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O SIGNIFICADO PSICOLÓGICO DE PALAVRAS RELACIONADAS A VALORES ESPIRITUAIS ENTRE ESTUDANTES DE ENFERMAGEM

A enfermagem tem como função específica assistir o ser humano (indivíduo, família, comunidade) no atendimento de suas necessidades bio-psieosócio-espirituais e torná-lo independente desta assistência pelo ensino do auto-cuidado. A cada dia a literatura de enfermagem por meio de pesquisas publicadas está apresentando novas contribuições ao conhecimento e assistência das necessidades do paciente nos aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Entretanto, muito pouco tem sido realizado em termos das necessidades espirituais.

Com os artigos de GODOY (1962)GODOY, F. - Necessidade religiosa do paciente israelita hospitalizado. Rev. Bras. Enf. 15 (5) : 410, out. 1962., MAKAREM (1965)MAKAREM, A. V. - Assistência religiosa dos doentes hospitalizados. Rev. P. Hosp. 13 (5) : 37, maio, 1965., HALPERN (1966)HALPERN, M. - The nurse and the jewish patient. Canadian Nurse, 62 (7) : 19, jul. 1966., BERKOWITZ (1967)BERKOWITZ, P. - The jewish patient in hospital. Am. J. of Nurs. 67 (11): 2335, Nov. 1967., FARR (1968)FARR, A. D. - Blood transfusion and religion. Nursing Mirrcr, 127 (1) : 28, 1968., COOREVITS (1968)COOREVITS, S. - Meeting the spiritual needs of our patients. S. Jamaican Nurse, 8 ; 37, Sep. 1968., PIEPGRAS (1968)PIEPGRAS, R. - The other dimension: spiritual help. Amer. J. Nurs. 68 : 2610-3, Dec. 1968, BROOKES (1969)BROOKES, J. -- Care of the whole person. New Zeal. Nurs. J., 62 : 7-8, Mar. 1969, BERNS (1971)BERNS, A. - Ministering to religious needs is important part of care. Mod. Nurs. Mome, 26 : 4, Apr., 1971. e NICOLODI (1973)NICOLODI, K - Assistência espiritual no hospital. Rev. P. Hosp. 21 (1) : 29-34, jan. 1973. percebe-se a confirmação da necessidade religiosa no ser humano, e a preocupação que os autores possuiam em incluir uma assistência a essa necessidade.

Recentemente os estudos realizados com pacientes por GELAIN (1974)GELAIN, I. - Necessidade psicosocial do paciente. Rev. Bras. Enf. 27 : 3, jul-set., 1974. e ARAÚJO (1976)ARAÚJO, C. P. - Estudo sobre a necessidade religiosa de pacientes em face pré-cirúrgica. Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Enfermagem da USP, 6 de outubro de 1976., parecem comprovar que essa necessidade é efetiva para a maioria dos pacientes hospitalizados e por eles verbalizadas, incluindo aspectos de como gostariam que a enfermagem os assistisse em suas carências espirituais.

Por outro lado, não temos elemento para afirmar que a enfermagem hospitalar e em particular, o enfermeiro, está atendendo a esta necessidade básica em seus aspectos quantitativo e qualitativo. Observa-se, porém, que na prática da enfermagem a assistência à essa necessidade parece ser negligenciada por parte dos profissionais.

Estaria a principal causa desta aparente irrelevância da assistência das necessidades espirituais do paciente relacionada com a formação profissional ou àquela anterior à sua entrada na Universidade?

Tentando encontrar resposta a esta indagação, nos propusemos a estudar e verificar se o probelma está relacionado com as causas já citadas num estudo longitudinal em duas fases:

a) alunos ingressantes no tronco profissional;

b) a mesma população na última fase do ciclo profissional.

Nessa primeira fase, nos propusemos a averiguar qual o significado psicológico para os estudantes ingressantes nas Escolas de Enfermagem das palavras que estão diretamente relacionadas com a esfera religiosa, desde que se considera “significado psicológico” e comportamento verbal, resultante das contingências sociais às quais o indivíduo está sujeito.

METODOLOGIA

A população constituiu-se de estudantes de enfermagem matriculados no primeiro semestre de ciclo profissional, pertencentes às quatro Escolas de Enfermagem da capital de São Paulo, que por ordem cronológica na coleta de dados receberam a denominação operacional de A, B, C, e D. Com exceção de cinco alunos que estavam matriculados mas não freqüentaram as aulas durante a semana em que os dados foram obtidos, os demais estudantes somavam o total de 246, e todos eles fizeram parte do estudo.

