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ASSISTÊNCIA PRIMARIA DE SAÚDE IMPLICAÇÕES PARA A ENFERMAGEM

1. Introdução

Julgamos oportuno abordar este tema porque o assunto vem despertando cada vez maior interesse em nosso país, devido ao reconhecimento das autoridades governamentais e sanitárias, quanto à necessidade de tornar acessível a toda a população os benefícios dá saúde. Aliás essa é uma tendência mundial, principalmente entre os países em desenvolvimento, e constitui alta prioridade no programa atual da OMS que tem publicado inúmeros trabalhos e documentos sobre o assunto. Em nosso país, como em muitos países em desenvolvimento, o grande desafio a enfrentar é a assistência às populações rurais e aos pequenos núcleos dispersos no interior de nosso imenso território. Por isso, neste trabalho, será dada maior ênfase a esse aspecto do problema.

O que se entende por atendimento primário de saúde, ou assistência primária?

Revendo a literatura de língua inglesa encontramos a expressão “Primary Health Care” e na língua espanhola “Servicios Minimos de Salud”. EISEMAN (1976) usa a expressão “Primary Care Practitioner” significando o profissional de saúde que inicia o contato com o indivíduo à sua entrada no Sistema de Assistência à Saúde.

Os participantes de um Seminário promovido pela OPS/OMS (1976) assim definiram Assistência Primária: “É o conjunto de ações pouco complexas, mas efetivas, que se põe à disposição do indivíduo, família e comunidade, para promover e conservar a saúde, assim como para repará-la e prevenir a doença. Usualmente é o meio através do qual se facilita o acesso do usuário a níveis de assistência mais complexos e custosos.”

ARCHER E FLESHMAN (1975) afirmam que a expressão “Primary Care” (Assistência Primária) tornou-se a frase do momento e que sua popularidade se evidencia nos muitos artigos escritos recentemente sobre o assunto, e pode ser atribuída à falha da medicina, ora praticada, em atender as necessidades de saúde mais comuns da população em geral; afirmam ainda que a maioria dos distúrbios que afetam as pessoas são de natureza simples, o tratamento é considerado rotineiro e repetitivo e algumas autoridades acreditam que 80% dessas queixas não requerem as habilidades de um médico.

Tomando como base o conceito de que assistência primária é aquela prestada pelo agente de saúde que inicia o contato com o indivíduo à sua entrada no sistema assistencial, podemos identificar suas prática entre nós, nas seguintes ações sanitárias:

  1. na triagem da clientela e no atendimento feito por pessoal de enfermagem nas Unidades Sanitárias e Ambulatórios, à gestantes, crianças, tuberculosos, hansenianos, etc.

  2. na prestação de serviços básicos de saúde a populações que não têm acesso à assistência médica permanente, através da utilização de pessoal auxiliar devidamente treinado e supervisionado. Esse tipo de atendimento se aplica principalmente aos pequenos núcleos de população da zona rural, mas já vem sendo utilizado também para as populações da periferia dos centros urbanos. Pressupõe a existência de um sistema regionalizado de prestação de serviços de saúde de complexidade crescente. A unidade primária de saúde é a porta de entrada do sistema.

  3. no atendimento feito por médicos clínicos gerais em centros de saúde e ambulatórios.

2. Fatos que têm influído na evolução dos sistemas de prestação de serviços de saúde e que tornaram possível a assistência primária.

2.1 - A saúde como direito humano

O reconhecimento do direito humano à saúde é um fato relativamente recente. O primeiro documento internacional a mencionar esse direito é a Declaração Universal de Direitos Humanos aprovada em 1948 pela ONU. Seu artigo 25 reza:

“(1) Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure, assim como à sua família, a saúde e o bem estar, em especial a alimentação, o vestuário, a habitação, a assistência médica e os serviços sociais necessários; tem ainda direito aos seguros em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez e outros casos de perda de seus meios de subsistência por circunstâncias independentes de sua vontade.

(2) A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças nascidas do casamento ou fora do casamento, têm direito a igual proteção social”.

No preâmbulo da Constituição da OMS afirma-se “o gozo do mais alto nível de saúde que se possa conseguir é um dos direitos fundamentais de todo homem” e que “os governos têm responsabilidade em relação à saúde de seu povo, a qual só pode ser cumprida mediante a adoção de medidas sanitárias e sociais adequadas”.

