Acidentes de trabalho com material biológico em um hospital escola

RESUMO

Objetivo:

analisar a ocorrência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico de técnicos de enfermagem em um hospital escola.

Método:

técnicos de enfermagem foram convidados a responder um questionário relacionado à ocorrência de acidentes de trabalho com material biológico.

Resultados:

participaram 275 profissionais de 9 unidades do hospital. 76% declararam ter sofrido acidente e as variáveis “faixa etária” e “regime de trabalho” mostraram associação significativa para ocorrência de acidentes (p < 0,05). Os contratados pelo regime de trabalho pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) apresentaram 3,5 mais chances de sofrerem acidentes (p=0,04) e a capacitação institucional não demonstrou significância estatística (p > 0,05).

Conclusão:

o aumento do número de capacitações não assegurou a diminuição dos acidentes de trabalho com material biológico; e os técnicos de enfermagem com idade inferior a 30 anos foram mais vulneráveis. Os profissionais com vínculo trabalhista celetista acidentaram-se mais que os servidores estatutários.

Descritores:
Riscos Ocupacionais; Acidentes de Trabalho; Enfermagem; Hospitais Públicos; Exposição a Agentes Biológicos

ABSTRACT

Objective:

to analyze occupational accidents with exposure of nursing technicians to biological material in a school hospital.

Method:

nursing technicians were invited to answer a questionnaire related to occupational accidents with biological material.

Results:

275 professionals from 9 hospital units participated. 76% reported having suffered an accident and the variables “age group” and “employment regime” showed a significant association for accidents (p<0.05). Those hired by the Consolidation of Labor Laws (CLT - Consolidação das Leis do Trabalho) employment regime were 3.5 times more likely to suffer accidents (p=0.04) and institutional capacity building did not show statistical significance (p>0.05).

Conclusion:

the increase in the number of training did not ensure the reduction of occupational accidents with biological material; and nursing technicians under the age of 30 were more vulnerable. Professionals with a CLT labor contract were more affected than the statutory employees.

Descriptors:
Occupational Risks; Accidents, Occupational; Nursing; Public Hospitals; Containment of Biohazards

RESUMEN

Objetivo:

analizar la ocurrencia de accidentes de trabajo con la exposición de técnicos de enfermería a material biológico en un hospital escuela.

Método:

los profesionales fueron invitados a responder un cuestionario relacionado con la ocurrencia de accidentes de trabajo con material biológico.

Resultados:

participaron 275 profesionales de 9 unidades del hospital El 76% declaró haber sufrido algún accidente y las variables “grupo de edad” y “formas de trabajo” mostraron una asociación significativa para la ocurrencia de accidentes (p<0,05). Los contratados por la forma de trabajo bajo la Consolidación de las Leyes del Trabajo (CLT) presentaron 3,5 más probabilidades de sufrir accidentes (p=0,04) y la capacitación institucional no demostró significancia estadística (p>0,05).

Conclusión:

el aumento del número de capacitaciones no ha asegurado la disminución de los accidentes de trabajo con material biológico; y los técnicos de enfermería menores de 30 años fueron más vulnerables. Los profesionales con vínculo laborista en la CLT se accidentaron más que los estatutarios.

Descriptores:
Riesgos Ocupacionales; Accidentes de Trabajo; Enfermería; Hospitales Públicos; Exposición a Agentes Biológicos

INTRODUÇÃO

A Organização Internacional do Trabalho estima que há 317 milhões de acidentes de trabalho (AT) no mundo a cada ano, tendo como consequência 321 mil mortes⁽¹⁾.

Os profissionais da saúde estão constantemente expostos ao risco de infecção a inúmeros patógenos após exposição ocupacional acidental através do sangue ou fluídos corporais, sendo os vírus da imunodeficiência humana, hepatite B ou C considerados os de maior relevância, dado sua prevalência entre pacientes⁽²⁾.

A exposição ocupacional pode ocorrer via percutânea quando há contato com agulhas ou objetos perfurocortantes, respingos em mucosa, pele-não-íntegra com dermatite ou feridas abertas⁽³⁾.

Dentre os profissionais de saúde, a categoria de enfermagem é considerada de grande vulnerabilidade, pois estão envolvidos no cuidado direto e contínuo dos pacientes, com realização de vários procedimentos^(4-6).

No Brasil, o exercício da Enfermagem é regulamentado pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e possuí 2.032.143 milhões de registros profissionais. A categoria de técnicos de enfermagem é considerada a mais numerosa, com 1.125.172. No estado de São Paulo, há 190.208 registros⁽⁷⁾.

