Adaptação e validação de instrumento de classificação de paciente adulto com ênfase na dimensão familiar

RESUMO

Objetivos:

adaptar e validar um instrumento para classificação de pacientes adultos que enfatiza a rede de suporte familiar na demanda de cuidados de enfermagem.

Métodos:

estudo metodológico, realizado em três fases: adaptação de um instrumento considerando a realidade de pacientes adultos; validação de conteúdo com sete especialistas e avaliação das propriedades de medida (validade de construto e consistência interna) com 781 pacientes internados.

Resultados:

na validação de conteúdo, os indicadores alcançaram os valores estabelecidos para o Índice de Validade de Conteúdo (0,85-1,00). Na análise fatorial confirmatória, os 11 indicadores foram distribuídos em três domínios e apresentaram variância média extraída e carga fatorial superiores a 0,5. A confiabilidade composta foi superior a 0,7.

Conclusões:

o presente estudo adaptou e disponibilizou, com evidências de validade e confiabilidade, um instrumento para classificação de pacientes adultos que considera a rede de suporte familiar na demanda de cuidados de enfermagem.

Descritores:
Estudos de Validação; Análise Fatorial; Organização e Administração; Assistência Centrada no Paciente; Rede Familiar.

ABSTRACT

Objectives:

to adapt and validate an instrument for classifying adult patients that emphasizes the family support network in the demand for nursing care.

Methods:

methodological study, carried out in three phases: adaptation of an instrument considering the reality of adult patients; content validation with seven experts and assessment of measurement properties (construct validity and internal consistency) with 781 hospitalized patients.

Results:

in content validation, the indicators reached the values established for the Content Validity Index (0.85-1.00). In the confirmatory factor analysis, the 11 indicators were distributed in three domains and presented average variance extracted and factor loading greater than 0.5. Composite reliability was greater than 0.7.

Conclusions:

the present study adapted and made available, with evidence of validity and reliability, an instrument for classifying adult patients that considers the family support network in the demand for nursing care.

Descriptors:
Validation Studies; Factor Analysis; Hospital Organization and Administration; Patient-Centered Care; Family.

RESUMEN

Objetivos:

adaptar y validar un instrumento para clasificación de pacientes adultos que enfatiza la red de apoyo familiar en la demanda de cuidados de enfermería.

Métodos:

estudio metodológico, realizado en tres fases: adaptación de un instrumento considerando la realidad de pacientes adultos; validez de contenido con siete especialistas y evaluación de las propiedades de medida (validez de constructo y consistencia interna) con 781 pacientes internados.

Resultados:

en la validez de contenido, los indicadores alcanzaron los valores establecidos para el Índice de Validez de Contenido (0,85-1,00). En el análisis factorial confirmatorio, los 11 indicadores fueron distribuidos en tres dominios y presentaron desviación mediana extraída y carga factorial superiores a 0,5. La confiabilidad compuesta fue superior a 0,7.

Conclusiones:

el presente estudio adaptó y proveyó, con evidencias de validez y confiabilidad, un instrumento para clasificación de pacientes adultos que considera la red de apoyo familiar en la demanda de cuidados de enfermería.

Descriptores:
Estudios de Validación; Análisis Factorial; Organización y Administración; Atención Dirigida al Paciente; Red Familiar.

INTRODUÇÃO

A gestão em enfermagem é desafiada diariamente por demandas que, para a sustentabilidade e cuidado seguro, exigem grande envolvimento dos enfermeiros em questões administrativas, financeiras e econômicas, além do domínio de modernas ferramentas de desenvolvimento de competências gerenciais, como liderança, flexibilidade, proatividade, entre outras(¹-³).

Recursos físicos, materiais, tecnológicos e financeiros, embora essenciais para a concretização da assistência com qualidade, estão subordinados às reais necessidades dos usuários, bem como ao conhecimento dos profissionais acerca da quantidade e otimização da utilização desses recursos(²-³).

