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Rastreamento das atipias celulares de colo de útero em mulheres na Atenção Primária

RESUMO

Objetivos:

analisar o rastreamento das atipias celulares de colo de útero em mulheres assistidas na Atenção Primária.

Métodos:

estudo quantitativo, retrospectivo e transversal, com análise de 190 prontuários de mulheres que apresentaram atipias no resultado da coleta de exame citopatológico cervical no período de 2012 a 2014.

Resultados:

as atipias mais frequentes encontradas foram Escamosas possivelmente não neoplásicas (ASC-US, 57,4%) e Lesão intraepitelial de baixo grau (LSIL, 23,2%). O tempo transcorrido entre a realização do exame e a chegada do resultado foi de 24 dias. A conduta do profissional após o resultado da última citopatologia cervical foi adequada para 51,1% das mulheres.

Conclusões:

há necessidade de aprimorar o programa de rastreamento de câncer de colo do útero e de direcionar corretamente as atipias identificadas, visando ao acesso da população-alvo para a investigação diagnóstica e tratamento das lesões precursoras do câncer de colo uterino.

Descritores:
Neoplasia Intraepitelial de Colo do Útero; Programas de Rastreamento; Displasia do Colo do Útero; Atenção Primária de Saúde; Promoção da Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the screening for cervical cell atypias in women assisted in Primary Care.

Methods:

quantitative, retrospective and cross-sectional study, with analysis of 190 medical records of women who had atypical results from the cervical cytopathological exam collection from 2012 to 2014.

Results:

the most frequent atypias found were possibly Non-neoplastic squamous (ASC-US, 57.4%) and Low-grade intraepithelial lesion (LSIL, 23.2%). The time elapsed between the exam and the result was 24 days. The professional’s conduct after the result of the last cervical cytopathology was adequate for 51.1% of women.

Conclusions:

there is a need to improve the cervical cancer screening program and correctly target the atypia identified, aiming at the access of the target population for the diagnostic investigation and treatment of precursor lesions of cervical cancer.

Descriptors:
Cervical Intraepithelial Neoplasia; Mass Screening; Uterine Cervical Dysplasia; Primary Health Care; Health Promotion

RESUMEN

Objetivos:

analizar la detección de las atipias celulares del cuello uterino en mujeres asistidas en la Atención Primaria.

Métodos:

estudio cuantitativo, retrospectivo y transversal, con análisis de 190 historias clínicas de mujeres que presentaron atipias en el resultado de la recogida de examen histopatológico cervical en el período de 2012 a 2014.

Resultados:

las atipias más frecuentes encontradas han sido Escamosas posiblemente no neoplásicas (ASC-US, 57,4%) y Lesión intraepitelial de bajo grado (LSIL, 23,2%). El tiempo transcurrido entre la realización del examen y la llegada del resultado ha sido de 24 días. La conducta del profesional después del resultado de la última citopatología cervical ha sido adecuada para 51,1% de las mujeres.

Conclusiones:

hay necesidad de perfeccionar el programa de detección del cáncer del cuello uterino y de orientar correctamente las atipias identificadas, visando al acceso de la población objetivo para la investigación diagnóstica y tratamiento de las lesiones precursoras del cáncer de cuello uterino.

Descriptores:
Neoplasia Intraepitelial de Cuello Uterino; Programas de Detección; Displasia del Cuello Uterino; Atención Primaria de Salud; Promoción de la Salud

INTRODUÇÃO

O câncer é uma das principais causas de morte no mundo(11 World Health Organization (WHO). Cancer [Internet]. 2017 [2017 Sep 21]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs297/en
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). Estimou-se, para o Brasil, no biênio 2018-2019, a ocorrência de 600 mil casos novos de câncer para cada ano(22 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) . Incidência de câncer no Brasil. Estimativa 2018[Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2018[2017 Sep 21]. Available from: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2018-incidencia-de-cancer-no-brasil
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). O câncer de colo uterino é uma das mais graves ameaças à vida das mulheres. Cerca de um milhão de mulheres sofrem da doença no mundo, e a maior parte delas encontra-se em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento(33 Carvalho PG, O´Dwer G, Rodrigues NCP. Health assistance path of women between diagnosis and treatment initiation for cervix cancer. Saúde Debate. 2018;42(118):687-701. doi: 10.1590/0103-1104201811812
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).