Na ocorrência de AT com sangue e outros fluidos potencialmente contaminados, o profissional necessita de atendimento médico especializado, coletas de sangue para avaliação do status sorológico do paciente-fonte e acidentado, acompanhamento e tratamento, caso necessário⁽⁸⁾.

Embora ocorra prejuízo emocional para o trabalhador⁽⁹⁾, há também uma perda econômica e estima-se que a média dos custos totais (diretos e indiretos) de um único acidente seja de U$ 861.00, com variação entre 199 e 1.691 dólares⁽¹⁰⁾.

Para contenção de fluídos corporais e possibilidade de transmissão de doenças, foram formuladas medidas de proteção denominadas Precauções Universais pelo Centers for Disease Control and Prevention, adotadas internacionalmente, sendo posteriormente alteradas e chamadas de Precauções Padrão^(11,12).

No Brasil, a Norma Regulamentadora nº. 32 (NR 32) define diretrizes para proteção e segurança dos trabalhadores dos serviços de saúde, tais como: disponibilização de equipamentos de proteção individual (EPI); capacitação em serviço; imunização contra hepatite B e recipientes adequados para descarte de perfurocortantes⁽¹³⁾, além de definir o Plano de Prevenção de Riscos de Acidentes com Materiais Perfurocortantes, sendo preconizado o uso de dispositivos de segurança⁽¹⁴⁾.

Embora a exposição ocupacional seja fator preocupante para os profissionais, muitas das vezes, há o comportamento de risco do trabalhador e não adesão às Precauções Padrão, podendo interferir na prevenção e predispor ao AT^(15-18).

Estudos realizados em instituições destinadas ao atendimento de vítimas de AT por material biológico mostram que grande parte das ocorrências foi com profissionais de saúde, sendo mais acometidos os técnicos de enfermagem^(19,20).

As inadequações dos serviços de saúde e condições precárias, como sobrecarga, jornada prolongada, cansaço, deficiência na Educação Permanente, indisponibilidade/inadequações de EPI e dimensionamento insuficiente do quadro de pessoal podem estar relacionados aos AT e culminar no adoecimento do trabalhador^(21-23).

Apesar de haver semelhança da práxis de enfermagem em diferentes instituições, o presente estudo é relevante por ter sido realizado em um hospital escola público de grande porte, alicerçado na promoção do ensino, pesquisa e assistência à saúde, onde técnicos de enfermagem realizam elevado número de procedimentos invasivos no cotidiano.

Considerando a possiblidade de exposição ocupacional dos profissionais de enfermagem, são fundamentais estudos e reflexões sobre as possíveis variáveis relacionadas aos AT com material biológico.

OBJETIVO

Analisar a ocorrência de acidentes de trabalho com exposição a material biológico de técnicos de enfermagem em um hospital escola.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Os procedimentos éticos foram seguidos conforme Resolução nº. 466/2012 e a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade sob Parecer nº. 2.242.789/2017.

Desenho, local do estudo e período

Pesquisa de corte transversal de natureza quantitativa realizada em um Hospital Escola Público Estadual, de nível terciário, localizado no interior do estado de São Paulo, com dados coletados de setembro a dezembro de 2017.

Amostra, critérios de inclusão e exclusão

Foi obtido, junto à Divisão de Recursos Humanos da Instituição, a relação nominal dos profissionais pertencentes ao quadro do Departamento de Enfermagem (N =1.022). O tamanho da amostra foi calculado utilizando proporção amostral de 0,25, resultando em 275 técnicos de enfermagem. Os participantes foram sorteados aleatoriamente, mantendo a proporção (0,25) do número de técnicos nas unidades: Internação Adulto (UIA), Pediatria (PED), UTI Adulto (UTI-ADU) e Pediátrica (UTI-PED), Imaginologia (IMA), Serviço de Ambulatórios e Procedimentos Especializados (SEAMPE), Centro Cirúrgico (CC) e Central de Material Esterilizado (CME).

Foram incluídos os técnicos de enfermagem que estavam atuando no hospital no período de coleta de dados, de ambos os sexos, que realizavam assistência direta ou indireta aos pacientes nos turnos de trabalho matutino, vespertino, noturno e horário administrativo. Foram excluídos os profissionais que estavam de férias, licença médica, licença gestante, afastados por problemas de saúde ou usufruindo folga e aqueles que somente realizavam transportes de pacientes.