No levantamento das reais necessidades dos pacientes, a busca por instrumentos que mensurem de forma objetiva e prática com foco no trabalho da enfermagem e a implementação de sistemas de informação eficientes têm aplicações incontestáveis na promoção de estratégias viabilizadoras do equilíbrio entre a demanda e oferta de um cuidado seguro(⁴-¹²). Nessa direção, o Sistema de Classificação de Pacientes (SCP) é uma ferramenta que se destaca por auxiliar a gestão no dimensionamento do quadro de pessoal de enfermagem(²,⁴-⁷).

O SCP propicia a obtenção de informações e dados estatísticos que auxiliam a tomada de decisões e resoluções de problemas na gestão de recursos financeiros, humanos e materiais(¹-¹²). Com isso, a avaliação das propriedades de medida de instrumentos com essa finalidade é de suma importância para que os resultados possam embasar, com segurança, a gestão de enfermagem(⁵).

Diante das particularidades da clientela pediátrica e constante presença de mãe ou familiar acompanhante durante as hospitalizações, foi construído e validado o Instrumento de Classificação de Pacientes Pediátricos (ICPP), que contemplou indicadores de cuidado relacionados ao paciente, seu familiar e alguns procedimentos da rotina hospitalar(¹³).

Hoje é comum a presença de familiares e acompanhantes para pacientes adultos, muitos previamente hígidos submetidos a tratamento cirúrgico com alta precoce(¹⁴); nesse sentido, os instrumentos de classificação de pacientes devem progredir com o cenário do cuidado para fundamentar com segurança e confiabilidade a prática gerencial de enfermagem(⁴-⁵,⁷,¹²). Considerando tal contexto, a pergunta que guiou o presente estudo foi: A adaptação do Instrumento de Classificação de Pacientes Pediátricos para a classificação de pacientes adultos possui evidências de validade e confiabilidade para ser utilizado na prática gerencial de enfermagem?

OBJETIVOS

Adaptar e validar um instrumento para classificação de pacientes adultos que enfatiza a rede de suporte familiar na demanda de cuidados de enfermagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade onde ele se deu.

Desenho, local do estudo e período

Estudo metodológico, realizado em um hospital geral, público e de ensino, referência para o atendimento de pacientes do interior do estado de São Paulo e provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS).

A pesquisa foi desenvolvida em três fases, ocorridas no período entre novembro de 2016 e novembro de 2018: 1) Adaptação do instrumento(¹³); 2) Validação de conteúdo(¹⁵); e 3) Avaliação das propriedades de medida(¹⁶-¹⁸).

Protocolo do estudo

Na fase 1, procedeu-se a um levantamento bibliográfico, tendo como base a legislação vigente para dimensionamento de pessoal de enfermagem(¹²), referenciais para validação de instrumentos de medida(¹⁴-¹⁸), cuidado centrado na família e pacientes adultos e idosos(¹⁹-²⁴). Na análise da literatura, foi encontrado o Instrumento de Classificação de Paciente Pediátricos (ICPP), que contempla a rede de suporte familiar na demanda de cuidados de enfermagem, por meio de 11 indicadores distribuídos em três domínios de avaliação: “Família”, “Paciente” e “Procedimentos terapêuticos”(¹³). Dessa forma, com a autorização da autora, o conteúdo do ICPP(¹³) foi adaptado a fim de contemplar pacientes adultos e idosos.

Ainda nessa fase, os autores também adaptaram a escala de respostas à rotina de cuidados de pacientes adultos e idosos. A classificação dos pacientes em categoria de cuidados foi determinada em função da legislação atual para dimensionamento de pessoal de enfermagem, ou seja, cuidados mínimos, intermediários, de alta dependência, semi-intensivos e intensivos(¹²).

Na fase 2, o instrumento adaptado e denominado Instrumento de Classificação de Pacientes Adultos (ICPA) teve o seu conteúdo avaliado por um grupo de especialistas(¹⁴-¹⁵). Os participantes analisaram a relevância e a clareza de cada um dos indicadores, por meio de uma escala tipo Likert com quatro pontos: (1) Não relevante ou não apresenta clareza para avaliação da demanda de cuidados de enfermagem; (2) Precisa de grande revisão para ser relevante ou apresentar clareza na avaliação da demanda de cuidados de enfermagem; (3) Precisa de pequena revisão para ser relevante ou apresentar clareza na avaliação da demanda de cuidados de enfermagem; ou (4) Relevante e representativo na avaliação da demanda de cuidados de enfermagem.