Em geral, o câncer de colo do útero (CCU) tem início a partir dos 30 anos, aumentando seu risco rapidamente até atingir o pico etário, entre 50 e 60 anos. Em nosso país, essa patologia vem atingindo progressivamente um número maior de mulheres em faixas etárias cada vez mais baixas e com taxa de mortalidade também crescente(44 Instituto Nacional do Câncer. Incidência de Câncer no Brasil [Internet]. 2016 [2016 Apr 04]. Available from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2016/sintese-de-resultados-comentarios.a
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).

Considerado como afecção progressiva, o CCU é caracterizado por alterações intraepiteliais cervicais, que podem se desenvolver para um estágio invasivo ao longo de uma a duas décadas. Possui como característica a replicação desordenada do epitélio de revestimento do órgão, comprometendo o tecido subjacente (estroma), podendo invadir estruturas e órgãos contíguos ou distantes(55 Cecil WV. Colposcopy of adenocarcinoma in situ and adenocarcinoma of the uterine cervix. In: Mayeaux EJ, Thomas Cox J, (Eds). Modern Colposcopy. Textbook and Atlas [Internet]. 3a ed. Wolters Klumer Lippincott Williams & Wilkins; 2012[2017 Sep 21]:325-7. Available from: https://www.pdfs.semanticscholar.org/7ef7/270236ab602443f9504af0a6586c76a03cff.pdf
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).

Há duas principais categorias de carcinomas invasores do colo do útero, dependendo da origem do epitélio comprometido: o carcinoma epidermoide, tipo mais incidente e que acomete o epitélio escamoso, o qual representa cerca de 80% dos casos; e o adenocarcinoma, tipo mais raro que acomete o epitélio glandular. Por possuir etapas bem definidas e de lenta evolução, o câncer de colo do útero permite sua interrupção a partir de um diagnóstico precoce e tratamento oportuno a custos reduzidos(66 Albuquerque VR, Miranda RV, Leite CA, Leite MCA. Preventive cervical cancer tests: women’s knowledge. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2016 [2017 Apr 19];10(5):4208-18. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11165/12692
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).

Atualmente, 44% dos casos são de lesão precursora do câncer, chamada in situ, considerada localizada. Mulheres diagnosticadas precocemente, com tratamento adequado, têm praticamente 100% de chance de cura(77 Instituto Nacional de Câncer. Consolidado 2014: incidência de câncer no Brasil[Internet]. Rio de Janeiro: Inca; 2014. [2017 Apr 23]. Available from: http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/sintese-de-resultados-comentarios.asp
http://www.inca.gov.br/estimativa/2014/s...
).

Para o rastreio de câncer cervical, o Brasil adota a técnica do exame citopatológico, Papanicolau, ofertado no serviço público e particular às mulheres que possuem vida sexual ativa e não ativa, como também mulheres na menopausa, aquelas submetidas à histerectomia parcial e grávidas(66 Albuquerque VR, Miranda RV, Leite CA, Leite MCA. Preventive cervical cancer tests: women’s knowledge. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2016 [2017 Apr 19];10(5):4208-18. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/11165/12692
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).

Apesar das medidas de prevenção primária e secundária, o câncer do colo do útero continua a apresentar altas taxas de incidência e mortalidade, especialmente nos países com baixa e média renda per capita(88 Ferlay J, Soerjomataram I, Dikshit R, Eser S, Mathers C, Rebelo M, et al. Cancer incidence and mortality worldwide: sources, methods and major patterns in GLOBOCAN 2012. Int J câncer[Internet]. 2015 [2017 May 17];136(5):E359-86.: Available from http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/04/Ferlay_et_al-2015-International_Journal_of_Cancer.pdf
http://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz....
).

