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Higienização das mãos como prática do cuidar: reflexão acerca da responsabilidade profissional

RESUMO

A higienização das mãos (HM) representa uma prática fundamental do cuidado de enfermagem e é tradicionalmente considerada como a medida mais importante e eficaz na prevenção e controle de infecções relacionadas à assistência à saúde. Entretanto, estudos apontam que a adesão ao procedimento é insatisfatória em todo o mundo e evidenciam baixas taxas de adesão. Num contexto no qual a segurança do paciente destaca-se como prioridade, o texto traz reflexões acerca da responsabilidade profissional ao não aderir às práticas de HM e de aspectos éticos relacionados a essa conduta.

Descriptors:
Higiene das Mãos; Segurança do Paciente; Cuidados de Enfermagem; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Infecção Hospitalar

ABSTRACT

Hand hygiene represents a fundamental nursing care practice and is traditionally considered the most important and effective measure in the prevention and control of healthcare-related infections. However, studies indicate that adherence to the procedure is unsatisfactory throughout the world, and show low adherence rates. In a context in which patient safety stands out as a priority, this text submits refl ections about professional responsibility when not adhering to hand hygiene practices, and ethical aspects related to this conduct.

Descriptors:
Hand hygiene; Patient safety; Nursing care; Knowledge, Health Knowledge, Attitudes, Practice; Cross Infections

RESUMEN

La higienización de las manos (HM) representa una práctica fundamental del cuidado de enfermería, y es tradicionalmente considerada como la medida más importante y eficaz para la prevención y control de infecciones relacionadas a la atención de salud. No obstante, estudios expresan que la adhesión al procedimiento no es satisfactoria en todo el mundo y evidencian bajas tasas de adhesión. En un contexto en el cual la seguridad del paciente se destaca como prioridad, el texto reflexiona acerca de la responsabilidad profesional al no adherir a las prácticas de HM y sobre aspectos éticos relacionados a dicha conducta.

Descriptores:
Higiene de las Manos; Seguridad del Paciente; Atención de Enfermería; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Infección Hospitalaria

Desde Florence Nightingale, cuidados fundamentais para o atendimento às necessidades de saúde representam elementos que sustentam a prática de enfermagem. Atividades como higienização das mãos (HM), higiene oral, mudança de decúbito, cuidados com a pele e com cateteres são elementares no processo de cura, manutenção da saúde, promoção de conforto e prevenção de complicações. Entretanto, ainda que a premissa hipocrática "não cause danos" constitua requisito para todos os profissionais que prestam assistência, evidências revelam a existência de uma ampla e perigosa lacuna entre o cuidado que o paciente deveria receber e aquele que é efetivamente realizado, cenário que se caracteriza pela ocorrência sucessiva de danos decorrentes desse atendimento(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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-22 Nascimento NB. Segurança do paciente: violação às normas e prescrições em saúde. [Tese] Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010.).

Apesar das estimativas imprecisas quanto à extensão do problema, o conhecimento atual indica que milhões de pessoas em todo o mundo sofrem lesões incapacitantes ou morrem em decorrência de falhas durante a prestação da assistência à saúde, apontando a segurança do paciente como uma questão global e de saúde pública.

As infecções relacionadas à assistência à saúde, estimadas em uma em cada 20 pacientes durante a hospitalização, representam o mais frequente tipo de evento adverso decorrente do cuidado. Consideradas como resultado não pretendido da assistência, são responsáveis por altas taxas de morbidade e mortalidade, prolongamento do tempo de internação, aumento da resistência de microrganismos a antimicrobianos, geram incapacidades por longo prazo, gastos elevados para pacientes e famílias, óbitos preveníveis, além de terem grande impacto nos custos financeiros do sistema. Possuem causas multifacetadas, relacionadas às limitações de estrutura, aos múltiplos processos intricados ao complexo sistema de saúde e ao comportamento humano, esse condicionado, entre outros, ao seu processo de educação(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,33 Marra AR. Avanços no controle das infecções. Einstein[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];14(1):108-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/eins/v14n1/pt_1679-4508-eins-14-1-0108.pdf
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).

