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Longitudinalidade do tratamento do tabagismo na Atenção Primária à Saúde: pesquisa avaliativa

RESUMO

Objetivos:

avaliar como ocorre a coordenação do cuidado para a continuidade do tratamento do tabagismo na Atenção Primária à Saúde sob a ótica dos usuários.

Métodos:

adotou-se como base conceitual o atributo da longitudinalidade do cuidado da Política Nacional de Atenção Básica; e como referencial metodológico, a pesquisa avaliativa qualitativa à luz da avaliação baseada na teoria. Na coleta de dados, empregou-se a observação com participação moderada nos grupos de cessação tabágica, entrevista intensiva com 22 usuários e análise de prontuários. Nas entrevistas, foram aplicadas as etapas analíticas da Grounded Theory de codificação inicial e focalizada, com auxílio do software MaxQDA®.

Resultados:

os entrevistados avaliaram positivamente o tratamento do tabagismo, porém foram elencadas limitações acerca da continuidade em médio e longo prazo.

Considerações Finais:

as sessões de manutenção para a continuidade do tratamento do tabagismo, mesmo que eventuais, foram reconhecidas como uma experiência exitosa para a cessação tabágica.

Descritores:
Tabagismo; Abandono do Hábito de Fumar; Avaliação de Programas; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to evaluate the coordination of the attention for continuing treatment for smoking cessation in the Primary Health Care, from the perspective of users.

Methods:

the conceptual base was longitudinal care, which is an attribute of the National Policy of Primary Care. The methodological framework was that of an evaluative research, as informed by theory-based evaluation. Data collection used observation with moderate participation in the groups to abandon smoking, intensive interviews with 22 users, and analysis of medical records. The interviews used initial and focused coding, which are analytical stages of the Grounded Theory, with the aid of the MaxQDA® software.

Results:

the interviewees had a positive evaluation of their treatment for smoking, although they mentioned limitations for medium- and long-term continuity.

Final Considerations:

the smoking treatment sessions, even if infrequent, were found to be a successful experience for smoking cessation.

Descriptors:
Tobacco Use Disorder; Smoking Cessation; Program Evaluation; Primary Health Care; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

evaluar como ocurre la coordinación de la atención longitudinal del tratamiento del tabaquismo en la Atención Primaria de Salud bajo la óptica de usuarios.

Métodos:

adoptado como base conceptual el atributo de la atención longitudinal de la Política Nacional de Atención Básica; y como referencial metodológico, la investigación evaluativa cualitativa de acuerdo con la evaluación basada en la teoría. La recolecta de datos empleado la observación con participación moderada en grupos del cese del tabaquismo, entrevista intensiva con 22 usuarios y análisis de registros médicos. Las entrevistas fueron aplicadas las etapas analíticas de Grounded Theory de codificación inicial y focalizada, con auxilio del software MaxQDA®.

Resultados:

entrevistados evaluaron positivamente el tratamiento del tabaquismo, pero fueron enumeradas limitaciones sobre la continuidad a mediano y largo plazo.

Consideraciones Finales:

las sesiones de manutención para la atención longitudinal del tabaquismo, aunque eventuales, fueron reconocidas como una experiencia exitosa al cese del tabaquismo.

Descriptores:
Tabaquismo; Cese del Hábito de Fumar; Evaluación de Programas; Atención Primaria de Salud; Enfermería

INTRODUÇÃO

O uso do tabaco é considerado uma epidemia mundial, sendo responsável por mais de 7 milhões de mortes anualmente. O tabagismo ainda é um desafio em termos de saúde pública, especialmente para os países de baixa e média renda. Assim, é primordial que políticas públicas voltadas para o controle e prevenção do tabagismo sejam elaboradas, a fim de ampliar a oferta de apoio às pessoas tabagistas que desejam abandonar o hábito(11 World Health Organization(WHO). WHO Report on the Global Tobacco Epidemic[Internet]. 2019 [cited 2020 Dec 19]. Available from: https://www.who.int/publications/i/item/9789241516204
https://www.who.int/publications/i/item/...
-22 Aguirre AE, Fantin R, Solis CB, Miranda AS. Sociodemographic characteristics associated with the prevalence of tobacco use in Costa Rica. Rev Panam Salud Pública [Internet]. 2020 [cited 2020 Jun 05];44(17). https://doi.org/10.26633/RPSP.2020.17
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).

No Brasil, as ações de prevenção e controle do tabagismo são desenvolvidas com respaldo do Programa Nacional de Controle do Tabagismo (PNCT) desde a década de 1980, o qual tem como objetivo reduzir a prevalência do tabagismo e a morbimortalidade relacionada ao consumo de produtos derivados do tabaco. O PNCT é pautado na execução de ações de cunho educativo, de comunicação e atenção à saúde, associadas à adoção de medidas legislativas e econômicas, que visam à prevenção da iniciação tabágica, promoção da cessação e proteção da população exposta aos riscos do tabagismo passivo(33 Ministério da Saúde (BR). Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: o cuidado da pessoa tabagista[Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015 [cited 2020 Feb 17]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_40.pdf
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).

