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Sistema Único de Saúde e democracia: a enfermagem no contexto de crise

RESUMO

Objetivo:

discutir, tomando por referência a crise no Brasil e sua repercussão nas políticas públicas de saúde atuais, a inserção da enfermagem brasileira nesse contexto e seus modos de agir para realização do cuidado.

Método:

reflexão ancorada nos estudos sobre a politicidade do cuidado.

Resultados:

está dividida em dois tópicos, o primeiro sobre políticas públicas, Sistema Único de Saúde e a desconstrução do direito à saúde com a ofensiva neoliberal; e o segundo sobre a ação política da enfermagem na luta pelo direito a saúde e pela democracia.

Considerações finais:

enfatiza-se que a enfermagem deve assumir seu papel político-social de forma a contribuir na construção de um Brasil melhor e mais justo, dizendo não às reformas neoliberais, bem como lutando pela garantia dos direitos já adquiridos e pela retomada da estabilidade democrática ao país.

Descritores:
Política de Saúde; Democracia; Assistência Integral à Saúde; Reforma dos Serviços de Saúde; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to discuss, taking for reference the crisis in Brazil and its impact on public health policies, the insertion of Brazilian nursing in that context and its ways of practicing the profession, based on the study about the politicality of care.

Method:

the reflection is divided into two topics, the first is about public policies, the Brazilian Unified Health System and the deconstruction of the right to health with neoliberal offensive; and the second is about the nursing political action in the fight for the right to health and for democracy.

Final considerations:

we emphasize that nursing must assume its sociopolitical role to contribute to the construction of a better and fairer Brazil, saying no to neoliberal reforms, as well as fighting for rights already acquired and for the resumption of the democratic stability in the country.

Descriptors:
Health Policy; Democracy; Integral Health Assistance; Reform of the Health Services; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

discutir, tomando por referencia la crisis en Brasil y su repercusión en las políticas públicas de salud actuales, la inserción de la enfermería brasileña en ese contexto y sus modos de actuar para la realización del cuidado, basado en el estudio sobre la politicidad del cuidado.

Método:

la reflexión se divide en dos temas, el primero en las políticas públicas, el Sistema Único de Salud y la deconstrucción del derecho a la salud con la ofensiva neoliberal; y el segundo sobre la acción política de la enfermería en la lucha por el derecho a la salud y la democracia.

Consideraciones finales:

se enfatiza que la enfermería debe asumir su papel político-social de forma a contribuir en la construcción de un Brasil mejor y más justo, diciendo no a las reformas neoliberales, así como luchando por la garantía de los derechos ya adquiridos y por la reanudación de la estabilidad democrática al país.

Descriptores:
Política de Salud; Democracia; Atención Integral de Salud; Reforma de la Atención de Salud; Enfermería

INTRODUÇÃO

Há 28 anos Souza e Gutiérrez(11 Souza MF, Gutierrez MG. Em que consiste a enfermagem. Acta Paul Enf. 1989;2(1):5-8.), na busca por compreender "Em que consiste a enfermagem", apresentaram questionamentos para crítica e reflexão da categoria a fim de elucidar como a enfermagem é concebida e praticada. Para as pesquisadoras, a enfermagem brasileira sofreu, e ainda sofre, influência das mudanças na estrutura social e de suas repercussões nas políticas públicas de Estado em relação à saúde. Conhecedora dessa faceta, a enfermagem poderá determinar a produção de conhecimento e valores orientadores do seu trabalho, bem como o papel que os profissionais da área assumem em sociedade.

Passados quase trinta anos desde a publicação de Souza e Gutiérrez(11 Souza MF, Gutierrez MG. Em que consiste a enfermagem. Acta Paul Enf. 1989;2(1):5-8.), a enfermagem brasileira paulatinamente foi respondendo, no campo teórico e prático, a tais questões ao assumir papel social relevante na evolução das políticas de saúde. Sabe-se que atualmente a enfermagem corresponde a uma importante categoria do trabalho em saúde, abarcando 50% dos 3,5 milhões de trabalhadores do setor.

No Brasil, a enfermagem é composta por um quadro de 80% de técnicos e auxiliares e 20% de enfermeiros, que cotidianamente realizam o cuidado na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde da população(22 Silva MCN, Machado MH, (Orgs). Perfil da enfermagem no Brasil[Internet]. 2015 [cited 2016 Oct 15]. Available from: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/
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).

