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Caracterização dos Serviços de Atenção Domiciliar e o cuidado às crianças com necessidades especiais de saúde* * Extraído da dissertação “Vídeos Educativos sobre os Cuidados Domiciliares às Crianças em Uso de Traqueostomia” Universidade do Estado de Santa Catarina, 2021.

RESUMO

Objetivo:

Caracterizar os Serviços de Atenção Domiciliar no estado de Santa Catarina e conhecer as demandas de cuidado das crianças com necessidades especiais de saúde.

Método:

Estudo descritivo, exploratório, de abordagem quantitativa. Coleta de dados realizada por meio de questionário, via Google Forms, com profissionais de sete Serviços de Atenção Domiciliar, de abril a julho de 2020. Os dados foram organizados no programa Excel e analisados pela estatística descritiva com distribuição de frequência e percentual.

Resultados:

Dos sete serviços que participaram do estudo, em 85,7% o enfermeiro é o coordenador das equipes. O horário de funcionamento na maioria dos serviços é diurno, em dias úteis e finais de semana e todos recebem encaminhamentos de equipes da Atenção Primária à Saúde. Em relação às demandas de cuidados, todas as crianças necessitam de reabilitação psicomotora e social, 72,2% fazem uso de oxigenoterapia, 66,6% de gastrostomia, 55,5% de traqueostomia e 50% de ventilação mecânica.

Conclusão:

O cuidado domiciliar apresenta complexidades em decorrência de condições crônicas e uso de dispositivos tecnológicos. Assim, equipes de atenção domiciliar são fundamentais na assistência e capacitação de familiares/cuidadores para o cuidado domiciliar às crianças.

DESCRITORES
Assistência Integral à Saúde; Assistência Domiciliar; Serviços de Assistência Domiciliar; Doença Crônica; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To characterize Home Care Services in the state of Santa Catarina, Brazil, and to know the care demands of children with special health care needs.

Method:

Descriptive, exploratory study with a quantitative approach. Data collection carried out through a questionnaire, via Google Forms, with professionals from seven Home Care Services, from April to July 2020. Data were organized in the software Excel and analyzed through descriptive statistics with frequency and percentage distribution.

Results:

Of the seven services participating in the study, in 85.7% the nurse is the teams’ coordinator. Opening hours in most services are during the day, on weekdays and weekends, and all of them receive referrals from Primary Health Care teams. Regarding care demands, all children need psychomotor and social rehabilitation, 72.2% use oxygen therapy, 66.6% gastrostomy, 55.5% tracheostomy, and 50% mechanical ventilation.

Conclusion:

Home care presents complexities due to chronic conditions and the use of technological devices. Thus, home care teams are fundamental in the assistance and training of family members/caregivers for children home care.

DESCRIPTORS
Comprehensive Health Care; Home Nursing; Home Care Services; Chronic Disease; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Caracterizar los Servicios de Atención Domiciliar en el estado de Santa Catarina y conocer las demandas de cuidado a los niños con necesidades especiales de salud.

Método:

Estudio descriptivo, exploratorio, de abordaje cuantitativo. Colecta de datos realizada por medio de cuestionario, vía Google Forms, con profesionales de siete Servicios de Atención Domiciliar, de abril a julio de 2020. Los datos fueron organizados en el Programa Excel y analizados a través de estadística descriptiva con distribución de frecuencia y porcentaje.

Resultados:

De los siete servicios que participaron del estudio, en el 85,7% de ellos el enfermero es el coordinador de los equipos. El horario de en la mayoría de los servicios es diurno, en días útiles y fines de semana y todos son direccionados por los equipos de Atención Primaria a la Salud. En relación a las demandas de cuidados, todos los niños necesitan de rehabilitación psicomotora y social, el 72,2% utilizan oxigenoterapia, el 66,6% de gastrostomía, el 55,5% de traqueotomía y el 50% de ventilación mecánica.

Conclusión:

El cuidado domiciliar presenta complexidades provenientes de condiciones crónicas y uso de dispositivos tecnológicos. Así, equipos de atención domiciliar son fundamentales en la asistencia y capacitación de familiares/cuidadores para el cuidado domiciliar a los niños.