Com as ações desenvolvidas há mais de três décadas pelo PNCT, tem-se observado diminuição da aceitação social do tabagismo e um aumento nas taxas de usuários que procuram o Sistema Único de Saúde (SUS) em busca de tratamento para a cessação tabágica, evidenciando a importância de os serviços priorizarem a oferta desse tratamento à população(44 Pereira MO, Assis BCS, Gomes NMR, Alves AR, Reinaldo AMS, Beinner MA. Motivation and difficulties to reduce or quit smoking. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 21];73(1):e20180188. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0188
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). Além disso, estudos apontam que o aconselhamento de um profissional de saúde capacitado é fundamental no aporte aos usuários que desejam cessar o consumo de tabaco. Ele se torna um facilitador durante o processo e auxilia no enfrentamento das dificuldades do início do tratamento, tais como momentos de fissura e sintomas das crises de abstinência(44 Pereira MO, Assis BCS, Gomes NMR, Alves AR, Reinaldo AMS, Beinner MA. Motivation and difficulties to reduce or quit smoking. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [cited 2020 Apr 21];73(1):e20180188. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0188
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-55 Rios LE, Freire MCM. Opinion of adolescent school smokers about smoking cessation counseling and treatment in health services: a cross-sectional study, Goiás, Brazil, 2018. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2020 [cited 2020 Dec 19];29(4):e2019604. https://doi.org/10.5123/s1679-49742020000400001
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).

A Atenção Primária à Saúde (APS) possui posição privilegiada e estratégica para o desenvolvimento das ações previstas pelo PNCT, com base nas qualidades assistenciais encontradas nesse cenário. Dentre os atributos considerados essenciais da APS — atenção ao primeiro contato, longitudinalidade do cuidado, integralidade, coordenação do cuidado, orientação familiar e comunitária e competência cultural —, o atributo da longitudinalidade do cuidado garante a continuidade da assistência apoiando-se na construção de vínculo e responsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tempo(66 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017 [cited 2020 Feb 17]. Available from: http://www.foa.unesp.br/home/pos/ppgops/portaria-n-2436.pdf
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), aspectos estes que estão relacionados diretamente ao sucesso do tratamento do tabagismo, sobretudo à cessação tabágica em longo prazo.

O atributo da longitudinalidade do cuidado na APS pressupõe a existência de duas dimensões: o reconhecimento de uma fonte regular e contínua de cuidado; e o estabelecimento de vínculo terapêutico duradouro entre usuários do serviço e equipe de profissionais. Na primeira dimensão, a longitudinalidade na APS reflete na cooperação em longo prazo entre os usuários e profissionais de saúde, proporcionando a continuidade do cuidado de forma eficaz e duradoura. Na segunda dimensão, baseando-se na construção de vínculo, tem-se a formação da corresponsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tempo, dando protagonismo para os sujeitos durante o tratamento(77 Gasparini MFV, Furtado JP. Longitudinality and comprehensiveness on the More Doctors Program: an evaluative study. Saúde Debate. 2019;43(120):30-42. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912002
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-88 Kessler M, Lima SBS, Weiller TH, Lopes LFD, Ferraz L, Eberhardt TD, et al. Longitudinality of Primary Health Care: an evaluation from the perspective of users. Acta Paul Enferm [Internet]. 2019 [cited 2020 Dec 19];32(2):186-193. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900026
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).

O atendimento a essas duas dimensões do atributo da longitudinalidade está relacionado diretamente à qualidade da assistência, uma vez que permite conhecer o usuário e o contexto no qual está inserido, possibilitando o planejamento de cuidados e intervenções adequadas. Assim, o fortalecimento da avaliação dos contextos ligados ao tratamento do tabagismo, com foco no atributo da longitudinalidade, permite identificar como o cuidado integral e contínuo tem ocorrido para a população(88 Kessler M, Lima SBS, Weiller TH, Lopes LFD, Ferraz L, Eberhardt TD, et al. Longitudinality of Primary Health Care: an evaluation from the perspective of users. Acta Paul Enferm [Internet]. 2019 [cited 2020 Dec 19];32(2):186-193. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900026
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).

Nesse contexto, avaliar como ocorre a longitudinalidade do tratamento do tabagismo na APS possibilita identificar como as ações desenvolvidas pelo PNCT têm ocorrido após o término das sessões de grupo de apoio para a cessação tabágica, considerando que esse atributo desempenha um importante papel para a garantia do cuidado integral em longo prazo.

OBJETIVOS

Avaliar como ocorre a coordenação do cuidado para a continuidade do tratamento do tabagismo na Atenção Primária à Saúde sob a ótica dos usuários.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo faz parte de uma pesquisa maior, intitulada “Programa de Controle do Tabagismo na Atenção Primária à Saúde: uma avaliação qualitativa”. O projeto que originou esta pesquisa respeitou todos os aspectos éticos preconizados pelas Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde(99 Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2013 [cited 2020 Mar 09]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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-1010 Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana, na forma definida nesta Resolução [Internet]. Brasília, DF, 2016 [cited 2020 Mar 09]. Available from: http://www.conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
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), contou com a aprovação do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e foi autorizado pela Secretaria de Saúde do município de referência. Todos os usuários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE); e, no intuito de preservar o anonimato, os entrevistados foram identificados por codificação alfanumérica (E1 a E22).

