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Cuidado em saúde: pesquisa-ação com pessoas trans em situação de rua

RESUMO

Objetivos:

analisar as representações sobre o cuidado em saúde prestado às pessoas trans em situação de rua.

Métodos:

pesquisa-ação, com participação de dez mulheres (três trans) e três homens cisgêneros. Realizaram-se grupos de educação popular em saúde, grupos focais, seminários e entrevistas, cujos dados foram organizados no software Nvivo®, submetidos à análise do conteúdo e interpretados à luz da teoria da interseccionalidade.

Resultados:

o cuidado em saúde foi representado pelas dimensões técnica, relacional, estrutural e cidadania. A relação gênero e pobreza determina necessidades específicas de saúde das pessoas trans em situação de rua. Considerações Finais: evidenciou-se a necessidade de ampliar concepções e práticas sobre o cuidado em saúde para satisfazer as necessidades em saúde específicas das pessoas trans em situação de rua. A enfermagem, com competência e sensibilidade cultural, pode contribuir com desfechos positivos em saúde e, consequentemente, romper com lógicas de exclusão, adoecimento e pobreza.

Descritores:
Cuidados de Enfermagem; Pessoas Transgênero; Pessoas em Situação de Rua; Interseccionalidade; Pesquisa Qualitativa

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the representations of healthcare provided to trans people living on the streets.

Methods:

ten women (three trans) and three cisgender men participated in this action research. Popular health education groups, focus groups, seminars and interviews were held, the data of which were organized in the software Nvivo®, submitted to content analysis and interpreted in the light of intersectionality theory.

Results:

healthcare was represented by the technical, relational, structural and citizenship dimensions. The relationship between gender and poverty determines the specific health needs of trans people living on the streets.

Final Considerations:

the need to expand conceptions and practices on healthcare to meet the specific health needs of trans people living on the streets was evidenced. Nursing, with competence and cultural sensitivity, can contribute to positive health outcomes and, consequently, break with the logic of exclusion, illness and poverty.

Descriptors:
Nursing Care; Transgender Persons; Homeless Persons; Intersectionality; Qualitative Research

RESUMEN

Objetivos:

analizar las representaciones de la atención de salud brindada a las personas trans que viven en la calle.

Métodos:

investigación acción, con la participación de diez mujeres (tres trans) y tres hombres cisgénero. Se realizaron grupos de educación popular en salud, grupos focales, seminarios y entrevistas, cuyos datos fueron organizados en el software Nvivo®, sometidos a análisis de contenido e interpretados a la luz de la teoría de la interseccionalidad.

Resultados:

el cuidado de la salud estuvo representado por las dimensiones técnica, relacional, estructural y ciudadana. La relación entre género y pobreza determina las necesidades de salud específicas de las personas trans que viven en la calle.

Consideraciones Finales:

se destacó la necesidad de expandir las concepciones y prácticas sobre el cuidado de la salud para satisfacer las necesidades específicas de salud de las personas trans que viven en la calle. La enfermería, con competencia y sensibilidad cultural, puede contribuir a resultados positivos en salud y, en consecuencia, romper con la lógica de la exclusión, la enfermedad y la pobreza.

Descriptores:
Atención de Enfermería; Personas Transgéro; Personas sin Hogar; Interseccionalidad; Investigación Cualitativa

INTRODUÇÃO

A ausência de dados oficiais sobre a quantidade de pessoas em situação de rua, incluindo as pessoas trans que estão nesta situação, reforça sua invisibilidade e impacta negativamente a proposição de políticas públicas de saúde específicas para este grupo(11 Natalino MAC. Estimativa da população em situação de rua no Brasil. Texto Discuss [Internet]. 2016[cited 2019 Jul 23];(2246):1-36. Available from: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/26102016td_2246.pdf
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2 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
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-33 Hwang SW, Burns T. Health interventions for people who are homeless. Lancet. 2014;384(9953):1541-7. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61133-8
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).

O desconhecimento sobre o perfil sociocultural, demográfico e epidemiológico da população trans resulta em condições precárias de saúde destas pessoas, podendo ser mais prejudicial àquelas que acumulam experiências depreciativas, como é o caso das que vivem em situação de rua.

O último censo da população em situação de rua do município de São Paulo estimou a existência de 386 pessoas trans vivendo nesta situação, o que corresponde a 1,6% do total (24.344 pessoas). Essa estimativa incluiu mulher trans (55,5%), travesti (10,5%) e homens trans (9,5%), com predominância de pessoas negras (67%) e idade entre 31 e 49 anos(44 Prefeitura Municipal de São Paulo, Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Pesquisa censitária da população em situação de rua, caracterização socioeconômica da população adulta em situação de rua e relatório temático de identificação das necessidades desta população na cidade de São Paulo [Internet]. São Paulo: PMSP; 2015[cited 2019 Jul 23]. Available from: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/00-publicacao_de_editais/0005.pdf
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).

A pobreza extrema e outras consequências do desemprego, que são mais prevalentes na população trans, em comparação com a população em geral(55 James SE, Herman JL, Rankin E, Keisling M, Mottet L, Anafi M. The report of the 2015 U.S. transgender survey [Internet]. Washington, DC: National Center for Transgender Equality; 2016[cited 2019 Jul 23]. Available from: https://www.transequality.org/sites/default/files/docs/USTS-Full-Report-FINAL.PDF
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), como a ausência de moradia, empregabilidade restrita ou ausente e baixa renda, são efeitos e causas das múltiplas exclusões que determinam condições precárias de saúde. A situação de rua, neste caso, lança luz sobre a importância da compreensão das possibilidades de combinações entre gênero, raça, classe social e outras categorias de análise na determinação do processo saúde-doença-cuidado dessas pessoas.