Representa uma categoria de trabalhadores da saúde presente em todos os municípios, com forte inserção no Sistema Único de Saúde (SUS), tendo 59,3% das equipes atuando no setor público. Além disso, 31,8% atuam no setor privado, 14,6% no filantrópico e 8,2% nas atividades de ensino. Composta por 84,6% de mulheres, é uma profissão marcadamente feminina.

Dados apontam dificuldade de encontrar emprego por 65,9% dos profissionais da área, sendo que 10,1% indicaram situação de desemprego nos últimos doze meses. Os setores privados e filantrópicos são os que mais apresentam subsalários, que não passam de 2 mil reais, situação determinante para a existência de mais de um vínculo empregatício e condições laborais ruins. Tal fato justifica um percentual de 66% dos profissionais entrevistados que relatam desgaste no ambiente de trabalho(22 Silva MCN, Machado MH, (Orgs). Perfil da enfermagem no Brasil[Internet]. 2015 [cited 2016 Oct 15]. Available from: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/
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).

O atual perfil da enfermagem brasileira é reflexo, portanto, da historicidade da profissão e sua inserção na sociedade e no trabalho em saúde. Assim, ao analisar o contexto social e suas transformações, seremos capazes de determinar e compreender a diversidade do conhecimento e os valores produzidos pela disciplina, que, por consequência, influenciam a prática(22 Silva MCN, Machado MH, (Orgs). Perfil da enfermagem no Brasil[Internet]. 2015 [cited 2016 Oct 15]. Available from: http://www.cofen.gov.br/perfilenfermagem/
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).

O papel social assumido pela enfermagem está alinhado, no que se refere ao Estado democrático brasileiro, aos princípios e diretrizes do SUS, política pública responsável pela mudança no paradigma de atenção à saúde a partir da Constituição de 1988. Nesse modo de idealizar uma política de Estado, novos arranjos conceituais sobre cuidado e saúde surgiram concomitantemente à luta pela redemocratização do país e pelo fim da Ditadura Militar (1964-1984). Essas ideias surgem no bojo do debate intelectual e acadêmico e no cotidiano dos movimentos populares e de profissionais pela defesa da saúde como direito de cidadania(33 Conh A, Nunes E, Jacobi PR, Karsch US. A Saúde como direito e como serviço. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2015.).

Ao tempo da estruturação do SUS, na retomada da democracia brasileira pós-ditadura militar, a enfermagem foi galgando novos cenários de atuação e responsabilidades no setor de saúde. Esses cenários – seja nos cuidados primários hospitalares, de alto aparato tecnológico, seja na pesquisa e na gestão dos serviços de saúde, na formação de trabalhadores da saúde e, especialmente, da enfermagem – determinaram novas responsabilidades e necessidades de conhecimento teórico para atender às demandas práticas que começam a surgir(44 Melo CMM, Santos TA. A participação política de enfermeiras na gestão do Sistema Único de Saúde em nível municipal. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 16(3):426-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v16n3/a07v16n3.pdf
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).

Apesar do avanço profissional e intelectual vivido pela enfermagem brasileira, faz-se urgente refletir sobre o momento atual de crise política e econômica enfrentada pelo Brasil, com explícitas ameaças da ideologia neoliberal que visa o desmonte do Estado democrático e de direito, o qual, mediante o desenvolvimento de políticas progressistas nas últimas décadas, buscou a efetividade do SUS como caminho para garantir o direito à saúde. Associado a essa ofensiva neoliberal se observa o poder manipulativo da mídia que alimenta o descrédito popular para com instituições e poderes instituídos, por sua vez contaminados pela corrupção e má gestão da coisa pública. Esse retrato nos convida a retomar o questionamento(11 Souza MF, Gutierrez MG. Em que consiste a enfermagem. Acta Paul Enf. 1989;2(1):5-8.) como forma de orientar nossa reflexão: Que ações de transformação na estrutura social seriam necessárias para melhorar as condições de enfermagem?

