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PARTICIPAÇÃO DA ENFERMEIRA NOS PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE DAS POPULAÇÕES RURAES

I - INTRODUÇÃO

A enfermeira se torna cada vez mais um elemento ativo e indispensável nas equipes de saúde.

Sua presença é uma necessidade desde as atividades mais complexas como nos transplantes de órgãos até atividades aparentemente mais simples como a aplicação de imunizantes. Sua participação na docência em todos os níveis, na administração de serviços é uma realidade.

É nesta pirâmide de funções, simples em alguns casos e muito complexas em outros, que estão incluídas atividades a serem desenvolvidas pela enfermeira na área rural.

Ao receber a incumbência de participar deste simpósio, julguei que a experiência vivida levar-me-ia a definir facilmente as funções da enfermeira nos programas de Saúde Rural. A medida que coordenava idéias e reunia o material, observava que a tarefa era extremamente difícil e pensei poder dispor desta oportunidade para relatar as nossas experiências na Amazônia e analisar, em conjunto com os elementos deste simpósio, a lista de interrogativas a respeito da programação, execução e avaliação de serviços de saúde em zonas rurais no que se refere à participação da Enfermeira.

II - CONSIDERAÇÕES GERAIS

No Brasil, cada cidade e cada vila é dividida em zona urbana, suburbana e rural. O centro de maior concentração predial constitui a zona urbana, a zona suburbana abrange a área dentro da qual está se processando a expansão da zona urbana e toda a área situada fora dos limites dos quadros urbano e suburbano é considerada zona rural.

Em 1950, no Brasil, a proporção da população não urbana excedia a quase dois terços (63,84%) variando entre máximos de 75,62% no Centro Oeste e mínimo de 52,4.5% no Sudeste.

Na década de 1970, as proporções variaram, pois o desenvolvimento do país levou um grande número de pessoas a procurarem os Centros Urbanos. A população rural passou a ser de 44,02 % para o país e os limites máximos ocorreram no Nordeste com 58,22% e mínimo no Sul, com 55,44%.

Apesar deste êxodo populacional para as zonas urbanizadas com o conseqüente aumento de problemas sócio-econômicos nessas áreas, a zona rural continua sendo o grande desafio para as autoridades responsáveis pela economia, educação, agricultura, saúde, etc. É por isso que o Governo se volta para as zonas menos populosas, mais distantes e com centenas de problemas, empregando todos os esforços para ajudar o trabalhador rural a viver melhor. É uma necessidade imperiosa manter o homem rural na sua área; é necessário que ele continue produzindo os alimentos para a sua sobrevivência, caso contrário teremos uma avalanche de desajustados, correndo o rurícula para os centros urbanos e suburbanos, transferindo problemas, diminuindo a produção de alimentos, aumentando o desemprego, trazendo novos e maiores problemas de saúde para as áreas onde tenta encontrar melhores dias.

III - VIAS DE PENETRAÇÃO E COLONIZAÇÃO

A construção da rodovia Belém-Brasília, concluída em 1973, proporcionou no Estado do Pará a primeira ligação terrestre, permanente com o Brasil extra-amazônico, seguindo-se a rodovia Cuiabá-Rio Branco, também, trafegável, unindo o Acre ao Sul do país.

A decisão do Presidente Médici, de incorporar as áreas virgens da Amazônia à economia nacional mediante a colonização e o aproveitamento racional das terras disponíveis e os recursos naturais ali existentes foi concretizada com a adoção do Programa de Integração Nacional, onde a infra-estrutura de transportes, com a rodovia Transa-mazônica, passou a ser o elemento fundamental. Simultaneamente o Governo iniciou a construção da estrada Cuiabá-Santarém para ligar o rio Amazonas e os seus principais portos Belém-Manáus, ao Centro-Oeste do País; esta rodovia corta a Transamazônia nas proximidades de Itaituba formando uma gigante cruz rodoviária no seio da selva antes intransponível.

Houve por parte do Governo um cuidoso planejamento para esta colonização. Para a ocupação inicial da área, ficou reservada uma faixa de terra de 10 km às margens das rodovias. Foram estabelecidos os programas prioritários de distribuição de terras, organização das Unidades agrícolas, obras de infra-estrutura básica, promoção de sistemas de educação, saúde e previdência, promoções de sistemas de créditos rurais e de comercialização de produtos.

Foram estabelecidos três tipos de comunidades: agrovilas, agrópolis e rurópolis.

A agrovila é o menor centro, composto de 50 lotes rurais de 100 ha. em média, 50 famílias, e conta com ensino primário, pequeno posto de saúde e comércio reduzido.