No campo da saúde, esse processo que articula diferentes mecanismos de opressões reflete piores resultados em saúde das pessoas trans em situação de rua, sobretudo àqueles relacionados à alta prevalência do uso prejudicial de substâncias psicoativas, situações de violências, infecções sexualmente transmissíveis (IST), intercorrências relacionadas ao uso clandestino de hormônios, problemas de saúde mental e vulnerabilidades relacionadas ao trabalho sexual precário(55 James SE, Herman JL, Rankin E, Keisling M, Mottet L, Anafi M. The report of the 2015 U.S. transgender survey [Internet]. Washington, DC: National Center for Transgender Equality; 2016[cited 2019 Jul 23]. Available from: https://www.transequality.org/sites/default/files/docs/USTS-Full-Report-FINAL.PDF
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6 Lyons T, Krüsi A, Pierre L, Smith A, Small W, Shannon K. Experiences of trans women and two-spirit persons accessing women-specific health and housing services in a downtown neighborhood of Vancouver, Canada. LGBT Health. 2016;3(5):373-8. https://doi.org/10.1089/lgbt.2016.0060
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7 Denson DJ, Padgett PM, Pitts N, Paz-Bailey G, Bingham T, Carlos J-A, et al. Health care use and HIV-related behaviors of black and Latina transgender women in 3 US metropolitan areas: results from the transgender HIV behavioral survey. J Acquir Immune Defic Syndr. 2017;75(supp 3):S268-75. https://doi.org/10.1097/QAI.0000000000001402
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8 Baral SD, Poteat T, Strömdahl S, Wirtz AL, Guadamuz TE, Beyrer C. Worldwide burden of HIV in transgender women: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2013;13(3):214-22. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70315-8
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9 Fletcher JB, Kisler KA, Reback CJ. Housing status and HIV risk behaviors among transgender women in Los Angeles. Arch Sex Behav. 2014;43(8):1651-61. https://doi.org/10.1007%2Fs10508-014-0368-1
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10 Almeida CB, Vasconcellos VA. Transexuais: transpondo barreiras no mercado de trabalho em São Paulo?. Rev Direito GV. 2018;14(2):303-33. http://doi.org/10.1590/2317-6172201814
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11 Scheim AI, Bauer GR, Shokoohi M. Drug use among transgender people in Ontario, Canada: disparities and associations with social exclusion. Addict Behav. 2017;72:151-8. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2017.03.022
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-1212 Sousa P, Ferreira LOC, Sá JB. Estudo descritivo da homofobia e vulnerabilidade ao HIV/Aids das travestis da região metropolitana do Recife, Brasil. Cienc Saude Colet. 2013;18(8):2239-51. http://doi.org/10.1590/S1413-81232013000800008
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).

Esses indicadores de disparidades em saúde articulam, explicitamente, aspectos socioeconômicos e questões relacionadas à identidade de gênero, que evidenciam aspectos estruturais de um cuidado em saúde fundamentado na matriz cisheteronormativa que não reconhece os corpos que subvertem essa norma de gênero, deslegitimando suas necessidades em saúde.

Essa prática de violência institucional que tem forte influência sobre as ações e serviços ofertados nas instituições de saúde pública e privada, denomina-se transfobia institucional e é responsável por grande parte das iniquidades em saúde que experienciam involuntariamente as pessoas trans em situação de rua.

Em casos específicos, a indissociabilidade entre gênero, classe, raça, idade, orientação sexual, deficiências e atividade laboral(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
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) anuncia uma perspectiva peculiar de necessidades em saúde, ao mesmo tempo que tende a orientar um fluxo no qual a pobreza, a vulnerabilidade e a exclusão social determinam processos de adoecimento específicos que retroalimentam este ciclo.

Diante deste cenário, problematiza-se a perspectiva padronizada do cuidado em saúde, cujas políticas(1313 Ministério da Saúde (BR). Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais [Internet]. Brasília, DF: MS; 2013[cited 2019 Jul 22]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf
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) e protocolos de atenção à saúde da população trans(1414 Coleman E, Bockting W, Botzer M, Cohen-Kettenis P, DeCuypere G, Feldman J, et al. Standards of care for the health of transsexual, transgender, and gender-nonconforming people: version 7. Int J Transgend. 2012;13(4):165-232. https://doi.org/10.1080/15532739.2011.700873
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) tendem a homogeneizar e universalizar diferentes identidades e experiências. Como consequência, as necessidades de saúde de grupos específicos entre a população trans, como é o caso das que estão em situação de rua, tornam-se tão invisíveis quanto a própria realidade do grupo.

A experiência anterior de um dos autores como enfermeiro de uma Unidade Básica de Saúde, do município de São Paulo, que atende população em situação de rua, incluindo as trans que fazem parte deste grupo, orientou a construção deste estudo, uma vez que, naquele contexto, o cuidado em saúde para as mesmas representava desafios e denúncias sociais.

Reconhecer os impactos das desigualdades de gênero para a saúde da população em geral e suas influências na interação de profissionais com pessoas trans em situação de rua permitiu reflexões acerca do contexto da produção do cuidado em saúde, cujos pilares raça, classe e gênero estruturam, sustentam e reproduzem formas universalistas de conhecimentos e práticas que as excluem.

A escassez de evidências científicas e o reconhecimento empírico dos impactos da pobreza na saúde das pessoas trans em situação de rua justificam a necessidade de aprofundamentos de conhecimentos que podem contribuir para o preenchimento de lacunas acerca do cuidado em saúde para estas pessoas.

Isso inclui ampliar concepções e práticas sobre o cuidado em saúde considerando os entrecruzamentos gênero, raça e classe social(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.) que participam na produção de subjetividades das pessoas deste grupo e os limites impostos por uma abordagem reducionista das múltiplas experiências das pessoas trans, pautando um cuidado predominantemente pelo paradigma biomédico(1616 Roger J, Tesser-Júnior ZC, Moretti-Pires RO, Kovaleski DF. Pessoas trans na atenção primária: análise preliminar da implantação no município de Florianópolis, 2015. Saude Transform Soc [Internet]. 2016[cited 2019 Dec 29];7(3):49-58. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/viewFile/4276/4647
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) que, geralmente, foca na produção de corpos inteligíveis à norma vigente (hormonização e cirurgias) e intervenções para busca ativa, diagnóstico e tratamento de IST.

Este cenário de “avenidas identitárias” que se cruzam(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.) e no qual transitam diferentes subjetividades das pessoas trans em situação de rua contribui para o desenvolvimento de suas concepções, interpretações e práticas sobre o cuidado em saúde que, acessíveis, podem contribuir para proposição de estratégias de maior alcance para satisfação das necessidades de saúde deste grupo.

Neste artigo, o termo pessoas trans em situação de rua se refere àquelas pessoas que, durante a pesquisa, apresentaram-se verbalmente como mulher transexual ou travesti e que, devido às condições precárias, inviáveis ou inexistentes de moradia e renda, pernoitavam nas ruas, cortiços ou em espaços públicos, privados de acolhimento à população em situação de rua.

OBJETIVOS

Analisar as representações sobre o cuidado em saúde prestado às pessoas trans em situação de rua.

MÉTODO

Aspectos éticos

Este artigo apresenta dados da tese intitulada “Cuidado em Saúde: pesquisa-ação com pessoas trans em situação de rua”, desenvolvida junto ao Departamento de Administração e Saúde Coletiva da Escola Paulista de Enfermagem (DASC/EPE) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).

O projeto teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e parecer favorável da Secretaria Municipal de Saúde do Município de São Paulo (SMS-SP). Para garantia do anonimato das pessoas que participaram da pesquisa, adotou-se um sistema de identificação alfanumérico contendo as letras PE como acrônimo para “Pessoa Entrevistada”, seguido de um algarismo arábico indicando a ordem das entrevistas.

Tipo de estudo

Estudo de natureza exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa fundamentado pelo referencial teórico metodológico da pesquisa-ação(1717 Thiollent M. Metodologia da pesquisa-ação. 18a ed. São Paulo: Cortez; 2011.). O instrumento COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ) orientou a estruturação deste manuscrito(1818 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Cenário do estudo

Esta pesquisa-ação teve início com a fase exploratória, que consistiu na aproximação com as pessoas trans em situação de rua durante o período de atuação como enfermeiro da Estratégia Saúde da Família (ESF) especial, hoje denominada Consultório na Rua (CnR).