Àqueles que atribuíram pontuação 1 ou 2, foi solicitada sugestão de alteração, com o intuito de se alcançar maior clareza e relevância. O Índice de Validade de Conteúdo foi calculado; e, para os itens que não alcançaram o valor mínimo estabelecido (0,8)(¹⁴-¹⁵), uma etapa qualitativa foi iniciada. Nessa etapa, as sugestões feitas pelos especialistas foram analisadas e incorporadas ao instrumento.

Além dos itens, cada participante também assinalou sua concordância com a organização da escala de resposta de cada item em ordem crescente quanto à demanda de cuidados de enfermagem. Para essa avaliação, foi utilizada uma escala dicotômica (sim ou não), e foram consideradas válidas as avaliações com concordância superior a 70%.

Na fase 3 do estudo, avaliação das propriedades de medida, o instrumento resultante da fase 2 foi aplicado durante o período de um mês, em todos os pacientes que foram internados em uma enfermaria geral de adultos; e a aplicação foi feita pelos próprios enfermeiros, que já realizavam a classificação de pacientes na prática gerencial diária. Todas as enfermeiras que participaram da coleta foram previamente capacitadas pelas pesquisadoras e puderam esclarecer suas dúvidas com a própria autora dos instrumentos.

Critérios de inclusão e exclusão

Na fase 2, validação de conteúdo do instrumento, foram selecionados, por conveniência, sete especialistas: dois docentes/pesquisadores que atuavam no tema sobre validação de instrumentos, três enfermeiros da gestão de enfermagem e dois enfermeiros da assistência ao paciente(¹⁵). O tempo de experiência desses especialistas variou entre 7 e 21 anos. Como critério de exclusão, foram considerados os participantes que não devolveram a avaliação do conteúdo do instrumento dentro do prazo combinado.

Para a fase 3 (avaliação das propriedades de medida), o instrumento adaptado foi aplicado em todos os pacientes internados em uma enfermaria geral de adultos, durante um mês, pelos enfermeiros da unidade. O tamanho amostral foi calculado com base no referencial para a realização de análise fatorial(¹⁶-¹⁸), ou seja, dez pacientes por item do instrumento. Assim, o cálculo amostral mínimo resultou em 110 pacientes. Foram excluídas as classificações incompletas.

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram tabulados em planilha eletrônica Excel for Windows^® e analisados por um profissional estatístico com uso dos softwares Statistical Analysis Software^® (versão 9.4) e Partial Least Squares^® (PLS, 3.2.1).

Na fase 2, o IVC para cada item foi calculado por meio da seguinte fórmula(¹⁵):

$$\mathrm{I}\mathrm{V}\mathrm{C}=\frac{\sum \text{número de respostas "}3\text{" ou "}4"}{\text{número total de respostas}}$$

Para a fase 3, considerando que o ICPA foi adaptado de um instrumento com estrutura previamente definida por análise fatorial exploratória(¹³), optou-se, na presente pesquisa, por avaliar a validade estrutural, mediante a análise fatorial confirmatória. Para isso, foi utilizado o modelo de equações estruturais, tendo o PLS como método de estimação.

Para isso, primeiramente foi avaliada a validade convergente do modelo, por intermédio da Average Variance Extracted (AVE) para cada um dos três domínios do instrumento. Essa medida avalia a proporção da variância dos itens que é explicada pelo fator ao qual pertencem. Valores de AVE superiores a 0,5 indicam que o modelo converge a um resultado satisfatório(¹⁶-¹⁸).

Posteriormente, foram avaliadas as cargas fatoriais de cada indicador dentro do seu respectivo domínio, sendo desejáveis cargas superiores a 0,5(¹⁶-¹⁸). A validade discriminante do modelo foi avaliada, inicialmente, com a utilização do critério de Fornell-Larcker(¹⁶-¹⁸). Esse método compara se a raiz quadrada da AVE para determinado domínio é superior aos valores de correlação entre os domínios(¹⁶-¹⁸). Outro critério considerado para avaliar a validade discriminante foi a análise das cargas cruzadas. Nesse caso, foi observado se a carga fatorial de determinado indicador foi mais elevada no domínio em que fora inicialmente alocado(¹⁶-¹⁸).