Em uma resolução adotada pela 23.ª Assembléia Mundial de Saúde em 1970 foi dado um passo à frente ao declarar-se claramente que “A saúde é um direito fundamental do homem ”. Na mesma Assembléia foi aprovada uma resolução que estabelece que o principal objetivo a longo prazo da OMS é alcançar para todos os povos o grau mais alto possível de Saúde” e acrescenta que “A condição mais importante para que se alcance esse objetivo é o estabelecimento de sistemas nacionais de saúde com a devida eficácia em todos os países”.

2.2 - Avanços das Ciências da Saúde e da Tecnologia Sanitária

Segundo HOLM (1971) a aplicação dos conhecimentos e da tecnologia sanitária hoje disponíveis, tem exercido influência marcante na situação epidemiológica de muitas doenças, tornando possível sua erradicação por meio de medidas que não se enquadram no sistema tradicional da medicina clínica centrada no indivíduo, mas em um novo sistema ou tipo de ação de saúde, os programas de saúde de comunidade. Isso pressupõe o reconhecimento da comunidade como o “paciente” da saúde pública, como já preconizava MC GAVRAN (1953); a necessidade de fazer o diagnóstico e o tratamento da comunidade como um todo, para que se possa lograr o controle ou a erradicação das doenças e tornar acessível à população o benefício total do progresso das ciências da saúde e da tecnologia moderna. Citaremos apenas alguns exemplos de avanços tecnológicos que tornaram possível essa abordagem e que tiveram um impacto decisivo sobre a situação de certas doenças, possibilitando mesmo a erradicação de algumas: (1) o combate a vetores por meio de inseticidas que tornou possível a erradicação de doenças como a malária, de muitas regiões do mundo; (2) a descoberta dos antibióticos que possibilitou, por exemplo, erradicar a bouba em muitas áreas, pela aplicação de uma única injeção de penicilina em toda a população; (3) as imunizações, que quando aplicadas de modo a dar cobertura útil aos grupos de populações suscetíveis, têm levado à erradicação ou ao controle de várias doenças infecciosas, O que caracteriza essas medidas é que elas são padronizadas e só produzem o efeito desejado quando aplicados à comunidade como um todo. Advém daí algumas conseqüências práticas para a organização do Serviço de Saúde:

  1. a necessidade de unidades fixas de saúde, a que a população tenha acesso fácil;

  2. a necessidade da cooperação ativa da população, porque só quando obtida a cobertura necessária, é possível influir no panorama das doenças da comunidade;

  3. a possibilidade de utilizar pessoal auxiliar de saúde devidamente treinado para a aplicação das técnicas simples de diagnóstico e tratamento.

Esses fatos têm importância fundamental porque tornaram possível o desenvolvimento de sistemas de prestação de Serviços de Saúde de eficiência comprovada, em países em desenvolvimento, que possibilitam uma maior cobertura da população e a redução dos custos.

3. Recomendações do Plano Decenal de Saúde para as Américas

Entre as recomendações daquele plano, no que se refere à prestação de Serviços de Saúde encontra-se o seguinte:

“Começar no decênio a instalação de mecanismos que tornem viável conseguir cobertura total da população pelo Sistema de Serviços de Saúde em todos os países da Região, ou mais especificamente:

  • Estender em localidades de mais de 100.000 habitantes, a cobertura de serviços básicos a toda a população e ampliar o campo de atividades especializadas que exijam os novos problemas criados pela urbanização;

  • Estender em localidades de 20.000 a 100.000 habitantes, cobertura de Serviços Básicos a toda a população ainda não coberta.

  • Estender em localidades de menos de 2.000 habitantes, a cobertura de serviços mínimos integrais de saúde a toda a população, através da utilização de pessoal auxiliar devidamente treinado.

Entende-se que esta assistência básica, de níveis de qualidade diferentes, deverá completar-se com um sistema de coordenação e encaminhamento que permita o acesso à assistência especializada, de toda a população”.

4. Situação Demográfica e Sanitária do Brasil

VILLAS BOAS (1975) refere que de acordo com dados oficiais o Brasil possui uma população rural de aproximadamente 42 milhões de habitantes, e uma população urbana de 53 milhões, distribuída em 7.834 localidades (cidades e vilas) das quais 5.395 (88,8%) têm menos de 2 mil habitantes, e 1.241 (15,8%) entre 2 e 5 mil.