Na busca por respostas a essa indagação apresentamos esta reflexão teórica, cujo objetivo é discutir, tomando por referência a crise no Brasil e sua repercussão nas políticas públicas de saúde atuais, a inserção da enfermagem brasileira nesse contexto e seus modos de agir para realização do cuidado. O tema se torna relevante e atual na medida em que permite refletir sobre as transformações sociais, procurando entender o significado e funcionamento da sociedade global e brasileira, bem como repensar "Em que consiste a enfermagem?"(11 Souza MF, Gutierrez MG. Em que consiste a enfermagem. Acta Paul Enf. 1989;2(1):5-8.) no sentido de lançar pontes para o futuro da profissão como trabalhador da saúde no campo da assistência, da pesquisa, do gerenciamento/gestão e do ensino.

AS POLÍTICAS PÚBLICAS E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS): A DESCONSTRUÇÃO DO DIREITO À SAÚDE E A OFENSIVA NEOLIBERAL

O SUS, entendido como modelo de saúde alternativo de caráter contra-hegemônico em relação ao neoliberalismo e seu modo de produção e reprodução social, é produto da luta participativa da sociedade civil pela redemocratização do país e pelo direito universal à saúde, luta esta reconhecida historicamente como Reforma Sanitária Brasileira (RSB). Consiste numa conquista popular, uma política pública desejada pela sociedade, garantida pela Constituição Cidadã e legitimada pelas Leis Orgânicas da Saúde (LOS)(33 Conh A, Nunes E, Jacobi PR, Karsch US. A Saúde como direito e como serviço. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2015.).

No entanto, assegurar a efetividade do SUS como política pública nunca foi uma tarefa das mais simples. Obstáculos e desafios ao longo da sua trajetória persistem. Financiamento e garantias orçamentárias se colocaram por muitos anos como incógnitas para gestores e profissionais de saúde. Transcorreram onze anos até que fossem assegurados legalmente recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde nas três esferas do governo, mediante a Emenda Constitucional (EC) nº 29, de 13 de setembro de 2000. E foi preciso o dobro do tempo para que o SUS fosse regulamentado pelo Decreto nº 7508, de 28 de junho de 2011(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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).

Posteriormente, a Lei Complementar (LC) nº 141, de 13 de janeiro de 2012, estabeleceu os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde. Portanto, o dispositivo veio disciplinar o financiamento e o cumprimento dos investimentos no setor, modificar os limites e as regras para gastos em saúde e oficializar as emendas parlamentares obrigatórias(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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). Associa-se a isso a aprovação da EC nº 86, de 17 de março de 2015, a qual modificou os artigos 165, 166 e 198 da Constituição Federal, que tratam da execução da programação orçamentária em relação ao SUS(66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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).

As implicações da EC 86/2015, que estipulou o financiamento federal não inferior a 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), já se mostravam negativas ainda em 2015, mas somente foram sentidas em 2016, quando o cálculo da aplicação mínima com base na RCL começou a ser adotado. A partir disso tem-se o modelo de orçamento impositivo, cujas regras agravarão ainda mais o quadro de subfinanciamento do SUS, o que representará perda parcial de direitos sociais(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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-66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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).

De certo há uma persistente instabilidade e insuficiência de recursos impostas pela ofensiva neoliberal nos diversos governos pós-1988, o que veio a inviabilizar a efetivação do direito à saúde. Associam-se a essa característica a estrutura tributária injusta, o pagamento de juros da dívida pública, nunca auditada, e as constantes modificações na legislação como determinantes do subfinanciamento do SUS, o que configura um retrocesso imposto à Seguridade Social(77 Paim JS. Seguridade Social, financiamento e crise do Sistema Único de Saúde-SUS. Plataforma Política Social[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 15]. Ano 5. Available from: http://plataformapoliticasocial.com.br/seguridadesocialfinanciamentoecrisedosistemaunicodesaudesus/
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).

No Brasil é por meio da arrecadação de impostos que o Estado Social Democrático de Direito garante o funcionamento e a execução de políticas públicas. Entretanto, peculiaridades existentes na legislação tributária transformaram o país num paraíso para os super-ricos. Dados provam que o décimo mais rico da população se apropria de metade da renda das famílias brasileiras (52%); o centésimo mais rico, de algo próximo a (23,2%); e o milésimo mais rico chega a obter um décimo dessa renda (10,6%), índices que ultrapassam os limites considerados toleráveis para as sociedades democráticas com um sistema de saúde universal. Essa parcela da população, os super-ricos e ricos, paga menos imposto em proporção à sua renda do que um cidadão da classe média alta, sobretudo o trabalhador assalariado. Portanto, são os pobres e trabalhadores, aqueles que mais dependem do SUS, os responsáveis por pagar mais impostos(88 Gobetti SW, Orair RC. Sistema tributário brasileiro: o paraíso dos superricos [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 12]. Available from: https://nacoesunidas.org/brasil-e-paraiso-tributario-para-super-ricos-diz-estudo-de-centro-da-onu/
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).