A percepção sobre as dificuldades de acesso culminou em encontros quinzenais desta equipe de ESF com pessoas trans em situação de rua, ocasiões nas quais eram realizadas atividades coletivas, como o preparo e distribuição de café da manhã, patrocinado por uma padaria local.

O “Café com Saúde”, como ficou conhecido cada encontro, representou uma etapa importante para levantamento de informações, aproximação, discussão de temas de interesse do grupo e engajamento com as questões de saúde deste público.

Como continuidade deste processo, o pesquisador desenvolveu um trabalho voluntário na mesma instituição que acontecia o “Café com Saúde”, que consistiu na realização de grupos de educação popular em saúde e dois grupos focais, nos quais foram realizadas discussões em profundidade sobre as necessidades específicas de saúde das pessoas trans em situação de rua.

As experiências deste processo foram sistematizadas e apresentadas em um seminário na EPE da UNIFESP, com o intuito de comunicá-las com diferentes setores - poder público, serviços de saúde, assistência social, movimento social e comunidade acadêmica.

Outras ações que emergiram a partir da identificação de necessidades em saúde das pessoas envolvidas na pesquisa e garantiram a participação das mesmas em todo o processo da pesquisa foram: realização de desfile para reivindicação dos direitos relacionados à identidade trans (arte performática); visita à exposições fotográficas sobre o tema de gênero e classe social; produção coletiva de um capítulo de livro com/sobre a participação das pessoas trans em situação de rua no projeto de extensão da universidade; formação básica em primeiros socorros; integração de alunos do curso técnico de enfermagem e podologia com o projeto para pessoas trans em situação de rua.

Essas experiências sinalizaram a importância de aprofundamentos e produção de conhecimentos sobre o cuidado em saúde para pessoas trans em situação de rua, entretanto o desconhecimento de pesquisador sobre a existência de uma rede de profissionais e serviços que prestavam esta assistência específica, bem como a dinâmica das pessoas que supostamente pudessem contribuir com a pesquisa, motivaram a escolha da técnica snowball (bola de neve)(1919 Biernacki P, Waldorf D. snowball sampling: problems and techniques of chain referral sampling. Sociol Methods Res. 1981;10(2):141-63. https://doi.org/10.1177%2F004912418101000205
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) para coleta de dados.

Os dados apresentados neste artigo foram coletados por meio de questões abertas feitas durante as entrevistas realizadas em locais de escolha da pessoa convidada a participar da pesquisa (salas nos serviços de saúde e de assistência social, universidade, casa do pesquisador e bar). Algumas interferências externas, durante a execução da técnica, não resultaram em seu comprometimento.

Fonte de dados

Foram entrevistadas pessoas que correspondiam aos critérios de inclusão: ser pessoa adulta; estar envolvida diretamente com o cuidado em saúde para pessoas trans em situação de rua; e aceitar participar de forma voluntária na pesquisa.

A delimitação da amostragem em 13 pessoas, sendo dez mulheres (seis cisgêneras, três trans e uma homossexual) e três homens cisgêneros, dos quais apenas um se identificou como gay, ocorreu por repetição das indicações, não sendo possível acessar novas(os) participantes.

A idade média das pessoas que participaram da pesquisa foi de 40 anos, variando entre 28 e 67 anos de idade, extremos ocupados por duas mulheres trans. Tinham superior completo (8), ensino médio completo (4), das quais três eram mulheres trans, sendo que uma delas estava finalizando a graduação de serviço social. Um homem cisgênero, companheiro afetivo de uma das mulheres trans participantes da pesquisa, relatou não ter concluído o ensino fundamental.

Quanto à ocupação, quatro tinha cargo de coordenação de serviços; quatro desempenhavam funções técnicas; e as quatro pessoas com ensino médio citadas eram agentes de serviços, sendo duas na área da assistência social e duas da saúde. O homem com menor qualificação escolar estava inserido em um programa de preparação para o trabalho.

Coleta de dados

Os dados apresentados neste artigo foram coletados pelo próprio pesquisador entre julho e outubro de 2016 por meio de entrevistas orientadas por um roteiro com questões abertas sobre cuidado em saúde para pessoas trans em situação rua.

Todas as pessoas receberam convite por e-mail, celular ou pessoalmente, ocasiões nas quais foram apresentadas a proposta, metodologia, condições para participação e definição de agenda. Nenhuma das pessoas convidadas e indicadas recusou o convite para participação da pesquisa.

Para o início da coleta de dados, foram elegíveis três pessoas que atendiam aos critérios para participação na pesquisa. Essas foram selecionadas, intencionalmente, devido ao trabalho e aproximação em relação ao cuidado em saúde para pessoas trans em situação de rua.

As entrevistas foram gravadas e aconteceram após leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A duração média de cada entrevista foi de uma hora e quinze minutos, totalizando 16 horas.

Análise de dados

O conteúdo das entrevistas foi transcrito na íntegra e sistematizado por meio do programa Qualitative Analyses Software Certified Partner® (NVivo®, versão 11).

Leituras exaustivas e codificação do material transcrito possibilitaram a organização de unidades de significados e posterior codificação e definição de categorias de análise.

As categorias empíricas, apresentadas a seguir, foram analisadas conforme o referencial da análise de conteúdo e à luz da interseccionalidade, definida como uma teoria que integra, em sua análise, as múltiplas vias de opressões, sobretudo as que articulam raça, gênero e classe social(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.).

A interseccionalidade visa dar instrumentalidade teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado - produtores de avenidas identitárias onde mulheres negras são repetidas vezes atingidas pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça e classe, modernos aparatos coloniais(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.).

Os resultados que seguem foram apresentados em sessões públicas na universidade e reuniões científicas, ocasiões nas quais foram feitas devolutivas e validação com as pessoas que contribuíram com este estudo. Houve também a validação dos conteúdos das entrevistas pela maioria das pessoas participantes; essas receberam e devolveram o material por e-mail.

RESULTADOS

Nas definições sobre o cuidado em saúde, observou-se sua abrangência contemplando aspectos que ultrapassam suas delimitações técnicas. A definição de cuidado “no sentido amplo” sinalizou maior vulnerabilidade das pessoas trans em situação de rua em relação às lésbicas, bissexuais e gays.

O cuidado, eu digo, é um cuidado no sentido amplo […] a população de lésbicas, bissexuais e gays elas, na maioria das vezes, elas têm um empoderamento maior para poder vir, discutir, denunciar muito mais do que as pessoas travestis e transexuais. As pessoas travestis e transexuais elas requerem mais essa noção de cuidado. (PE1)

A abordagem biomédica foi representada como atenção à necessidade do corpo biológico e consiste, por um lado, na realização de procedimentos (cirúrgicos ou não) de transformação do mesmo, a fim de atender às expectativas sociais referente aos simbolismos do corpo e universo feminino.