DESCRIPTORES
Atención Integral de Salud; Atención Domiciliaria de Salud; Servicios de Atención de Salud a Domicilio; Enfermedad Crónica; Enfermería

INTRODUÇÃO

No Brasil, compreende-se crianças com necessidades especiais de saúde (CRIANES) como o grupo das crianças que apresentam uma ou mais condições crônicas de saúde, demandam cuidados contínuos, temporários e, por vezes, permanentes, necessitando de um número maior de atendimentos do que uma criança em condições saudáveis. As CRIANES requerem cuidados relacionados ao desenvolvimento neuropsicomotor, sendo que a maioria é dependente de dispositivos tecnológicos, do uso contínuo de fármacos e com necessidade de adaptações nas atividades rotineiras. O cuidado dessas crianças pela família requer suporte dos profissionais de saúde para a realização de procedimentos clinicamente complexos, incluindo o manejo de tecnologias para suporte à vida(11. Arrué AM, Neves ET, Magnago TSBS, Cabral IE, Gama SGN, Hökerberg YHM. Translation and adaptation of the Children with Special Health Care Needs Screener to Brazilian Portuguese. Cad Saude Publica. 2016;36(6):e00130215. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00130215
https://doi.org/10.1590/0102-311X0013021...
,22. Goes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):163-71. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

Estudo realizado nos Estados Unidos, entre os anos de 2017 e 2018, revelou que cerca de 18,5% das crianças e adolescentes, com idades de zero a 17 anos, apresentaram Necessidades Especiais de Saúde (NES)(33. HRSA Maternal e Child Health. Children with Special Health Care Needs United States. Census Bureau [Internet]. 2020 [cited 20221 Feb 15]. Available from: https://mchb.hrsa.gov/sites/default/files/mchb/Data/NSCH/nsch-cshcn-data-brief.pdf
https://mchb.hrsa.gov/sites/default/file...
). No Brasil, ainda não existem dados epidemiológicos oficiais de CRIANES; contudo, estudo realizado em uma unidade de internação pediátrica de um hospital de ensino do Sul do Brasil evidenciou que 44% das crianças internadas eram CRIANES(44. Santos RP, Severo VRG, Kegler JJ, Jantsch LB, Cordeiro D, Neves ET. Characterization of children with special health care Needsand caregivers in a teaching hospital. Ciência, Cuidado E Saúde. 2020;19:e46724. DOI: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.46724
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
).

As crianças que apresentam uma condição crônica de saúde ou fazem uso de algum dispositivo tecnológico necessitam de hospitalizações por longos períodos, até que seja possível realizar a desospitalização, de forma segura e responsável, com base em um planejamento minucioso e sistemático, envolvendo o hospital, a equipe que vai cuidar da criança em casa e a família. Os cuidados, que antes eram realizados no hospital, precisam ser mantidos no ambiente domiciliar, de forma contínua, para garantir o bem-estar da criança e evitar o agravamento do quadro clínico e consequente necessidade de reinternações(55. Carvalho MSN, Menezes AL, Cruz ADF, Maciel CMP. Desospitalização de crianças com condições crônicas complexas: perspectivas e desafios. Rio de Janeiro: Editora Valentina; 2019.). Diante disso e, considerando a complexidade e a intensidade de cuidados demandados pelas CRIANES, em decorrência do uso de equipamentos tecnológicos e procedimentos de maior complexidade, o Serviço de Atenção Domiciliar (SAD) torna-se essencial na assistência a esse grupo de crianças(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Com relação à Atenção Domiciliar (AD) no Brasil, os primeiros relatos surgiram em 1960 e se fortaleceram a partir de 1990. Em 1998, foi publicada a portaria nº 2.416, que estabeleceu requisitos para credenciamento de hospitais e critérios para realização de internação domiciliar. Entre os anos de 2000 e 2006, foram publicadas portarias específicas para o programa de Atenção Domiciliar Terapêutica para Aids (ADT-Aids) e o programa direcionado à atenção aos idosos. Nesse período, existiam diversas experiências e projetos em AD desenvolvidos pelas secretarias municipais de saúde ou hospitais, entretanto sem políticas de incentivo ou regulamentações para o seu funcionamento(77. Oliveira Neto AV, Dias MB. Home Care in Unified Health System (SUS): what Melhor em Casa Program represented?. Divulgação Em Saúde Para Debate. 2014;51:58-71.).

No ano de 2006, dando continuidade à regulamentação da AD no Brasil, foram publicadas portarias e resoluções; no entanto, poucas foram as mudanças percebidas na atenção à saúde. Somente em 2011 foi retomado o assunto da AD pelo Ministério da Saúde (MS) e, em agosto de 2011, publicada a portaria n° 2.029, que instituiu a AD no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecendo normas para o cadastro e habilitação do SAD. Em outubro do mesmo ano, houve a revogação da portaria n° 2.029 pela portaria nº 2.527, que redefiniu a AD no âmbito do SUS. Em 08 de novembro de 2011, o MS lançou o Programa Melhor em Casa, com o objetivo de ampliar o atendimento domiciliar desenvolvido pelo SUS(77. Oliveira Neto AV, Dias MB. Home Care in Unified Health System (SUS): what Melhor em Casa Program represented?. Divulgação Em Saúde Para Debate. 2014;51:58-71.).