Tal característica viola o princípio da progressividade tributária segundo o qual o nível de tributação deve crescer com a renda. Não há no país um dispositivo constitucional que permita taxar as grandes fortunas. Isso se mantém devido à permanência legal da isenção de impostos sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a seus sócios e acionistas. O potencial distributivo do imposto de renda no Brasil, medido em termos de queda no Índice de Gini, é menor do que nos países mais desenvolvidos da América Latina, como México, Uruguai, Argentina e Chile, e bem inferior ao dos países europeus(88 Gobetti SW, Orair RC. Sistema tributário brasileiro: o paraíso dos superricos [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 12]. Available from: https://nacoesunidas.org/brasil-e-paraiso-tributario-para-super-ricos-diz-estudo-de-centro-da-onu/
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).

Chama-se a atenção para o agravamento da crise econômica e a instalação de uma crise política desde o fim do processo eleitoral de 2014. O cenário se complica em fevereiro de 2016 com a abertura do processo de afastamento, pelo Congresso Nacional, da presidenta Dilma Rousseff, eleita com mais de 54 milhões de votos. O ajuste fiscal e a estagnação do crescimento da economia, somados ao aumento do desemprego nas grandes cidades, da taxa de juros e do endividamento, determinaram a queda no consumo das famílias brasileiras. Associadas à crise financeira em diversos estados da federação, a acusação de crimes de responsabilidade fiscal, mas principalmente a perda de apoio da base parlamentar ao governo, aliada a um marketing negativo proporcionado pela grande mídia, sob o olhar observador do sistema judiciário, determinaram a aprovação do impeachment da presidenta pelo Senado(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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).

Após quatorze anos de políticas públicas progressistas, a face da sociedade que se delineia (pós-golpe para uns, pós-impeachment para outros) ainda se mostra como uma incógnita. Vivemos tempos de incertezas quanto aos direitos de cidadania e manutenção da democracia. Com o fim do segundo mandato de Rousseff, que não teve seus direitos políticos cassados, mas foi responsabilizada por crime de responsabilidade fiscal, as chamadas "pedaladas", o então vice-presidente Michel Temer assume em definitivo a presidência do país. Em seu discurso de posse evoca a esperança e retomada da confiança no Brasil. Para Temer, o momento de incertezas chega ao fim. O momento agora é de unir o país e colocar os interesses nacionais acima dos interesses de grupos. Aponta como alicerces do seu governo a eficiência administrativa, retomada do crescimento, geração de emprego, segurança jurídica, ampliação dos programas sociais e a pacificação do país(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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).

O pacote de reformas proposto pelo governo Temer segue com amplo apoio parlamentar. Contudo, a força com que os textos tramitam nas casas legislativas faz questionar se o debate das matérias foi suficientemente esgotado para que fossem aprovadas com espantosa rapidez e, principalmente, se as medidas feriam os direitos constitucionais(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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-66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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). Entre as principais reformas, a discussão sobre os gastos públicos se mostrou urgente, iniciando o debate ainda no período do governo provisório. Já então presidente empossado, em dezembro de 2016, apesar da insatisfação e desconfiança da população, Temer sanciona a EC nº 95, que trata do novo Regime Fiscal e que limita por vinte anos os gastos públicos(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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).

Em relação ao novo regime fiscal, que começa a vigorar em 2018, os gastos não poderão ser superiores à inflação; haverá limites individuais para os três poderes, estendendo-se para o Ministério Público e a Defensoria Pública; passam a ser isentas as transferências intergovernamentais, como para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), e despesas inesperadas ou de caráter eventual. Segundo o Governo Federal, a partir do ano de 2018 ações serão executadas visando proteger esses setores, o que garantirá a não punição ou paralisação dos programas sociais. O que se pretende é implementar medidas automáticas de controle de despesas em situação de descumprimento. Espera-se com isso retomar o crescimento da economia, a estabilidade política e social, de modo a reverter a crise. O argumento apresentado reside em duas vertentes que impedem a retomada do crescimento do país e perpetuam a crise econômica e a recessão herdadas: o abandono da prudência fiscal e desonerações fiscais seletivas(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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,88 Gobetti SW, Orair RC. Sistema tributário brasileiro: o paraíso dos superricos [Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 12]. Available from: https://nacoesunidas.org/brasil-e-paraiso-tributario-para-super-ricos-diz-estudo-de-centro-da-onu/
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).