[…] cuidar, você está pensando em pessoa, em seres humanos que, enfim, têm um corpo biológico que necessita de cuidado. (PE1)

É que, tipo assim, uma trans que têm marca de barba, ela procura pra fazer um laser, se ela tá gordinha, ela procura fazer uma lipo, entendeu? Esse é o cuidado pra elas: quanto mais ficar semelhante a uma mulher pra elas, melhor. (PE2)

O cuidado em saúde emergiu também como sinônimo de orientações ou intervenções de tratamento e prevenção às IST, termo que substituiu doença sexualmente transmissíveis (DST), utilizado à época da pesquisa.

[…] é orientar ela para que ela siga, sim o tratamento, para que ela volte, para que ela se restabeleça ou se não, de repente, numa questão de saúde relacionada a doenças DSTs, o uso do preservativo. (PE3)

A dimensão relacional enfatizou a convivência, acolhimento e apoio mútuo entre as pessoas. Destacou-se o relato de uma mulher trans, que advertiu sobre a necessidade de horizontalização e humanização da relação, assim como a aproximação da linguagem para a promoção do cuidado em saúde.

Então, cuidado é caminhar junto, é conviver junto com o outro dentro do que cada um pode dar […] cuidado depende dessa relação - é uma relação. (PE5)

Seria através do acolhimento mesmo, conversando, escutando […]. (PE4)

[…] a possibilidade das pessoas se olharem, das pessoas estarem juntas, das pessoas cuidarem, efetivamente, das pessoas, se respaldarem quando ela sofre uma violação na rua, quando ela é violentada psicologicamente, quando ela é violentada fisicamente, quando ela é violentada institucionalmente. (PE1)

Sentar, às vezes, e falar de amenidades com as pessoas doentes faz ela esquecer que está no hospital, faz ela esquecer que eu sou uma enfermeira, porque eu sou só uma pessoa […]. (PE6)

Na dimensão dos deveres e direitos, uma mulher trans em situação de rua chamou a atenção para a importância de “ser aceita na sociedade”. Sobre essa perspectiva, também foram identificados aspectos relacionados ao respeito e compromisso.

Tratar o outro como ser de direito e de deveres, olhar ele enquanto cidadão […] mostrar os caminhos que ela pode ter nessa trajetória que ela está neste momento vivendo nessa questão de vulnerabilidade social. (PE3)

Ser aceita na sociedade. Que isso também é um cuidado, entendeu? (PE2)

Respeito é uma forma de cuidado, se você não respeitar, você não consegue cuidar do outro. (PE7)

O último aspecto do caráter multidimensional identificado neste estudo tem a ver com questões de ordem estrutural, não restritas à satisfação das necessidades materiais. A interação com aspectos subjetivos, principalmente os relacionados aos efeitos da pobreza na vida das pessoas trans em situação de rua, foi apresentada como um recurso para o cuidado em saúde.

[…] uma questão de necessidade, de necessidades que são do campo material, coisas objetivas: quer alimento, dormir […] mas tem uma questão que complementa isso, que são as questões que são decorrentes do sofrimento que a pobreza traz na vida da pessoa. Então, o cuidado significa olhar para essas questões, o sofrimento e tentar ver aí quais são as necessidades que essa pessoa tem em decorrência desse conjunto de sofrimentos que ela carrega ao longo da vida. (PE8)

Nesta trajetória da pobreza, o cuidado em saúde é compreendido como um olhar para este percurso e as possíveis “barreiras que ela enfrenta” neste itinerário terapêutico.

[…] quando a gente fala do cuidado, têm questões subjetivas que permeiam esse cuidado e que elas não são devidamente olhadas porque, assim, além de olhar pra pessoa que eu tô encaminhando, eu tenho que olhar pra instituição que ela vai ser encaminhada. E entender o que é o trânsito daqui pra lá, né? […] tá relacionado às barreiras que ela enfrenta para chegar nesse local de saúde. (PE8)

DISCUSSÃO

O caráter amplo atribuído ao cuidado em saúde para mulheres trans em situação de rua revelou sua perspectiva multidimensional frente à maior vulnerabilidade dessas pessoas em comparação a outros grupos. Essa multidimensionalidade, também referente às exclusões que vivem essas pessoas(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
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), sinaliza especificidades e necessidade de saúde que exigem a qualificação das práticas de cuidado.

No “sentido amplo”, o cuidado em saúde contempla as dimensões técnica, ética e estética, que não isentam profissionais de saúde de reflexões e ações sobre a estrutura na qual o mesmo é (re)produzido.

Cuidar, entretanto, implica considerar os agenciamentos sócio, históricos e culturais envolvidos nesta prática, cuja vulnerabilidade emerge de mecanismos de combinações entre gênero, raça e classe social ou “avenidas identitárias”, que se entrecruzam(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.), moldando discursos e estratégias (formais ou clandestinas) mais ou menos acessíveis.

Na prática, significa ampliar a perspectiva do cuidado fundamentado, exclusivamente, pela epidemiologia clássica e paradigma biomédico, a partir dos quais predominam abordagens intervencionistas, preventivistas e curativistas, que tendem a patologizar as identidades trans(1616 Roger J, Tesser-Júnior ZC, Moretti-Pires RO, Kovaleski DF. Pessoas trans na atenção primária: análise preliminar da implantação no município de Florianópolis, 2015. Saude Transform Soc [Internet]. 2016[cited 2019 Dec 29];7(3):49-58. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/viewFile/4276/4647
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).

Sobre isso, os relatos relacionados à transformação (cirúrgica ou não) do corpo e estratégias voltadas à prevenção e tratamento de IST para as pessoas trans em situação de rua como sinônimos de cuidado em saúde revelou seus possíveis significados com referência direta às questões de gênero e orientação sexual, de forma que denuncia contextos específicos de vulnerabilidade e estigmas.

Concepções reducionistas sobre o cuidado, como aquelas sobre as ISTs fundamentadas na concepção de risco(1616 Roger J, Tesser-Júnior ZC, Moretti-Pires RO, Kovaleski DF. Pessoas trans na atenção primária: análise preliminar da implantação no município de Florianópolis, 2015. Saude Transform Soc [Internet]. 2016[cited 2019 Dec 29];7(3):49-58. Available from: http://incubadora.periodicos.ufsc.br/index.php/saudeetransformacao/article/viewFile/4276/4647
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) e desvinculadas das intersecções que interferem no processo saúde-doença das pessoas trans em situação de rua, tendem a orientar o desenvolvimento de práticas policialesca (ou de vigilância) como única forma de cuidado cujas abordagens não satisfazem, na integralidade, suas necessidades de saúde.