Atualmente, a AD é definida pela Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016, como uma modalidade de atenção à saúde responsável por ações de prevenção, tratamento, reabilitação, paliação e promoção à saúde, prestadas em domicílio, com garantia de continuidade de cuidados e integrada à Rede de Atenção à Saúde (RAS). Assim, o SAD passa a ser um serviço complementar aos cuidados realizados na Atenção Primária à Saúde (APS) e nos serviços de urgência, substitutivo ou complementar à internação hospitalar, sendo os cuidados realizados por Equipes Multiprofissionais de Atenção Domiciliar (EMAD) e Equipes Multiprofissionais de Apoio (EMAP)(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
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).

Ainda, a Portaria nº 825/2016 divide a AD em três modalidades: AD1, AD2 e AD3. A modalidade AD1 inclui usuários que requerem cuidados de menor frequência, sendo a assistência realizada pelas equipes da APS. Os usuários que se encaixam nas modalidades AD2 e AD3, são aqueles elegíveis para o SAD por apresentarem doenças agudas, crônicas agudizadas, crônico-degenerativas e necessidade de cuidados paliativos semanais(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Assim, os objetivos deste estudo foram: caracterizar os Serviços de Atenção Domiciliar no estado de Santa Catarina e conhecer as demandas de cuidado das crianças com necessidades especiais de saúde.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Estudo descritivo, exploratório, de abordagem quantitativa, vinculado a pesquisa multicêntrica “Produção do cuidado e validação de protocolo de fluxo para serviços de atenção domiciliar a crianças com necessidades especiais de saúde” que está sendo realizada nos estados do Rio Grande do Sul (RS), Santa Catarina (SC), Paraná (PR), São Paulo (SP), Mato Grosso do Sul (MS), Paraíba (PB) e Maranhão (MA). Neste estudo, serão discutidos os dados do estado de Santa Catarina.

População

Foram convidados a participar do estudo 11 municípios do estado de Santa Catarina, ou seja, todos aqueles em que o SAD estava implantado e em pleno funcionamento, habilitados para funcionamento por portaria do MS, como serviços públicos integrantes do programa Melhor em Casa. Os 11 municípios estão localizados em seis das oito regiões que compõem o estado de SC, sendo três na região do Vale do Itajaí, dois na região Sul, dois da região Norte, dois na região Oeste, um na região da Grande Florianópolis e um na região Serrana. O primeiro contato com o SAD ocorreu via telefone, com o objetivo de explicar a pesquisa e fazer o convite. Adotaram-se como critérios de seleção dos participantes: ser profissional de saúde, atuar no SAD no momento da coleta de dados e o serviço realizar o atendimento domiciliar às crianças. Assim, participaram do estudo sete serviços, pois dois justificaram não realizar atendimento a crianças e dois foram excluídos da pesquisa por ausência de resposta, após três tentativas de contato.

Coleta de Dados

Foi realizada de abril a julho de 2020, em que cada SAD recebeu um link via Google forms, contendo o instrumento de coleta de dados elaborado pela equipe de pesquisa, com questões sobre os seguintes aspectos: identificação e organização do serviço, identificação do profissional participante, quantitativo de crianças atendidas, idade das crianças atendidas, diagnósticos e necessidades especiais de saúde das crianças, dinâmica das visitas domiciliares e atividades realizadas.

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados coletados foram exportados para o programa Excel e organizados em frequências relativa e absoluta, sendo construída uma matriz para a análise dos dados descritivos.

Aspectos Éticos

A pesquisa seguiu a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/12, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, parecer nº 3.477.776 de 31/07/2019 e sua complementação parecer nº 3.928.387 de 23/03/2020. Após o aceite em participar da pesquisa, e antes de iniciar a coleta de dados, obteve-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) via formulário do Google Forms.

RESULTADOS

Na Tabela 1, são apresentados os dados de caracterização dos SADs do Estado de Santa Catarina.

Quanto à realização de visitas domiciliares (VD) pelos profissionais das equipes, todos os serviços informaram que 100% dos profissionais realizam VD às crianças acompanhadas pelo SAD. Em relação à frequência com que as crianças são visitadas, seis (85,7%) relataram ser semanal e um (14,3%) faz mais de uma vez por semana. Dentre as atividades executadas pelos profissionais dos SADs, durante as VDs, todos os serviços informaram cumprir a avaliação clínica e prescrições. Destaca-se que em seis (85,7%) SADs os profissionais realizam procedimentos que, posteriormente, são delegados ao cuidador, para que ele garanta a continuidade dos cuidados com a criança no domicílio.

Quanto ao atendimento de CRIANES pelos SADs, no período de maio a julho de 2020, 18 crianças foram atendidas pelas equipes de AD, sendo 15 (83,3%) com faixa etária menor de seis anos e três (16,6%) de seis a 12 anos. Dentre os diagnósticos principais, destacam-se as alterações neurológicas ou neuromusculares em 11 (61,1%) crianças, prematuridade em três (16,6%), malformação congênita em três (16,6%) e cardiovasculares em uma (5,5%).