Protocolo de estudo

Foi desenvolvido pela pesquisadora um instrumento para coleta de dados que, após o pré-teste com 20 sujeitos, foi adequado na semântica para melhor compreensão das questões.

Os participantes foram convidados a responder o questionário composto por perguntas objetivas que abordaram aspectos relacionados à caracterização socioeconômica, situação funcional e ocorrência de AT com material biológico.

Análise dos resultados e estatística

Após a coleta, os dados foram inseridos em planilha do programa Excel 2016 (Microsoft). A análise estatística foi realizada com auxílio do programa BioEstat 5.3. Foi utilizado o teste de Kruskall-Wallis para comparação entre médias; Teste Qui-quadrado e Teste Exato de Fisher para análise das tabelas de contingência; Teste de Regressão Linear Simples para verificar o grau de associação entre duas variáveis quantitativas. A comparação entre duas proporções foi realizada pelo teste Binomial e para comparação entre mais de duas proporções, foi utilizada a Meta Análise. Foi utilizada a Regressão Logística Múltipla para análise combinada de múltiplas variáveis. Para todos os testes, foi considerado p < 0,05 como estatisticamente significante.

A variável “acidente/ano (AT/ano)” foi calculada pela divisão entre o número de acidentes totais de cada participante pelo respectivo número de anos de trabalho na instituição. O cálculo foi realizado para cada participante dentro da respectiva faixa etária; e a partir do resultado individual foi calculada a média com Desvio Padrão.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 275 técnicos de enfermagem de 9 unidades do hospital nos turnos de trabalho matutino, vespertino, noturno e horário administrativo. A Tabela 1 mostra os dados referentes ao quadro de pessoal da instituição, bem como dos participantes da pesquisa, distribuídos nos respectivos turnos de trabalho.

Tabela 1
Distribuição do quadro de técnicos de enfermagem total e participantes da pesquisa, segundo unidades e turnos de trabalho (n=275), estado de São Paulo, Brasil, dezembro, 2017

Unidades	Quadro de pessoal				Participantes da pesquisa
	AD	M	V	N	AD	M	V	N
CME		30	30	25		8	8	8
IMA		16	15	6		5	5	2
CC		56	50	23		13	14	7
SEAMPE	63				17
PED		13	14	26		4	4	7
UER		23	23	43		6	6	10
UTI-PED		9	7	16		3	3	5
UTI-ADU		38	37	76		11	10	21
UIA		109	113	161		28	29	41
Subtotal	63	294	289	376	17	78	79	101
Total geral		1.022				275

• Nota: Central de Material (CME), Imaginologia (IMA), Centro Cirúrgico (CC), Serviço de Ambulatórios e Procedimentos Especializados (SEAMPE), Pediatria (PED), Unidade de Emergência Referenciada (UER), Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTI-PED) e Adulto (UTI-ADU), Unidade de Internação Adulto (UIA), Matutino (M), Vespertino (V), Noturno (N), Horário Administrativo (AD).

Foi considerado proporção amostral de 25% de participantes de cada unidade e a comparação entre as proporções das amostras utilizadas foi estatisticamente igual (p>0,98).

A idade dos participantes variou de 22 a 66 anos com média de 41,0 ± 9,2 anos (Média ± Desvio Padrão), o tempo de trabalho na instituição variou de um a 34 anos, com média de 10,4 ± 7,4 anos. Participaram 230 técnicos de enfermagem do sexo feminino e 45 do masculino, que realizavam jornada de trabalho semanal de 30 horas com turnos fixos.

A análise dos dados mostrou que 210 profissionais de enfermagem declararam ter sofrido AT com material biológico, e 65 declararam nunca ter sofrido acidente na instituição (p < 0,0001).

A Tabela 2 mostra a distribuição de técnicos de enfermagem que declararam ter sofrido ou não AT na instituição, segundo sexo, número de empregos, escolaridade, regime e turno de trabalho, faixa etária e capacitações.