Deduz aí que mesmo grande parcela da população considerada urbana vive em localidades que em geral sofrem da inexistência ou deficiência de condições urbanísticas, como por exemplo, ausência de casas de alvenaria, de áreas calçadas, drenagem de águas pluviais, luz elétrica, abastecimento público de água e esgotos sanitários domiciliares para destino dos dejetos. Assim cerca de 50% da população do país vive em pequenas comunidades afetadas por condições tipicamente rurais. Observa ainda um forte movimento migratório para os grandes centros urbanos, que se explica não só pelo processo de industrialização e pela mecanização da agricultura com a conseqüente redução da força de trabalho, mas também pela crescente demanda da população rural por uma qualidade de vida mais satisfatória em que se inclui a assistência à saúde. Aponta que a população rural brasileira é jovem; os menores de 5 anos representam aproximadamente 15%; os menores de 15 anos ultrapassam 40% e os indivíduos até 24 anos de idade representam 61% do total; apenas 8% da população consegue atingir idade acima de 55 anos. A natalidade mantém-se em nível relativamente alto, com coeficiente de aproximadamente, 36 por 1.000 habitantes, e a esperança de vida ao nascer é considerávelmente inferior à medida nacional, estimada em 59 a 64 anos para os homens e mulheres, respectivamente. A mortalidade geral e infantil é elevada. Cerca de 50% dos óbitos ocorre no grupo de menores de 5 anos, causados principalmente por doenças infecciosas e parasitárias associadas à desnutrição proteico-calórica e às anemias nutricionais. Quanto à morbidade, prevalecem as doenças transmissíveis com aproximadamente 370 casos por 100 mil habitantes. Resulta que grande parte da população não recebe os benefícios da saúde e do saneamento por impossibilidade financeira de custeio, ou ainda por inexistência ou insuficiência de serviços, devido fundamentalmente, às disparidades da localização espontânea dos recursos humanos e da infra-estrutura de saúde. De modo geral, não dispõe de meios satisfatórios de abastecimento de água, nem de qualquer tipo de instalações para o destino de dejetos. Cerca de 40% dos municípios brasileiros, não dispõe de qualquer infra-estrutura de saúde nem conta com médico residente.

5. Tendências relativas à estruturação dos serviços de saúde

As autoridades sanitárias brasileiras mostram-se cada vez mais sensíveis à problemática de saúde do país, particularmente à necessidade de estender os benefícios de saúde às populações rurais. Isso pode ser observado mais nitidamente nas áreas de colonização recente e nas chamadas áreas de valorização econômica. Assim é que o Ministério da Saúde, através da Fundação SESP e em colaboração com as Secretarias de Saúde dos Estados está desenvolvendo um vasto Projeto de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS). Sob a execução direta da Fundação SESP estão em plena fase de desenvolvimento projetos de prestação de serviços às populações interioranas, todos em áreas de valorização econômica.* Vale do Jaguaribe, Vale do S. Francisco, Serra. do Mel - RN. Em áreas especiais ao longo das rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Perimetral-Norte, bem como no Norte de Goiás, Sudeste do Pará, Alta Sollinões e Região Centro-Oeste.

Por outro lado as Secretarias Estaduais de Saúde estão estrutrando-se para extensão de seus serviços às comunidades rurais.

As principais características desses serviços de Saúde podem ser assim resumidas:

  1. Regionalização - divisão da área de atuação em Regiões de Saúde, que congregam Unidades de Saúde de complexidade crescente a começar pelas Unidades mais simples de Assistência Primária, dotadas de pessoal auxiliar e assistência médica periódica ,até às Unidades dotadas de maiores recursos, inclusive hospitalização. Cada Região é coordenada por uma equipe de técnicos (Profissionais de Saúde), responsáveis pela supervisão, treinamento e educação em serviço do pessoal, visando à manutenção de padrões aceitáveis de assistência;

  2. Utilização de pessoal auxiliar em larga escala (visitadoras sanitárias, atendentes, auxiliares de saneamento e de higiene dental, etc.);

  3. Envolvimento das Comunidades locais na solução de seus próprios problemas de Saúde. Valoriza-se e aprimora-se, por exemplo, o trabalho da parteira leiga e envolvem-se outros líderes locais na solução dos problemas de saneamento básico e outros.

  4. Existência de normas e instruções de serviço que indicam não só os métodos, técnicas e esquemas padronizados de tratamento, como também estabelecem metas qualitativas e quantitativas a atingir e que servem como parâmetros para a avaliação contínua do trabalho realizado.