Tabela 1.
Caracterização dos Serviços de Atenção Domiciliar no estado de Santa Catarina – Chapecó, SC, Brasil, 2020.

Na Tabela 2, apresentam-se as demandas de cuidados das crianças com necessidades especiais de saúde atendidas pelos Serviços de Atenção Domiciliar do estado de Santa Catarina.

Tabela 2.
Demandas de cuidados das crianças com necessidades especiais de saúde atendidas pelos Serviços de Atenção Domiciliar do estado de Santa Catarina – Chapecó, SC, Brasil, 2020.

DISCUSSÃO

Na AD, as ações são realizadas seguindo os princípios da equidade de acesso, acolhimento, humanização e integralidade da assistência, desenvolvidas por equipes multiprofissionais e interdisciplinares por meio de práticas clínicas cuidadoras, de acordo com a necessidade do usuário, incentivando a participação de profissionais, usuários, família e cuidadores nas ações e intervenções realizadas no âmbito domiciliar(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). O enfermeiro, componente da equipe multiprofissional e atuando integralmente no SAD, desempenha um papel importante na construção do cuidado domiciliar, realizando atividades diretamente relacionadas à assistência ao paciente, assumindo ainda a atribuição de coordenar a equipe de AD. No presente estudo, a maioria dos SADs de SC é coordenado por enfermeiros, competência essa regulamentada pela resolução nº 464/2014 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN)(88. COFEN. Resolução nº 0464 de 2014. Normatiza a Atuação da Equipe de Enfermagem na Atenção Domiciliar. Cofen [Internet]. Brasília; 2014 [cited 2021 Feb. 14]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-no-04642014_27457.html#:∼:text=RESOLU%C3%87%C3%83O%20COFEN%20N%C2%BA%200464%2F2014%20Normatiza%20a%20atua%C3%A7%C3%A3o%20da,n%C2%BA%20421%2C%20de%2015%20de%20fevereiro%20de%202012
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
1010. Castro EAB, Leone DRR, Santos CM, Neta FCCG, Gonçalves JRL, Contim D, et al. Home care organization with the Better at Home Program. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39(1):e2016-2. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2016-0002
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).

Estudo realizado no Paraná também identificou o enfermeiro como o profissional responsável pela coordenação da maioria dos serviços, desenvolvendo, assim, um papel fundamental na AD, que além de envolver a função de coordenar a equipe e o plano de cuidado, também é quem realiza, na maioria das vezes, as orientações aos usuários, cuidadores e familiares(1111. Rossetto V, Toso BRGO, Rodrigues RM, Viera CS, Neves ET. Development care for children with special health needs in home care at Paraná – Brazil. Escola Anna Nery. 2019;23(1):1-10. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0067
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).

De acordo com a portaria que regulamenta o SAD, esse serviço deverá ser constituído pela EMAD – equipe principal, formada pelos profissionais médico, enfermeiro, auxiliares/técnicos de enfermagem, fisioterapeuta ou assistente social. Também deve possuir uma equipe de apoio à EMAP constituída, minimamente, por três profissionais que podem ser assistente social, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, odontólogo, psicólogo, farmacêutico ou terapeuta ocupacional.

Quanto a sua denominação, a EMAD pode ser tipo 1 quando for implantada em municípios com população superior ou igual a 40 mil habitantes e tipo 2 quando a população for de 20 mil a 39.999 habitantes, ou por meio de agrupamento, no caso daqueles com menos de 20 mil habitantes. Além do número de habitantes, para implantação de um SAD o município deve contar com hospital de referência no município ou na região e cobertura de Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192)(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
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).

Assim, considerando a população dos municípios em estudo, o número de EMADs implantadas está de acordo com a regulamentação. Quanto a EMAP, três municípios ainda não a implantaram. Acredita-se que a implantação da equipe de apoio nesses municípios contribuiria para o planejamento e execução de ações em conjunto com profissionais de diferentes áreas(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
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).

Porém, apesar das exigências para implantação dos SADs nos municípios, podemos observar que dos estados que estão participando da pesquisa multicêntrica, assim como em SC, o número de SADs implantados ainda é baixo, sendo que o estado do Rio Grande do Sul (RS) conta com 15 SADs, Maranhão com 11, Paraíba com nove, Paraná com oito e Mato Grosso do Sul com quatro. A exceção está no estado de São Paulo, que conta com 77 SADs; porém, o número de municípios nesse estado também é maior se comparado ao estado de SC. Dessa forma, acredita-se que a realização de pesquisas e a divulgação de dados sobre os serviços já implantados estimulem outros municípios a conhecer e implantar o SAD, vista a sua importância na RAS para o atendimento de pacientes em nível domiciliar(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
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).