Tipo de estudo

O presente estudo adotou como base conceitual o atributo da longitudinalidade do cuidado disposto na Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)(66 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2017 [cited 2020 Feb 17]. Available from: http://www.foa.unesp.br/home/pos/ppgops/portaria-n-2436.pdf
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), considerando o embasamento teórico necessário para a discussão desse conceito no desenvolvimento das ações do PNCT, realizadas na APS. Como referencial metodológico, adotou-se a pesquisa avaliativa qualitativa à luz da avaliação baseada na teoria. Esse tipo de avaliação visa aferir a eficiência de determinado programa com base em seus pressupostos teóricos, compreender a origem do programa a ser estudado e seus desdobramentos e exercer um juízo de valor coerente com base na teoria(1111 Serapione M. Conceitos e métodos para a avaliação de programas sociais e políticas públicas. Rev Fac Letras Univ Porto[Internet]. 2016 [cited 2019 Oct 16];31(31):59-80. https://doi.org/10.21747/0872-3419/Soc31a3
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). Com o propósito de aperfeiçoar a apresentação dos resultados, foi utilizado o protocolo COREQ (Consolidated criteria for reporting qualitative research).

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido em nove Unidades Básicas de Saúde (UBS) da APS de um município de médio-grande porte localizado na região noroeste do estado do Paraná, Brasil. O município possui um quantitativo de 34 UBSs, entretanto apenas 9 desenvolveram ações relacionadas ao PNCT em 2019.

As estratégias do Programa de Controle do Tabagismo (PCT) municipal prevê que as UBSs com profissionais de saúde capacitados na atenção ao tabagismo e treinados previamente pela Secretaria de Saúde (SESA) ofereçam periodicamente tratamento à população tabagista, mediante a oferta de grupos de apoio à cessação tabágica.

No município avaliado, os grupos são desenvolvidos uma vez por semana, por um mês, com a duração média de uma hora. Cada equipe responsável pela condução do tratamento tem autonomia sobre o desenvolvimento das atividades ao longo dos encontros, bem como sobre as sessões de manutenção, desde que sigam as recomendações básicas estabelecidas pelo PNCT. Aspectos relacionados à didática adotada durante as sessões, assim como à participação de diferentes profissionais e a sistematização das atividades a serem desenvolvidas com os participantes, são definidos pelos profissionais de cada UBS.

Fonte de dados

Participaram do estudo 22 usuários da APS que concluíram os grupos de cessação tabágica no ano de 2019 ofertados pelo Programa de Controle do Tabagismo (PCT) municipal. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: ter participado do grupo de cessação tabágica em 2019, independentemente do desfecho do tratamento; e ter idade igual ou superior a 18 anos. Foram excluídos da pesquisa usuários não encontrados após três tentativas de contato consecutivas, em dias alternados.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados ocorreu entre dezembro de 2019 e maio de 2020 e incluiu as técnicas de observação com participação moderada nos grupos de cessação tabágica; entrevista intensiva com os usuários; e análise de prontuários. A observação com participação moderada ocorreu durante as sessões dos grupos de cessação tabágica realizadas no período da coleta de dados; e, dentre os pontos observados, destacaram-se a dinâmica e a organização dos grupos de tabagismo; aspectos inerentes ao tratamento ofertado pelas equipes multiprofissionais; conteúdos abordados; procedimentos realizados; interação do grupo e reações manifestadas pelos participantes. Essas informações foram registradas no diário de campo da pesquisadora.

Em razão da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), notificada no país durante o desenvolvimento da etapa de coleta de dados, empregaram-se duas modalidades de entrevistas intensivas: 13 entrevistas foram realizadas antes da pandemia no domicílio dos usuários, conforme disponibilidade em relação ao dia, hora e local; e 9 entrevistas foram realizadas on-line por meio de chamada de vídeo. A duração média foi de 30 minutos nas duas modalidades, e a mudança de modalidade na realização das entrevistas não acarretou comprometimento do conteúdo das falas.

Todas as entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora, gravadas em equipamento de captação de áudio digital e, posteriormente, transcritas na íntegra. Para auxiliar o processo, utilizou se um guia de perguntas que comportava questões de identificação do entrevistado; participação no grupo de tabagismo; percepções sobre o tratamento; sugestões e avaliações do programa; tratamento medicamentoso recebido; e continuidade do tratamento.

A coleta de dados dos prontuários se deu paralelamente às entrevistas, mediante um formulário elaborado pela própria pesquisadora, contendo informações referentes à história tabágica e clínica do entrevistado, informações sobre o perfil sociodemográfico e grau de dependência com a nicotina — este, avaliado por meio de aplicação do teste de Fagerström. Informações que estavam incompletas ou não constavam nesses prontuários foram preenchidas no momento da entrevista.

Análise dos dados

Utilizou-se a triangulação(1212 Minayo MCS. The importance of qualitative evaluation combined with other evaluation methods. Health Soc Change[Internet]. 2011 [cited 2019 Oct 16];2(2):02-11. Available from: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/21160
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) para a análise de dados, por permitir a combinação de múltiplas técnicas na coleta de dados e a utilização das informações em um processo que engloba interação, crítica intersubjetiva e comparação. Para a etapa de análise dos dados, consideraram-se, portanto, as falas dos participantes do estudo, a observação das práticas assistenciais e os dados dos prontuários.