A HM, tradicionalmente considerada como a medida mais importante e eficaz na prevenção e controle de tais eventos, caracteriza-se como uma intervenção rotineira, padronizada, de baixo custo e com indicações sustentadas por fundamentação científica sólida. Entretanto, na era da prática baseada em evidências, a adesão ao procedimento ainda é descrita como insuficiente em todo o mundo(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,44 Marra AR, Edmond MB. New technologies to monitor healthcare worker hand hygiene. Clin Microbiol Infect[Internet]. 2014[cited 2016 May 10];20:29-33. Available from: http://www.clinicalmicrobiologyandinfection.com/article/S1198-743X(14)60190-7/abstract
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).

Em recente revisão sistemática de 16 ensaios clínicos conduzidos entre 2009 e 2014, a adesão média à HM foi de 34,1%, sendo de 56,9% a taxa média após as intervenções(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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). Nesse sentido, é consenso a necessidade de implementação de um conjunto robusto e integrado de ações para que se promova a adesão ao procedimento. Pesquisas indicam que medidas individuais não são capazes de modificar e manter o comportamento de HM pelos profissionais de saúde por tempo prolongado, bem como enfatizam que a sustentação dessa mudança consiste em grande desafio(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,33 Marra AR. Avanços no controle das infecções. Einstein[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];14(1):108-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/eins/v14n1/pt_1679-4508-eins-14-1-0108.pdf
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4 Marra AR, Edmond MB. New technologies to monitor healthcare worker hand hygiene. Clin Microbiol Infect[Internet]. 2014[cited 2016 May 10];20:29-33. Available from: http://www.clinicalmicrobiologyandinfection.com/article/S1198-743X(14)60190-7/abstract
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-55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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).

Desde 2005, a OMS propõe como parte do primeiro Desafio Global para Segurança do Paciente a estratégia multimodal denominada Cuidado Limpo é Cuidado Mais Seguro (Clean Care is Safer Care), para promover a adesão às práticas de HM em todo o mundo. A estratégia inclui mudanças do sistema, garantindo que os recursos para o procedimento estejam em fácil acesso no ponto de cuidado, educação e treinamento da equipe multidisciplinar, enfatizando os conceitos, a importância do comportamento individual e a cultura de segurança, observação e retorno de desempenho, uso de lembretes nos locais de trabalho e estabelecimento de clima de segurança a partir de comprometimento institucional. Na última década, diversos esforços têm sido empregados para implementação da referida estratégia, tornando-se prioridade de diversos programas de promoção da qualidade e da segurança do paciente em nível mundial(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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).

No campo da segurança do paciente, os pressupostos da abordagem sistêmica do erro são aceitos e aplicados para sua compreensão e prevenção. Afirma-se que sistemas propensos ao erro constituem a causa raiz da maior parte das falhas ocorridas, sendo essas cometidas por profissionais competentes, motivados e esforçados em realizar um cuidado seguro e de qualidade. Em tais circunstâncias, um dos grandes desafios da temática refere-se ao estabelecimento de uma cultura de segurança, caracterizada por um ambiente não punitivo, livre de culpa individual e que priorize a investigação detalhada dos fatos de forma a possibilitar desenvolvimento de estratégias que impeçam sua recorrência. Tem como premissa a falibilidade do ser humano, condição assumida como imutável, o que requer alterações de suas condições de trabalho para prevenção desses eventos(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,66 Taille YL. Moral e ética: uma leitura psicológica. Psic: Teor Pesq[Internet]. 2010[cited 2016 May 10];26(n.esp):105-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a09v26ns.pdf
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).

Entretanto, ainda que os sistemas dos serviços de saúde se constituam em fonte óbvia de fatores que conduzem ao erro, como ambientes incertos e dinâmicos, atuação intensiva de profissionais recém-formados, sobrecarga de trabalho, ações com consequências imediatas e múltiplas, situações altamente influenciadas pela cultura organizacional, entre outros, argumenta-se que questões éticas envolvendo direitos do paciente e deveres institucionais e profissionais estejam implicadas e sejam discutidas nesse contexto(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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2 Nascimento NB. Segurança do paciente: violação às normas e prescrições em saúde. [Tese] Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010.