Em relação ao horário de funcionamento dos SADs, no presente estudo a maioria segue a regulamentação, realizando os atendimentos em dias úteis e nos finais de semana. No entanto, dois SADs não atendem nos finais de semana, dessa forma descumprindo a recomendação e deixando os usuários e familiares sem assistência das equipes de AD nesses dias. Realidade semelhante foi encontrada em oito SADs do estado do Paraná, predominando o atendimento diurno de segunda a sexta-feira e finais de semana, sendo que somente um serviço não atende nos fins de semana(1111. Rossetto V, Toso BRGO, Rodrigues RM, Viera CS, Neves ET. Development care for children with special health needs in home care at Paraná – Brazil. Escola Anna Nery. 2019;23(1):1-10. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0067
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).

Quanto à internação domiciliar, a maioria dos SADs do presente estudo cumpre com essa recomendação e realiza os atendimentos no domicílio do usuário. Dessa forma, por meio da VD, os profissionais conseguem perceber a família em seu espaço social e abordar a pessoa de modo integral e individualizado, considerando sua realidade. Ao realizar a VD, as equipes irão deparar-se com relações familiares distintas permeadas por afeto, carinho, amor e também por conflitos e negligências. Diante dessas diferentes realidades, a equipe precisa realizar uma abordagem individualizada para cada família, visando criar estratégias para reestabelecer os vínculos e a harmonia e, com isso, fortalecer o cuidado domiciliar(1212. Sugiura S, Caceres N, Lacerda M, Tonin L, Rodrigues J, Nascimento J. A vivência do contexto domiciliar por familiares e profissionais de saúde. Revista de Enfermagem da UFSM. 2018;8(2);304-19. DOI: https://doi.org/10.5902/2179769228649
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).

Em relação à frequência das VDs, a portaria nº 825(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
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) recomenda que sejam semanais, pois o acompanhamento frequente auxilia a reduzir ou evitar hospitalizações. Quanto aos SADs do estudo, podemos observar que todos seguem a regulamentação e realizam visitas semanais às crianças, visto que todas as crianças, em acompanhamento por eles, se enquadram nas modalidades AD2, AD3 e fazem uso de, pelo menos, um dispositivo tecnológico.

Referente aos encaminhamentos para o SAD, é recomendado que ele estabeleça fluxos com outros serviços da RAS, principalmente hospitais, serviços de urgência e APS. A demanda direta de usuários ao SAD deve ser evitada, uma vez que o cuidado precisa ser compartilhado entre os serviços. No presente estudo, os SADs informaram que recebem pacientes da APS, hospitais, UPA e hospitais oncológicos, contribuindo, então, para a desospitalização e articulação do serviço com a RAS(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
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).

No entanto, estudo(1313. Procópio LCR, Seixas CT, Avellar RS, Silva KL, Santos MLM. Home Care within the Unified Health System: challenges and potentialities. Saúde em Debate. 2019;43(121):592-604. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-1104201912123
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) discute que a articulação da AD com a RAS é um desafio, já que muitos serviços não têm conhecimento sobre o papel da AD no atendimento aos usuários em domicílio. Assim, identificam a necessidade de comunicação e capacitação dos profissionais de saúde com relação às atribuições das equipes de AD e ao funcionamento dos SADs.

Essa dificuldade de articulação também foi identificada em estudo realizado em seis SADs do estado do RS, em que os participantes identificaram apenas o hospital e a Unidade Básica de Saúde (UBS) como serviços articulados ao SAD e concluíram que isso pode ocorrer pelo pouco conhecimento, por parte dos profissionais, referente a esse processo de interação(1414. Weykamp JM, Siqueira HCH, Cecagno D, Medeiros AC, Paula SF, Pedroso VSM. Home Care Service and Health Care Networks. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online. 2019;11(5):1117-21. DOI: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2019.v11i5.1117-1121
http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.2019...
).

Estudo(1010. Castro EAB, Leone DRR, Santos CM, Neta FCCG, Gonçalves JRL, Contim D, et al. Home care organization with the Better at Home Program. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39(1):e2016-2. DOI: https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2016-0002
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2...
) realizado junto aos SADs do estado de Minas Gerais revelou que os gestores desses serviços reconheceram a necessidade de diálogo com todos os pontos da RAS como garantia de uma comunicação efetiva, a fim de possibilitar a continuidade do cuidado dos usuários em seu domicílio. Ainda, entendem que os serviços precisam conversar sobre admissão, alta, fluxos de reinternação hospitalar em decorrência de agravamento do quadro clínico e sobre os critérios de elegibilidade, conforme as recomendações definidas na legislação vigente(66. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 825, de 25 de abril de 2016. Redefine a Atenção Domiciliar no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e atualiza as equipes habilitadas. [Internet]. Brasília; 2016. [cited 2021 Jan 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2016/prt0825_25_04_2016.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