Para auxiliar na organização e análise dos dados, usou-se o software MAXQDA®, versão 20.0.8, com licença de nº 230594870. Para o processo de análise das entrevistas, foram empregadas as etapas analíticas da Grounded Theory de codificação inicial e focalizada(1313 Charmaz K. A Construção da Teoria Fundamentada: guia prático para análise qualitativa. Porto Alegre: Artmed; 2009.). Na codificação inicial, os dados foram abertos considerando os incidentes em cada frase transcrita. Na codificação focalizada, os incidentes foram agrupados e reagrupados para gerar as categorias do estudo, o qual teve como foco a compreensão de como os participantes avaliavam o PCT e a continuidade do cuidado para a cessação tabágica, com questões que envolviam as ações do tratamento, o tratamento em longo prazo e os retornos após a finalização dos grupos de apoio à cessação tabágica.

Esse processo analítico deu origem a duas categorias: “Sessões de manutenção do tratamento para o tabagismo na Atenção Primária à Saúde”, que descreve como eram conduzidas as sessões de manutenção do tratamento para o tabagismo após a conclusão dos grupos de apoio para a cessação tabágica na APS; e “Ausências no acompanhamento longitudinal sistematizado no tratamento do tabagismo na Atenção Primária à Saúde”, que comporta as ausências elencadas pelos usuários entrevistados a respeito do acompanhamento longitudinal sistematizado no tratamento contínuo do tabagismo.

RESULTADOS

Participaram do estudo 22 usuários que foram acompanhados pelo PCT na APS. Destes, 21 eram do sexo feminino e 1, do sexo masculino, com idades entre 27 e 69 anos. Segundo os dados do encaminhamento para o tratamento do tabagismo, 12 usuários relataram que haviam procurado a UBS de forma voluntária, 6 por indicação médica ou de outro profissional, 2 por indicação de amigos ou colega de trabalho e outros 2 por indicação da família. Dentre os participantes, 19 já haviam realizado tentativas de abandonar o hábito de fumar anteriormente e afirmaram terem conseguido parar de fumar ao menos uma vez, mas não conseguiram manter a cessação por muito tempo. Em relação ao grau de dependência com a nicotina, as classificações mais frequentes foram “dependência elevada” e “muito elevada”.

Os usuários avaliaram positivamente o tratamento oferecido pelo PCT na APS, com destaque para o vínculo que os profissionais de saúde conseguiram estabelecer na condução dos grupos de apoio à cessação tabágica. Entretanto, também reconheceram algumas limitações na longitudinalidade dessa atenção, conforme apresentado nas categorias do estudo.

Sessões de manutenção do tratamento para o tabagismo na Atenção Primária à Saúde

Os entrevistados consideraram que o tratamento do tabagismo ofertado nas UBSs do município é essencial para auxiliar no processo de cessação tabágica e que a dinâmica do tratamento com os grupos de apoio promovia interação entre os participantes, e o conhecimento adquirido auxiliava e facilitava a possibilidade da cessação.

Todas as vezes que eu tentei parar de fumar sozinha, eu não consegui, e através do grupo eu vi que é possível. (E13)

Eu pensei que eu precisava procurar uma ajuda, que, com ajuda, eu ia conseguir parar, e eu fui muito bem apoiada pelo grupo. (E11)

No grupo, como tinham as pessoas para conversar, a gente se apoiava, e isso fazia com que desse mais vontade de continuar o tratamento e terminar. (E14)

As informações e as motivações que eles dão ajudam muito, porque sem ajuda é difícil parar [o vício]. (E15)

Após a conclusão do tratamento em grupo, o processo de manutenção deste também foi reconhecido como essencial para o sucesso da cessação tabágica. As sessões de manutenção do tratamento no PCT ocorriam a partir do retorno à APS, após a conclusão dos grupos de apoio, e as estratégias para o atendimento variavam conforme a organização dos profissionais de saúde. A manutenção acontecia sob a forma de nova reunião grupal, consulta médica individual e contato telefônico.

Assim, cada UBS adaptava as sessões de manutenção do tratamento de acordo com a realidade local, ficando a critério dos profissionais responsáveis pelo PCT definirem essa condução. Quando a decisão era receber os usuários com nova reunião grupal, geralmente esta ocorria entre 15 dias a um mês após o término dos grupos.

Eu fui me consultar com eles acho que um mês depois que acabou o grupo. Foi bom: a psicóloga do grupo quis saber como eu estava, se eu tinha largado e por que eu continuei fumando. (E1)

Eu fui nas quatro sessões e, depois de 15 dias, eu voltei no retorno. Nesse dia, foi como se fosse uma reunião com todos que participaram; eles perguntaram se estávamos conseguindo parar. (E4)

[…] depois eles chamaram para um encontro final para saber como nós estávamos, se precisávamos de medicação, de mais apoio, ou se precisava voltar para fazer outro grupo. Mas só foi uma pessoa além de mim, e nós duas paramos. (E5)

O retorno é bom, porque você consegue saber como as pessoas estão, você fica sabendo se elas pararam de fumar, se foi difícil para elas. É muito importante porque, às vezes, você está com dificuldade e você conversa com o profissional, você também sabe o que aconteceu com as outras pessoas, se elas conseguiram parar, se elas usaram medicação, e você pega de exemplo se a pessoa conseguiu, você pensa que pode conseguir também. (E17)

Um tempo depois, acho que um ou dois meses, um dos profissionais me ligou perguntando como eu estava, se eu tinha parado de fumar, se estava tendo sintomas de abstinência. (E4)

Os usuários avaliaram positivamente esse contato de manutenção do tratamento e manifestaram que, quando esta ocorria, trazia benefícios para manterem-se abstinentes por mais tempo, caracterizando-o como um importante apoio durante o processo de cessação tabágica em longo prazo.