Cabe ressaltar que a escassez de estudos sobre este grupo, bem como a inexistência de políticas públicas específicas sobre sua saúde(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
-33 Hwang SW, Burns T. Health interventions for people who are homeless. Lancet. 2014;384(9953):1541-7. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61133-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61...
,55 James SE, Herman JL, Rankin E, Keisling M, Mottet L, Anafi M. The report of the 2015 U.S. transgender survey [Internet]. Washington, DC: National Center for Transgender Equality; 2016[cited 2019 Jul 23]. Available from: https://www.transequality.org/sites/default/files/docs/USTS-Full-Report-FINAL.PDF
https://www.transequality.org/sites/defa...
), refletem um contexto de vulnerabilidades que se retroalimentam, definindo um ciclo de pobreza-estigmatização-exclusão-adoecimento.

Dito de outra forma, a intersecção entre identidade de gênero das pessoas trans e classe social, como a falta de moradia, resulta em piores resultados em saúde, principalmente àqueles relacionados às doenças mentais, condições desumanas de trabalho sexual, uso prejudicial de substâncias psicoativas, entre outros agravos(55 James SE, Herman JL, Rankin E, Keisling M, Mottet L, Anafi M. The report of the 2015 U.S. transgender survey [Internet]. Washington, DC: National Center for Transgender Equality; 2016[cited 2019 Jul 23]. Available from: https://www.transequality.org/sites/default/files/docs/USTS-Full-Report-FINAL.PDF
https://www.transequality.org/sites/defa...

6 Lyons T, Krüsi A, Pierre L, Smith A, Small W, Shannon K. Experiences of trans women and two-spirit persons accessing women-specific health and housing services in a downtown neighborhood of Vancouver, Canada. LGBT Health. 2016;3(5):373-8. https://doi.org/10.1089/lgbt.2016.0060
https://doi.org/10.1089/lgbt.2016.0060...

7 Denson DJ, Padgett PM, Pitts N, Paz-Bailey G, Bingham T, Carlos J-A, et al. Health care use and HIV-related behaviors of black and Latina transgender women in 3 US metropolitan areas: results from the transgender HIV behavioral survey. J Acquir Immune Defic Syndr. 2017;75(supp 3):S268-75. https://doi.org/10.1097/QAI.0000000000001402
https://doi.org/10.1097/QAI.000000000000...

8 Baral SD, Poteat T, Strömdahl S, Wirtz AL, Guadamuz TE, Beyrer C. Worldwide burden of HIV in transgender women: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2013;13(3):214-22. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70315-8
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70...

9 Fletcher JB, Kisler KA, Reback CJ. Housing status and HIV risk behaviors among transgender women in Los Angeles. Arch Sex Behav. 2014;43(8):1651-61. https://doi.org/10.1007%2Fs10508-014-0368-1
https://doi.org/10.1007%2Fs10508-014-036...

10 Almeida CB, Vasconcellos VA. Transexuais: transpondo barreiras no mercado de trabalho em São Paulo?. Rev Direito GV. 2018;14(2):303-33. http://doi.org/10.1590/2317-6172201814
http://doi.org/10.1590/2317-6172201814...

11 Scheim AI, Bauer GR, Shokoohi M. Drug use among transgender people in Ontario, Canada: disparities and associations with social exclusion. Addict Behav. 2017;72:151-8. https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2017.03.022
https://doi.org/10.1016/j.addbeh.2017.03...
-1212 Sousa P, Ferreira LOC, Sá JB. Estudo descritivo da homofobia e vulnerabilidade ao HIV/Aids das travestis da região metropolitana do Recife, Brasil. Cienc Saude Colet. 2013;18(8):2239-51. http://doi.org/10.1590/S1413-81232013000800008
http://doi.org/10.1590/S1413-81232013000...
).

A compreensão desses mecanismos não ignora os conhecimentos e práticas oriundos da epidemiologia clássica e paradigma biomédico, como a realidade de alta prevalência de ISTs entre as pessoas trans(77 Denson DJ, Padgett PM, Pitts N, Paz-Bailey G, Bingham T, Carlos J-A, et al. Health care use and HIV-related behaviors of black and Latina transgender women in 3 US metropolitan areas: results from the transgender HIV behavioral survey. J Acquir Immune Defic Syndr. 2017;75(supp 3):S268-75. https://doi.org/10.1097/QAI.0000000000001402
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8 Baral SD, Poteat T, Strömdahl S, Wirtz AL, Guadamuz TE, Beyrer C. Worldwide burden of HIV in transgender women: a systematic review and meta-analysis. Lancet Infect Dis. 2013;13(3):214-22. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70315-8
https://doi.org/10.1016/S1473-3099(12)70...
-99 Fletcher JB, Kisler KA, Reback CJ. Housing status and HIV risk behaviors among transgender women in Los Angeles. Arch Sex Behav. 2014;43(8):1651-61. https://doi.org/10.1007%2Fs10508-014-0368-1
https://doi.org/10.1007%2Fs10508-014-036...
,1212 Sousa P, Ferreira LOC, Sá JB. Estudo descritivo da homofobia e vulnerabilidade ao HIV/Aids das travestis da região metropolitana do Recife, Brasil. Cienc Saude Colet. 2013;18(8):2239-51. http://doi.org/10.1590/S1413-81232013000800008
http://doi.org/10.1590/S1413-81232013000...
). Advoga-se que, atrelado a esses conhecimentos, é necessário o desenvolvimento de competências e sensibilidade culturais necessárias para a proposição do cuidado em saúde integral que reconheça e satisfaça as necessidades em saúde específicas dessas pessoas.

O desenvolvimento de políticas específicas de saúde e mudança de paradigma do cuidado para efetivação da saúde integral e promoção da equidade LGBT(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
,66 Lyons T, Krüsi A, Pierre L, Smith A, Small W, Shannon K. Experiences of trans women and two-spirit persons accessing women-specific health and housing services in a downtown neighborhood of Vancouver, Canada. LGBT Health. 2016;3(5):373-8. https://doi.org/10.1089/lgbt.2016.0060
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) são, igualmente, pontos de atenção que devem considerar os “cruzamentos identitários”(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.) que participam da tessitura da “colcha de retalhos”(2020 Garcia MRV. Alguns aspectos da construção do gênero entre travestis de baixa renda. Psicol USP. 2009;20(4):597-618. http://doi.org/10.1590/S0103-65642009000400007
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), analogia para se referir aos elementos constituintes da identidade das pessoas trans de baixa renda.

A mudança de paradigma na atenção à busca por cuidados específicos, como a transformação do corpo, reivindicada por algumas pessoas trans(2121 Bento B, Pelúcio L. Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas. Rev Estud Fem. 2012;20(2):569-81. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000200017
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), implica o reconhecimento de que essas mulheres reivindicam também por uma abordagem inter e multiprofissional, trans e multidisciplinar, intersetorial e, sobretudo, interseccional.

