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Processo de Enfermagem para idosas suscetíveis a queda na perspectiva do Modelo de Pender

RESUMO

Objetivos:

descrever a estratégia de aplicação do processo de enfermagem guiado pelo Modelo de Promoção de Saúde de Pender a idosas suscetíveis a queda com vistas ao comportamento auto eficaz de prevenção de quedas.

Métodos:

aplicação do processo de enfermagem a onze idosas que já haviam sofrido quedas, moradoras em bairro de periferia de Belém, PA, o qual envolveu entrevista para obter o histórico de enfermagem e reuniões grupais, seguindo a técnica do grupo focal para desenvolver as demais fases do processo de enfermagem: diagnóstico de enfermagem, intervenções de enfermagem, avaliação de enfermagem.

Resultados:

apesar dos fatores de risco presentes para quedas, o Modelo adotado de intervenção propiciou a idosas potencializarem seu poder de autoeficácia.

Considerações Finais:

o Modelo mostrou-se adequado ao protagonismo das idosas em ações na construção de comportamentos de prevenção de quedas, com vistas a estilos de vida mais saudáveis.

Descritores:
Idosa; Acidentes por Quedas; Processo de Enfermagem; Teoria de Enfermagem; Enfermeira

ABSTRACT

Objectives:

to describe the strategy of applying the nursing process guided by Pender’s Health Promotion Model to elderly women susceptible to falls with a view to promoting a self-efficacy behavior for fall prevention.

Methods:

application of the nursing process to eleven elderly women who had already experienced falls, living in a neighborhood in the outskirts of Belem, state of Pará, which involved interviews to obtain their nursing history and group meetings using the focus group technique to develop the other phases of the nursing process: nursing diagnosis, nursing interventions, and nursing assessment.

Results:

despite the risk factors for falls, the intervention model adopted in this study allowed elderly women to enhance their self-efficacy.

Final Considerations:

the model proved to be suitable for the participation of elderly women in actions to build fall prevention behaviors, with a view to healthier lifestyles.

Descriptors:
Elderly; Accidental Falls; Nursing Process; Nursing Theory; Nurses

RESUMEN

Objetivos:

describir la estrategia de aplicar el proceso de enfermería orientado por el Modelo de Promoción de Salud de Pender a ancianas susceptibles a caídas, apuntando a un comportamiento auto eficaz en la prevención de caídas.

Métodos:

aplicación del proceso de enfermería en once ancianas que ya habían sufrido caídas, residentes en un barrio periférico de Belém, PA. Incluyó: entrevista para obtener el historial de enfermería; reuniones grupales, siguiendo la técnica del grupo focal para desarrollar las restantes fases del proceso de enfermería: diagnóstico de enfermería, intervenciones de enfermería, evaluación de enfermería.

Resultados:

a pesar de los factores de riesgo de caídas presentes, el Modelo de intervención adoptado permitió que las ancianas incrementaran su potencial de autoeficacia.

Consideraciones Finales:

el Modelo se mostró adecuado al protagonismo de las ancianas en acciones de construcción de comportamientos preventivos de caídas, con miras a estilos de vida más saludables.

Descriptores:
Anciano; Accidentes por Caídas; Proceso de Enfermería; Teoría de Enfermería; Enfermeras y Enfermeros

INTRODUÇÃO

O processo de queda é considerado um acontecimento comum que acarreta graves consequências às pessoas idosas. Apesar de não ser considerado um problema inevitável do envelhecer, indica que o indivíduo está no início de uma fragilidade ou está diante de uma doença aguda (11 Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. Como reduzir quedas no idoso [Internet]. 2021 [cited 2021 Dec 20]. Available from: https://www.into.saude.gov.br/lista-dicas-dos-especialistas/186-quedas-e-inflamacoes/272-como-reduzir-quedas-no-idoso
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). Estima-se que haja uma queda em cada três indivíduos acima de 65 anos e que um em vinte daqueles que sofreram a queda apresentou fraturas ou sofreu internações. Na faixa etária igual ou superior a 80 anos, cerca de 40% sofrem pelo menos uma queda anualmente, constituindo um grupo especial a ser considerado pelas políticas públicas de prevenção para diminuir riscos de queda(11 Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia. Como reduzir quedas no idoso [Internet]. 2021 [cited 2021 Dec 20]. Available from: https://www.into.saude.gov.br/lista-dicas-dos-especialistas/186-quedas-e-inflamacoes/272-como-reduzir-quedas-no-idoso
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,22 Elias Filho J, Borel WP, Diz JBM, Barbosa AWC, Britto RR, Felício DC. Prevalence of falls and associated factors in community-dwelling older Brazilians: a systematic review and meta-analysis. Cad Saúde Pública. 2019;35:e00115718. https://doi.org/10.1590/0102-311X00115718
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).