As reformas seguem seu curso, e em julho de 2017, em meio a protestos nas ruas e delações/conduções coercitivas/prisões de pessoas ligadas à base governamental, a Reforma Trabalhista é aprovada pelo Congresso, pelo Senado Federal, e posteriormente é sancionada pelo Executivo. Com isso, a Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), após setenta anos de existência, sofre modificações expressivas(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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Para entidades de classe, sindicatos, intelectuais, especialistas e várias instituições sociais e religiosas, a reforma trabalhista é uma usurpação de direitos constitucionais. Os interesses patronais se sobrepuseram aos direitos dos trabalhadores, que sentirão no futuro breve os impactos na vida e saúde. Alega-se que a CLT não foi reformada, mas rasgada. Combinada com a aprovação da Lei da Terceirização, que regulamenta e amplia a possibilidade de contratação para as atividades-fim da empresa, a perda de direitos sociais e trabalhistas fará o Brasil retroceder no mundo do trabalho(55 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Democracia, crise política e saúde. Rev Saúde Debate[Internet]. 2016 [cited 2017 Jul 20];40(Esp). 250p. Available from: http://40anos.cebes.org.br/democracia-crise-politica-e-saude/
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).

Apesar do poder argumentativo governamental, dos gastos com publicidade estatal e do tempo despendido pela grande mídia para explicar/convencer a população sobre a necessidade dessas reformas (tributária, trabalhista e previdenciária) nos moldes propostos; diversos órgãos e instituições, sindicatos e conselhos de classe de diversas áreas, universidades e suas associações de docentes e de funcionários, associações de pesquisa e de categorias profissionais, movimentos sociais e conselhos populares não as veem com o mesmo foco de luz. Para tais representantes e membros, congelar gastos públicos por vinte anos com o único objetivo de pagar a dívida pública fará da saúde, da educação, dos servidores e serviços públicos os maiores prejudicados. Ademais, os direitos dos trabalhadores serão usurpados com a reforma trabalhista, a seguridade social será inviabilizada com a reforma previdenciária, pois o novo regime fiscal e demais reformas tirarão das populações mais pobres direitos sociais já conquistados. O Brasil vive, portanto, a maior ofensiva neoliberal com o objetivo de desmontar o Estado Social Democrático de Direito, uma ameaça à própria democracia e à cidadania(77 Paim JS. Seguridade Social, financiamento e crise do Sistema Único de Saúde-SUS. Plataforma Política Social[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 15]. Ano 5. Available from: http://plataformapoliticasocial.com.br/seguridadesocialfinanciamentoecrisedosistemaunicodesaudesus/
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).

Em relação à RBS e à defesa do SUS, Paim(77 Paim JS. Seguridade Social, financiamento e crise do Sistema Único de Saúde-SUS. Plataforma Política Social[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 15]. Ano 5. Available from: http://plataformapoliticasocial.com.br/seguridadesocialfinanciamentoecrisedosistemaunicodesaudesus/
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) expõe a existência de forças assimétricas no campo do embate político e ideológico nesse novo cenário social. A favor, encontram-se técnicos, pesquisadores, trabalhadores de saúde e intelectuais vinculados ao Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes), à Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), à Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), dentre outras entidades, movimentos sociais e segmentos dos partidos de esquerda, principalmente(77 Paim JS. Seguridade Social, financiamento e crise do Sistema Único de Saúde-SUS. Plataforma Política Social[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 15]. Ano 5. Available from: http://plataformapoliticasocial.com.br/seguridadesocialfinanciamentoecrisedosistemaunicodesaudesus/
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). Contra, a força do empresariado da saúde articulado ao capital financeiro, sobretudo operadoras de planos de saúde e o capital industrial; a grande mídia e a publicidade; corporações médico-empresarial; oligarquias políticas, além de partidos de direita. De certo um desmonte do SUS está em curso, ameaçando a universalidade do direito à saúde, o que determina a necessidade de os profissionais de saúde, gestores do SUS, conselheiros de saúde e sociedade se posicionarem pela defesa intransigente do direito à saúde e da democracia(77 Paim JS. Seguridade Social, financiamento e crise do Sistema Único de Saúde-SUS. Plataforma Política Social[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 15]. Ano 5. Available from: http://plataformapoliticasocial.com.br/seguridadesocialfinanciamentoecrisedosistemaunicodesaudesus/
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).