Sobre isso, o processo transexualizador (PT)(2222 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.803/GM, de 19 de novembro de 2013 [Internet]. Brasília, DF: MS; 2013[cited 2019 Jul 21]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/prt2803_19_11_2013.html
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), garantido por lei no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), embora seja um recurso que resulta em um novo corpo material e simbiótico(2323 Rocon PC, Zamboni J, Sodré F, Rodrigues A, Roseiro MCFB. (Trans)formações corporais: reflexões sobre saúde e beleza. Saude soc. 2017;26(2):521-32. http://doi.org/10.1590/s0104-12902017171907
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), na prática, é inacessível para as pessoas trans em situação de rua, sobretudo porque aspectos de gênero e classe social imbricados neste percurso impõem barreiras para este tipo de cuidado.

A dinâmica dessas pessoas, na maioria das vezes determinada por fatores econômicos, inviabiliza o ingresso e a continuidade no itinerário preconizado por este documento. Mesmo a aquisição de recursos de menor custo e, supostamente, mais acessíveis, como equipamentos para “retirar o xuxu” (termo utilizado para se referir à depilação de pelos da barba e bigode), roupas e acessórios que permitiriam a expressão do gênero feminino, conforme expectativas socialmente impostas, nem sempre são possíveis.

Destarte, os resultados deste e outros estudos advertem que, embora importante e se relacione diretamente com a saúde da população trans, a mudança do corpo nem sempre é uma prioridade ou necessidade universal entre as pessoas que compõem este grupo(2424 Rocon PC, Sodré F, Zamboni J, Rodrigues A, Roseiro MCFB. O que esperam pessoas trans do sistema único de saúde?. Interface (Botucatu). 2018;22(64): 43-53. http://doi.org/10.1590/1807-57622016.0712
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-2525 Benedetti MR. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond; 2005.).

A busca por recursos para a sobrevivência realoca as prioridades e a expressão do gênero, muitas vezes, neste contexto de pobreza, subverte as expectativas sobre ser trans em contextos em que o acesso é diferenciado. Sobre isso, ressaltamos a importância da sensibilização para atenção específica à saúde deste grupo, que reserva em si peculiaridades e diferenças cujo agrupamento se dá pela condição de pobreza.

A emergência dessas novas estéticas na rua, cujas variações das expressões de gênero nem sempre condizem com as expectativas socialmente construídas, fornecem dados que podem subsidiar processos de formação profissional e organização dos serviços, reduzindo seu distanciamento com as pessoas trans em situação de rua.

A legitimação da identidade trans enquanto sujeita de direitos, a aquisição de poder, de acesso e de inclusão social pela via da transformação do corpo(2525 Benedetti MR. Toda feita: o corpo e o gênero das travestis. Rio de Janeiro: Garamond; 2005.-2626 Pelúcio, L. Abjeção e desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de AIDS. São Paulo: Annablume; 2009.), para as pessoas trans em situação de rua, quando possível, está geralmente atrelada aos riscos oriundos de procedimentos clandestinos(2727 Pinto TP, Teixeira FB, Barros CRS, Martins RB, Saggese GSR, Barros DD, et al. Silicone líquido industrial para transformar o corpo: prevalência e fatores associados ao seu uso entre travestis e mulheres transexuais em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017;33(7):e00113316. http://doi.org/10.1590/0102-311x00113316
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) acessíveis nas redes criadas a partir da experiência na/da rua.

A busca por procedimentos clandestinos de baixo custo, como a hormonização sem acompanhamento médico ou aplicação de silicone industrial em “bombadeiras”(2323 Rocon PC, Zamboni J, Sodré F, Rodrigues A, Roseiro MCFB. (Trans)formações corporais: reflexões sobre saúde e beleza. Saude soc. 2017;26(2):521-32. http://doi.org/10.1590/s0104-12902017171907
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), como são conhecidas as travestis ou transexuais mais velhas que dominam a técnica de aplicação (bombação) de silicone industrial para transformação do corpo, geram complicações à saúde das pessoas que deles fazem uso e podem aumentar o risco de morte(2323 Rocon PC, Zamboni J, Sodré F, Rodrigues A, Roseiro MCFB. (Trans)formações corporais: reflexões sobre saúde e beleza. Saude soc. 2017;26(2):521-32. http://doi.org/10.1590/s0104-12902017171907
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,2727 Pinto TP, Teixeira FB, Barros CRS, Martins RB, Saggese GSR, Barros DD, et al. Silicone líquido industrial para transformar o corpo: prevalência e fatores associados ao seu uso entre travestis e mulheres transexuais em São Paulo, Brasil. Cad Saude Publica. 2017;33(7):e00113316. http://doi.org/10.1590/0102-311x00113316
http://doi.org/10.1590/0102-311x00113316...
-2828 Cardozo Rocon P, Rodrigues A, Zamboni J, Pedrini MD. Difficulties experienced by trans people in accessing the unified health system. Cienc Saude Colet. 2016;21(8):2517-26. http://doi.org/10.1590/1413-81232015218.14362015
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). A ambiguidade entre risco e cuidado emerge, neste estudo, como outro elemento importante a ser aprofundado sobre as práticas de cuidado em saúde.

Refletir sobre a identidade de gênero como atos perfomativos a partir dos quais se criam narrativas próprias e identidades fluidas pode contribuir para proposição do cuidado em saúde pelo prisma da despatologização(2121 Bento B, Pelúcio L. Despatologização do gênero: a politização das identidades abjetas. Rev Estud Fem. 2012;20(2):569-81. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2012000200017
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201200...
,2323 Rocon PC, Zamboni J, Sodré F, Rodrigues A, Roseiro MCFB. (Trans)formações corporais: reflexões sobre saúde e beleza. Saude soc. 2017;26(2):521-32. http://doi.org/10.1590/s0104-12902017171907
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,2929 Almeida G, Murta D. Reflexões sobre a possibilidade da despatologização da transexualidade e a necessidade da assistência integral à saúde de transexuais no Brasil. Sex Salud Soc (Rio J). 2013;(14):380-407. http://doi.org/10.1590/S1984-64872013000200017
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-3030 Vergueiro V. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade [Dissertação] [Internet]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 2016[cited 2020 Jul 22]. Available from: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/19685/1/VERGUEIRO%20Viviane%20-%20Por%20inflexoes%20decoloniais%20de%20corpos%20e%20identidades%20de%20genero%20inconformes.pdf
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), que seja interseccional e capaz de questionar a cisgeneridade que deslegitima corpos e as experiências trans.

A subversão à norma de gênero, na relação com a pobreza que vivem as pessoas trans em situação de rua, confere-lhes atributos pejorativos, uma vez que subvertem também a expectativa sobre a expressão de gênero da população trans(2020 Garcia MRV. Alguns aspectos da construção do gênero entre travestis de baixa renda. Psicol USP. 2009;20(4):597-618. http://doi.org/10.1590/S0103-65642009000400007
http://doi.org/10.1590/S0103-65642009000...
). Estudos queer, decoloniais e sobre a interseccionalidade são apostas epistêmicas que podem superar visões parciais e dicotômicas acerca do corpo e das corporalidades diversas que, alicerçadas nas desigualdades estruturais e estruturantes, comprometem a luta por direitos sanitários e perpetuam modelos colonizadores que geram opressões e iniquidades em saúde(3030 Vergueiro V. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade [Dissertação] [Internet]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 2016[cited 2020 Jul 22]. Available from: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/19685/1/VERGUEIRO%20Viviane%20-%20Por%20inflexoes%20decoloniais%20de%20corpos%20e%20identidades%20de%20genero%20inconformes.pdf
https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream...
).