3 Marra AR. Avanços no controle das infecções. Einstein[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];14(1):108-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/eins/v14n1/pt_1679-4508-eins-14-1-0108.pdf
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4 Marra AR, Edmond MB. New technologies to monitor healthcare worker hand hygiene. Clin Microbiol Infect[Internet]. 2014[cited 2016 May 10];20:29-33. Available from: http://www.clinicalmicrobiologyandinfection.com/article/S1198-743X(14)60190-7/abstract
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-55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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). A cultura de não punição preconizada na abordagem sistêmica do erro humano não pode divergir a atenção da função crítica dos profissionais no complexo sistema de saúde, exigindo reflexão acerca dos deveres pessoais e organizacionais, e do equilíbrio entre eles(55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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).

Por definição, a ética está relacionada aos deveres de ordem pública e refere-se ao conjunto de princípios que visam estabelecer obrigações por parte das pessoas contempladas, aqui remetendo-se ao regimento de atividades profissionais(66 Taille YL. Moral e ética: uma leitura psicológica. Psic: Teor Pesq[Internet]. 2010[cited 2016 May 10];26(n.esp):105-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a09v26ns.pdf
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). Conceitualmente, estuda as relações entre o indivíduo e o contexto em que está situado(77 Figueiredo AM. Éticas: origem e distinção da moral. Saúde, Ética Jus[Internet]. 2008[cited 2016 May 10];13(1):1-9. Available from: http://www.revistas.usp.br/sej/article/view/44359/47980
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).

No campo da saúde, os princípios éticos da autonomia, não maleficência, beneficência e justiça devem ser norteadores de todas as ações, uma vez que qualificam o agir do indivíduo no cuidar(88 Bub MBC. Ética e prática profissional em saúde. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2005[cited 2016 May 10];14(1):65-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n1/a09v14n1.pdf
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). Considerando que o referencial aplicado ao agir determina o valor imposto à ação, acredita-se ser pertinente estimular reflexão sobre o que pode ser considerado como moralmente justificável no comportamento de HM apresentado por profissionais que têm o cuidado à vida como objetivo primordial(66 Taille YL. Moral e ética: uma leitura psicológica. Psic: Teor Pesq[Internet]. 2010[cited 2016 May 10];26(n.esp):105-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a09v26ns.pdf
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7 Figueiredo AM. Éticas: origem e distinção da moral. Saúde, Ética Jus[Internet]. 2008[cited 2016 May 10];13(1):1-9. Available from: http://www.revistas.usp.br/sej/article/view/44359/47980
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-88 Bub MBC. Ética e prática profissional em saúde. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2005[cited 2016 May 10];14(1):65-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n1/a09v14n1.pdf
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).

Entre diversos conceitos, compreende-se por moral um

sistema de normas, princípios e valores, segundo o qual são regulamentadas as relações mútuas entre os indivíduos ou entre estes com a comunidade de forma não coercitiva, sendo dotadas de um caráter histórico e social e acatadas de forma livre e por convicção de foro íntimo(77 Figueiredo AM. Éticas: origem e distinção da moral. Saúde, Ética Jus[Internet]. 2008[cited 2016 May 10];13(1):1-9. Available from: http://www.revistas.usp.br/sej/article/view/44359/47980
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).

A moralidade pode ser entendida como a consulta à razão, de forma que agir moralmente baseia-se no encontro da melhor justificativa para fazê-lo, devendo considerar os interesses de cada indivíduo a ser afetado ao tomar determinada conduta(88 Bub MBC. Ética e prática profissional em saúde. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2005[cited 2016 May 10];14(1):65-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n1/a09v14n1.pdf
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).

Há mais de 150 anos existem evidências de que as mãos dos profissionais de saúde constituem o principal vetor de transmissão de microrganismos patogênicos e que higienizá-las contribui significativamente para reduzir a incidência de infecções(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,33 Marra AR. Avanços no controle das infecções. Einstein[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];14(1):108-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/eins/v14n1/pt_1679-4508-eins-14-1-0108.pdf
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4 Marra AR, Edmond MB. New technologies to monitor healthcare worker hand hygiene. Clin Microbiol Infect[Internet]. 2014[cited 2016 May 10];20:29-33. Available from: http://www.clinicalmicrobiologyandinfection.com/article/S1198-743X(14)60190-7/abstract
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-55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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). Apesar disso, níveis aceitáveis de adesão às práticas recomendadas de HM são de difícil alcance e sustentação. Em circunstâncias nas quais os requisitos básicos para promover a execução do procedimento são instituídos, questiona-se o princípio da responsabilidade moral e profissional dos indivíduos ao não aderir às condutas preconizadas(55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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). A "responsabilidade, como exigência moral, implica em assumir, reconhecer e responder pelas consequências dos próprios atos", estabelecendo uma relação equilibrada entre direitos e deveres(88 Bub MBC. Ética e prática profissional em saúde. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2005[cited 2016 May 10];14(1):65-74. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v14n1/a09v14n1.pdf
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).