Tabela 2
Caracterização dos participantes segundo ocorrência ou não de AT com material biológico segundo variáveis investigadas (n=275), estado de São Paulo, Brasil, dezembro, 2017

Variáveis	AT com material biológico						p
	Sim (n=210)		Não (n=65)		Total (n=275)
	n	%	n	%	n	%
Sexo
Feminino	175	76,1	55	23,9	230	83,6	0,85*
Masculino	35	77,8	10	22,2	45	16,4
Nº Empregos
1	167	77,3	49	22,7	216	78,5	0,49*
>1	43	72,9	16	27,1	59	21,5
Regime de trabalho
Estatutário	45	60,0	30	40,0	75	27,3	0,0002**
CLT	165	83,5	35	17,5	200	72,7
Escolaridade
Médio completo	105	71,9	41	28,1	146	53,7	0,06*
Superior incompleto	30	90,9	3	9,1	33	12,1
Superior completo	72	77,4	21	22,6	93	34,2
Turno de trabalho
Matutino	65	83,3	13	16,7	78	28,4	0,39**
Vespertino	58	74,4	20	25,6	78	28,4
Noturno	75	73,5	27	26,5	102	37,1
Administrativo	12	70,6	5	29,4	17	6,2
Faixa etária
< 30 anos	22	88,0	3	12,0	25	9,1	0,03**
30 a 39 anos	76	69,1	34	30,9	110	40,0
40 a 49 anos	63	75,0	21	25,0	84	30,5
> 50 anos	49	87,5	7	12,5	56	20,4
Nº Capacitações
0	29	82,9	6	17,1	35	12,7	0,1**
1	76	77,6	22	22,4	98	35,6
2	49	70,0	21	30,0	70	25,5
3	27	67,5	13	32,5	40	14,5
4 ou mais	29	90,6	3	9,4	32	11,6

• Nota: Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Acidente de Trabalho (AT),
• ^**
  Qui- Quadrado,
• ^*
  Teste Exato de Fischer.

Os resultados da Tabela 2 mostraram significância estatística entre pessoas que relataram AT com material biológico e as variáveis faixa etária e regime de trabalho (p < 0,05).

As variáveis “sexo”, “número de empregos”, “escolaridade”, “turno de trabalho” e “número de capacitações” não apresentaram significância estatística (p > 0,05).

Observou-se que profissionais de enfermagem com regime de trabalho celetista apresentaram maior número de acidentes (83,5%).

As maiores proporções de AT ocorreram nos trabalhadores com idade inferior a 30 anos (88,0%) e superior a 50 anos (87,5%), sendo as mesmas (<30 e >50) estatisticamente iguais (p > 0,87).

O tempo médio de trabalho na instituição para profissionais com idade > 50 anos foi de 17,9 ± 7,4 anos (Média ± Desvio Padrão) e para idade < 30 anos foi de 4,4 ± 2,1 anos, com diferenças estatísticas significantes (p < 0,0001).

Cabe ressaltar que os acidentes relatados sofreram influência do tempo de instituição de acordo com a faixa etária. Os trabalhadores com mais idade e maior tempo de instituição tenderam a ter mais acidentes, portanto, o resultado do Teste Qui-quadrado quanto à faixa etária, pode não representar a realidade.

A Tabela 3 mostra a média de idade, número de AT e o número médio de acidentes por ano, segundo faixa etária.

Tabela 3
Média de idade, número de acidentes e taxa de acidentes por ano, segundo faixa etária, estado de São Paulo, Brasil, dezembro, 2017. Dados, como Média ± Desvio Padrão

Faixa etária	Média de idade	Nº de AT	AT/ano
< 30 anos	27,0 ± 1,8	72	0,748 ± 1,064
30 - 39 anos	34,8 ± 2,8	224	0,380 ± 0,621
40 - 49 anos	44,0 ± 2,9	246	0,306 ± 0,462
> 50 anos	54,9 ± 4,2	205	0,243 ± 0,258

• Nota: Acidente de Trabalho (AT).

A taxa média de acidentes por ano para faixa etária < 30 anos (0,748 ± 1,064) foi estatisticamente superior às demais faixas etárias (p < 0,03) e o Teste de Regressão Linear Simples não demonstrou associação entre as médias de idades (dentro de cada faixa etária) e o número de acidentes por ano (AT/ano) (p > 0,12).

Trabalhadores com idade superior a 50 anos tiveram média de 0,243±0,258 AT/ano. Apesar de numericamente menor que faixas etárias compreendidas entre 30-39 anos (0,380 ± 0,621) e 40-49 anos (0,306 ± 0,462), a comparação estatística mostrou igualdade entre elas (p> 0,80).

A Tabela 2 mostra a influência das variáveis nas ocorrências de AT, de forma isolada. A Tabela 4 mostra a Regressão Logística Múltipla e influência dos principais fatores. Para seleção das variáveis, foi considerado p < 0,2 (Regime de trabalho, grau de escolaridade e nº de capacitações). Não foi considerada a variável “faixa etária” pelos motivos explicados anteriormente.