No que se refere às Unidades Simplificadas de Saúde, ou Unidades de Assistência Primária, além da vasta experiência da Fundação SESP, pioneira na utilização desse tipo de Unidade no Brasil, dispondo atualmente de 87 em funcionamento em 12 Estados da Federação, podem ser citadas também algumas experiências isoladas: os chamados “Mini-Postos de Saúde” desenvolvidos pela antiga ABC AR, hoje EMATER, em convênio com as Secretarias de Saúde e a FSESP, notadamente no Nordeste, sendo mais conhecida os do Rio Grande do Norte; os Projetos “Monte Claros” e “Caruaru”, em fase de implantação, sob a coordenação da PAPPE-Unidade de Planejamento do Ministério da Saúde.

6. Ações de Saúde a nível de Assistência Primária e Pessoal que as executa

6.1 - Ações de Saúde

Segundo as recomendações de dois grupos de trabalho da OPS/OMS, reunidos em Washington em abril de 1974, as Unidades de Assistência Primária devem estar capacitadas a desenvolver um programa básico de saúde que inclui tarefas específicas das seguintes áreas de ação:

Assistência materno-infantil, incluindo nutrição e educação para a saúde; Vigilância epidemiológica e imunização; Assistência mínima em relação às doenças prevalentes na região; Primeiros socorros; Saneamento ambiental; Estatística vital; Promoção da comunidade.

A atividade materno-infantil inclui as seguintes ações: assistência prenatal; assistência ao parto; assistência no puerpério; cuidados imediatos do recém-nascido; planificação familiar* * No Brasil o planejamento familiar não é incluido no programa por não ser ainda considerado uma prioridade pelas autoridades governamentais. e a assistência à criança menor de 5 anos. O sub-programa de saneamento pode ser subdividido em “componente água” incluindo ações com a comunidade, construção ou instalação de pequenos sistemas de abastecimento e controle do funcionamento, e “componente dejetos” incluindo ações com a comunidade, construção, instalação e manutenção de privadas higiênicas; a coleta de dados estatísticos inclui: “estatísticas de serviços de saúde” abrangendo:

  • - informação sobre o número de habitantes da localidade;

  • - anotação dos dados sobre natalidade, morbidade e mortalidade;

  • - envio da informação ao nível imediatamente acima;

  • - notificação de mortalidade exagerada (pessoas e animais);

  • - notificação da presença pouco comum de alguma enfermidade;

  • - anotação e envio da informação sobre serviços prestados; e mais: “estatística de registro civil”, que visa ao fornecimento do registro de nascimentos e de mortalidade infantil, incluindo a neonatal.

6.2 - Pessoal

As funções do médico e da enfermeira a esse nível assistencial estão limitadas principalmente aos aspectos de ensino e supervisão, os quais adquirem importância fundamental uma vez que incluem os aspectos de avaliação, controle e treinamento em serviço, limitando-se à assistência direta ao indivíduo, a casos selecionados pelo auxiliar ou aos que estão previstos nas normas. No que se refere aos aspectos específicos dessas profissões, aqueles que as exercem têm sua ação limitada pelo fato de que nesses lugares não dispõem da tecnologia necessária que apoie seus conhecimentos, o que muitas vezes faz com que suas atividades de assistência direta aos pacientes se diferencie pouco do que faz o auxiliar, seguindo as normas devidamente explicativas em que deve apoiar seu trabalho. Desse modo, deverão atender de preferência, aqueles casos que o auxiliar tiver selecionado para seu exame e prescrição terapêutica ou de enfermagem.

O elemento chave para o funcionamento da Unidade de Assistência Primária tem tido denominação diversa em vários países e mesmo no Brasil. Aqui já são de uso corrente as expressões “Aten-dente Rural”* * M . S. DNOSA. Setor de Enfermagem - Manual para Programas de Penetração Rural - 11174. e “Orientador dè Saúde”** ** Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte e ANAR ( 1974) . A Fundação SESP utiliza para essa tarefa um elemento auxiliar de emprego já consagrado em seu quadro de pessoal, que é a Visitadora Sanitária. Em trabalho sobre a assistência primária do Sudão § § IDRlSS "et alU" (1976). encontramos a denominação, que achamos muito apropriada, de “Auxiliar de Saúde Comunitária”.