A redução de eventos adversos relacionados à assistência requer não apenas o redesenho de um sistema imperfeito, mas também o reconhecimento da responsabilidade individual por ações capazes de enfraquecê-lo ou desestruturá-lo. Se maiores taxas de adesão devem ser atingidas e sustentadas além das campanhas de promoção, é mandatório que a HM se torne hábito(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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). No que se refere ao desempenho da melhor prática, considerando que o sujeito moral sente-se obrigado a agir por determinadas regras, espera-se do profissional de saúde atenção à pertinência de suas decisões e ações no exercício de sua função para o alcance do melhor resultado possível(99 Carvalho V. Ethics and values in health care practice: philosophical, educational, and political considerations. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2011[cited 2016 May 10];45(Esp.2):1797-802. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45nspe2/en_28.pdf
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-1010 Runciman B, Merry A, Walton M. Safety and ethics in healthcare: a guide to getting it right. London: British Library; 2007.).

Ainda em relação ao indivíduo, uma vez que estrutura e processos necessários a determinada atividade estejam estabelecidos, a não adesão dos profissionais a ela deve ser ponderada no sentido de que sejam esclarecidos quais comportamentos são ou não aceitáveis naquele contexto. É imprescindível que sejam instituídos limites entre fragilidades esperadas do ser humano e níveis de desempenho abaixo dos padrões profissionais previstos e, a partir desses, que intervenções sejam propostas. Atualmente, a falta de incentivo para cumprimento de regras e a ausência de consequências por não fazê-lo consiste num ciclo vicioso considerado como problema adicional do sistema(11 Kingston L, O'Connell NH, Dunne CP. Hand hygiene-related clinical trials reported since 2010: a systematic review. J Hosp Infect[Internet]. 2016[cited 2016 May 10];92(4):309-20. Available from: http://www.journalofhospitalinfection.com/article/S0195-6701(15)00489-2/abstract
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,55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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).

Num ambiente que se caracteriza pela inter-relação de pessoas e tecnologias com funções específicas e complementares, executando grande diversidade de tarefas direcionadas a indivíduos vulneráveis em um contexto crítico e dinâmico, afirma-se que erros podem ocorrer devido ao aspecto exploratório inerente ao processo de aprendizagem relacionado ao trabalho clínico(55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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). Contudo, suscita-se que nessas circunstâncias se faça distinção entre erro, situações nas quais não se aplica culpabilidade, e o que é considerado como violação. Afirma-se que a baixa adesão à HM constitua uma violação às normas prescritas(22 Nascimento NB. Segurança do paciente: violação às normas e prescrições em saúde. [Tese] Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2010.,55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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).

Na perspectiva de Runciman et al.(1010 Runciman B, Merry A, Walton M. Safety and ethics in healthcare: a guide to getting it right. London: British Library; 2007.), enquanto o erro tem origem na condição humana e sua prevenção relaciona-se à capacidade do sistema em evitá-lo, violações procedem do comportamento humano e da cultura. Essas se diferenciam por envolverem um elemento de escolha e implicarem em ações que se desviam de normas estabelecidas, incorrendo em riscos, ainda que sem intenção de dano.