Nessas análises, também é possível avaliar a confiabilidade, por meio da consistência interna do instrumento. Valores iguais ou superiores a 0,6 indicam uma consistência satisfatória(¹⁶).

RESULTADOS

Na fase 1 do estudo, adaptação do instrumento, o conteúdo do ICPP foi adaptado para o ICPA, mas preservou a mesma estrutura, ou seja, 11 indicadores distribuídos em três domínios: “Família” (dois indicadores), “Paciente” (seis indicadores) e “Procedimentos terapêuticos” (três indicadores).

A escala de resposta para cada indicador foi construída com quatro opções de resposta (1 a 4 pontos), sendo que, quanto maior a pontuação, maior a demanda de cuidados de enfermagem. Para determinar a categoria de cuidado à qual o paciente pertence, o enfermeiro deverá somar os pontos obtidos em cada um dos 11 indicadores e classificar o paciente em cuidados mínimos (11-17 pontos), intermediários (18-23 pontos), de alta dependência (24-30 pontos), semi-intensivos (31-36 pontos) ou intensivos (37-44 pontos).

Na fase 2, validação de conteúdo, foi necessária somente uma rodada para que os indicadores e a escala de respostas atingissem os valores estabelecidos para o IVC e concordância, respectivamente. Esses dados estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Índice de Validade de Conteúdo do Instrumento de Classificação de Pacientes Adultos, Brasil, 2017

Indicador	Índice de Validade de Conteúdo	Porcentagem de concordância com as situações graduadas na escala de respostas
Participação do acompanhante	0,85	71,4%
Rede de apoio e suporte	1,00	100%
Estado mental e atividade	1,00	100%
Oxigenação	0,85	85,7%
Mobilidade e deambulação	1,00	100%
Alimentação e hidratação	1,00	71,4%
Eliminações	1,00	71,4%
Higiene e cuidado corporal	1,00	100%
Intervalo de aferição de controles	1,00	100%
Terapêutica medicamentosa	1,00	85,7%
Integridade cutâneo-mucosa	1,00	100%

Na fase 3 da pesquisa, o ICPA, com seu conteúdo validado, foi aplicado em 902 pacientes, entretanto 121 classificações foram excluídas, em decorrência de missings. Dessa forma, 781 pacientes classificados foram incluídos na amostra. Dentre esses pacientes, 39 (5%) foram categorizados como cuidados mínimos; 133 (17%), cuidados intermediários; 375 (48%), de alta dependência; 187 (24%), semi-intensivos; e 47 (6%), intensivos.

A versão adaptada e validada do Instrumento de Classificação de Pacientes Adultos pode ser visualizada na Figura 1.

Figura 1
Instrumento de classificação de Pacientes Adultos, Brasil, 2022

Para a análise fatorial, inicialmente foram analisadas as AVEs e a consistência interna de cada um dos domínios (Tabela 2).

Tabela 2
Variância média extraída, confiabilidade composta e alfa de Cronbach das dimensões do Instrumento de Classificação de Pacientes Adultos (n = 781), Campinas, São Paulo, Brasil, 2018

Dimensões do Instrumento de Classificação de Pacientes Adultos	Variância média extraída	Confiabilidade composta	Alfa de Cronbach
Família	0,94	0,97	0,94
Paciente	0,57	0,89	0,84
Procedimentos	0,52	0,76	0,52

As cargas fatoriais dos itens em suas respectivas dimensões e cargas fatoriais cruzadas foram apresentadas na Tabela 3.