A duração do treinamento também tem variado. Isso se explica pelo fato de que esses elementos são preparados para realizar tarefas específicas e o treinamento varia em função das mesmas. O “Manual de Penetração Rural”, já citado, preconiza um treinamento de 300 horas para o “Atendente Rural” o que eqüivale a 3 meses. O mesmo tempo é adotado para os “Orientadores de Saúde”. As visitadoras da FSESP são treinadas em 5 meses, em cursos eminentemente práticos, com a fundamentação teórica necessária, ciados sob a coordenação de enfermeiras, em Unidade de Saúde que ofereça campo de estágio adequado.

Convém atentar para o fato de que esse elemento é basicamente um componente da equipe de enfermagem, treinado por enfermeira e preferentemente, por ela supervisionado.

Em algumas experiências esse elemento acumula também as funções de auxiliar de saneamento. Na Fundação SESP, entretanto, acha-se por bem utilizar outro elemento para a execução daquelas funções que é o “Auxiliar de Conservação e Saneamento”.

O que caracteriza basicamente este pessoal é que:

  • - deve ser recrutado e selecionado na própria comunidade em que vai atuar;

  • - deve ter escolaridade mínima que o capacite a acompanhar o programa básico de treinamento (o correspondente ao antigo primário, ou de preferência, o primeiro grau completo);

  • - deve receber supervisão periódica regular e revisão de conhecimentos, de acordo com as necessidades.

Merece destaque especial o papel da Comunidade. O Conselho Executivo da Organização Mundial da Saúde em sua 51.ª reunião, destacou a importância da participação da Comunidade como um elemento essencial de qualquer política de saúde. Nos programas de Assistência Primária é fundamental a colaboração de líderes comunitários locais, como a parteira leiga, a professora primária, a extensionista rural e outros. “O Guia para Organização de Serviços de Saúde em Áreas Rurais e a utilização de Pessoal Auxiliar”, já citado, atribui ao líder comunitário as seguintes funções, por delegação e com o treinamento que o Sistema de Saúde considerar necessário proporcionar-lhe:

  • - representar o serviço de saúde perante a comunidade;

  • - estabelecer comunicação com sua comunidade e difundir os benefícios do serviço;

  • - identificar e mobilizar os recursos formais e informais para a realização do programa;

  • - identificar com sua comunidade, as maiores necessidades e estabelecer com elas as mais prementes;

  • - orientar e coordenar a utilização dos recursos para cumprir as tarefas específicas sugeridas pelo programa;

  • - colaborar na prestação de serviços mínimos de saúde e difundir na comunidade os progressos alcançados na realização do programa e os obstáculos encontrados que dificultam seu desenvolvimento.

Convém lembrar, entretanto, que a utilização de pessoal não médico, principalmente no que se refere à aplicação de medidas curativas simples e rotineiras, não é bem aceita entre nós, por grande parte da classe médica. Uma mudança dessa atitude, a nosso ver, traria grandes benefícios, uma vez que resultaria na racionalização da utilização dos recursos humanos disponíveis. A importância disso se destaca mais ainda quando se tem em mente o grande problema da concentração de médicos nos grandes centros urbanos, deixando completamente a descoberto as populações do interior, principalmente da zona rural. A respeito desse problema, na Reunião Especial de Ministros de Saúde das Américas (1969) reconheceu-se que “não há motivos para supor que a inadequada distribuição de médicos melhore espontaneamente no curso da década”. Reconheceu-se ao mesmo tempo que os problemas de saúde do meio rural não poderão resolver-se por meio de profissionais universitários, pelo que “procede recorrer a auxiliares capacitados e sempre que possível, assessorados por enfermeiras graduadas”.

7. Implicações para o ensino e para o exercício profissional da enfermagem

Do que foi descrito se conclui que o pessoal de enfermagem tem importância fundamental em qualquer programa de Assistência Primária, seja qual for o tipo de Serviço em que ele se desenvolva. Nos Centros de Saúde e nos ambulatórios dos Centros Urbanos é cada vez mais conhecida a função importante da enfermeira na triagem dos pacientes para o atendimento por outros profissionais e na realização da consulta de enfermagem. Esta última já foi praticamente consagrada nos programas das Secretarias Estaduais de Saúde e aos poucos vai sendo introduzida nos Serviços da Previdência Social.

No que se refere às Unidades de Assistência Primária dos pequenos centros urbanos e da zona rural creio não ser mais necessário enfatizar a importância da participação do pessoal auxiliar de enfermagem.