Nesse contexto, as violações são classificadas em violação errônea (relacionada à falta de conhecimento ou experiência), violação excepcional (ocorrência de circunstâncias incomuns requerendo respostas excepcionais), violação situacional (quando o ambiente dificulta a adesão), violação de rotina (caracterizada pela ocorrência regular) e violação de otimização (há intenção de aprimoramento de uma determinada situação)(1111 Catchpole K. Toward the modeling of safety violations in healthcare systems. BMJ Qual Saf[Internet]. 2013[cited 2016 May 10];22(9):705-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23580631
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2358...
). O exemplo específico da HM é classificado como violação de rotina, definida como aquela que ocorre na execução das atividades diárias(55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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). Higienizar as mãos com técnica correta e em momento oportuno representa obrigação de todos os profissionais, pois a violação desse padrão básico de cuidado não pode continuar a ser justificada como falha do sistema(55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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).

Como conceito, a segurança do paciente apresenta de maneira implícita uma natureza fundamentalmente ética. Na percepção do valor moral, envolve argumentos relacionados à proteção e promoção da dignidade humana, características que devem ser imperativas na ação do indivíduo(55 Goldmann D. System failure versus personal accountability: the case for clean hands. N Engl J Med[Internet]. 2006[cited 2016 May 10];355:121-2. Available from: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp068118#t=article
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,1010 Runciman B, Merry A, Walton M. Safety and ethics in healthcare: a guide to getting it right. London: British Library; 2007.

11 Catchpole K. Toward the modeling of safety violations in healthcare systems. BMJ Qual Saf[Internet]. 2013[cited 2016 May 10];22(9):705-9. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23580631
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/2358...
-1212 Gastmans C. Dignity-enhancing nursing care: a foundational ethical framework. Nurs Ethics[Internet]. 2013[cited 2016 May 10];20(2):142-9. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0969733012473772
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).

No Brasil, a dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional. No que tange à enfermagem, é inerente à profissão o respeito pelos direitos do ser humano, incluindo direitos culturais, direito à vida, à escolha e à dignidade. O código de ética dos profissionais de Enfermagem traz entre seus princípios fundamentais que o profissional de Enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos humanos, em todas as suas dimensões, e exerce suas atividades com competência para a promoção da saúde do ser humano na sua integridade, de acordo com os princípios da ética e da bioética. Para Gastmans(1212 Gastmans C. Dignity-enhancing nursing care: a foundational ethical framework. Nurs Ethics[Internet]. 2013[cited 2016 May 10];20(2):142-9. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0969733012473772
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), a essência ética da assistência de enfermagem pode ser definida como provisão do cuidado em resposta à vulnerabilidade do ser humano, visando manter, proteger e promover sua dignidade ao máximo possível.

Sem entrar no mérito do complexo conceito de dignidade humana, especialistas afirmam que é determinado a partir do contexto cultural predominante de sua aplicação; nesse caso, a instituição de assistência à saúde. Primariamente, o respeito à dignidade se estabelece ao prevalecer o interesse do outro. Interações estreitas do profissional com o paciente, família e equipe requerem tomadas de decisões relacionadas ao cotidiano assistencial que, por sua vez, exigem que os princípios éticos sejam interpretados e aplicados no processo de execução do cuidado. Nesse sentido, independentemente de definições didáticas, é consenso na literatura sobre a temática ser urgente o resgate dos princípios referidos e do compromisso com o outro na realização da assistência à beira do leito(1212 Gastmans C. Dignity-enhancing nursing care: a foundational ethical framework. Nurs Ethics[Internet]. 2013[cited 2016 May 10];20(2):142-9. Available from: http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0969733012473772
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).

Especificamente no que se refere à enfermagem, afirma-se que a necessidade de tamanho esforço para superar as adversidades descritas, apesar de sua evolução como ciência e prática, representa um problema grave. A HM constitui ação fundamental do cuidado ao paciente, devendo ser realizada de maneira prioritária, rigorosa e regular. Há necessidade de intervenção iminente, sendo imprescindível a retomada dos valores atribuídos aos procedimentos considerados essenciais para a prática do cuidar em saúde. Assim, o comportamento de HM deve constituir, além de ação técnica, componente moral da práxis do profissional de enfermagem.

Acreditamos ser imperativo que maior ênfase seja dada às práticas de HM nos contextos político, assistencial e de pesquisa, a fim de que se realize um cuidado mais limpo, mais seguro, mais efetivo e com mais qualidade.

  • FOMENTO
    Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, Processo número 4760881/2010-0 e Processo número 308281/2015-2.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2016
  • Aceito
    18 Set 2016
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