Analisando sua epidemiologia, a queda é evento considerado multifatorial e abrange fatores classificados como intrínsecos e extrínsecos. Compreende aos fatores intrínsecos às alterações fisiológicas decorrentes do avançar da idade, a presença de doenças, o estado psicológico, as reações adversas a medicamentos em uso, a fraqueza muscular, o histórico de quedas, o déficit na marcha, déficit de equilíbrio, o uso de dispositivo de apoio, o déficit visual, a redução das atividades básicas da vida diária, depressão e redução da cognição(33 Vieira LS, Gomes AP, Bierhals IO, Farías-Antúnez S, Ribeiro CG, Miranda VIA, et al. Quedas em idosos no Sul do Brasil: prevalência e determinantes. Rev Saúde Pública. 2018;52(22):1-13. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2018052000103
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).

Convém salientar que o evento queda provoca impactos importantes na saúde do idoso, pois, além dos problemas médicos, também há consequências psicológicas e sociais que o acompanham, desde o medo de novas quedas, a fragilidade, as limitações funcionais e afetivas, a perda da autonomia e da independência, além de aumento da institucionalização, até o óbito(44 Edelmuth SVCL, Sorio GN, Sprovieri FAA, Gali JC, Peron SF. Comorbidades, intercorrências clínicas e fatores associados à mortalidade em pacientes idosos internados por fratura de quadril. Rev Bras Ortop. 2018;53(5):543-51. https://doi.org/10.1016/j.rboe.2018.07.014
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).

Entende-se que o papel da enfermagem está em investigar, mapear e identificar os fatores e as situações de risco que facilitam a queda, sendo importante retratar a realidade social, econômica, familiar, ambiental e comportamental, possibilitando intervenções de enfermagem para prevenir, recuperar e dar suporte aos idosos caidores. Essas intervenções devem ser guiadas por diálogo constante, captando as experiências intersubjetivas que envolvam a relação familiar, a comunidade e os profissionais envolvidos, com o intuito de alcançar a prevenção pautada em comportamentos seguros e auto eficazes(55 Rodrigues ARS, Polaro SHI, Gonçalves LHT. Protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva do modelo de promoção da saúde. In: Souza DG, Pacheco TJA, Orgs. Tópicos atuais em saúde I: abordagens sobre saúde, doença e cuidado. Guarujá, SP: Ed Cientifica Digital; 2022. p. 222-238.,77 Rodrigues ARS. O protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva de Promoção da Saúde de Nola Pender [Dissertação] [Internet]. Belém (PA) : Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/715418
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).

Assim, é imprescindível que o enfermeiro detenha umaexpertise na temática de queda de idosos e sua prevenção, que desenvolva, para cada grupo ou indivíduo, maneiras eficazes e eficientes de aplicar o processo de enfermagem, traçando os devidos diagnósticos, as intervenções e metas alcançáveis que busquem conscientizar e motivar o idoso para se auto cuidar e para agir de maneira a evitar quedas. Convém salientar que a enfermagem se baseia em evidências cientificas e em bases teóricas, com intuito de nortear suas intervenções e construir estratégias robustas e personalizadas. Assim, o Modelo de Promoção da Saúde (MPS) de Nola Pender consiste em compreender o potencial humano para mudar, considerando que os indivíduos tendem a apresentar potencial de mudança autodirigida em razão de sua capacidade de autoconhecimento, autorregulação, tomada de decisão e resolução de problemas. Vale dizer: os indivíduos detêm o poder e a habilidade para alterar comportamentos ou modificar estilos de vida relacionados à saúde(88 Ximenes MAM, Brandão MGSA, Araujo TM, Galindo Neto NM, Barros LM, Caetano JA. Efetividade de intervenções educativas para prevenção de quedas: revisão sistemática. Texto Contexto Enferm. 2021;30:e20200558. https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2020-0558
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,99 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health Promotion in Nursing Practice. 7th ed. Boston: Pearson Education, Inc; 2015. p. 342.).