Pela TABELA I pode-se verificar algumas características da população em apreço, segundo cada Escola.

TABELA I
DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR ESCOLAS E CARACTERÍSTICAS: IDADE, SEXO, ESTADO CIVIL NACIONALIDADE, PROCEDÊNCIA E RELIGIÃO.

Para a coleta de dados utilizou-se a Escala do Diferencial Semântico de Os-good simplificada para o Brasil, sob a forma de um caderno contendo as seguintes palavras: Alma, Corpo, Morte, Saúde, Deus, Médico, Dor, Hospital, Religião, Prece, Enfermeira, Vida, Sacerdote, Doença. Para o propósito deste estudo porém, nos limitamos a apresentar resultados do significado psicológico das palavras: Alma, Corpo, Morte, Deus, Religião, Prece, Vida e Sacerdote.

Todas as Escolas foram visitadas por ocasião da primeira semana de aulas do semestre letivo de 1977. Após consentimento prévio da Administração, foi dada explicação conjunta aos alunos de cada Escola de maneira pela qual o caderno deveria ser preenchido.

Os resultados obtidos foram computadorizados em termos de levantamento dos dados e tratamento estatístico para média e desvio padrão. Foi aplicado o teste “t” de Student para estudo de significância, estabelecendo-se o nível de 5%. Para análise da estereotipia aplicou-se o índice de Contradição Interna (C. I.), obtido pela diferença da somatória dos valores absolutos e algébricos, atribuídos em cada escala, dividido pelo número de sujeitos, em cada fator. Quando a diferença se aproxima ou é igual a zero, as respostas são consideradas estereotipadas, ou seja, todas obedecem a mesma direção. Os índices depois de tabulados segundo sua freqüência, foram distribuídos em quartis. Os valores contidos no primeiro quartil: abaixo de 0,6 foram considerados índices de estereotipia e os contidos no quartil 4, acima de 1,8 foram considerados índices de elevada Contradição Interna.

RESULTADOS

Os resultados serão apresentados como segue: 1) Análise das médias; 2) Nível de significância a 5% pela aplicação do “t” de Student; 3) índice de Contradição Interna.

1) Foram encontrados os seguintes resultados na análise das saídas:

- Quanto ao Fator I, valorativo, os estudantes consideraram a Alma, Corpo, Deus, Religião, Prece, Vida e Sacerdote como saudáveis, maravilhosos, bons, desejáveis e a Morte como doentia, horrível, indesejável e má.

- Quanto ao Fator II, potência, a população estudada considerou Alma, Corpor, Deus, Religião, Prece, Vida, Sacerdote e Morte como grandes, pesados, altos e intensos.

- Quanto ao Fator III, atividade, os estudantes consideraram Corpo, Deus, Religião, Prece, Vida e Sacerdote como ativos, rápidos, barulhentos e mortais. Quanto às palavras Alma e Morte três grupos as consideraram passivas, lentas, silenciosas e imortais e um grupo as consideraram ativas, rápidas, barulhentas e mortais.

2) Encontramos no QUADRO I os resutlados quanto a significância do “t” de Student ao nível de 5%.

QUADRO I
RESULTADOS QUANTO À SIGNIFICÂNCIA APÓS APLICAÇÃO DO "t" DE STUDENT AO NÍVEL DE 5%.
QUADRO II
RESUMO DOS RESULTADOS DE "t" DE STUDENT AO NÍVEL DE 5% QUANTO AOS FATORES.

3) A análise do índice de Contradição Interna revelou os seguintes resultados:

A população das Escolas A, B, C e D no fator I (Valorativo) quanto às palavras Alma, Corpo, Deus, Religião, Prece, Vida, Sacerdote, acusaram estereotipia, em vinte e um (21) casos o índice foi igual a zero (0).

Quanto à palavra Morte no mesmo fator toda a população revelou alto índice de C.I., acima de 1.8 até 2,39.

No Fator II (Potência), toda a população, em todas as palavras situou-se no primeiro quartil, indicando tendência a estereotipia.

No fator III (Atividade), em relação às palavras Corpo, Morte, Vida e Sacerdote, toda a população situou-se no primeiro quartil, indicando estereotipia. Nas Escolas A, B e D esta estereotipia estendeu-se à palavra Deus; nas Escolas A e C incluiu no primeiro quartil a palavra Religião e também houve estereotipia nas Escolas A e D em relação à palavra Alma.

As demais palavras situaram-se entre o 2.° e 3.° quartís indicando discreta tendência para Contradição Interna.

