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Histórico da enfermagem no Paraná

DOCUMENTÁRIO

Histórico da enfermagem no Paraná

Alice Michaud

Enfermeira Ilustre e Pioneira da Enfermagem Profissional

Quando cogitamos de escrever sobre o HISTÓRICO DA ENFERMAGEM NO PARANÁ, procuramos pesquisar primeiro o que existia de oficial e documentado. Constatamos ser o Curso de Obstetrícia destinado ao ensino especializado para parteiras, segundo a nossa pesquisa, o mais antigo. Funcionou este curso na Faculdade de Medicina da Universidade do Paraná, na época uma instituição particular e foi regulamentado pelo Decreto nº 20.855, de dezembro de 1931 (Diário Oficial de 12/01/1932).

O curso era de duração de dois anos e exigia como pré-requisito da candidata apenas o Certificado de Conclusão do Curso Primário, na época, 4º Série do Grupo Escolar. Segundo informações de quem fez o curso, o mesmo constava de aulas teóricas e práticas, ministradas por médicos, professores da Faculdade de Medicina, e de estágios obrigatórios na Maternidade Victor do Amaral (Possivelmente as alunas concorriam como apoio na força de trabalho do Hospital).

A habilitação final conferia à aluna o Certificado de "ENFERMEIRA OBSTÉTRICA", com prerrogativa de poder colocar uma placa em sua casa e atender a comunidade, na qualidade de parteira. De 1932 a 1951 foram conferidos 118 certificados a estas profissionais, que sem dúvida contribuíram com uma parcela de benefícios à população, pois muita gente nasceu nas mãos dessas pioneiras.

Por certo, antes da década de 1930, outros profissionais já exerciam um trabalho de Enfermagem, dando assistência aos doentes, pois já existia a Santa Casa de Misericórdia, onde as Irmãs, talvez atendentes, cuidavam dos doentes. Também já existia o Hospital São Francisco, conhecido pelo povo como Casa de Saúde, onde o serviço de Enfermagem estava a cargo de enfermeiras alemãs, as chamadas Schwester, profissionais com curso na Alemanha, possivelmente nos moldes do curso de Kaiserswerth, onde Florence Nightingale iniciou seu aprendizado profissional. Aqui fica a nossa homenagem a estes profissionais anônimos do passado, que, talvez sem muito preparo técnico-científico, mas com muito amor e responsabilidade, contribuíram na assistência aos doentes.

Em 1938, sob a égide do Ministério de Educação e Saúde, aconteceu um fato relevante na Saúde Pública do Paraná. Um novo Sistema de Saúde era determinado, não só em nosso Estado, mas em todo o País; em todas as capitais dos Estados criava-se uma assistência efetiva à gestante, à criança, ao pré-escolar, ao escolar, ao controle das Doenças Transmissíveis e ao Serviço de Saneamento. Na época significativa, uma verdadeira revolução na área de Saúde Pública, pois a comunidade passava a ter assistência curativa e sobretudo preventiva. Para instituir este programa se fazia necessário preparar novos profissionais, capazes de executar as tarefas de Saúde Pública, até então desconhecida da grande comunidade brasileira. Cursos de Visitadoras e Guardas Sanitários foram programados e realizados com o objetivo de modificar o conceito de Saúde Pública no Pais, visando instituir nova sistemática de atendimento ao público.

Em Curitiba, para o Curso de Visitadoras, 105 moças concorreram no exame de seleção; destas, apenas 29 conseguiram média para inscrição no curso. Os Cursos da Visitadoras e Guardas Sanitários, foram intensivos com aulas teóricas e práticas, estágios e visita a instituições existentes na época (1938). Dois técnicos do Ministério da Educação e Saúde coordenaram os cursos: Dr. Luiz de Campos Mello, Sanitarista, designado como Diretor Geral de Saúde do Estado do Paraná, e D. Nisia Grosmann, Enfermeira Diplomada (denominação da época para as profissionais diplomadas pela Escola de Enfermagem Anna Nery). As aulas foram ministradas por médicos do Departamento Estadual de Saúde e D. Nisia Grosmann, que coordenou o curso de Visitadoras.