Quando o retorno à UBS para o seguimento do tratamento centrava-se na consulta médica individual, o foco era na terapia farmacológica, sendo o médico o profissional responsável pela renovação das medicações, caso fosse necessário. Esse retorno era opcional, ficando a cargo dos usuários avaliarem a necessidade do agendamento e da continuidade da medicação.

A orientação era para marcar o retorno com o médico se a gente precisasse de mais medicação. (E5)

Tinha retorno só de medicamento para quem precisasse de mais receita, mas eu acho que só algumas pessoas retornaram. Mas era só com o médico; no grupo mesmo, não teve nenhum retorno. (E8)

[…] eu só voltei com o médico para pegar mais medicação, mas no grupo eu não voltei. (E16)

A oferta de tratamento para o tabagismo na APS é extremamente relevante, e os usuários reconheceram que essa assistência podia auxiliá-los no processo de cessação tabágica. Porém, dentre as nove UBS que tiveram participantes neste estudo, três não ofereceram sessões de manutenção após a conclusão dos grupos. Além disso, observa-se que, dentre aquelas que ofereceram, o retorno não era sistematizado, ficando a cargo dos profissionais de saúde responsáveis pela execução do PCT direcionarem essas ações, ou, em alguns casos, os próprios participantes decidiam se era necessário retornar à UBS.

Ausências no acompanhamento longitudinal sistematizado no tratamento do tabagismo na Atenção Primária à Saúde

Embora as sessões em grupo tenham sido finalizadas, os usuários apontaram que a continuidade do tratamento para a cessação tabágica por meio de um acompanhamento com retornos à UBS para as sessões de manutenção é fundamental para o processo de abandono do hábito de fumar. Os usuários reconheceram a necessidade de os profissionais de saúde oportunizarem mais tempo para o acompanhamento durante e após a conclusão do tratamento, afirmando que a duração dos encontros semanais era insuficiente para a demanda trazida por eles e que o número de encontros era escasso, considerando a efetividade do tratamento em longo prazo.

Na minha opinião, teria que ter mais encontros, porque eu acho que quatro semanas é pouco. Acho que teria que ter mais conversa, uma hora é pouco: quando a gente começa a falar já termina o encontro. Eu acho que teria que ter mais tempo no dia ou aumentar mais o número de sessões. (E1)

Uma coisa que poderia mudar seria ter mais encontros, porque, quando acabou o grupo, ainda tinha gente que estava fumando, só que já tinha acabado as reuniões. Eu achei que os encontros foram poucos. Só um mês é pouco tempo para quem quer parar de fumar; acho que seria bom se tivesse uns dois meses de reunião. (E14)

A ausência de manutenção do tratamento após a conclusão dos grupos também foi apontada pelos entrevistados. Embora a realização das sessões de manutenção seja reconhecida pelos documentos que respaldam o PCT, ela apresentou-se incipiente na prática cotidiana.

Ninguém me ligou, ninguém quis saber se eu tinha parado de fumar depois do grupo, ou se eu queria fazer o grupo de novo. (E12)

Eu não tive nenhum retorno na UBS. Eu até achei estranho, porque não me procuraram para saber se eu tinha parado de fumar. Eles não sabem quem parou ou se o tratamento foi efetivo de verdade. (E14)

Depois que acabou o grupo, eu não tive mais contato com o pessoal, eles não falaram nada sobre voltar no Posto. E, como eu não segui o tratamento com a medicação, eu também não voltei mais lá. As meninas que deram o grupo não me procuraram mais para saber como eu estava. Então, eu não sei mais como ficou a questão do grupo, porque eu não voltei mais depois que acabou. (E16)

Os usuários indicaram a necessidade de um acompanhamento após a conclusão do grupo, alegando que não se sentiam preparados para continuarem o tratamento para cessação tabágica desassistidos profissionalmente.

O tratamento para o cigarro deveria ser prolongado, porque quatro semanas é pouco; eu acho que deveria ser uns três meses, porque, depois que acaba, a gente fica sozinho. Então, eu acho que deveria ter um tratamento prolongado com a gente depois que acaba o grupo. (E1)

Às vezes, eu tenho medo de recair. Então, se continuasse, se eu pudesse conversar de novo com o pessoal do grupo, acho que seria legal. (E10)

Eu acho que tinha que ter mais encontros, poderia continuar com os encontros semanalmente, mas depois tinha que ter encontros quinzenais e mensais. (E15)

Outro aspecto que reforça a necessidade de um acompanhamento longitudinal com periodicidade no atendimento é a dificuldade de manutenção da abstinência, fato que contribui para que as pessoas voltem a fumar após a finalização dos grupos de apoio.

Eu consegui controlar por dois meses, mas caí na besteira de só fumar um e voltei tudo de novo. (E4)

Eu estava muito bem sem fumar, mas aconteceram algumas coisas que me desestabilizaram, aí eu falei que ia fumar só um cigarro e não teve jeito, voltei a fumar tudo. (E13)

Eu fiquei um mês sem fumar depois que acabou o grupo, mas depois acabei voltando. (E17)

Após apontarem para a ausência das sessões de manutenção por parte das profissionais responsáveis pelo tratamento, os usuários sugeriram que fossem realizados encontros programados, posteriormente às sessões dos grupos de apoio, reafirmando a importância e a necessidade de um acompanhamento longitudinal sistematizado.