DISCUSSÃO

Neste primeiro estudo observamos qúe de uma maneira geral os estudantes ingressantes no tronco profissional das Escolas de Enfermagem, tem comportamentos verbais, isto é, significados psicológicos, tendendo para a estereotipia em quase todas as palavras relacionadas a valores religiosos, principalmente quanto aos fatores Valorativo e Potência, com exceção da palavra Morte, que gerou alto índice de Contradição Interna.

A Morte está ligada não somente aos valores religiosos e espirituais mas à própria sobrevivência, em seu significado psicológico entram múltiplos valores conflitantes provocando o resultado encontrado.

Na população estudada (Tabela I) há indivíduos com 35 e 43 anos, constituindo uma minoria, a maioria é de jovens que até o momento, presumimos, pelas suas próprias características psicológicas, não refletiram em profundidade sobre a Morte e todas as suas implicações - a sua própria morte, a do entes queridos. Após o Curso de Enfermagem enfrentando diariamente o binômio Vida-Morte, apresentam ainda este alto índice de Contradição Interna?

Quanto ao fator III (Atividade) a estereotipia manteve-se em toda a população nas palavras Corpo, Morte, Vida, Sacerdote. Pequenas diferenças que não chegaram a alcançar altos índices de C.I., mantendo ora estereotipia ora tendência para Contradição Interna, nas outras palavras.

Das quatro Escolas em estudo salientou-se a Escola B, já nas médias em relação ao fator Atividade nas palavras Alma e Morte opondo-se frontalmente ao significado psicológico atribuído pelos estudantes das outras Escolas, estes resultados foram significante segundo o “t” de student ao nível de 5%. É ainda a população da Escola B quem mais polariza seus conceitos, comprovado pelo teste “t” com valores significantes em 24 análises, nos três fatores, sendo que a maior incidência ocorreu no fator valorativo (9) nas palavras Deus, Religião, Prece e Sacerdote.

A população das Escolas C e D cada um com sete “t” significantes principalmente no fator valorativo. A população da Escola só polarizou cinco vezes em três palavras: Alma, Morte e Deus, nos fatores Potência e Atividade.

Na palavra Vida não houve significância, qual teria sido a razão desta harmonia, em termos de significado psicológico, entre a população. Seria de esperar que os jovens apresentassem alto índice de Contradição Interna, diante de palavra tão significativa em termos de valores humanísticos, nâo só religiosos.

Resta-nos perguntar quais as causas que levaram a uma diferença tão acentuada do significado psicológico dos estudantes da Escola B? Reportemo-nos à tabela I, a população é constituída de 57 alunos, inclui estudantes até 43 anos, em minoria, enquanto nas Escolas A, C e D a idade máxima é de 30 e 35 anos. É a Escola B que tem maior número de estudantes procedentes de outros locais fora de São Paulo (17). Nas Escolas A. C e D a maioria é católica enquanto na Escola B, 77% da população é protestante. Seriam estes fatores responsáveis pelo comportamento verbal desta população? Ou só o fator religião, é o elemento ou variável preponderante e responsável pelo “significado psicológico” atribuído pela população às palavras relacionadas aos valores espirituais? Mas, e nas outras Escolas, onde a maioria é católica? Este resultado implica em estudos culturais e religiosos, que no momento, nesta fase inicial do trabalho não nos cabe aprofundar, mas sim estudar profundamente o assunto, empreender novas pesquisas, usar outras abordagens que nos levem ao caminho da verdade.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos na primeira fase deste estudo evolutivo, em uma população de 246 estudantes recém-ingressantes no tronco profissional de quatro Escolas de Enfermagem da cidade de São Paulo leva-nos às seguintes conclusões:

1) Os estudantes ingressantes trazem consigo comportamentos verbais estereotipados constatados pelo significado psicológico atribuídos às palavras relacionadas aos valores espirituais: Alma, Corpo, Deus, Religião, Prece, Vida, Sacerdote, quanto aos fatores Potência e Atividade. Quanto ao fator Valorativo, com exceção da palavra Morte, os demais são valores que obedecem a mesma direção (estereotipia). Quanto à palavra Morte, no fator Valorativo houve alto índice de Contradição Interna.

2) A variável religião parece ser um fator importante no significado psicológico atribuído às palavras relacionadas aos valores religiosos, uma vez que a Escola B com 77% de sua população é constituída de protestantes, salientou-se significativamente ao nível de 5% das demais Escolas, polarizando seu comportamento verbal.

  • ARAÚJO, C.P. e colaboradora - O fignificado psicológico de palavras relacionadas a valores esp irituais entre estudantes de enfermagem. Rev. Bras. Enf.; DF, 31 : 93-100, 1978.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 1978
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