O MPS de Pender é um modelo de enfermagem com propósito de subsidiar enfermeiros na compreensão dos determinantes de comportamentos de saúde como base para o aconselhamento comportamental, tomando como foco a promoção de estilos de vida saudáveis. Nesse sentido, o enfermeiro age como intermediador, incentivando e auxiliando nas várias etapas do processo de mudança e ajudando a aumentar a capacidade do indivíduo para manter a mudança realizada(99 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health Promotion in Nursing Practice. 7th ed. Boston: Pearson Education, Inc; 2015. p. 342.,1010 Cardoso RB, Caldas CP, Brandão MAG, Souza PA, Santana RF. Healthy aging promotion model reference in Nola Pender’s theory. Rev Bras Enferm. 2022;75(1):e20200373. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0373
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). Operacionalmente, esse Modelo pode ser utilizado para implementar e avaliar ações de promoção da saúde, permitindo avaliar o comportamento que leva à promoção da saúde, pelo estudo da inter-relação de três determinantes principais: as características e experiências individuais; os sentimentos e conhecimentos sobre o comportamento que se quer alcançar; e o comportamento de promoção da saúde desejável(99 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health Promotion in Nursing Practice. 7th ed. Boston: Pearson Education, Inc; 2015. p. 342.).

Considerando o exposto, em face dos escassos estudos de aplicação do MPS de Pender na prática da enfermagem em nosso meio, pretendeu-se aqui relatar a experiência de aplicação do processo de enfermagem guiado por esse Modelo a um grupo de idosas para desenvolverem primeiramente reflexões sobre adotar comportamentos de saúde relativos à prevenção de quedas no seu cotidiano de vida até motivarem-se para tal, com vistas a estilo de vida mais saudável.

OBJETIVOS

Descrever a estratégia de aplicação do processo de enfermagem guiado pelo Modelo de Promoção de Saúde de Pender a um grupo de idosas suscetíveis a queda, com vistas ao comportamento auto eficaz de prevenção de quedas.

MÉTODOS

A estratégia de aplicação do Processo de Enfermagem (PE) guiado pelo MPS de Pender é parte de uma Dissertação de Mestrado( 7). da autora principal deste Relato de Experiência, sobre Protagonismo de idosos na prevenção de quedas, conduzida por meio de uma pesquisa convergente assistencial.

O PE foi aplicado a um grupo convidado de onze idosas que já haviam sofrido quedas, moradoras de um bairro populoso de periferia de Belém, PA, caracterizado por vulnerabilidade socioeconômica e marginalização socioespacial. A estratégia dessa aplicação constou de: entrevista individual para obtenção do Histórico de Enfermagem (HE); reuniões grupais bissemanais, seguindo a técnica do grupo focal, com todas as idosas participantes, para desenvolver as demais fases do PE como: estabelecer o Diagnóstico de Enfermagem (DE), o plano e Intervenções de Enfermagem (IEs) e a Avaliação de Enfermagem (AE). Essa aplicação foi realizada entre novembro de 2018 e fevereiro de 2019, e a equipe que aplicou o PE foi composta pela enfermeira mestranda, pela enfermeira orientadora acadêmica e pelas cinco estudantes de enfermagem que foram devidamente treinadas para participar dessa experiência.

Para facilitar a adoção do Modelo, uma configuração ao contexto foi projetada pela autora(77 Rodrigues ARS. O protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva de Promoção da Saúde de Nola Pender [Dissertação] [Internet]. Belém (PA) : Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/715418
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) (Fig.1). Os tópicos levantados para o HE referiram-se aos dois primeiros eixos do MPS: Características e Experiência Individual, e Comportamento Específico (autopercepção, influências interpessoais, anseio de mudanças) que identificam os principais determinantes do comportamento de saúde, influenciando o cotidiano das pessoas. Nesse levantamento, incluiu-se também busca específica sobre acidentes por queda como experiência pessoal, com o recurso da técnica dephotovoice, que permite que sujeitos vulneráveis, com dificuldade para verbalizar opiniões, se expressem por meio de fotografia. Assim, com auxílio da equipe em visita domiciliar, as idosas fotografaram imagens de: 1) ambiente doméstico ou externo que poderia provocar acidentes por queda; 2) situação que ajuda a evitar acidentes por queda.

Figura 1
Modelo de Promoção da Saúde de Pender, configurado pela autora(77 Rodrigues ARS. O protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva de Promoção da Saúde de Nola Pender [Dissertação] [Internet]. Belém (PA) : Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/715418
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) com foco em quedas de idosos e sua prevenção

Colhidos os dados de HE das idosas, a equipe agradeceu e reiterou o convite para continuarem participando da experiência, esclarecendo que, dali em diante, haveria quatro reuniões de grupo para desenvolver as demais fases do PE.