Eu acho que poderia fazer um novo encontro depois que acaba o grupo, depois de um tempo, para saber como as pessoas estão, se continuam fumando ou se já parou. Seria interessante para a gente se reunir de novo depois de um tempo. (E10)

Eu acho que tinha que ter mais encontros, poderia continuar com os encontros semanalmente, mas depois tinha que ter encontros quinzenais e mensais, porque, assim, teria mais um acompanhamento. Porque, assim, aquele que não conseguisse nos primeiros encontros poderia parar nos próximos. (E15)

Eu acho também que poderia ter um acompanhamento depois que acaba. Por exemplo, as meninas [ACS] vêm na minha casa fazer visita, e elas poderiam perguntar como que eu estou, se eu continuo fumando. Ou, então, ter um acompanhamento depois do grupo no posto; acho que seria importante. (E16)

A oferta de tratamento para o tabagismo na APS foi avaliada como relevante, e as pessoas reconheceram que essa assistência pôde auxiliá-las no processo de cessação tabágica. Contudo, a continuidade do tratamento precisa ser reorganizada conforme o respaldo teórico do Programa. A atenção a essa população pode melhorar com a ampliação do tempo do tratamento oferecido e com um acompanhamento programado, conforme sugerido pelos participantes e indicado pelo PCT. Ainda, percebe-se a importância das sessões de manutenção do tratamento para a cessação tabágica em longo prazo, visto que os entrevistados que não tiveram esse acompanhamento reconheceram essa necessidade, sugerindo sua inclusão nas atividades do PCT.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo evidenciam: a importância do tratamento ofertado pela APS para o controle do tabagismo, cuja assistência é centrada na realização de grupos de apoio para a cessação tabágica nas UBSs do município avaliado; e a necessidade de sistematização das sessões de manutenção do tratamento após a conclusão dos grupos, por repercutir diretamente no desfecho do tratamento e em sua continuidade para a cessação tabágica em longo prazo.

Devido aos múltiplos fatores que permeiam o tabagismo, marcados principalmente pela dependência física e química do tabaco, torna-se difícil para o usuário cessar o consumo da substância sem um acompanhamento profissional. Nesse contexto, ressalta-se a importância de os profissionais de saúde assistirem de forma eficaz as pessoas tabagistas, com vistas ao fornecimento de apoio adequado aos que desejam abandonar o hábito de fumar(1414 Zampier VSB, Silva MH, Machado RET, Jesus RR, Jesus MCP, Merighi MAB. Nursing approach to tobacco users in primary health care. Rev Bras Enferm [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 10];72(4):948-55. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0397
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).

Os integrantes reconheceram o tratamento recebido na APS como essencial para o processo de cessação tabágica, nos aspectos relacionados à dinâmica do grupo em reuniões estruturadas, ofertadas semanalmente. A abordagem realizada em grupo possibilita a troca de experiências entre os participantes, permitindo a criação de vínculo entre profissionais e usuários, aspecto terapêutico que contribui significativamente para o sucesso da cessação tabágica e que é reconhecido como atributo essencial da longitudinalidade do cuidado(1515 Fanshawe TR, Halliwell W, Lindson N, Aveyard P, Livingstone-Banks J, Hartmann-Boyce J. Tobacco cessation interventions for young people. Cochrane Database Syst Rev [Internet]. 2017 [cited 2020 Feb 10];11(11):CD003289. https://doi.org/10.1002/14651858.CD003289.pub6
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).

Contudo, o tratamento do tabagismo apresentou fragilidades para a oferta de acompanhamento prolongado e longitudinal. Atributos inerentes à longitudinalidade mostraram-se limitados na prática, como a continuidade do cuidado após o término das quatro sessões iniciais, para além da oferta das reuniões em grupo semanalmente.

O tratamento para cessação do tabagismo na APS consiste no aconselhamento terapêutico estruturado/abordagem intensiva, associado ao tratamento farmacológico, quando avaliado como necessário. O PCT, amparado no princípio da longitudinalidade do cuidado, sugere que o tempo total do tratamento seja de 12 meses, envolvendo as etapas de avaliação inicial do usuário, a intervenção grupal propriamente dita e as sessões posteriores de manutenção da abstinência(1616 Ministério da Saúde (BR). Portaria conjunta nº 10, de 16 de abril de 2020. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo. [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde [cited 2019 Oct 16] 2020. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-conjunta-n-10-de-16-de-abril-de-2020-253756566
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).

O PCT define que o aconselhamento estruturado ou a abordagem intensiva em formato de reuniões grupais deva ser composta de pelo menos quatro sessões iniciais, preferencialmente semanais; posteriormente, duas sessões quinzenais iniciando a fase de manutenção da abstinência; e uma sessão mensal para prevenção da recaída, até completar um ano do início do tratamento. Esse modelo é utilizado pela rede SUS desde 2001, salientando-se que cada equipe de tratamento deve adaptar as recomendações de acordo com a realidade local, mas sempre respeitando as evidências e as normativas do programa(33 Ministério da Saúde (BR). Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: o cuidado da pessoa tabagista[Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2015 [cited 2020 Feb 17]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_40.pdf
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,1616 Ministério da Saúde (BR). Portaria conjunta nº 10, de 16 de abril de 2020. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Tabagismo. [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde [cited 2019 Oct 16] 2020. Available from: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-conjunta-n-10-de-16-de-abril-de-2020-253756566
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).