Na Tabela 4, observa-se que técnicos de enfermagem contratados pelo regime de trabalho CLT apresentaram 3,5 mais chances de sofrerem acidentes que os estatutários. A chance de os profissionais com curso superior incompleto sofrerem AT foi 3,6 vezes maior do que os que informaram outra escolaridade. Não houve influência da variável “número de capacitações” nas chances de sofrerem acidentes (p > 0,05).

Tabela 4
Regressão Logística Múltipla das variáveis associadas à ocorrência de acidentes com exposição a material biológico, estado de São Paulo, Brasil, dezembro, 2017

Variável	p-valor	OR	IC 95%
Regime de trabalho CLT	<0,0001	3,54	1,92 a 6,52
Escolaridade: Superior Incompleto	0,041	3,67	1,05 a 12,79
4 ou mais capacitações	0,14	--	--
Zero capacitação	0,40	--	--

• Nota: Odds Ratio (OR), Intervalo de Confiança de 95% (IC 95%), Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

A média de capacitações das pessoas acidentadas foi de 1,89±1,5, e das que não relataram acidentes foi de 1,80±1,11. A comparação entre médias não demonstrou diferença significante (p = 0,70).

DISCUSSÃO

No estudo, verificou-se que profissionais mais jovens apresentaram maiores proporções de AT e maior média de AT/ ano, sendo sugestivo de que técnicos de enfermagem apresentaram mais acidentes nos primeiros anos de vida laboral, sendo esse resultado corroborado pela literatura⁽⁵⁾.

Os trabalhadores de enfermagem dedicam-se ao cuidado, podendo se deparar com inúmeros pacientes hospitalizados em estado crítico, com comportamento agressivo e agitado, o que pode dificultar sua prática e a realização segura dos procedimentos^(24,25).

Diversos estudos indicam que idade inferior a 35 anos vem sendo associada significativamente a lesões perfurocortantes e respingos de sangue ou fluídos corporais em mucosa ou pele, o que pode significar que trabalhadores jovens, entusiastas, com menor habilidade, podem incorrer mais nesses tipos de AT^(5,26,27). Foi observado um elevado número de pessoas acidentadas no presente estudo, sendo indicativo da necessidade de maior acompanhamento dos trabalhadores jovens para orientação e adequação nas atividades laborais, com ênfase no conteúdo sobre biossegurança.

Apesar de os profissionais com idade superior a 50 anos apresentarem maior destreza para lidar com adversidades, a maior senioridade não assegurou diminuição dos AT com material biológico, e devido maior confiança, estes podem ter subestimado à adesão às Precauções Padrão e oferecido resistência para utilização de dispositivos de segurança.

O hospital onde foi realizada a investigação é uma instituição estadual que possuí servidores com dois regimes de contratação: 1) Regime jurídico estatutário, com vínculo trabalhista regido por estatuto composto por normas de ordem pública. 2) Empregados públicos contratados pelo regime celetista regidos pela CLT^(28,29). Sabe-se que servidores públicos estatutários têm mais direitos assegurados como previsão de faltas abonadas, licença-prêmio por assiduidade e relações trabalhistas alicerçadas na estabilidade do emprego, oferecendo maior segurança para o trabalhador^(30-32).

Estudos em hospitais universitários identificaram que trabalhadores celetistas tiveram maior número de AT, enquanto servidores estatutários apresentaram alto índice de absenteísmo na enfermagem^(33,30). No presente estudo, celetistas apresentaram maiores proporções de AT, podendo estar relacionado a menor fruição de folgas, tendo como consequência maior cansaço e estresse, que aliados a insatisfação do trabalhador decorrente da diferença de tratativa em virtude da existência de regimes trabalhistas distintos, pode ter afetado a prática e gerado mais acidentes ocupacionais.

Mudanças no mercado de trabalho exigiram a expansão do sistema educativo no Brasil com cursos de Educação Superior, majoritariamente em instituições privadas, sendo vários deles no período noturno, possibilitando o ingresso de pessoas que trabalham⁽³⁴⁾. Apesar da ampliação do acesso à educação, há o desgaste do trabalhador que, muitas das vezes, realiza dupla jornada para conciliar sua vida profissional e acadêmica. Observou-se no presente estudo que a maior proporção dos trabalhadores com AT tinham Ensino Superior incompleto.