O SUS, para muitos intelectuais, durante sua efetivação se constituiu como o caminho para diminuir as desigualdades, implantar a justiça social e a cidadania, a tolerância e o respeito aos direitos humanos. Por meio de uma política de saúde universal, buscou-se a construção de uma nova sociedade, mais justa, mais humana, mais solidária. Quase trinta anos depois, a sociedade se vê imersa em uma guerra ideológica e política que afeta diretamente a vida em sociedade e seus princípios ético-morais(66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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).

Um novo pacto social é urgente para reconduzir a democracia brasileira aos trilhos da cidadania(66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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). Ingenuamente a população segue no meio da desinformação, manipulação midiática e ideológica, sem saber ao certo aonde essa "crise" irá levar. As eleições gerais para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais em 2018 se colocam como uma possibilidade de recomeço. Apesar de toda incredulidade social com a classe política atual, cuja representatividade "em nome do povo" se esvai diante de constantes escândalos de corrupção, é no exercer a cidadania e no agir político que o caminho da democracia será retomado.

AÇÃO POLÍTICA DA ENFERMAGEM NA LUTA PELO DIREITO À SAÚDE E PELA DEMOCRACIA

Historicamente a enfermagem construiu sua atuação em nível dos serviços de saúde hospitalar, seguindo uma lógica do modelo biomédico e a divisão técnica do trabalho em saúde e enfermagem. Com o advento do SUS outros cenários de prática se delinearam como campo para o agir social do enfermeiro. O Movimento Participação foi importante para a construção do conhecimento em enfermagem, pois, assumindo a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), refletiu sobre o desenvolvimento técnico-científico além da projeção política e social da profissão, reformando currículos universitários e discutindo novos rumos para a valorização da enfermagem no interior das equipes de saúde(99 Associação Brasileira de Enfermagem-ABEn. Enfermagem em defesa da saúde como direito constitucional[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 12]. Available from: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-defesa-da-saude-como-direito-constitucional_43418.html
http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-de...
).

Para melhor discutirmos a ação política da enfermagem, ora urgente e necessária, revisitamos os estudos(1010 Pires MRGM. Pela reconstrução dos mitos da enfermagem a partir da qualidade emancipatória do cuidado. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 41(4):717-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v41n4/24.pdf
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) que colocam a "politicidade do cuidado" como alternativa para a legitimação da enfermagem através da partilha de poderes existentes nos espaços da sociedade. Essa ação diz respeito ao desenvolvimento da autonomia dos sujeitos por meio da redução das assimetrias de poder existentes no cuidado, o que se torna possível pelo triedro: conhecer para cuidar melhor, cuidar para confrontar, cuidar para emancipar. Nesse sentido, deve-se buscar a valorização da enfermagem com vistas a resgatar o que a profissão tem a contribuir com a saúde e a democracia ao executar o cuidado ao indivíduo, à família e/ou comunidade.

A enfermagem, tendo o cuidado como núcleo de competência e responsabilidade, manifesta potência para transitar em diferentes campos de conhecimento, com foco na pessoa a quem o cuidado será prestado. É possível estabelecer mais intensivamente canais de interlocução com agentes de outras disciplinas e, interdisciplinarmente, buscar tecnologias necessárias à assistência, estabelecendo relações com a equipe e com a família e atuando no processo de transformação da realidade(1010 Pires MRGM. Pela reconstrução dos mitos da enfermagem a partir da qualidade emancipatória do cuidado. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 41(4):717-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v41n4/24.pdf
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). A diversidade de cenários de práticas permite ao enfermeiro uma participação ativa no cuidado de saúde, sobretudo por sua crescente atuação na gestão/gerenciamento dos serviços.