Considerando a importância da prevenção do CCU para a diminuição de sua incidência e mortalidade entre mulheres em nosso país, é imprescindível que ações de saúde e operacionalidade sejam direcionadas a um programa de rastreamento capaz de garantir o acesso e o tratamento sempre que necessários.

OBJETIVOS

Analisar o rastreamento das atipias celulares de colo de útero em mulheres assistidas na Atenção Primária.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais para pesquisa envolvendo seres humanos, uma vez que, precedendo a coleta dos dados, foi submetido à Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, na Coordenadoria Regional de Saúde Norte, e ao Comitê de Ética em Pesquisa da universidade a que está relacionado.

Tipo de estudo e local

Estudo quantitativo, retrospectivo e transversal elaborado segundo as diretrizes do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)(99 Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. STROBE initiative: guidelines on reporting observational studies. Rev Saúde Pública. 2010;44(3):559-65. doi: 10.1590/S0034-89102010000300021
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), realizado em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) localizada na região norte da cidade de São Paulo. Trata-se de unidade mista constituída por dois modelos de assistência distintos, denominados UBS tradicional e UBS Estratégia Saúde da Família (ESF).

As mulheres cadastradas no modelo de assistência da UBS tradicional são assistidas por médicos especialistas da área de obstetrícia e ginecologia e por enfermeiros que realizam o atendimento de livre demanda proveniente da procura da assistência pela usuária; e as cadastradas no modelo de assistência da ESF são assistidas por médicos generalistas e por enfermeiro da saúde da família, em consulta médica e/ou de enfermagem. O modelo da ESF tem por objetivo ser próativo na identificação dos agravos no processo saúde-doença, por meio do cadastramento e acompanhamento contínuo e integral dos usuários e de suas famílias inseridos em uma comunidade definida por limites territoriais.

População, amostra, período, critérios de elegibilidade

A população foi constituída por 5.996 prontuários de mulheres assistidas na referida UBS, sendo 2.675 (44,6%) prontuários do modelo assistencial tradicional e 3.321 (55,4%) do modelo assistencial ESF, no período de fevereiro de 2012 a dezembro de 2014.

No estudo, foram incluídas mulheres com idade igual ou superior a 14 anos que residiam na área de abrangência da Supervisão Técnica de Saúde da região Norte da cidade de São Paulo e que realizaram o rastreamento citopatológico mediante esfregaço corado pelo método de Papanicolau no referido período. A escolha pela idade deveu-se unicamente ao fato de que, a partir dos 14 anos, se inicia a procura por atendimentos no âmbito da saúde da mulher provenientes de queixas ginecológicas. Não foi utilizado nenhum critério de exclusão. A opção pelo corte temporal baseouse na disponibilização dos prontuários pela gerência da UBS. A amostra foi obtida após a análise dos laudos presentes nos 5.996 prontuários. Dessa forma, foi composta por 190 prontuários de mulheres assistidas na UBS que apresentaram registro de atipias celulares, correspondendo a 3,2% da população assistida. Destes, 91 pertenciam ao modelo Tradicional e 99 à ESF, com atipias celulares de colo do útero no resultado da coleta de exame citopatológico cervical no período estudado.

Variáveis de estudo

As variáveis estudadas foram estratificadas em sociodemográficas e relativas à coleta do exame citológico; tempo entre realização do exame e resultado e consulta; resultados do exame citológico. As atipias foram avaliadas e classificadas de acordo com a Nomenclatura Brasileira para Laudos Citopatológicos Cervicais do Instituto Nacional do Câncer (INCA)/Ministério da Saúde (MS)(1010 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (INCA). Nomenclatura brasileira para laudos citoplatológicos cervicais[Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012[2017 May 17]. Available from: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//nomenclatura-brasileira-para-laudos-citopatologicos-cervicais-2012.pdf
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), como: Células Atípicas de Significado Indeterminado (Escamosas Possivelmente Não Neoplásicas [ASC-US], Escamosas em que Não se Pode Afastar Lesão Intraepitelial de Alto Grau [ASC-H], Glandulares Possivelmente Não Neoplásicas e Glandulares em que Não se Pode Afastar Lesão Intraepitelial de Alto Grau [AGC]), Atipias em Células Escamosas (Lesão Intraepitelial de Baixo Grau, compreendendo efeito citopático pelo HPV e NIC grau I LSIL e Lesão Intraepitelial de Alto Grau compreendendo NIC graus II e III HSIL) e Atipias em Células Glandulares.