Na Enfermagem, há predomínio de mulheres que necessitam conciliar a profissão com os afazeres domésticos e cuidado dos filhos^(35,36). Esse excesso de atividades e alta carga mental de trabalho pode provocar cansaço e comprometer o desenvolvimento seguro das atividades, resultando em AT nos profissionais de saúde^(22,37). Portanto, nesse contexto, é provável que a sobrecarga decorrente da realização de dupla jornada tenha ocasionado fadiga, falta de atenção durante procedimentos e favorecido o aumento dos acidentes.

Para minimizar os AT, há que se destacar a importância das práticas voltadas a educação permanente e proposição de estratégias destinadas à adesão das normas de segurança, que viabilizem a prevenção nas instituições^{(23,38,39,40,41)}.

Profissionais que relataram ter recebido zero e 4 ou mais capacitações tiveram iguais proporções de AT com material biológico, portanto o aumento do número de capacitações não assegurou diminuição dos acidentes, sendo fundamental a revisão do modelo vigente na instituição.

Estudo realizado em hospitais públicos identificou que capacitação com conteúdo de biossegurança não diminuiu o coeficiente de acidentabilidade dos profissionais de saúde e não proporcionou maior adesão as barreiras de proteção⁽⁴²⁾.

É necessário enfatizar a importância do investimento institucional em capacitação conforme preconizado na NR32, porém não voltado somente a obtenção de índices numéricos. A aprendizagem somente ocorre se houver motivação, valorização e utilização do conhecimento científico, que são dependentes do preparo e receptividade dos indivíduos, aspectos que necessitam ser repensados durante o planejamento da capacitação⁽³⁸⁾.

O teste internacional PISA⁽⁴³⁾, que avalia estudantes do Ensino Médio, conceituou o Brasil no 50º lugar em comparação com outros países e apenas 17% da população ativa são considerados alfabetizados funcionais com capacidade de leitura e entendimento de textos⁽⁴⁴⁾.

Essa inconformidade no ensino brasileiro pode ter afetado o aprendizado dos profissionais de enfermagem e o modelo de capacitação institucional vigente pode não estar sendo efetivo e cumprindo seu papel a contento, portanto a introdução de novas formas de pensar e agir constitui-se em desafio no processo de ensino-aprendizagem.

Os hospitais universitários realizam muitos procedimentos invasivos e necessitam de pessoal de enfermagem qualificado. As evidências apontam que são necessárias ações que contemplem o planejamento adequado da educação em serviço e esforços para minimizar a influência de possíveis distorções do aprendizado na prática.

Inovações nos modelos da prática podem ser benéficas, com adequações que assegurem novo paradigma de empoderamento do conhecimento pelos trabalhadores, com uso de metodologias ativas⁽⁴⁵⁾ aplicadas nas atividades de educação.

Limitações do estudo

O estudo foi realizado em um Hospital Escola Público, de nível terciário, com peculiaridades de gestão e características específicas da assistência de enfermagem. Embora possa haver similitude da prática de enfermagem, a comparação de resultados deve ser realizada com cuidado, levando em consideração as especificidades de cada instituição.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou política pública

A pesquisa apresenta contribuições relevantes para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública, ao dar visibilidade ao fenômeno do AT com material biológico de técnicos de enfermagem. O estudo proporciona subsídios para profissionais de saúde, especialmente ao enfermeiro, para melhorar o planejamento de ações preventivas voltadas à saúde do trabalhador e implementar metodologia de educação em serviço, com vistas à integração dos profissionais no processo de ensino-aprendizado. Além disso, possibilita que profissionais de saúde reflitam sobre o ambiente e condições de trabalho da Enfermagem e elaborem estratégias de intervenção que permitam superar os desafios da atualidade.

CONCLUSÃO

O aumento do número de capacitações não assegurou a diminuição dos AT com material biológico, e os técnicos de enfermagem com idade inferior a 30 anos foram mais vulneráveis.

Os profissionais com vínculos trabalhistas no regime da CLT acidentaram-se mais que os servidores estatutários, e os que relataram ter curso superior incompleto tiveram maior proporção de acidentes que aqueles com outros graus de escolaridade.

A dupla jornada decorrente do exercício laboral e realização de cursos de graduação no contraturno podem levar à sobrecarga e cansaço, tendo como consequência o provável aumento do número de acidentes, podendo comprometer a segurança e saúde do trabalhador.

Estes resultados apontam para a necessidade de revisão do modelo de ensino-aprendizagem e conteúdo programático das capacitações oferecidas aos profissionais de enfermagem da instituição de saúde.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Jun 2019
• Data do Fascículo
  May-Jun 2019

Histórico

• Recebido
  03 Ago 2018
• Aceito
  04 Mar 2019