A agrópolis polariza em torno de si 20 agrovilas, vindo em segundo lugar em termos de grandeza. Compreende: centro administrativo dos órgãos públicos de apoio, postos de assistência social, saúde, escola primária e, futuramente, secundária e agro-industrial, assim como outros serviços básicos.

A rurópolis, que constitui um centro de integração micro-regional, deverá desenvolver-se a cada 140 km. e servirá como polo de desenvolvimento de indústrias e outros serviços. Inicialmente, quatro cidades situadas na região se constituíram em rurópolis deste sistema de colonização até que outros centros, desta terceira grandeza, surjam em função do desenvolvimento das agrovilas e agrópolls.

IV - SERVIÇOS DE SAÚDE

Para a implantação dessas novas populações houve um plano interministerial, cabendo ao Ministério da Saúde a coordenação das atividades específicas que para isto delegou à Fundação SESP a prestação da assistência médica em todos os seus níveis, e à SUCAM a execução das Campanhas de Saúde Pública e ao Instituto Evandro Chagas a parte da pesquisa em toda a área.

A FSESP procurou estabelecer uma infra-estrutura de Saúde que obedecesse os princípios de cobertura e acesso e que pode ser resumida no esquema anexo.

As Unidades Básicas de Saúde se compõem de Unidades Sanitárias que prestam assistência médico-sanitária em regime ambulatorial e Unidades Mistas que, além da assistência ambulatorial, contam com um setor de internamento

As Unidades Sanitárias estão classificadas de acordo com a população a que servem e as facilidades de comunicação. Foi criada, ainda, o tipo L-2 Especial que conta com um reduzido número de leitos para internamento de emergências.

As Unidades Mistas colocadas estrategicamente nas Rurópolis dão corbertura hospitalar aos casos drenados pelas Unidades periféricas.

As atividades desenvolvidas pelas Unidades Básicas de Saúde são as seguintes:

1. Assistência materno-infantil, incluindo nutrição;

2. Controle de doenças transmissíveis;

3. Saneamento básico;

4. Assistência médico-sanitária ao adulto;

5. Educação em Saúde;

6. Odontologia Sanitária;

7. Coleta de dados bioestatísticos.

As Unidades, de acordo com seu nível de complexidade, permitem u'a melhor utilização dos elementos técnicos e administrativos, reduzem os gastos e principalmente favorecem uma atenção, em distintos níveis, ao colono, que tem ao seu alcance imediato assistência simplificada, e, de acordo com a gravidade do caso, passa a Unidade L-2, onde recebe cuidados médicos e internamento de urgência e se o caso requer, poderá ser enviado à Unidade Mista, onde a atenção médica é mais completa.

As Unidades de apoio prestam às Agrovilas a supervisão técnica, fornecem imunizantes, fazem os exames de laboratório, cujo material foi colhido localmente e, ainda, são responsáveis pela parte contábil/administrativa das Unidades de menor porte.

V - ENFERMAGEM

A Unidade da Agrovila conta somente com um elemento permanente, a Visitadora, que recebe semanalmente a visita do médico e do odontólogo para atenção à comunidade e periodicamente a supervisão da enfermeira. Aquele elemento tem um mínimo de formação geral - de 1.º grau e recebe um treinamento profissionalizante de 5 meses

O treinamento da Visitadora está mais voltado para a execução de técnicas de enfermagem, como sejam: aplição de imunizantes e injeções, curativos, socorros de urgência e primeiros cuidados, encaminhamento de pacientes a Unidades diferenciadas, e conhecimentos que lhe permitem realizar atividades de educação em saúde através de consultas de enfermagem da Unidade, visitas domiciliares, orientação das curiosas e coleta de dados bioestatísticos. Atualmente seu preparo ainda não favorece à realização de atividades mais complexas, o que somente será possível quando houver maior experiência do sistema em vigor e uma definição das áreas de conhecimento que devem ser reforçadas em seu treinamento profissionalizante.

A enfermeira atua na Unidade Mista como coordenadora de todas as atividades de enfermagem a nível de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde, como administradora e docente.

VI - COMENTARIOS

Os pequenos núcleos populacionais das Agrovilas fazem com que numericamente o trabalho da Visitadora apresente cifras baixas. Por outro lado, os grupos heterogêneos provenientes de áreas com características diferentes - clima, alimentação, costumes - condicionam ao colono e seus familiares problemas de ajustamento que requerem assistência diferenciada que possa ajudá-los, inclusive, no campo das ciências sociais.