Como contraponto tem-se constatado a pouca ação política desses profissionais no processo reformista da saúde e na luta pela democracia. Portanto, a enfermagem precisa apreender formal e politicamente o contexto em que se insere, num movimento aproximativo de uma realidade concreta e sempre mais complexa para melhor intervir e cuidar, numa propulsão criadora de novas ordenações de poderes(1010 Pires MRGM. Pela reconstrução dos mitos da enfermagem a partir da qualidade emancipatória do cuidado. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 41(4):717-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v41n4/24.pdf
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).

O enfermeiro deve ser capaz de pensar criticamente sobre a própria prática, reconhecendo-se como sujeito e, portanto, promovendo a democratização da sociedade por meio de sua participação política. A depender da coerência do seu posicionamento, existe maior ou menor possibilidade de que sua participação contribua na construção de políticas públicas de saúde que contemplem os princípios do SUS(44 Melo CMM, Santos TA. A participação política de enfermeiras na gestão do Sistema Único de Saúde em nível municipal. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 16(3):426-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v16n3/a07v16n3.pdf
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).

Nessa construção do direito à saúde e da democracia, conflitos e incertezas poderão emergir, traduzidos em uma ação política subversiva e revolucionária. A enfermagem deve compreender que sua ação poderá desencadear uma mudança nas relações sociais, de modo que o cuidado de enfermagem seja emancipatório, voltado para a autonomia dos sujeitos. A concepção do cuidado emancipatório pressupõe o entendimento de que as ações solidárias e interdisciplinares são caminhos para reordenar progressivamente as assimetrias de poder e reelaboração da gestão da ajuda-poder(1010 Pires MRGM. Pela reconstrução dos mitos da enfermagem a partir da qualidade emancipatória do cuidado. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 41(4):717-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v41n4/24.pdf
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).

Assim, o triedro proposto(1010 Pires MRGM. Pela reconstrução dos mitos da enfermagem a partir da qualidade emancipatória do cuidado. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 41(4):717-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v41n4/24.pdf
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) se faria: por meio da articulação do contexto sócio-histórico em que as práticas são produzidas com o "conhecer para cuidar melhor"; por meio das correlações de forças e as disputas entre as produções sociais com o "cuidar para confrontar"; e, por fim, com a interpretação e reinterpretação das formas simbólicas, que operam movimentos dinâmicos, potencializando o "cuidar para emancipar".

Com isso, a enfermagem é chamada para assumir seu papel político e social de forma a contribuir com a saúde, a cidadania e a democracia. Alerta-se também para o papel social das universidades no sentido de instigar a formação de um enfermeiro comprometido com a realidade política, agente de transformação da sociedade. É por meio de um processo de formação comprometido com o contexto social do país que o cuidado de enfermagem, para além de sua dimensão biológica e tecnicista, pode vir a ser um elemento fundamental na mudança da situação de crise que o país atravessa, sendo o enfermeiro o sujeito que possibilita o cuidado emancipatório por meio de suas ações(1010 Pires MRGM. Pela reconstrução dos mitos da enfermagem a partir da qualidade emancipatória do cuidado. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 41(4):717-23. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v41n4/24.pdf
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).

Nesse cenário é importante que a enfermagem supere o desafio teórico(44 Melo CMM, Santos TA. A participação política de enfermeiras na gestão do Sistema Único de Saúde em nível municipal. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2007 [cited 2016 Oct 15]; 16(3):426-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v16n3/a07v16n3.pdf
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,66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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) que se impõe para a construção da própria ciência, fazendo emergir referenciais que construam um novo saber-fazer transformador para a sua prática nos diversos espaços de inserção do trabalhador de enfermagem, seja no cuidado individualizado, ou a grupos, famílias e comunidade. Além disso, como importante parcela do trabalho em saúde, se faz necessário alinhar o conjunto de entidades representativas em torno da defesa do SUS.