A comunicação entre os serviços pode ocorrer por meio da referência e contrarreferência. Nesse estudo, observou-se que existe uma comunicação efetiva entre o SAD e a APS, mediante a realização contínua desses dois processos. Essa troca de informações entre os pontos de atenção à saúde torna-se fundamental para promover a integração dos serviços, garantindo a continuidade dos cuidados oferecidos aos usuários, com isso facilitando o acesso a todos os níveis de assistência e melhorando a qualidade da atenção prestada à população(1515. Oliveira CCRB, Silva EAL, Souza MKB. Referral and counter-referral for the integrality of care in the Health Care Network. Physis. 2021;31(1): e310105. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-73312021310105
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).

Consequentemente, se apenas um processo for realizado, a comunicação e a assistência integral ao usuário ficam comprometidas. Estudo realizado em três centros de atenção integral à saúde especializada em um município paraibano, sobre a referência e contrarreferência de crianças com doenças crônicas, evidenciou que, devido à complexidade dos cuidados demandados pelas crianças em condição crônica, os profissionais da APS referenciam essas para os serviços especializados mediante preenchimento do formulário específico. Porém, após a realização da consulta, a contrarreferência para a APS não era realizada; consequentemente, a mãe entende que não precisa mais retornar à unidade de saúde de origem, ocasionando a quebra do vínculo entre famílias e esse ponto da RAS(1616. Vaz EMC, Brito TS, Santos, MCS, Lima PMVM, Pimenta EAG, Collet N. Referral and counter-referral of children in chronic condition: perception of mothers and secondary care professionals. Revista Enfermagem UERJ. 2020;28: e51186. DOI: https://doi.org/10.12957/reuerj.2020.51186
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).

Outra estratégia utilizada pela EMAD e EMAP para o planejamento do cuidado é o Projeto Terapêutico Singular (PTS), que consiste em um conjunto de ações terapêuticas para uma pessoa ou para a coletividade. Sua construção envolve a participação de profissionais da saúde, usuários e família, sendo dividido em quatro etapas: diagnóstico e análise do caso; definição de ações e metas; divisão das tarefas; e reavaliação(1717. Baptista JA, Camatta MW, Filippon PG, Schneider JF. Singular therapeutic project in mental health an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(2):e20180508. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0508
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).

Sobre a utilização do PTS, tem-se o relato de experiência de uma equipe que utilizou as quatro etapas, envolvendo a participação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), usuário e família. Elaboraram propostas de intervenções multidisciplinares que ocorreram concomitantes ao período de acompanhamento do usuário. Ao final, concluíram que a discussão e elaboração do PTS em equipe multiprofissional e interdisciplinar é fundamental e contribui para a resolução de casos complexos(1818. Moura AMLS, Santos EVL. Singular therapeutic project: multidisciplinary team in complex case management. J Prev Health Promo. 2019;4(2):1185-93.).

No presente estudo, cinco dos sete SADs utilizam o PTS; contudo, os dados revelaram que os serviços utilizam protocolos gerais para o cuidado à criança em domicílio, por não dispor de um específico para o cuidado a esse público. Em relação a esse achado, estudos(1919. Duarte TCR, Oliveira E M, Júnior SLAM. Protocol for the evaluation and classification of Pediatric patients according to the nursing team demand level. Revista Enfermagem Atual In Derme. 2019;87(25):87. DOI: https://doi.org/10.31011/reaid-2019-v.87-n.especial-art.174
https://doi.org/10.31011/reaid-2019-v.87...
,2020. Araújo MCC, Acioli S, Neto M, Silva HCDA, Bohusch G, Rocha FN, et al. Nursing protocols in primary health care: instrument for quality of care. Cogitare Enfermagem. 2020;25:e71281. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0.71281
http://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0.71281...
) pontuam sobre a importância de adotar um protocolo específico conforme a população que será assistida, com a finalidade de planejar o cuidado, facilitar a tomada de decisão do profissional e beneficiar o usuário. Esses estudos reforçam a necessidade de os SADs que realizam o atendimento as CRIANES seguirem protocolos específicos para o atendimento a esse público, a fim de atender as demandas e necessidades de forma integral.