A análise da conduta dos profissionais responsáveis pela coleta é realizada após avaliação da atipia no exame citológico. Para isso, foram consideradas as Diretrizes recomendadas para o Rasteamento do Câncer do Colo do Útero do MS e INCA, a qual considera como conduta adequada a repetição do exame em seis meses nas Atipias de Significado Indeterminado em Células Escamosas Possivelmente Não Neoplásicas (ASC-US) ou Lesão Intraepitelial de Baixo Grau (LSIL); solicitação de colposcopia nas Atipias de Significado Indeterminado em Lesão Epitelial de Alto Grau, Células Escamosas em que Não se Pode Afastar Lesão de Alto Grau (ASC-H), Células Glandulares (AGC), como também nos casos de Lesão Intraepitelial de Alto Grau (HSIL). Como não adequada, considera toda e qualquer conduta que seja diferente daquelas preconizadas pelas Diretrizes para o Rastreamento do Câncer de colo do útero(1111 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2011[2017 May 17]. Available from: http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/rastreamento_cancer_colo_utero.pdf
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).

Análise dos dados

Para avaliar simultaneamente os efeitos dos potenciais fatores associados ao tipo de conduta recebido pela usuária do serviço segundo as diretrizes “adequado” ou “não adequado”, foi utilizada a regressão logística. A existência de associações entre duas variáveis categóricas foi verificada com uso do teste de qui-quadrado ou, alternativamente, em casos de amostras pequenas, do teste exato de Fisher. A comparação de médias entre dois grupos foi realizada usando-se o teste t de Student para amostras independentes. Para a análise de todos os testes estatísticos, foi considerado um nível de significância de 5%, com o apoio computacional dos softwares IBM SPSS 20.0 Statistical Package for the Social Sciences, Stata 12 e Excel 2016 (Microsoft Office®).

RESULTADOS

Observou-se que as mulheres foram igualmente assistidas pela UBS tradicional e pelo modelo ESF (p = 0,320). Constatou-se que, ao menos uma vez ao ano, 33,7% delas realizaram consulta médica; e 30,5%, consulta de enfermagem em saúde da mulher. Adicionalmente, 65,3% tiveram um ano de intervalo entre a realização dos exames preventivos de Papanicolau, dos quais 61,6% foram realizados por enfermeiros.

Os resultados revelaram que 57,4% das mulheres com alguma atipia celular de colo do útero eram de Significado Indeterminado em Células Escamosas Possivelmente Não Neoplásicas (ASC-US); e 23,2%, Lesão Intraepitelial Escamosa de Baixo Grau (LSIL). No entanto, Atipias de Significado Indeterminado em Células Escamosas (ASC-H) e Atipias de Significado Indeterminado em Células Glandulares (AGC) em que Não se Pode Afastar Lesão de Alto Grau e Lesão Intraepitelial Escamosa de Alto Grau (HSIL) foram baixas, inferiores a 5% (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das mulheres por resultado da última citopatologia cervical e respectivos intervalos de confiança de 95%, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2014

Quanto à conduta do profissional responsável pela coleta, observou-se que 51,1% das mulheres receberam conduta adequada após o resultado da última citopatologia cervical. Entretanto, 41% receberam conduta não adequada e 7,9% não receberam qualquer conduta. Constatou-se que, em média, as mulheres que receberam conduta adequada tiveram tempo menor entre a realização do exame e a chegada do resultado na UBS (média de 25 dias) em relação às que receberam a conduta não adequada (média de 29 dias). No entanto, não houve diferença estatisticamente significante (p = 0,046) (Tabela 2).