Na atenção avaliada, essas normativas não estavam implementadas para a continuidade do tratamento em longo prazo, indicando fragilidade quanto à coordenação do cuidado para a continuidade do tratamento do tabagismo de forma integral. A quantidade de quatro encontros regulares semanais, com acompanhamento posterior, como é recomendado pelo PCT, foi avaliada como uma ausência do programa, considerando que muitos usuários não cessam o consumo até o término das quatro reuniões iniciais, logo necessitam de uma assistência posterior que contemple o princípio da longitudinalidade do cuidado.

O tratamento em grupo traz benefícios para o processo de cessação tabágica, porém faz-se necessário um acompanhamento posterior desse usuário por um período maior do que somente um mês(1414 Zampier VSB, Silva MH, Machado RET, Jesus RR, Jesus MCP, Merighi MAB. Nursing approach to tobacco users in primary health care. Rev Bras Enferm [Internet]. 2019 [cited 2020 Feb 10];72(4):948-55. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0397
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). Estudo de revisão sistemática reunindo ensaios aleatórios para comparar os efeitos das intervenções em grupo para a cessação do tabagismo em longo prazo identificou que realizar, no mínimo, duas sessões em grupo e um acompanhamento posterior por, no mínimo, seis meses garantem maior sucesso na cessação tabágica do usuário, o que ressalta a necessidade de se estabelecer um suporte longitudinal como rotina no tratamento do tabagismo(1717 Hartmann-Boyce J, Hong B, Livingstone-Banks J, Wheat H, Fanshawe TR. Additional behavioral support as an adjunct to pharmacotherapy for smoking cessation. Cochrane Database Syst Rev [Internet]. 2019 [cited 2020 Nov 13];6(6):CD009670. https://doi.org/10.1002/14651858.CD009670.pub4
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).

Ainda, estudo que analisou a eficácia das intervenções para o tabagismo, de acordo com o tempo do tratamento, apontou que os acompanhamentos com duração de seis meses ou mais foram estatisticamente mais significantes quando comparados aos mais curtos, sugerindo o efeito positivo do acompanhamento longitudinal para a cessação tabágica e manutenção da abstinência em longo prazo, especialmente intervenções comportamentais em grupo(1818 Nethan ST, Sinha DN, Chandan K, Mehrotra R. Smokeless tobacco cessation interventions: a systematic review. Indian J Med Res [Internet]. 2018 [cited 2020 Nov 13];148(4):396-410. https://doi.org/10.4103/ijmr.IJMR_1983_17
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).

Observa-se que não há uma organização da APS para a oferta das sessões de manutenção, ficando a critério de cada equipe definir o tipo de abordagem a ser adotada, o período de ocorrência e até mesmo se será realizada ou não. Estudo que analisou estratégias de acompanhamento pós-alta de pacientes tabagistas hospitalizados afirma que as intervenções iniciadas durante a internação perdem a eficácia quando não recebem uma continuidade(1919 Amaral LM, Macêdo ACDAD, Lanzieri IO, Andrade RO, Richter KP, Leite ICG. Promoting cessation in hospitalized smoking patients: a systematic review. Rev Assoc Med Bras [Internet]. 2020 [cited 2020 Nov 13];66(6):849-860. https://doi.org/10.1590/1806-9282.66.6.849
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). Esse achado pode ser comparado com as intervenções do PCT na APS, considerando que a interrupção do tratamento após os encontros estruturados semanais influencia a eficácia da cessação tabágica, o que reforça a necessidade de acompanhamento desses usuários em longo prazo, para apoiá-los nas possíveis recaídas.

O processo de cessação posterior ao tratamento recebido na APS configura-se como um desafio para a pessoa tabagista, visto que sentimentos como a ansiedade e a depressão são comuns nessa fase e podem se somar a outros fatores, como a fissura caracterizada como o intenso desejo de fumar e os sintomas comuns da síndrome da abstinência. Tais sintomas, quando somados, influenciam diretamente o processo de recaída. No entanto, o acompanhamento desse usuário é capaz de contribuir para a cessação do tabagismo em longo prazo, evitando recaída(2020 Pumariega YN, Calheiros PRV, Cardenas RN, Farias ES, Torres CDP. Relapse Prevention Based on Mindfulness in the Treatment of Tobacco Dependence - Brazil. CES Psicol [Internet]. 2020 [cited 2021 Sep 28];13(2):129-43. https://doi.org/10.21615/cesp.13.2.9
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).