Em relação à admissão das CRIANES, evidenciou-se que na maioria dos SADs de SC ela é realizada por profissionais que compõem a EMAD, com destaque para o enfermeiro que, geralmente, é o responsável pelo processo educativo junto às famílias e por identificar as necessidades, potencialidades e fragilidades na execução dos cuidados. Esse achado corrobora estudo(2121. Precce ML, Moraes JRMM. Educative process with relatives of children with special health needs in the hospital-home transition. Texto & Contexto – Enfermagem. 2020;29: e20190075. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2019-0075
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) que reafirma a importância de o enfermeiro participar ativamente do processo educativo dos familiares, para identificar as necessidades da criança e os cuidados que serão realizados no domicílio, visto que as CRIANES demandam cuidados contínuos e complexos. Além disso, é fundamental que os profissionais de saúde acolham essas famílias, compreendam o impacto que é cuidar de uma CRIANES em domicílio e, ao mesmo tempo, potencializem as habilidades dos cuidadores com relação aos cuidados demandados por ela, a fim de estimular a importância do domínio na prática de procedimentos e técnicas que serão executados(2222. Torquato RC, Rovere GP, Pitombeira MGV, Pereira AS, Santos LKX. Preparation for the care of children with chronic diseases: the perception of caregivers. Rev Rene. 2020;21:e43870. DOI: https://doi.org/10.15253/2175-6783.20202143870
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20202...
).

Em relação aos métodos utilizados pelos profissionais para capacitar pais e cuidadores, estudo realizado no ambulatório de fisioterapia neuropediátrica de um hospital escola com famílias de CRIANES identificou que as maiores dificuldades relatadas pelos familiares de crianças com patologias neurológicas foram: posicionar, alimentar, dar banho, carregar, vestir, estimular e brincar. Diante dessa situação, foi elaborado um guia ilustrativo para auxiliar os fisioterapeutas na orientação dos familiares e subsidiar a orientação verbal(2323. Souza JS, Knobel KAB. Guia ilustrado de orientações a cuidadores de crianças com deficiências neuromotoras. ConScientia e Saúde. 2019;18(1); 8-17. DOI: https://doi.org/10.5585/conssaude.v18n1.8617
https://doi.org/10.5585/conssaude.v18n1....
).

No presente estudo, os profissionais dos SADs também relataram que utilizam a orientação verbal associada à escrita e à demonstração para orientar os familiares de CRIANES, sinalizando a efetividade dessas estratégias. Um estudo(22. Goes FGB, Cabral IE. Discourses on discharge care for children with special healthcare needs. Rev Bras Enferm. 2017;70(1):163-71. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0248
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) apresenta a simulação como estratégia adotada por enfermeiros, ainda em ambiente hospitalar, para capacitar pais e cuidadores de crianças que seriam cuidadas no domicílio. A capacitação incluiu explicação, observação, execução, supervisão, colaboração e avaliação do desempenho, além da observação acerca da necessidade de favorecer o protagonismo dos cuidadores no processo de cuidar da criança, bem como seu preparo para lidar com possíveis intercorrências domiciliares. Os pesquisadores concluíram ser essa estratégia efetiva para capacitar cuidadores e familiares para cuidar de uma CRIANES.

Reforçando a efetividade de estratégias que envolvem a simulação para capacitar os familiares para o cuidado, estudo desenvolvido em um centro de simulação de uma universidade pública do Sul do Brasil envolveu cuidadores que avaliaram como positivo o treinamento e destacaram sua importância para evitar erros que poderiam agravar a condição clínica da criança. Ao concluí-lo, expressaram que se sentiam confiantes, seguros e com maior preparo para o cuidado da criança em casa(2424. Silva APM, Pina JC, Rocha PK, Anders JC, Souza AIJ, Okido ACC. Training of caregivers of children with special healthcare needs: simulation contributions. Texto & Contexto – Enfermagem. 2020;29:e20180448. DOI: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2018-0448
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).

No presente estudo, os SADs informaram que todas as crianças atendidas por eles necessitam de cuidados diferenciados, incluindo administração de medicação, alimentação, dispositivos tecnológicos, e reabilitação psicomotora e social. Estudo realizado com 25 CRIANES em um hospital na região Sul do país, sobre a classificação das demandas de cuidados, evidenciou que 36% utilizavam algum tipo de tecnologia, 40% necessitavam de auxílio no desenvolvimento neuropsicomotor, 92% estavam em acompanhamento por algum serviço de saúde, incluindo fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista e especialidades médicas e 80% faziam uso contínuo de medicação(44. Santos RP, Severo VRG, Kegler JJ, Jantsch LB, Cordeiro D, Neves ET. Characterization of children with special health care Needsand caregivers in a teaching hospital. Ciência, Cuidado E Saúde. 2020;19:e46724. DOI: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.46724
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
).

As CRIANES acompanhadas pelos SADs de SC possuem, como principais diagnósticos, alterações neurológicas ou neuromusculares, prematuridade, malformação congênita e cardiovasculares, corroborando estudo realizado no estado do PR, em que a maioria das CRIANES atendidas pelos SADs possuía diagnóstico de paralisia cerebral (25,7%), hidrocefalia (14,3%), prematuridade (8,6%) e doenças degenerativas (8,6%)(1111. Rossetto V, Toso BRGO, Rodrigues RM, Viera CS, Neves ET. Development care for children with special health needs in home care at Paraná – Brazil. Escola Anna Nery. 2019;23(1):1-10. DOI: https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2018-0067
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).