Tabela 3
Cargas fatoriais dos indicadores em seus respectivos construtos (em destaque) e cargas fatoriais cruzadas (n = 781), Campinas, São Paulo, Brasil, 2018

Indicadores	Família	Paciente	Procedimentos
Estado mental e atividade	-0,02	0,63	0,27
Oxigenação	0,10	0,55	0,41
Mobilidade e deambulação	0,15	0,88	0,41
Alimentação e hidratação	0,06	0,74	0,43
Eliminações	0,16	0,82	0,43
Higiene e cuidado corporal	0,19	0,87	0,43
Intervalo de aferição de controles	0,05	0,47	0,82
Terapêutica medicamentosa	0,03	0,29	0,74
Integridade cutâneo-mucosa	0,15	0,35	0,58
Participação do acompanhante	0,97	0,14	0,09
Rede de apoio e suporte	0,97	0,15	0,11

A raiz quadrada da AVE e as correlações entre os construtos foram apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4
Raiz quadrada da variância média extraída e correlações entre os domínios do Instrumento de Classificação de Pacientes Adultos (n = 781), Campinas, São Paulo, Brasil, 2018

Domínios	Família	Paciente	Procedimentos
Família	0,97
Paciente	0,15	0,76
Procedimentos	0,10	0,52	0,72

DISCUSSÃO

Disponibilizar um instrumento de classificação de pacientes adultos que contempla a avaliação da demanda de cuidados relacionada à presença do familiar é de extrema importância. Isso porque diversas publicações recomendam e/ou legitimam a presença de um acompanhante durante a internação hospitalar de um paciente, como o Estatuto do Idoso(²³), a política de humanização do SUS(²⁴) e a resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a qual determina que as operadoras de saúde cubram as despesas geradas pelos acompanhantes(²⁵).

A presença de um instrumento já validado na literatura e que considera a família na demanda de cuidados(¹³) também foi imprescindível para a realização deste trabalho, pois convergiu com recomendações para que pesquisadores realizem a adaptação de instrumentos visando atender novas demandas, em vez da construção de novas ferramentas que exigem mais tempo e recursos para o seu desenvolvimento.

Por isso, os itens do ICPP foram adaptados, considerando a realidade de pacientes adultos, bem como as opções de respostas, que foram graduadas de forma a respeitar a dimensionalidade de estudos prévios(¹³).

A validação de conteúdo é destacada internacionalmente como a propriedade mais importante de uma ferramenta, pois é neste momento que especialistas julgam se o conteúdo é relevante e claro para a população-alvo(¹⁵). Nessa fase, a heterogeneidade de experiências dos profissionais que compuseram a amostra de especialistas foi fundamental para disponibilizar um instrumento relevante, claro e possível de ser utilizado para categorizar a demanda de cuidados de pacientes adultos. Além disso, o alcance de um IVC e concordância aceitáveis, já na primeira rodada de avaliação, também demonstra que a fase anterior da pesquisa, adaptação dos indicadores à realidade de pacientes adultos, foi conduzida com muito zelo.

Interessante destacar que, no indicador “Participação do acompanhante”, apesar de as avaliações quantitativas terem sido consideradas satisfatórias (IVC e concordância) pelos especialistas, algumas sugestões emergiram, como a de definir quais cuidados poderiam ou não ser realizados pelo acompanhante. Essa sugestão é importantíssima, já que o nível de envolvimento de familiares e cuidadores na assistência ao paciente pode influenciar os resultados e que o envelhecimento da população, bem como o aumento da prevalência de doenças crônicas, exige envolvimento do paciente e sua família com os tratamentos propostos(¹⁹-²⁴,²⁶-³⁰). Entretanto, essas sugestões não foram incorporadas ao instrumento, por considerar que não é o objetivo da classificação de pacientes delimitar papéis no cuidado, e sim avaliar sua demanda.

Entende-se que a presença de maior número de cuidadores informais e a emergente necessidade de formular políticas e regras para a convivência saudável do cuidador são temas complementares à análise da demanda de cuidado de enfermagem, devendo ser considerada pela equipe multidisciplinar para promover maior qualidade do cuidado(²-³,¹⁰,¹⁴,²⁶-³⁰). Em paralelo a isso, planejamento para desospitalização precoce e pactuação de cuidadores extra-hospitalares podem contribuir para diminuir reinternações precoces e, consequentemente, os custos relacionados aos cuidados à saúde(¹⁴,³⁰-³⁷).