A tripla subversão da norma - ser trans, mulher e estar em situação de rua(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
) - marca diferenças que justifica a necessidade de produção de conhecimentos decoloniais e interseccionais(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.,3030 Vergueiro V. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade [Dissertação] [Internet]. Salvador (BA): Universidade Federal da Bahia; 2016[cited 2020 Jul 22]. Available from: https://repositorio.ufba.br/ri/bitstream/ri/19685/1/VERGUEIRO%20Viviane%20-%20Por%20inflexoes%20decoloniais%20de%20corpos%20e%20identidades%20de%20genero%20inconformes.pdf
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) que extrapolem as lógicas vigentes que privilegiam ações e intervenções pautadas exclusivamente no modelo biomédico cuja referência única é o binarismo biológico dos corpos.

No entanto, é crucial o reconhecimento de que essa perspectiva pautada na patologia, tanto no que se refere à demanda pelo PT como a busca ativa por casos de IST, ainda é uma das vias pela qual direito à saúde é acessado pelas pessoas trans(3131 Ferreira BO, Nascimento EF, Pedrosa JIS, Monte LMI. Vivências de travestis no acesso ao SUS. Physis. 2017;27(4):1023-38. http://doi.org/10.1590/s0103-73312017000400009
http://doi.org/10.1590/s0103-73312017000...
). Não obstante, torna-se frágil para o grupo das que estão em situação de rua ao qual se sobrepõem atributos depreciativos relacionados à extrema pobreza que impõem barreiras de acesso aos recursos de saúde.

A valorização da dimensão técnica e patologizante, atribuída ao cuidado oposta à perspectiva relacional, expõe situações de fragilização dos vínculos entre profissional e pessoas trans devido aos enquadramentos heteronormativos, racistas e classistas que desqualificam as identidades das pessoas trans em situação de rua. Aspectos, como a convivência, acolhimento e apoio mútuo entre as pessoas, que emergiram na pesquisa parecem antagônicos à esta perspectiva.

A respeito disso, o vínculo e o cuidado livre de discriminação de qualquer natureza, pautados na horizontalização e humanização do cuidado preconizados em recomendações da política(1313 Ministério da Saúde (BR). Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais [Internet]. Brasília, DF: MS; 2013[cited 2019 Jul 22]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_lesbicas_gays.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
) e as de uma mulher trans que participou da entrevista, reforçam a importância do uso de linguagem de alcance à promoção do cuidado integral da pessoa trans em situação de rua.

O distanciamento entre profissional e usuário por meio do uso de linguagem técnica(3232 Muller MI, Knauth DR. Desigualdades no SUS: o caso do atendimento às travestis é 'babado'! Cad EBAPE.BR. 2008;6(2):[about 14 p.]. http://doi.org/10.1590/S1679-39512008000200002
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) se configura como uma das múltiplas violências que as pessoas trans em situação de rua sofrem nos serviços de saúde, refletindo a transfobia institucional e, por consequência, desfechos negativos em saúde(1212 Sousa P, Ferreira LOC, Sá JB. Estudo descritivo da homofobia e vulnerabilidade ao HIV/Aids das travestis da região metropolitana do Recife, Brasil. Cienc Saude Colet. 2013;18(8):2239-51. http://doi.org/10.1590/S1413-81232013000800008
http://doi.org/10.1590/S1413-81232013000...
).

O medo de situações vexatórias e constrangedoras(3232 Muller MI, Knauth DR. Desigualdades no SUS: o caso do atendimento às travestis é 'babado'! Cad EBAPE.BR. 2008;6(2):[about 14 p.]. http://doi.org/10.1590/S1679-39512008000200002
http://doi.org/10.1590/S1679-39512008000...
) e a forma como as mulheres trans em situação de rua são representadas motivam o afastamento dos serviços de saúde, absenteísmo e abandono de tratamento e determinam a forma como serão (ou não) recebidas nestes espaços(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
,3232 Muller MI, Knauth DR. Desigualdades no SUS: o caso do atendimento às travestis é 'babado'! Cad EBAPE.BR. 2008;6(2):[about 14 p.]. http://doi.org/10.1590/S1679-39512008000200002
http://doi.org/10.1590/S1679-39512008000...
-3333 Paiva, IKS, Lira CDG, Justino JMR, Miranda MGO, Saraiva AKM. Direito à saúde da população em situação de rua: reflexões sobre a problemática. Cienc Saude Colet. 2016;21(8):2595-606. http://doi.org/10.1590/1413-81232015218.06892015
http://doi.org/10.1590/1413-81232015218....
)

Esta fragilização dos vínculos e descrença nos serviços inserem desafios no que se refere à criação de espaços de fala e escuta qualificada a partir de uma perspectiva horizontal e humanizada do cuidado às pessoas trans em situação de rua que desfaçam as lógicas cristalizadas de cuidado que reproduzem estratégias para a prática da transfobia institucional.

Outrossim, a prática de convivência genuína, pautada no respeito às diferenças, igualdade de direitos e solidariedade, pode contribuir para interações saudáveis e compromissos mútuos que, constituintes do processo de cuidado às pessoas trans em situação de rua, deve considerar as implicações decorrentes deste processo de cultivo de vínculos afetivos(3434 van Wijk LB, Mângia EF. O cuidado a pessoas em situação de rua pela rede de atenção psicossocial da Sé. Saude Debate. 2017;41(115):1130-42. http://doi.org/10.1590/0103-1104201711511
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).

Essa dimensão ética do cuidado como um ato de cuidar baseado no compromisso, respeito e estímulo ao exercício da cidadania, fundamenta ações de atenção à saúde, contribuindo para que a pessoa trans em situação de rua possa, como relatado, encontrar os meios para “ser aceita na sociedade”, isso porque a negação da cidadania e acúmulo de violações sofridas (física, psicológica, sexual e institucional) resultantes da heteronormatividade aumentam a vulnerabilidade e subalternidade das mulheres trans em situação de rua(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
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), ainda mais quando combinadas com as questões de classe e raça.