Tabela 2
Tempo entre coleta e resultado e tempo entre a coleta e a consulta por tipo de conduta, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2014

Após o conhecimento do resultado de exame alterado, foi avaliada a adequação da conduta recebida pelas mulheres no tocante às recomendações do MS. Dentre as condutas adequadas, considerou-se, em 67,9%, repetir o exame em seis meses nas Atipias de Significado Indeterminado em Células Escamosas Possivelmente Não Neoplásicas (ASCUS) e em 13,6% nos casos de Lesão Intraepitelial de Baixo Grau (LSIL). Os resultados encontrados revelam ainda que, em 50% das Atipias de Significado Indeterminado em Lesão Epitelial de Alto Grau, Células Escamosas em que não se Pode Afastar Lesão de Alto Grau (ASC-H) e em 45,5% de Células Glandulares (AGC), houve conduta considerada adequada, relacionada à solicitação do exame de colposcopia (Tabela 3).

Tabela 3
Adequação da conduta médica pós-avaliação do resultado da citopatologia cervical, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2014

Ao considerar como desfecho final a associação entre a conduta e o resultado da última citopatologia cervical, observou-se que as mulheres com diagnóstico de ASC-US apresentaram maior porcentagem de seguimento pela rotina ginecológica anual (51,3%) comparativamente às mulheres com ASC-H (0%) e HSIL (0%). Já na rotina ginecológica semestral, apresentaram maior porcentagem de seguimento as mulheres com ASC-H (75,0%). Porém, chama atenção o número de mulheres que abandonaram o seguimento (Tabela 4).

Tabela 4
Conduta final, segundo o resultado da última citopatologia cervical, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2014

Verificou-se associação entre a conduta do profissional e o resultado da última citopatologia cervical (p < 0,001). Dessa forma, identificou-se que o grupo de usuárias com ASC-US teve maior porcentagem de encaminhamento adequado realizado pelo profissional que as assistiu (67,9%) (Tabela 5).

Tabela 5
Conduta do profissional segundo resultado da última citopatologia cervical, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2014

DISCUSSÃO

Atualmente, no SUS, as ações de prevenção e controle do câncer de colo do útero são estruturadas nas UBS e na incorporação organizada dos laboratórios de citopatologia, histopatologia e hospitais especializados. Essas ações são monitoradas pelo Sistema de Informações Sobre o Câncer do Colo do Útero (SISCOLO), que ainda não permite identificação do número de mulheres examinadas, mas apenas a quantidade de exames realizados e dados sobre resultados de colposcopia e biópsia(1212 Vale DBAP, Morais SS, Pimenta AL, Zeferino LC. Assessment of the cervical cancer screening in the Family Health Strategy in Amparo, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública. 2010;26(2):383-90. doi: 10.1590/S0102-311X2010000200017
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).

A Linha de Cuidado do Câncer do Colo do Útero tem a finalidade de assegurar à mulher o acesso humanizado e integral às ações e aos serviços qualificados. Essas ações devem ser organizadas com base em algumas diretrizes, entre elas: Prevenção e detecção precoce, Programa Nacional de Qualidade da Citologia, Acesso à confirmação diagnóstica, Tratamento adequado e em tempo oportuno(1313 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à saúde. Departamento de Atenção Básica. Caderno de Atenção Básica. Controle dos Cânceres do Colo de Útero e Mama [Internet]. 2a ed. 2013[2017 May 17]. Brasília-DF. Available from: http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/controle_canceres_colo_utero_2013.pdf
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).

No Brasil, as distintas características econômico-culturais, regionais e mesmo intraurbanas encontradas são capazes de gerar um padrão em que coexistem fatores relacionados à pobreza e ao desenvolvimento(1414 Rodrigues AD, Bustamante TMT. Breast cancer and cervical cancer mortality trends in a medium-sized city in Southern Brazil, 1980-2006. Cad Saúde Pública. 2011;27(2):241-8. doi: 10.1590/S0102-311X2011000200005
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).