Em relação aos indicadores “Alimentação e hidratação” e “Eliminações”, um especialista sugeriu que as respostas descritas na alternativa 3 (nutrição enteral e uso de fraldas ou comadres, respectivamente) fosse invertida com a opção 4 (nutrição parenteral e utilização de cateter vesical ou estomas), com a justificativa de que a nutrição parenteral e a utilização de cateter vesical ou estomas demandavam mais horas de assistência de enfermagem quando comparadas às situações descritas na opção 3. Porém, essa sugestão também não foi acatada pelas autoras, por considerar que o conceito de demanda de cuidado de enfermagem não se restringe ao tempo despendido em atividades diretas de cuidado, visto que também contempla a complexidade das atividades exercidas, o tempo para atividades de cuidado indireto e a severidade da doença do paciente(³⁷).

É importante destacar que o tempo de assistência direta não deve ser considerado superior à dependência do paciente em relação à complexidade assistencial, severidade e dependência relacionada às atividades de vida diária, tendo em vista que os SCPs captam de forma genérica e indireta esses componentes da carga de trabalho da enfermagem(⁴).

Mesmo atreladas, importa esclarecer que horas de enfermagem e demanda de assistência não são sinônimos. Embora seja comum associá-las, a mensuração do tempo de enfermagem isoladamente reduz as atividades de cuidado à semelhança de uma linha de produção industrial, com desconsideração de questões inerentes à arte da profissão. A experiência do paciente, a dinâmica familiar, os fatores éticos, sociais e psicológicos são uma multiplicidade de ações e atitudes cuidadoras não restritas às técnicas e tarefas desempenhadas em um espaço de tempo específico(⁴-⁶,³⁶).

Sendo assim, foi considerado que a nutrição parenteral exige cuidados, como acesso venoso exclusivo e boas práticas para prevenção de infecção de corrente sanguínea, que a tornam mais complexa em relação à nutrição enteral, por isso manteve-se a nutrição enteral como 3 pontos e a parenteral ranqueada como 4 pontos. Essas considerações sobre a complexidade da nutrição parenteral e cuidado com cateteres foram fundamentadas na promoção do cuidado seguro(³⁵,³⁷).

No que se refere ao indicador “Eliminações”, a manutenção das ostomias na opção de 4 pontos foi embasada nos complexos cuidados de enfermagem que asseguram a dignidade do paciente na redução de odores, manutenção de pele íntegra e técnicas delicadas para trocas de bolsas de estomas(³⁸-³⁹) bem como o esvaziamento sistemático da bolsa coletora do cateter vesical enquanto cuidado para prevenção de infecções(³⁵). Além disso, enfatiza-se que, na avaliação desse indicador, considera-se também a inclusão do cuidador no preparo para a alta, para cuidados diários e prevenção de complicações com os estomas(²⁰, ²⁷-³⁵).

Seguindo nessa linha de interpretação, foi recusada a sugestão de um especialista sobre inverter as situações graduadas entre 3 e 4 pontos, no indicador “Terapêutica medicamentosa”, pois entendeu-se que o paciente não colaborativo na recepção de fármacos exige menor dedicação da equipe de enfermagem em comparação à administração de quimioterápicos, drogas vasoativas e hemoderivados. Isso porque a administração desses itens transcende o momento da aplicação, pois exige preparo dos profissionais nos cuidados pré/pós-administração, como preparo e instalação da terapêutica e monitorização dos sinais vitais para a promoção do cuidado seguro e sem dano(³⁵-³⁶).

A análise fatorial confirmatória evidenciou a presença dos três domínios de avaliação do instrumento original(¹³): “Família” ou suporte familiar; “Paciente” ou demanda relacionada aos cuidados específicos com o paciente; e “Procedimentos terapêuticos” ou demanda relacionada a procedimentos terapêuticos.

Os valores para AVE, confiabilidade composta, alfa de Cronbach (com exceção do domínio procedimentos terapêuticos), cargas fatoriais, cargas fatoriais cruzadas e critério de Fornell-Larcker atingiram o mínimo estabelecido pela literatura, demonstrando que o modelo apresenta resultados satisfatórios, ou seja, demonstrou evidências de validade e confiabilidade satisfatórias(¹⁵-¹⁸).