A 1ª. Reunião ocorreu quando a enfermeira coordenadora saudou e acolheu as idosas, apresentando cada membro da equipe de enfermagem e suas funções na reunião, esclarecendo as questões sobre a experiência. Iniciou as atividades informando como a enfermagem trabalha com os usuários e, mais especificamente, nesta experiência, seguindo-se o PE em todas as suas etapas, explicando

a conduta da enfermagem para atender as usuárias com risco para quedas. Esclarecida a metodologia, sintetizou o perfil sociodemográfico e clínico deduzido da análise inicial feita pela equipe com os dados do HE. Durante o trabalho grupal, foram discutidos os dados individualmente levantados, acrescentando-se dados expandidos emergidos no debate, incluindo a discussão dos significados atribuídos às fotografias tomadas. Todo esse envolvimento conscientizou as idosas sobre o quanto elas se encontravam no contexto de riscos para sofrer quedas e suas possíveis consequências.

Na 2ª Reunião, foram desenvolvidas e discutidas as etapas do DE e das IEs. De posse dos dados expandidos do HE, sua análise encaminhou-se para definir alguns DEs prioritários selecionados a partir da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE)(1111 Garcia TR, Bartz CC, Coenen AM, Orgs. Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE)®: versão 2017. Porto Alegre: Artmed; 2018.) (Quadro 1). Ainda no mesmo Quadro, encontram-se as respectivas IEs, pensadas, discutidas e planejadas no grupo, para cada DE firmado.

Quadro 1
Diagnóstico de Enfermagem e respectivas Intervenções de Enfermagem com base na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem, Belém, Pará, Brasil, 2020

A 3ª Reunião foi destinada à etapa de IEs propriamente ditas do PE. A enfermeira coordenadora desenvolveu aqui ações cuidativo-educacionais, proferindo aula expositiva dialogada sobre Quedas: seus fatores de risco biológico, comportamental e ambiental; suas consequências e estratégias de prevenção. Em continuidade a essa IE, seguiu-se a atribuição de tarefa doméstica: reexaminar sua situação de vida, os fatores de risco para possíveis acidentes e repensar novas condutas com as quais pudessem se comprometer para adequá-las, com vistas a evitar futuras quedas. Tal autoavaliação foi motivo de análise na reunião seguinte.

A 4ª Reunião foi destinada à discussão da tarefa doméstica seguida de revisão e fixação de conhecimentos de fatores de risco para quedas e de condutas de prevenção, projetando-se a etapa do PE de avaliação da evolução das idosas quanto aos efeitos absorvidos de ações interventivas. Os depoimentos das idosas aqui manifestados foram de anseio e predisposição para mudanças comportamentais para afastar ou contornar riscos de queda em seu cotidiano.

Encerraram-se assim as reuniões programadas e, ao fazer ofeedback, a enfermeira coordenadora solicitou às idosas que respondessem individualmente às questões relativas ao “Resultado Comportamental” do Modelo de Pender, com especial enfoque em comportamentos de saúde acerca de prevenção de quedas, sobre o que já haviam se manifestado na reunião, a fim de registrar a última etapa do PE.

RESULTADOS

As mulheres participantes, na faixa etária entre 61 e 83 anos, todas sabiam ler/escrever e professavam a religião cristã. Todas elas moravam com seus familiares, entre filhos, cônjuge, netos, genros, cunhada. Quanto à experiência de ter sofrido quedas, a maioria já havia caído várias vezes, seja em casa, seja na rua, e, pela história, nenhuma sofreu consequências graves, senão entorses, desmaio e deslocamento do ombro. Por outro lado, responderam que tais experiências trouxeram alguns aprendizados do tipo: afastar obstáculos, usar calçado apropriado, prestar mais atenção, como atestam algumas falas:

[...]Aprendi de ter um calçado adequado pra não cair, escorregar ou tropeçar. (Idosa G)

Aprendi a prestar mais atenção; aprendi a olhar por onde eu ando. (Idosa B)

Aprendi a olhar por onde eu ando. Tenho cuidado em descer do ônibus porque, quando eu vou colocar o primeiro pé, a tendência é eu olhar pra vê se meu pé está firme no primeiro degrau do ônibus e segurar nos ferros. (Idosa E)

Contudo, os fatores de risco para queda das idosas participantes estavam presentes num espectro caracterizado por vulnerabilidade socioeconômica, baixa escolaridade, moradia em periferia urbana empobrecida, com marginalização socioespacial e precariedade de suporte social da vizinhança e da própria família. Todos eles se constituindo em barreiras ou obstáculos que exigem dos órgãos competentes e profissionais da saúde intervenções para subsidiar idosas nessas condições, permitindo a elas desenvolverem comportamentos auto eficazes de prevenção de quedas.