O programa do Curso de Visitadoras, elaborado pela Divisão de Organização Sanitária do Departamento Nacional de Saúde, constava de; Noções de Anatomia e Fisiologia, Patologia Geral, Higiene Geral, Microbiologia e Parasitologia, Higiene Pré-Natal, Higiene Infantil, Oto-Rino-Laringologia, Oftalmologia, Higiene Pré-Escolar, Higiene Escolar, Doenças Transmissíveis, Histórico da Enfermagem, Ética Profissional, Organização do Serviço Sanitário, Noções de Enfermagem - Teórica e prática. Das 29 alunas classificadas no exame de seleção e matriculadas no curso, algumas desistiram, provavelmente porque o curso exigia muito do aluno. Cada disciplina era avaliada e no final do curso os alunos submeteram-se a exame teórico-prático, valendo como concurso público; apenas 12 foram classificadas e imediatamente iniciou-se um trabalho de atendimento ao público em caracter voluntário (O curso de Visitadora terminou em dezembro de 1938, mas somente em 17 de fevereiro de 1939, as 12 classificadas foram nomeadas, ingressando no quadro inicial do Serviço Público Estadual na qualidade de Visitadora).

Pelo Decreto 6.814, de 4 de maio de 1938, foi elaborada a "Reforma" dotando a Organização Sanitária do Estado de moderna estruturação, plano da autoria do Sanitarista Dr. Luiz de Campos Mello, aprovado na sua íntegra pelo Sr. Interventor Manoel Ribas.

Destaca-se nesta estruturação, o órgão básico do Departamento Estadual de Saúde, a Secção Técnica, quando aparecem os técnicos e especialistas com a missão de orientar e fiscalizar a execução dos programas sanitários no Estado.

No quadro do Departamento Estadual de Saúde, no início só em Curitiba, destaca-se um novo servidor, a VISITADORA, que passou a ser o elemento básico no Centro de Saúde de Curitiba, nos serviços de Higiene Pré-Natal, Higiene Infantil, Higiene Pré-escolar, Higiene Escolar, Profilaxias das Doenças Tansmissíveis, Profilaxia da Tuberculose e da Lepra e Doenças Venéreas; ela era o elemento que servia de elo entre o serviço interno e o externo domiciliar e escolar.

Como profissional especialista, a função da Visitadora consistia em fazer visitas domiciliares, nas quais a ênfase era a orientação materno-infantil, profilaxia das doenças transmissíveis e vacinações (na época, vacina antivariólica, anti-tifoídica e B.C.G. esta última de três doses em dias alternados, vacina oral, ministrada aos recém-nascidos na Maternidade Victor do Amaral, e nos domicílios por notificação das parteiras).

Nas escolas, as Visitadoras vacinavam a população escolar contra varíola, auxiliavam o médico nos exames dos escolares e faziam Educação Sanitária. Concorreram com grande relevo nas campanhas de vacinação contra febre tifóide em vários bairros de Curitiba; a vacina anti-tifóidica devia ser ministrada em jejum, de modo que as Visitadoras, antes das seis horas da manhã já estavam vacinando as famílias principalmente da classe operária, nos domicílios. Vale mencionar que a Vila Guaira, foco de febre tifóide na época foi trabalhada muitas vezes, vacinando-se a população e conscientizando-a como evitar a doença, e o resultado foi a erradicação da febre tifóide da vila Guaira. Fato este relatado em sala de aula para dar como exemplo de que, quando um trabalho de Saúde Pública é bem feito, o resultado é positivo.

Curitiba na época contava com cerca de 140 mil habitantes e foi dividida em oito regiões, para cada uma das quais uma Visitadora ficou responsável. Os serviços internos entrosavam-se com o serviço de visitação domiciliar, enviando as fichas da clientela para ser visitada. As Visitadoras orientavam as famílias e não raro prestavam cuidados de enfermagem. Além desse entrosamento, cada Visitadora dispunha de um fichário de assistidos, de sua região, onde as visitas eram agendadas e programadas de acordo com suas necessidades; este método de trabalho dava à Visitadora uma real responsabilidade de suas funções. Funcionava no Centro de Saúde, o Lactário, onde as mamadeiras eram preparadas seguindo as determinações do médico responsável do serviço de Higiene Infantil. As mães recebiam as mamadeiras prontas num cestinho, no dia seguinte as traziam vazias. As Visitadoras faziam, rodízio e, a cada mês, uma assumia este serviço, que exigia muita habilidade, conhecimentos de dietética infantil e senso de responsabilidade.

Este breve relato do que representava a atuação das Visitadoras, no trabalho de Saúde Pública há décadas atrás, parece demonstrar o quanto foi válido. Na minha experiência profissional de 52 anos de atuação na Secretaria de Saúde, posso afirmar que as Visitadoras representaram uma categoria profissional extraordinariamente positiva; trabalhavam com entusiasmo, dedicação e havia até certa competitividade, de cada uma querer fazer mais e melhor. Foram poucos os elementos que não atuaram a contento; todas procuravam dar o melhor de si visando o engrandecimento do Serviço de Visitadoras.