Estudo da Universidade Estadual de Campinas revelou que a situação conjugal foi a única variável que apresentou associação significante com a realização da citologia oncótica, assemelhando-se aos achados de outras pesquisas segundo os quais as mulheres casadas ou com parceiros apresentam maior prevalência na realização do exame comparadas às que não têm companheiro. Esse resultado pode indicar que as mulheres consideram necessária a realização do Papanicolau só em situação de vida sexual ativa(1515 Amorim VMSL, Barros MBA. Equity of access to Pap smears: population-based study in Campinas, São Paulo, Brazil. Rev Bras Epidemiol. 2014;17(Suppl 2):136-49. doi: 10.1590/1809-4503201400060012
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).

Ressalta-se que as mulheres foram igualmente assistidas em ambos os modelos de assistência tradicional e ESF (p = 0,320). Sendo assim, o estudo nos revela que o fato de não serem assistidas pelo médico especialista, ginecologista, não interferiu na assistência em geral, isto é, os generalistas e as/os enfermeiras(os) foram capazes de suprir igualitariamente o acolhimento às mulheres com alterações no exame citopatológico.

Demonstrou-se que pouco mais de 30% das mulheres realizaram consulta médica e consulta de enfermagem uma vez ao ano; resultado aquém do esperado, uma vez que, a depender do resultado da atipia apresentada, essa frequência deveria ser maior. Dessa forma, caso a mulher apresentasse atipia ASC-US e LSIL, deveria retornar à consulta em seis meses para nova coleta de citologia oncótica. Já nas atipias ASC-H, AGC e HSIL, seu retorno deveria ocorrer em, no máximo, três meses para a avaliação do resultado de colposcopia, fato que dificilmente ocorreu.

As diretrizes brasileiras são claras ao determinar o prazo de três meses para o encaminhamento à unidade onde o exame citopatológico foi realizado, até a obtenção da colposcopia por mulheres com até 20 anos de idade, com laudo de lesão intraepitelial de alto grau (HSIL) e de colposcopia imediata para casos de Lesão Intraepitelial de Alto Grau, não podendo excluir microinvasão ou carcinoma epidermoide invasor (ASC-H). Por outro lado, recomenda-se periodicidade trienal após dois controles anuais negativos(1111 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2011[2017 May 17]. Available from: http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/rastreamento_cancer_colo_utero.pdf
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).

É importante salientar que a colposcopia não é uma ferramenta de rastreamento de câncer do colo do útero, porém é um exame essencial para o esclarecimento de resultados de testes de Papanicolau anormais(1616 Sharp LC, Cotton S, Cruickshank M, Gray N, Neal K, Rothnie K, et al. Long-term worries after colposcopy: which women are at increased risk? Womens Health Issues. 2015;25(5):517-27. doi:10.1016/j.whi.2015.04.002
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).

O tempo entre a realização do exame e a chegada do resultado na UBS foi de 27,1 dias. Esse intervalo é considerável tendo em vista que é semelhante em todas as unidades básicas de saúde da cidade de São Paulo. Já a média do tempo entre a realização do exame e a consulta de retorno para a obtenção do resultado foi de 10,5 meses. Tal fato remete à questão de que problemas na qualidade dos procedimentos de coleta, na agilidade dos resultados e no tratamento oportuno das lesões, muitas vezes decorrentes de carências na estrutura e no processo de trabalho dos serviços de Atenção Básica, poderão repercutir negativamente na ocorrência do câncer de colo uterino(1717 Tomasi E, Oliveira TF, Fernandes PAA, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FV, et al. Structure and work process in the prevention of cervical cancer in Health Basic Attention in Brazil: Program for the Improvement of Access and Quality. Rev Bras Saude Matern Infant. 2015;15(2):171-80. doi: 10.1590/S1519-38292015000200003
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). Nesse sentido, as intervenções utilizadas para a implementação dos programas de prevenção do câncer cérvico-uterino incluem a utilização de gerente de caso, contato telefônico, carta-convite, atividades educativas, divulgação na mídia, agentes de saúde da comunidade e parcerias. Todas essas ações possuem resultados positivos no aumento da participação das mulheres e são de baixo custo financeiro(1818 Soares MBO, Silva SR. Interventions that facilitate adherence to Pap smear exam: integrative review. Rev Bras Enferm. 2016;69(2):404-14. doi: 10.1590/0034-7167.2016690226i
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).