DISCUSSÃO

A estratégia de aplicar o PE em atividade grupal mostrou-se adequada na adoção do MPS por potencializar o protagonismo das idosas em suas ações: elas dialogaram, discutiram e construíram coletivamente comportamentos preventivos de queda.

Nesse Modelo, prevê-se a importância de mensurar comportamentos prévios, predisposição de hábitos e outras características pessoais para modificá-las dali em diante(99 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health Promotion in Nursing Practice. 7th ed. Boston: Pearson Education, Inc; 2015. p. 342.). Em relação às quedas relatadas, algumas de sérias consequências de ordem física e emocional, as idosas mostraram-se conscientes do quanto poderiam ter feito para prevení-las e se comprometeram em modificar atitudes e comportamentos para reduzir o risco de novas quedas(77 Rodrigues ARS. O protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva de Promoção da Saúde de Nola Pender [Dissertação] [Internet]. Belém (PA) : Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/715418
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).

Em relação ao eixo básico do Modelo, de compreensão de fatores específicos relativos a sentimentos e conhecimentos do comportamento humano, as idosas sentiram-se estimuladas a se autocuidar, quando percebiam que sua atitude pessoal, no contexto comunitário e familiar, concorria para esse comportamento seguro(77 Rodrigues ARS. O protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva de Promoção da Saúde de Nola Pender [Dissertação] [Internet]. Belém (PA) : Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/715418
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).

Quanto à autopercepção dos benefícios na prevenção de quedas, as idosas perceberam quão prejudiciais e preocupantes são as quedas e suas consequências, por isso buscavam conhecimentos( 7). A compreensão desse benefício remete a representações mentais das consequências positivas ou de reforço de um comportamento que promove saúde, estimulando a motivação(99 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health Promotion in Nursing Practice. 7th ed. Boston: Pearson Education, Inc; 2015. p. 342.).

Quanto às dificuldades e inseguranças citadas pelas idosas, como as limitações físicas, as dificuldades econômicas e a falta de suporte familiar(77 Rodrigues ARS. O protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva de Promoção da Saúde de Nola Pender [Dissertação] [Internet]. Belém (PA) : Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/715418
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), são, segundo o Modelo, barreiras/obstáculos para a ação autodirigida. No convívio familiar e social das idosas, existem muitos empecilhos ou barreiras que as colocam em circunstância de risco a quedas e, por conta disso, não conseguem evitar a ocorrência desse evento. Dependendo da natureza da circunstância que vivenciam, essa situação afeta a segurança da pessoa, ou seja, essas barreiras/obstáculos são variáveis que têm relação direta com o comportamento de (in)segurança e que, em última instância, podem resultar em quedas. Nessa condição, portanto, é imprescindível a enfermagem atuar com cuidado holístico, acionando programas e políticas de cuidado para populações vulneráveis.

Já no destaque quanto às “Influências interpessoais que repercutem no comportamento de outrem”, observou-se, entre as idosas, que, pela carência de contato com vizinhos e até com familiares, seus comportamentos de saúde sofriam pouca influência de terceiros(77 Rodrigues ARS. O protagonismo da prevenção de quedas por idosos na perspectiva de Promoção da Saúde de Nola Pender [Dissertação] [Internet]. Belém (PA) : Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2019 [cited 2021 Dec 20]. Available from: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/715418
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). Ainda, quanto a influências a sofrer do “Modelo de cuidado” para idosas espelharem-se e buscarem condutas mais saudáveis, observou-se quase ausência de influência do processo desse modelo. Cabe aqui alertar a enfermagem sobre a conveniência de se criarem situações, em suas ações de ensinamento, estratégias baseadas em modelos apropriados de autocuidado.