Como destaque, neste relato, cabe lembrar uma servidora que sempre mereceu o nosso profundo respeito pela sua atuação como Visitadora, que se chamava em vida Aurora Szabô; foi uma pessoa extraordinária, mostrando sempre uma dedicação incomum, como profissional, elevando a categoria das Visitadoras a um nível muito alto; foi semi dúvida uma idealista. Aqui fica a nossa justa homenagem em sua memória.

Ao longo dos anos realizaram-se mais sete cursos de Visitadora, categorizando 157 profissionais. Como estamos relatando a História da Enfermagem, no Paraná, é justo mencionar o nome das enfermeiras do Ministério da Educação e Saúde que muito contribuíram como profissionais para elevar a Enfermagem em nosso Estado. Cronologicamente, são: D. Nísia Grosmann, D. Berila Pinto de Carvalho, D. Opelina Astemberg, D. Else Vieira de Souza, D. Maria Luiza Lima, D. Abyhael Maria de Souza, (até mais ou menos a década de 1950).

No início de 1950, como ainda não existiam Escolas de Enfermagem e de Auxiliares de Enfermagem no Paraná, por iniciativa de enfermeiras e com o objetivo de ampliar e melhorar o atendimento de assistência ao público no setor de enfermagem da Secretaria de Saúde, abrangente as áreas de Saúde Pública e Hospitalar, teve inicio, através do Departamento de Divulgação Sanitária, os treinamentos de Atendentes. Como detalhe, o projeto, o programa, a elaboração de material didático, a coordenação, o ministrar as aulas teóricas e práticas foram atividades exclusivas de enfermeiras; possivelmente pela primeira vez tal fato tenha ocorrido na Secretaria de Saúde (Na época apenas duas enfermeiras, integravam o quadro da Secretaria de Saúde, Wanda Aguiar e Alice Michaud). Foi um trabalho pioneiro no Estado, o treinamento de oito turmas de Atendentes, somando cerca de duas centenas de participantes; além de dar um aprendizado técnico, serviu para criar uma consciência profissional, embora tratando-se de apenas um treinamento; preparou pessoal mais eficiente, nas áreas, de Saúde Pública e Hospitalar; despertou vocações para a enfermagem, pois várias Atendentes posteriormente fizeram o curso de Enfermagem em São Paulo, e até os dias atuais ainda estão dando valiosa contribuição para a Enfermagem.

Ainda como marco da História da Enfermagem no Paraná cabe citar os cursos da Cruz Vermelha, Filial do Paraná, que, nas décadas de 1930 e 1940, patrocinou vários "cursos" de Samaritanas e Socorristas de Guerra; estes cursos congregavam centenas de alunas, senhoras e moças da "chamada alta sociedade". Os cursos não profissionalizavam, eram meramente informativos, ministrados por médicos, e não há relato de que tenham tido aulas de enfermagem. Mais tarde, em 1949, houve uma tentativa para criar uma Escola de Enfermagem no Hospital da Cruz Vermelha, por solicitação do Diretor da Instituição, Dr. Aramis Athaide (mais tarde foi Ministro da Saúde). O Ministério da Educação e Saúde enviou D. Cecília M. Sanioto e Miss Ella Hasenjaeger para estudar a viabilidade da solicitação, mas esta comissão não encontrou condições mínimas necessárias para iniciar um Curso de Enfermagem, recomendando, se fosse de interesse, pensar num Curso de Auxiliar de Enfermagem, recém-criado no País. A comissão ainda ponderou que mais tarde, quando houvesse condições, a Instituição poderia pleitear a desejada Escola de Enfermagem. A Direção da Cruz Vermelha não aceitou a sugestão. Quem sabe, se tivesse havido um acordo, hoje contaríamos com mais uma ou talvez mais duas Escolas. No Sanatório Médico-Cirúrgico do Portão, D. Wanda Aguiar chefiou o Serviço de Enfermagem (1950-1954), demonstrando grande capacidade profissional, dando muito de si, elevando a Enfermagem.

Ainda no Sanatório Cirúrgico do Portão, na década de 1950, sob o patrocínio da Campanha Nacional da Tuberculose, foram programados e ministrados três cursos para Auxiliares Hospitalares, cursos estes coordenados e orientados com o objetivo de melhorar o atendimento de doentes hospitalizados nos Hospitais específicos para dar assistência a tuberculosos. Neste trabalho de grande valor para a Enfermagem, é relevante destacar os nomes das Enfermeiras: Wanda Aguiar - Deijanira Oliveira Rego - Uacy Maria Arruda, Elze Vieira de Sousa e Gerda Mitt.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Nov 2014
  • Data do Fascículo
    Jun 1998
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