise, e até mesmo evitar a solidão.

As falas que se referem ao tema " Busca das soluções para as dificuldades e a resolutividade" mostram sentimentos de esperança dos casais, em relação ao tratamento e a equipe de saúde.

Os discursos revelam um processo de busca de solução, mostrando que os casais aceitam esta forma de tratamento, não se importando o quanto estressante ele possa ser, e até mesmo ignorando seus sentimentos com relação ao seu próprio corpo, agarrando-se a esperança, mesmo sabendo que a chance de êxito é pequena.

Em algumas descrições, as falas expressam, ainda a preocupação em buscar outras alternativas para a resolução do problema, como, reconstruir a vida sem a presença de filhos, ou vivenciando uma adoção.

Na tematização "Tranquilidade e confiança", as falas demonstram que, alguns casais procuram, vivenciar este processo naturalmente, demonstrando sentimentos de confiança. Nas entrevistas, estes casais revelaram-se muito cooperativos, pois, no momento que começaram a falar de sentimentos, expressavam a gratidão de poderem estar expondo o seu problema, e mais do que isso, demonstrando a felicidade de estar iniciando o tratamento.

Na última tematização, "Insegurança, ansiedade e medo", aparecem a incerteza, revolta e desespero dos casais em não conseguir vivenciar o que almejam de forma natural, esses sentimentos parecem estar relacionados com a desinformação dos casais e a incerteza dos resultados.

Emergiu em uma das falas a preocupação com a sexualidade; é como se o homem perdesse a sua masculinidade, virilidade; essa perda é mostrada claramente na fala:

(marido): "Eu me considero uma pessoa normal, sexualmente nunca tive problema, mas só que eu não produzo células germinativas."

Como podemos observar, os mais variados sentimentos foram demonstrados pelos casais entrevistados, baseados na história, na crença, na fé de cada um deles, mas o que fica mais evidente é que acima de qualquer um destes sentimentos, está a esperança em iniciar um tratamento que, talvez, seja a resolução de todos os problemas, transformando esses múltiplos sentimentos em um único: felicidade.

6 REFLEXÕES SOBRE O ESTUDO

Nesse momento, passamos a analisar os significados dos depoimentos dos casais, após identificar seus sentimentos. Os sentimentos desvelados neste estudo, mostram uma riqueza de significados do mundo vida, evidenciando que os casais necessitam de ajuda de uma equipe multiprofissional, esclarecendo e discutindo todo o tratamento.

No entanto, como enfermeiras, observamos que os profissionais de saúde preocupam-se basicamente com o biológico e o tecnológico. Assim, quando o fenômeno se mostra com falas que expressam sentimentos de ansiedade, angústia, desespero, revolta, insegurança, dor, desconhecimento, incerteza e outros, a enfermeira, na qualidade de membro da equipe, deve conhecer os sentimentos envolvidos para prestar um atendimento de qualidade , e que este conhecimento seja incorporado ao saber específico da enfermagem, para subsidiar a assistência.

O papel da enfermeira na equipe multidisciplinar, destaca-se pela possibilidade do envolvimento pessoal, onde o importante é buscar e conhecer o cliente como pessoa e não como "um caso determinado", o que ele sabe, desconhece e o que deseja ouvir.

Acreditamos que, cuidar é antes de tudo um processo de comunicação, pois este é um importante meio pelo qual as pessoas expressam muitas de suas necessidades.

MALDONADO; CANELLA (1981) consideram que, nas consultas de modo geral, boa parte das necessidades do casal podem ser atendidas. Isso é possível, quando o profissional atende com atitude clínica, e, utiliza adequadamente as formas terapêuticas de comunicação. A atitude clínica, para estes autores, é a "a capacidade de ver, ouvir e de sintonizar com o cliente a partir da perspectiva dele, e não somente na nossa".

Assim, acreditamos que, a enfermeira, identificando os sentimentos que emergem dos casais, possa atuar de forma a prepará-los para a conquista ou não da maternidade.

  • MALDONADO, M. T.; CANELLA, P. A relação médico-cliente em ginecologia e obstetrícia São Paulo, Atheneu, 1981.
  • MARTINS, J.; BOEMER, M.R.; FERRAZ, C.A. A fenomenologia como alternativa metodológica para pesquisa: algumas considerações.Cad. Soc. Est. Qual., v.1, n.1, p.33-47, 1990.
  • MERIGHI, M. A. B. A docência de enfermagem em uma universidade pública: um enfoque fenomenológico. São Paulo, 1993. 217p. Tese (Doutorado) - Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo.
  • SPEROFF, L.; GLASS, H.; NATHAN,G. K. Endocrinologia ginecológica e infertilidade. 4 ed. São Paulo, Manole,1991.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 1997
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