Essa realidade pode ser observada em um estudo que identificou o grau de motivação dos usuários para parar de fumar, ao término do tratamento na APS. Ao finalizarem as quatro sessões dos grupos de tabagismo, os usuários apresentaram altas taxas de motivação para manterem-se abstinentes, porém, com o passar do tempo, esse desfecho tende a mudar se não houver um acompanhamento longitudinal(2121 Barbosa RL, Givisiez BS, Fernandes CLC, Lichtenfels P. Are the participants in smoking cessation groups ready to quit smoking? study on assessment of motivational level in a community health service. Braz. J. of Develop [Internet]. 2020 [cited 2021 Sep 28];6(10):83604-18. https://doi.org/10.34117/bjdv6n10-701
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). Portanto, a sistematização do acompanhamento em longo prazo após a finalização dos grupos de tabagismo seria capaz de fornecer auxílio durante o processo de cessação tabágica, possibilitando que, por meio de encontros programados, os usuários continuem sendo assistidos pelos profissionais de saúde.

Diante desse contexto, torna-se primordial que a APS não só contemple o tratamento do tabagismo durante a rotina de atendimento, mas também amplie e priorize estratégias que garantam a longitudinalidade do cuidado aos usuários, assegurando o vínculo e a responsabilização entre profissionais e usuários ao longo do tratamento, bem como permitindo o acompanhamento dos efeitos das intervenções recebidas e a garantia da continuidade do tratamento.

Limitações do estudo

A limitação do estudo está no fato de os dados revelarem apenas a realidade de um município do estado do Paraná, o que impede a generalização dos achados em esfera nacional. Portanto, indica se a realização de estudos que se proponham a avaliar a atenção tabágica em outros cenários e contextos.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

O Programa Nacional de Controle do Tabagismo tem investido, há mais de 30 anos, em ações para o combate e controle do tabagismo na população brasileira, tornando-se referência mundial na adoção de ações efetivas no âmbito das políticas públicas de combate ao tabaco. Nesse cenário, o enfermeiro tem ganhado destaque por sua atuação no Programa, exercendo um papel relevante devido à sua capacidade técnico-científica e seu engajamento nas intervenções previstas.

Considerando a necessidade emergente de qualificação não só do enfermeiro, mas de todos os profissionais inseridos nesse contexto, bem como o aperfeiçoamento das ações desenvolvidas à população tabagista, estudos que avaliem o PNCT podem contribuir para o seu planejamento e aperfeiçoamento. Além disso, pesquisas que busquem avaliar cenários sob a perspectiva dos usuários permitem compreender as reais necessidades da população, possibilitando suprir suas demandas.

No que tange à prática assistencial da enfermagem, o estudo mostra a necessidade constante de capacitação dos profissionais para atuarem nas ações previstas para o controle do tabagismo. Esses profissionais devem estar aptos a atenderem a população que expressa o desejo de parar de fumar, compreendendo o tabagismo em seu amplo aspecto, visto que o enfermeiro desenvolve papel fundamental nesse tratamento, muitas vezes conduzindo os grupos ou fazendo parte da equipe multiprofissional responsável. Assim, esse profissional deve estar atualizado sobre as diretrizes do tratamento, para oferecer assistência qualificada e desenvolver ações de promoção e prevenção do tabagismo durante a prática cotidiana da APS, praticando de forma direta e indireta as intervenções previstas pelo PNCT.

Além disso, haja vista a necessidade constante de desenvolvimento, capacitação e inovação das práticas assistenciais da enfermagem, com foco nos principais problemas de saúde que acometem a população mundial, a temática do tabagismo torna-se ponto de extrema relevância. Por isso, importa desenvolver estratégias de aperfeiçoamento das práticas da enfermagem em relação à abordagem aos pacientes tabagistas, com base em evidências científicas.

Nesse sentido, o presente estudo contempla tal perspectiva, possibilitando inovações para a assistência de enfermagem no âmbito do tratamento do tabagismo na APS, visando capacitar os futuros profissionais da enfermagem para o desenvolvimento do tratamento do tabagismo de maneira efetiva e garantindo a longitudinalidade do cuidado para a efetividade da continuidade com vistas à cessação tabágica em longo prazo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Avaliar a continuidade do tratamento do tabagismo na APS permitiu compreender que o tratamento ofertado às pessoas que desejam parar de fumar é primordial para o processo de cessação tabágica. Entretanto, apesar do esforço de algumas UBSs para a oferta das sessões de manutenção, os usuários identificaram ausência de acompanhamento longitudinal sistematizado posterior às quatro sessões programadas dos grupos de apoio à cessação tabágica.

Sob a perspectiva da dimensão prática do atributo da longitudinalidade do cuidado no tratamento do tabagismo, observam-se desafios para sua consolidação, devido às ausências em relação ao tempo do tratamento, ou à necessidade de oferta de um acompanhamento prolongado após a conclusão dos grupos.

O fato de os próprios usuários demonstrarem interesse pela continuidade do tratamento após a conclusão das reuniões em grupo reafirma a necessidade de melhor organização para a oferta do acompanhamento longitudinal. Além disso, os usuários que tiveram um acompanhamento posterior, mesmo que eventual, consideraram a experiência exitosa à continuidade para a cessação tabágica.

O estudo demarca ausência de sistematização das sessões de manutenção e insuficiência na periodicidade destas para que ocorram conforme previsto pelos protocolos que embasam a prática do PCT. Há, portanto, a necessidade de investir na continuidade do cuidado, visando à melhor organização da oferta de tratamento contínuo, que possibilite aos usuários manterem um acompanhamento longitudinal com os profissionais responsáveis pelo Programa.

  • FOMENTO
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Carina Dessotte

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2021
  • Aceito
    18 Nov 2021
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