Os dados revelaram que, em 51,1% das mulheres, a conduta do profissional foi adequada após o resultado da última citopatologia cervical. Porém, ainda se ressalta que, em 41%, a conduta não foi adequada, e 7,9% não tiveram qualquer tipo de conduta. Considerando-se que a assistência na Atenção Primária visa à prevenção e ao controle do câncer de colo do útero com o intuito do diagnóstico precoce e redução de morbimortalidade, condutas não adequadas necessitam serem revistas, já que podem acarretar ineficiência do sistema de saúde pública e uso irracional de recursos com baixa resolutividade.

Tais resultados se assemelham aos obtidos no estudo transversal na rede de atenção à saúde da mulher voltada ao diagnóstico do câncer do colo do útero na microrregião de saúde de Nova Andradina, Mato Grosso do Sul, onde houve inconformidade entre resultados de exames e as intervenções. Em 78% das lesões não neoplásicas de baixo grau, as mulheres foram encaminhadas para os serviços de Atenção Secundária, e 21% das portadoras de lesões que deveriam ser encaminhadas foram tratadas no nível primário. Esse resultado demonstra falta de comunicação entre os pontos de atenção, tais como a Atenção Primária como porta de entrada, seguida pela média e alta complexidade, equipamentos de diferentes densidades tecnológicas distribuídos espacialmente e ausência de protocolos de referência e contrarreferência(1919 Farias ACB, Barbieri AR. Follow-up uterine cervical cancer: study of continue assistance to patient in a health region. Esc Anna Nery. 2016;20(4):e20160096. doi:10.5935/1414-8145.20160096
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).

Ao considerar o grupo das usuárias com ASC-US, doença de baixa gravidade para a maioria das mulheres, uma conduta conservadora, pouco invasiva, é recomendável. Fatores como a idade da mulher e a realização de rastreio citológico prévio devem ser considerados nessa decisão. O Ministério da Saúde recomenda o início do rastreamento para o câncer do colo uterino aos 25 anos de idade para as mulheres que já iniciaram atividade sexual. Após dois exames negativos com intervalo anual, o intervalo entre os exames deve ser de três anos. Devem seguir até os 64 anos e serem interrompidos quando, após essa idade, as mulheres tiverem pelo menos dois exames negativos consecutivos nos últimos cinco anos(1111 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2011[2017 May 17]. Available from: http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/rastreamento_cancer_colo_utero.pdf
http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/public...
).

Em contrapartida, o grupo das mulheres que tiveram LSIL recebeu encaminhamentos, em sua maioria (86,4%), classificados como não adequados visto que tais mulheres foram encaminhadas prioritariamente para consulta médica ou lhes foi solicitada a colposcopia. Nesse sentido, a recomendação inicial das Diretrizes para o Rastreamento do Câncer de Colo do Útero preconizada pelo Ministério da Saúde é a de que mulheres com diagnóstico citopatológico de LSIL devem repetir o exame citopatológico em seis meses na unidade de Atenção Primária. A compreensão da história natural da infecção pelo HPV embasa o adiamento da investigação, evitando o sobrediagnóstico ou sobretratamento induzido pela abordagem de lesões que tendem à regressão espontânea. Se a citologia de repetição for negativa em dois exames consecutivos, a usuária deve retornar à rotina de rastreamento citológico trienal na unidade de Atenção Primária. Se qualquer citologia subsequente for positiva, deve ser encaminhada à unidade de referência para colposcopia(1111 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2011[2017 May 17]. Available from: http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/rastreamento_cancer_colo_utero.pdf
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).