E neste momento que entra o trabalho supletivo da enfermeira. Atualmente esta atuação não satisfaz plenamente já que os seguintes fatores estão interferindo no trabalho realizado por este profissional:

- o treinamento dado nas escolas, na maioria das vezes, não dá oportunidade à aluna de conscientizar-se da multiplicidade de ações que envolvem o trabalho na zona rural; da necessidade de adaptar técnicas complexas transformando-as em ações mais simples;

- as enfermeiras estão sediadas nas Unidades Mistas e a carga que lhes é atribuída, principalmente em função da Unidade Hospitalar, priva-se de um contacto mais permanente e prolongado com as Unidades das Agrovilas;

- as dificuldades de transposte e comunicação são outro fator negativo com respeito à supervisão a ser realizada pela enfermeira. Na época das chuvas, estas dificuldades acentuam-se. Mesmo com a melhor conservação das estradas, acredito que isto continue a afetar nos anos futuros.

Tanto na Região Amazônica, no Brasil, como em regiões de outros países, já foram feitas inúmeras experiências utilizando o mais variado tipo de pessoal para a atenção de saúde ao homem rural, desde o emprego de pessoal profissional, como enfermeiras, até a execução de atividades de enfermagem por leigos, através de um treinamento bastante limitado, Os resultados têm sido diferentes, embora utilizando um mesmo nível de pessoal. As peculiaridades da região, as distâncias com suas implicações de transporte e comunicação, os recursos limitados e as dificuldades em obter pessoal do próprio local, são variantes que devem ser consideradas. Um exemplo bem vivo é a experiência que estamcs relatando. Quantos Estados ou Regiões de nosso país poderiam utilizar este nosso modelo? Isto é possível na Amazônia onde se recebem os benefícios do Plano de Integração Nacional que proporciona parte dos recursos para este tipo de trabalho.

É necessário salientar as características que devem ser consideradas no planejamento da implantação de serviços nessas áreas, relativas à execução das atividades, estejam elas a cargo de uma visitadora, atendente ou leigo:

- devem existir normas específicas, claras e exequíveis;

- as funções do responsável pela execução das tarefas de saúde devem estar claramente definidas;

- o treinamento deve ser em função das atividades a serem desenvolvidas;

- a supervisão deve ser permanente e supletiva com referência a algumas atividades que só podem ser desenvolvidas por técnicos ou profissional;

- a capacidade de adaptação e o relacionamento devem ser considerados como aspectos altamente prioritários na seleção do candidato;

- a garantia de moradia para o servidor é indispensável.

Neste campo a ação da enfermeira também é complexa, muito embora, a maioria das técnicas utilizadas sejam aparentemente simples. Ela deve ser uma "generalista" e não uma "especialista", deve ter uma grande capacidade de adaptação e um profundo respeito pelo ser humano. Deve antecipar necessidades e principalmente ter criatividade.

No trabalho de comunidade, observar o comportamento das famílias, palpar seus problemas, planejar programas de educação em saúde que atendam as reais necessidades de um grupo pequeno, disperso, heterogêneo é um desafio a todo profissional.

Um dos obstáculos que enfrenta a enfermeira na zona rural é a falta de a poio de outro profissional, especialmente na mesma área da enfermagem, já que às vezes tem que tomar decisões sem possibilidade de confrontar idéias e mesmo compartilhar da responsabilidade.

Produzir em uma zona rural é muito mais difícil do que produzir em um centro urbano onde seu universo é muito maior. O mais difícil ainda é inovar, pesquisar problemas e interesses, procurar fazer algo diferente para que tanto a população como o elemento permanente na comunidade, não venha sentir os efeitos de uma rotinização.

Resta saber se estamos formando nossas enfermeiras para este tipo de trabalho. Possivelmente os docentes poderão opinar melhor do que nós que atuamos como órgão consumidor e utilizamos os elementos que nos chegam com as mais variadas experiências. Por outro lado sabemos que mesmo proporcionando ao aluno uma formação acadêmica de bom nível, observamos que nos falta "ver" o que se faz na área rural, participar dos trabalhos, sentir os problemas; só assim poderemos preparar um profissional que tenha tanto interesse pelo trabalho como segurança em sua execução, condições básicas para que os resultados tenham êxito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • 2
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  • 3
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  • 4
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  • 8
    ORGANIZAÇÃO PAN AMERICANA DE LA SALUD. "Guia para la Organizacion de Servicios de Salud en Areas Rurales y la Utilizacion de Personal Auxiliar". Publicacion Científica n.º 290. Washington. 1974.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 1975
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