Julgamos pois, da maior importância, que especialmente as enfermeiras recebam um preparo adequado para o exercício dessas novas atribuições. Faz-se necessário portanto, desenvolver programas de educação em serviço visando a habilitação das enfermeiras na prática de consulta de enfermagem, nas técnicas de exame físico e de avaliação do estado de saúde, na identificação de indivíduos com sintomas característicos de doenças tais como: tuberculose, hanseníase, etc.; na seleção de clientes de alto risco, na prestação de primeiros socorros e atendimentos de urgência, no trabalho com líderes e grupos da comunidade visando a solução de problemas de saúde.

Urge prepará-las também para o adestramento, supervisão e avaliação do trabalho do pessoal auxiliar envolvido nos programas de assistência primária, utilizando a tecnologia da didática moderna.

No que se refere ao ensino de enfermagem faz-se necessário incluir no currículo, conteúdos e experiências que proporcionem a aquisição dos comportamentos desejados para o exercício dar novas atribuições. É importante também que seja dada maior ênfase aos aspectos de saúde da comunidade e que os estudantes tenham oportunidade, em seus campos de estágio, de atuar em equipes multiprofissionais para que o mesmo enfoque seja vivenciado por todos os futuros profissionais de saúde, facilitando assim a compreensão do papel de cada um.

Uma das soluções que, nos parece indicada para a adequação do produto educacional às necessidades do país é a mencionada por MÁRIO CHAVES (1975): a “regionalização docente-assistencial”, uma resultante da combinação dos princípios da regionalização de serviços de saúde e da necessidade de aproveitar ao máximo as oportunidades que serviços assim organizados oferecem para o ensino de profissionais da área da saúde.

No mesmo trabalho o autor valoriza essa integração docente-assistencial como ‘‘um instrumento para a humanização do produto das escolas médicas e das demais profissões de saúde”, uma vez que permite ao estudante viver a realidade do sistema de saúde, percorrendo no aprendizado, seus diversos níveis.

No Brasil, isso tornou-se praticamente viável a partir da lei 6.229, de 17 de julho de 1975 que dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Saúde que recomenda: “promover a integração progressiva dos hospitais de ensino e institutos de treinamento de pessoal de saúde no Sistema Nacional de Saúde, aparelhando-os para desempenhar as funções que lhe forem atribuídas pelo Sistema e ampliando a área de treinamento pela utilização de outros instrumentos de prestação de serviços de saúde do Sistema Nacional de Saúde”.

Experiência desse tipo está para concretizar-se com o próximo início do funcionamento do Hospital Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cujo projeto está calcado nesses princípios e que será o centro coordenador de uma área docente-assistencial.

O "Plano Decenal de Saúde para as Américas" faz recomendações específicas sobre a necessidade de promover a integração docente-assistencial como um meio para atingir os objetivos de formação de pessoal necessário à implementação dos programas de saúde previstos.

8. Recomendações

As Escolas de Enfermagem e aos Serviços Oficiais de Saúde :

  1. Que discutam em conjunto, em "oficinas de trabalho, seminários, etc, os planos referentes à prestação de serviços de saúde em âmbito nacional e estadual, visando a analisar novos métodos e técnicas de ação sanitária e a identificar o papel que está sendo atribuído ao pessoal de enfermagem.

  2. Que, com base no observado na recomendação anterior, definam quais são os conteúdos e práticas que devem ser incluídos nos currículos para que os futuros profissionais possam atuar com segurança e discernimento nos programas de saúde, principalmente nos aspectos referentes à assistência primária.

  3. Que promovam a atualização constante dos docentes e das enfermeiras de serviço na metodologia adotada nas acões de saúde aplicadas à assistência primária.

  4. Que proporcionem oportunidades para estágios em programas de assistência primária, para estudantes de enfermagem e outros da área da saúde.

  • MATOS, A.V. - Assistência primária de saúde. Implicações para a enfermagem. Rev. Bras. Enf.; DF, 31 : 13-22, 1978.
  • Vale do Jaguaribe, Vale do S. Francisco, Serra. do Mel - RN. Em áreas especiais ao longo das rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Perimetral-Norte, bem como no Norte de Goiás, Sudeste do Pará, Alta Sollinões e Região Centro-Oeste.
  • *
    No Brasil o planejamento familiar não é incluido no programa por não ser ainda considerado uma prioridade pelas autoridades governamentais.
  • *
    M . S. DNOSA. Setor de Enfermagem - Manual para Programas de Penetração Rural - 11174.
  • **
    Secretaria de Saúde do Rio Grande do Norte e ANAR ( 1974)
  • §
    IDRlSS "et alU" (1976).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 1978
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