Segundo resultados obtidos no presente estudo, das 190 mulheres portadoras de atipias, 44 (23,2%) apresentaram LSIL. Destas, 6 (13,6%) receberam conduta adequada; e 38 (86,4%), não adequada — segundo as diretrizes nacionais. Observou-se que, para 35 (92,1%) destas, houve solicitação de colposcopia, sendo que 24 (68,6%) a realizaram. Em relação ao desfecho final após análise dos resultados destas 44 mulheres, 12 (27,3%) retornaram à rotina ginecológica anual, 26 (59,0%) à semestral, apenas 1 (2,3%) foi encaminhada ao alto risco devido à complicação da atipia e, por fim, 5 (11,4%) abandoram o tratamento (Tabelas 1 e 4).

Já as mulheres com ASC-H ou LSIL foram as que apresentaram maior porcentagem (acima de 59%) de seguimento da rotina ginecológica semestral. Igualmente, as mulheres com HSIL apresentaram a maior porcentagem (50%), comparativamente às demais mulheres, de serem encaminhadas a tratamento no alto risco (Tabela 4). Lembrando que todas as mulheres com laudo citopatológico de ASC-H devem ser encaminhadas à unidade secundária para colposcopia, após a qual deve-se considerar se esta é satisfatória ou insatisfatória. Para as mulheres em que o exame for satisfatório e sem alterações colposcópicas, uma nova citologia deverá ser obtida em seis meses, na unidade secundária, e o retorno à unidade primária deverá ocorrer após duas citologias negativas seguidas(1111 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2011[2017 May 17]. Available from: http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/rastreamento_cancer_colo_utero.pdf
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).

Sabe-se que todas as mulheres que apresentarem citologia sugestiva de lesão de alto grau (HSIL), na Unidade da Atenção Primária, deverão ser encaminhadas à Unidade de Referência Secundária para realização de colposcopia em até três meses após o resultado. A repetição da citologia é inaceitável como conduta inicial(1111 Ministério da Saúde (BR). Instituto Nacional do Câncer. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Divisão de Apoio à Rede de Atenção Oncológica. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2011[2017 May 17]. Available from: http://www.bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/rastreamento_cancer_colo_utero.pdf
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).

Salienta-se a relevância da diretriz brasileira para rastreamento do câncer do colo do útero, que tem como objetivo difundir recomendações baseadas em evidências para orientar a tomada de decisões dos profissionais de saúde e promover a segurança e qualidade do cuidado oferecido às mulheres. Assim, a assistência na Atenção Primária, realizada pelos profissionais de saúde, médicos e enfermeiros, pode interferir diretamente na eficiência, capacidade resolutiva e uso adequado de recusos destinados aos programas e protocolos assistenciais nos serviços de saúde pública com base nas melhores evidências científicas.

Limitações do Estudo

A falta de pesquisas anteriores sobre o tema abordado apresentou-se como uma das limitações do estudo, porém proporcionou uma oportunidade de identificar novas lacunas na literatura e, consequentemente, novas investigações.

Contribuições para a área da Enfermagem

O resultado deste estudo poderá servir de base para estudos futuros nesta área, bem como contribuir para a promoção da segurança e qualidade do cuidado oferecido às mulheres assistidas na Atenção Primária.

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo evidenciam a necessidade de aprimorar o programa de rastreamento e direcionar corretamente as atipias celulares de colo de útero, visando garantir o encaminhamento e o acesso da população-alvo para a investigação diagnóstica e tratamento das lesões precursoras, quando indicado, o que contribuirá para o uso racional dos recursos financeiros destinados à saúde. Ressalta-se a importância do atendimento humanizado por parte dos profissionais que realizam o acolhimento das mulheres, que não devem ser julgadas como sujeitos socias passivos, uma vez que possuem valores singulares e têm poder de decisão sobre seus respectivos corpos.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Ana Fátima Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Jan 2020
  • Aceito
    04 Jul 2020
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