No que se refere às mudanças pelas quais as idosas ansiavam para tornarem-se pessoas mais seguras, quase sempre elas estavam em situações e contextos que não facilitavam a formação de comportamentos mais saudáveis. Segundo Pender e col.(99 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health Promotion in Nursing Practice. 7th ed. Boston: Pearson Education, Inc; 2015. p. 342.), as pessoas serão motivadas a agir com mais competência em situações ou contextos ambientais que consideram seguros ou nos quais sintam confiança. Por isso, é imprescindível à enfermagem criar e aportar interferências externas de cooperação intersetorial, para que pessoas de comunidades vulneráveis possam encontrar condições para assumir estilos de vida mais saudáveis.

Ainda, a autora esclarece que as teorias e modelos de comportamento de saúde são opções sistemáticas para explicar por que os indivíduos assumem ou não condutas saudáveis e como eles conseguem modificar comportamentos negativos. Enfatiza a importância de se compreenderem os mecanismos de mudança de comportamento e de se manterem essas mudanças para intervir eficazmente na promoção da saúde e na prevenção de eventos não saudáveis. Examinar tais mecanismos e as variáveis que influenciam no processo da intervenção permite que enfermeiros desenvolvam e forneçam cuidados fundamentados em referencial teórico apropriado. O enfermeiro pode promover condições favoráveis para a mudança, valendo-se dos principais determinantes como base para o aconselhamento comportamental, tomando como foco a promoção de estilos de vida saudáveis(66 Magalhães JL, Silva AS. Atuação da equipe de enfermagem frente aos fatores de risco e prevenção de quedas na população idosa. Res Soc Dev. 2021;10(6):e30510615846. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i6.15846
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,99 Pender NJ, Murdaugh CL, Parsons MA. Health Promotion in Nursing Practice. 7th ed. Boston: Pearson Education, Inc; 2015. p. 342.,1010 Cardoso RB, Caldas CP, Brandão MAG, Souza PA, Santana RF. Healthy aging promotion model reference in Nola Pender’s theory. Rev Bras Enferm. 2022;75(1):e20200373. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0373
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).

Limitação do estudo

A experiência teve dificuldade de agregar maior número de idosas por causa do contexto de difícil acesso e do perfil das participantes, nem sempre disponíveis, no seu cotidiano, para atividade extra. Da mesma forma, o tempo curto de duração da experiência não permitiu observar o efeito educacional de mudança comportamental. Contudo, constatou-se, nos depoimentos das idosas, os anseios e predisposições para mudanças.

Contribuições para a área da enfermagem

As experiências individuais, nesse caso com queda e suas consequências, narradas por cada pessoa idosa são essenciais para serem trabalhadas, dialogando-se, refletindo-se e discutindo para tornar-se um sujeito agente no processo de mudança comportamental, isto é, envolvendo-se com esforço de auto- -organização, proatividade, autorregulação e autoflexibilidade, capaz de influir, de modo intencional, no próprio funcionamento e nas circunstâncias de sua trajetória de vida, com mudanças no seu comportamento e no autodesenvolvimento. Os anseios de mudança e predisposição para mudanças comportamentais em saúde das idosas aqui tiveram origem em suas próprias experiências de terem sofrido quedas recentemente. Acredita-se que tais atitudes demonstradas pelas idosas se devam à prática cuidativo- educacional da enfermagem e de comunicação horizontal que permitiu autorreflexões em grupo, de estímulo à tomada de decisões pessoais com foco na promoção da saúde, contribuindo para levá-las ao protagonismo de suas ações e intenções de comportamentos auto eficazes na prevenção de quedas. Ademais, a adoção adequada de um referencial teórico pelas enfermeiras em sua prática, nesse caso particular com as idosas que caíram e almejavam prevenir quedas futuras, facilitou às idosas analisar os mecanismos de mudança de comportamento em saúde e permitiu influir e intervir no processo de reaprendizagem delas em busca de adoção de estilos de vida mais saudáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os fatores de risco para queda das idosas participantes estavam presentes, contudo, apesar de todas as adversidades, observou-se que elas apresentavam potencial de autorreflexão e esforço autodirigido para mudanças comportamentais possíveis. O anseio e a predisposição de adotar estilo de vida mais saudável certamente foram despertados aqui pelas ações estratégicas da enfermagem de trabalho grupal que estimula o diálogo e a autorreflexão, norteadas pelas concepções do MPS de Pender e col., demonstrando a adequabilidade desse Modelo para as intervenções cuidativo-educacionais com pessoas idosas suscetíveis a queda, convivendo em comunidade.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Marcos Brandão

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Fev 2022
  • Aceito
    11 Jul 2022
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