A rua, como o rumo para sustentação da identidade de gênero, não aceita pela família(22 Dias ALF, Borges AO, Cunha BE-DB, Castro BP, Campos JA, Carvalho MAC, et al. À margem da cidade: trajetórias de invisibilidade e exclusão de travestis em situação de rua. Gerais Rev Interinst Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Jul 23];8(spe):214-233. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-82202015000200005&lng=pt
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), configura-se também como um espaço de promoção do cuidado em saúde integral para pessoas trans em situação de rua, a partir do qual coexistem conhecimentos, práticas de cuidado e itinerários terapêuticos(3434 van Wijk LB, Mângia EF. O cuidado a pessoas em situação de rua pela rede de atenção psicossocial da Sé. Saude Debate. 2017;41(115):1130-42. http://doi.org/10.1590/0103-1104201711511
http://doi.org/10.1590/0103-110420171151...
-3535 Souza MHT, Signorelli MC, Coviello DM, Pereira PPG. Itinerários terapêuticos de travestis da região central do Rio Grande do Sul, Brasil. Cienc Saude Colet. 2014;19(7):2277-86. http://doi.org/10.1590/1413-81232014197.10852013
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) que, aprimorados, podem possibilitar a compressão de barreiras que impedem o percurso dessas pessoas até serviço e o acesso aos bens e recursos públicos necessários para a saúde.

A formação profissional de enfermeiras(os), com inclusão de temas de gênero, raça e classe, bem como de outros marcadores da diferença (região, religião, corporalidade, geração, etc.) no currículo e em programas de educação permanente, é condição essencial para superação das barreiras de acesso à saúde impostas por este sistema excludente.

A baixa produção científica nesta área e, consequentemente, as dificuldades de manejo clínico de profissionais de enfermagem(3636 Rosa DF, Carvalho MVF, Pereira NR, Rocha NT, Neves VR, Rosa AS. Nursing care for the transgender population: genders from the perspective of professional practice. Rev Bras Enferm. 72(suppl 1):299-306. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0644
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-3737 Almeida JSM, Martins ERC, Costa CMA, Moraes PC, Ferreira GDF, Spindola T. Care for transgender people from the nursing resident's perspective. Rev Enferm UERJ. 2018;26:e32030. http://doi.org/10.12957/reuerj.2018.32030
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), exigem desenvolvimento de estudos que identifiquem quais são essas barreiras de impedimento de acesso ao direito sanitário de pessoas trans, como se operam interseccionalmente na prática e privilegiam o binarismo identitário, contrapondo pessoas humanas e as não humanas(1515 Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen; 2019.), como são representadas as trans em situação de rua, a partir dos aspectos que marcam suas diferenças.

Este trabalho oferece informações que podem contribuir para a formulação de teorias e tecnologias de assistência, gestão, educação e pesquisas que possam subsidiar serviços e universidades na proposição e execução do cuidado em saúde às pessoas trans em situação e rua.

A metodologia da pesquisa-ação com pessoas trans em situação de rua agregou valor à pesquisa, pesquisadores e participantes, promovendo transformações sobre concepções e práticas durante o processo relatado.

Assim como em outros estudos, esta metodologia oferece subsídios para pesquisas que buscam defender os direitos sanitários de pessoas em situação de vulnerabilidade e contribui para estratégias de superação de barreiras de acesso que as mesmas experimentam(3838 Walker CA, Cohen H, David J. An Older Transgender Woman's Quest for Identity. J Psychosoc Nurs Mental Health Serv. 2016;54(2):31-8. https://doi.org/10.3928/02793695-20160119-04
https://doi.org/10.3928/02793695-2016011...
).

O reconhecimento da combinação de opressões que constituem as subjetividades das pessoas trans em situação de rua, determinando piores resultados em saúde deste grupo, pode somar-se aos esforços já empenhados para a construção de novos saberes e práticas relacionadas ao cuidado de enfermagem e em saúde de modo geral.

Limitações do estudo

O contexto específico no qual a pesquisa se desenvolveu e o número de participantes não permitem generalização dos dados, sendo recomendados novos estudos sobre a saúde desta população em diferentes contextos.

A escassa produção científica sobre a saúde destas pessoas em bases indexadas foi um limitador para este estudo, que se respaldou na experiência profissional e estudos classificados como literatura cinza, sendo essa uma justificativa para a citação dos mesmos.

Contribuições para as áreas da enfermagem, saúde e políticas públicas

Este estudo traz à tona ao mesmo tempo que aprofunda um tema de relevância para a saúde pública. Com isso, amplia horizontes na medida que se vale dos acúmulos e reflete sobre as especificidades indicadas pelas pessoas que participaram da pesquisa, as quais vivenciam uma realidade que adverte para a superação de análises fragmentadas ou isolamento de categorias que, na prática, entrecruzam-se, produzindo adoecimentos.

Neste sentido, além de indicar caminhos para novos estudos, esta pesquisa contribui para as áreas da saúde e da enfermagem, subsidiando o delineamento de pesquisas, protocolos de atendimento, organização dos serviços e processos trabalho, formação profissional, bem como a proposição, implementação e monitoramento de políticas públicas de saúde que possam resultar na garantia do direito à saúde e cuidado integral das pessoas trans em situação de rua.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva reducionista da prática do cuidado vigente nos serviços de saúde, pautada na patologização, concepção de risco e mudanças anatomofisiológicas do corpo, embora tenha sua importância, pode inviabilizar a efetivação do cuidado em saúde integral das pessoas trans em situação de rua, considerando-se a interseccionalidade entre raça, gênero e classe social.

Reconhecer as necessidades em saúde, dessas pessoas, bem como suas especificidades de cuidado, implica contemplar a compreensão sobre a multidimensionalidade do cuidado em saúde e a complexidade desta realidade, incluindo aspectos biológicos, mas, principalmente, os relacionados às determinações sociais deste processo.

A inclusão de temas de gênero, raça e classe na formação de enfermeiras(os) no âmbito acadêmico e dos serviços de saúde é uma das estratégias para superação das barreiras existentes para o acesso à saúde.

A pesquisa-ação promove o encontro com a realidade e, com isso, contribui para a ressignificação de processos, concepções e visões sobre o cuidado em saúde. Por meio da integração de saberes científicos e populares, com participação das pessoas trans em situação de rua, é possível ampliar a consciência sanitária dessas pessoas e contribuir para o desenvolvimento de profissionais sensíveis e culturalmente competentes.

  • FOMENTO
    O estudo recebeu suporte da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

AGRADECIMENTO

Aos integrantes do Projeto A Cor da Rua do Programa COM-Unidade do DASC/EPE da UNIFESP, pela parceria durante a pesquisa.

À Organização de Auxílio Fraterno (OAF), pelo apoio e recursos físicos para a realização de atividades da pesquisa.

À Profa. Dra. Carmen Lúcia Albuquerque de Santana, pelas contribuições teóricas e práticas durante a fase exploratória da pesquisa.

À Universidade de Brighton, Inglaterra (UK), em especial, à Profa. Dra. Katherine Johnson, pela supervisão do estágio sanduíche.

À Profa. Dra. Fran Demétrio (in memorian), pela leitura crítica, recomendações sobre o texto e legado dedicado à saúde das pessoas trans.

À Rede de Pesquisa-ação Participativa (Repap Brasil) pelo acolhimento e apoio durante à pesquisa.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Mitzy Danski

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2021
  • Aceito
    02 Jul 2021
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