É preciso destacar, sobre o contexto social atual, que as entidades representativas da enfermagem – a saber, Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), Conselho Federal de Enfermagem (COFEn), Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social (CNTSS) e Associação Nacional de Auxiliares e Técnicos de Enfermagem (Anaten) – se posicionaram contra o desmonte do SUS e em defesa da saúde como direito constitucional. Juntas, repudiam com veemência o projeto de desconstrução do SUS e as ameaças de vincular as políticas de saúde ao mercado. Para a enfermagem, a saúde é um bem inalienável da pessoa, um direito de cidadania garantido pela Constituição de 1988. É papel dos profissionais da enfermagem defender esse direito, colocando-o como prioridade no desenvolvimento das políticas de Estado. Assim, a luta contra a privatização da saúde e a redução de direitos é uma luta da enfermagem. Há a necessidade urgente de refletir sobre a relevância de sua participação histórica na construção e manutenção de um sistema de saúde universal, encarar os desafios do presente e lançar-se para o futuro, ainda que incerto(99 Associação Brasileira de Enfermagem-ABEn. Enfermagem em defesa da saúde como direito constitucional[Internet]. 2016 [cited 2017 Jan 12]. Available from: http://www.cofen.gov.br/enfermagem-em-defesa-da-saude-como-direito-constitucional_43418.html
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).

A superação do desafio político permitirá a construção de uma consciência crítica que se alastre no meio do povo, sendo ferramenta para mudanças no Poder Legislativo, essencial para avançar em projetos nacionais de mudanças. A enfermagem deve atuar na reestruturação de procedimentos que garantam efetiva representação democrática da sociedade nos poderes Legislativo e Executivo, com efetiva transparência no controle dos seus atos, e lutar para ampliar o financiamento, para melhorar a gestão e para fortalecer a participação social do SUS(66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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).

Como possível horizonte nesse cenário desesperançoso, as mudanças necessárias só irão ocorrer por meio da militância de milhares de trabalhadores, gestores e conselheiros de saúde, acadêmicos (docentes, alunos e pesquisadores), bem como da sociedade em geral, formando "ilhas" ou "nichos" de resistência. As ilhas de avanços possíveis e de resistência ao desmanche devem ser assumidas como insubstituível patamar para futura retomada do rumo inicial da (re)construção do SUS diante da crise(66 Centro Brasileiro de Estudos de Saúde-CEBES. Saúde em debate. Rev Saúde Debate[Internet]. 2017 [cited 2017 Jul 20];41(113). 346p. Available from: http://cebes.org.br/publicacao/revista-saude-em-debate-vol-41-ed-113/
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). Por ora é preciso dizer não às reformas neoliberais tributária, previdenciária e trabalhista, bem como lutar pela garantia dos direitos de cidadania adquiridos pelo histórico de luta do povo brasileiro. Resistir e ocupar espaços importantes de atuação política são os caminhos para a retomada da estabilidade democrática no país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar dos avanços observados nos últimos trinta anos, a conjuntura social atual revela uma difícil realidade para a inserção do enfermeiro enquanto trabalhador do SUS, em face dos frequentes ataques à Constituição de 1988 e consequentemente ao direito à saúde no Brasil. O sucateamento e a desqualificação dos serviços públicos de saúde, a precarização do trabalho no setor, sob a forte influência de um modelo neoliberal que impulsiona o profissional aos ditames da lógica do mercado, são alguns pontos que precisam ser (re)pensados para que haja uma transformação na enfermagem em um futuro breve.

Esse desafio se apresenta para a formação em enfermagem, seja em nível de graduação ou pós-graduação. Os cursos ainda formam profissionais com uma visão fragmentada, pautados no modelo biomédico, com dificuldades no trabalho em equipe multiprofissional e na integração dos saberes interdisciplinares, pouco comprometidos com as políticas públicas de saúde e desconhecedores do SUS e da realidade social.

A enfermagem deve ser compreendida como parte de uma estrutura social e, como tal, desempenha papeis que possibilitam mudanças nas políticas de saúde, as quais devem se traduzir em ações voltadas para a cidadania, com vistas à promoção da saúde das pessoas e diminuição das iniquidades sociais. É preciso construir um conhecimento crítico em relação a aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais estruturantes da sociedade brasileira.

Dessa forma, a melhoria das condições da enfermagem irá se dar com a transformação da realidade social vigente, bem como as mudanças sociais podem contribuir para transformações positivas na enfermagem, no sentido da retomada do Estado Democrático e de Direitos, na construção de uma sociedade mais humana e justa, equilibrando avanço tecnológico e demandas sociais de saúde, superando o modelo político-econômico assustador que se anuncia.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2017
  • Aceito
    23 Ago 2017
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