Os estudos de SC e PR reforçam os achados de estudo realizado no Rio de Janeiro, que mostra que as Necessidades Especiais de Saúde (NES) relacionadas às doenças crônicas em crianças acometem os sistemas imunológicos respiratório, endócrino, cardiovascular, digestório, nervoso, esquelético, hematológico. Ainda, levam a infecções como HIV/aids, acarretando, consequentemente, mudanças na forma de cuidar da criança em casa, gerando demandas relacionadas aos cuidados habituais modificados que, dependendo da necessidade da criança, implicarão em adaptações do ambiente domiciliar, gerando um desafio para os seus cuidadores(2525. Cabral IE, Motta IS, Pimentel TGP, Corrêa MPO, Arrué AM, Neves ET. Demands of children with special health care needs in primary care in Rio de Janeiro. Ciência, Cuidado e Saúde. 2020;19:e50479. DOI: https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v19i0.50479
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).

As pesquisas realizadas nesses três estados revelaram que a grande maioria das crianças, atendidas pelos SADs, possuía uma condição crônica complexa e fazia uso de dispositivos tecnológicos. Diante disso, cabe salientar que os avanços tecnológicos na área da saúde têm provocado mudanças importantes na atenção à saúde da criança, especialmente levando ao aumento da sua sobrevivência, permitindo a transferência do cuidado do ambiente hospitalar para o domiciliar e evitando mortes precoces, o que era comum, devido a doenças graves, tais como prematuridade, malformações congênitas e condições crônicas(55. Carvalho MSN, Menezes AL, Cruz ADF, Maciel CMP. Desospitalização de crianças com condições crônicas complexas: perspectivas e desafios. Rio de Janeiro: Editora Valentina; 2019.).

Considerando o aumento de crianças com condições crônicas de saúde e o uso de dispositivos tecnológicos para a manutenção da vida, é visível a necessidade de orientar e capacitar pais/cuidadores de CRIANES para o cuidado domiciliar, além da importância de ter uma equipe multiprofissional para acompanhar as famílias, principalmente nos primeiros dias após a alta para auxiliar na adaptação à nova realidade.

O Enfermeiro, sendo o profissional que se destaca nas EMADs, por estar em contato frequente com a família da CRIANES, precisa ter um amplo conhecimento sobre as demandas de cuidados dessas crianças em seu domicílio, para planejar a alta, preparar a família e organizar a casa para receber a criança. Dessa forma, a realização de estudos que abordem esse tema implica diretamente na qualidade do cuidado prestado e das orientações que serão repassadas aos pais/cuidadores pelos profissionais da enfermagem.

Sugere-se a realização de estudos futuros em nível hospitalar sobre o preparo dessas famílias para a alta hospitalar, as limitações dos profissionais de saúde no atendimento às CRIANES em domicílio e a comunicação entre as equipes dos hospitais e SADs, pensando em uma alta hospitalar compartilhada. Quanto às limitações do estudo, destaca-se o número reduzido de SADs implantados no estado de Santa Catarina, além de dois serviços não realizarem o atendimento de crianças, consequentemente gerando uma amostra pequena.

CONCLUSÃO

No estado de SC, os sete SADs participantes do estudo, na sua maioria, estão organizados conforme as recomendações da portaria vigente e atuam em equipe multiprofissional no atendimento às demandas do público pediátrico. Eles desenvolvem papel importante na reabilitação, adaptação da criança ao uso de dispositivos tecnológicos e na orientação e capacitação de pais e cuidadores para a continuidade dos cuidados com a criança no domicílio.

As CRIANES acompanhadas pelos SADs apresentam complexidades devido às condições crônicas e ao uso de dispositivos para manutenção da vida, reforçando que a capacitação dos cuidadores/familiares para cuidar da criança no domicílio precisa ser iniciada o mais precocemente possível e mantendo-se contínua sob supervisão da EMAD e EMAP, visando a redução de complicações no quadro clínico das crianças e evitando novas hospitalizações.

Salienta-se ainda que o estudo atribui ao enfermeiro a coordenação da maioria das equipes de AD, assumindo também um papel importante na educação e treinamento dos pais e cuidadores para o cuidado às CRIANES no âmbito domiciliar.

Além disso, o estudo evidencia importantes práticas pelas equipes, que envolvem a realização dos processos de referência e contrarreferência e o PTS, sendo que o compartilhamento das informações por meio dessas ações aproxima os serviços, equipes e usuários, fortalecendo e ampliando o cuidado à criança na RAS.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2022
  • Aceito
    26 Maio 2022
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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