Apesar de o alfa de Cronbach do domínio “Procedimentos Terapêuticos” não ter alcançado o mínimo estabelecido, nenhuma modificação foi realizada no domínio, por compreender que a confiabilidade composta é mais adequada ao PLS, pois prioriza as variáveis de acordo com as suas confiabilidades, enquanto o alfa de Cronbach é muito sensível ao número de itens em cada domínio(¹⁶).

Instrumentos sem evidências de validade e confiabilidade podem levar ao diagnóstico inadequado de problemas. Tendo em conta a enorme aplicabilidade de ICP na gestão de recursos humanos e materiais, a robustez metodológica das pesquisas que desenvolvem esses instrumentos é essencial para garantir um dimensionamento de pessoal de enfermagem e previsão de materiais adequados(¹-⁷,¹²,³¹,³⁴).

Os indicadores “Rede de apoio e suporte familiar” e “Participação do acompanhante” são os principais diferenciais do ICPA em relação aos demais instrumentos disponíveis para a classificação de pacientes adultos(⁴); ademais, ele possui semelhanças com instrumentos validados para pacientes neonatais e para binômios em alojamento conjunto obstétrico(⁴⁰-⁴¹).

Com o aumento do número de pessoas com doenças crônicas, necessidades de cuidados cada vez mais complexos e envelhecimento populacional, a importância do familiar engajado no cuidado em internações hospitalares ou cuidados domiciliares é uma realidade que não se pode negar(¹⁴,²⁰,³⁵). Diante da necessidade de instrumentos que abordem essa dimensão, este estudo chegou ao entendimento de que pacientes, famílias e/ou comunidades são uma unidade de cuidado e devem ser considerados para um cuidado centrado e culturalmente competente.

Limitações do estudo

Como limitação deste estudo, pode ser citado o fato de dois indicadores, sugeridos pelos especialistas, não terem sido incorporados ao instrumento, mas que têm grande potencial para influenciar a demanda de cuidados: um relacionado à utilização de precauções de contato, gotículas e/ou aerossóis; e o outro, relacionado especificamente ao preparo para a alta hospitalar. Essa limitação está posta para ser fiel à estrutura do instrumento original(¹³), que não contempla esses dois indicadores.

Entende-se que o tempo utilizado para prestar o cuidado a pacientes em precaução, intuitivamente, parece ser superior àquele para um paciente em precaução-padrão. No entanto, essa informação não indica, necessariamente, que o paciente possui maior complexidade e/ou maior severidade, como o instrumento de classificação de pacientes se propõe a medir.

Apesar disso, acredita-se que essa lacuna pode ser sanada com novos estudos e que possam ser incorporadas precauções-padrão ao instrumento, no futuro. Com relação ao preparo para alta, pode-se afirmar que esse processo é de responsabilidade de toda a equipe multidisciplinar, por isso, o tempo necessário para essa prática e o impacto na demanda de cuidados de enfermagem também necessitam ser mais bem esclarecidos antes de esta ser incorporada ao instrumento.

Contribuições para a Área

A disponibilização de um instrumento com evidências de confiabilidade e validade e que classifica a demanda de cuidados de pacientes adultos, considerando a avaliação da família, tem grande potencial para a prática clínica e gerencial. A explicação está no fato de que isso poderá promover um ambiente de cuidado favorável ao relacionamento entre enfermeiro e família, a fim de: construir uma prática que ajude no enfrentamento de situações de cuidados continuados, já que a assistência não se finda com a alta hospitalar; colaborar para um melhor dimensionamento da equipe de enfermagem e previsão de recursos materiais.

O ICPA poderá orientar o processo de tomada de decisões em curto prazo, na priorização de cuidados e remanejamentos que permitam o equilíbrio da força de trabalho entre os plantões(²-⁷); e em médio e longo prazo, com a avaliação da rede de suporte e possibilidade de participação do familiar no cuidado(¹⁴,²⁰-²¹,²⁶-³²), indicadores que indiretamente auxiliam no planejamento da alta hospitalar.

A avaliação sistêmica da demanda de cuidados, incluindo a avaliação da dimensão familiar, está em anuência com o Plano de Ação Global para a Segurança do Paciente de 2021-2030(³⁵). A Organização Mundial da Saúde considera que engajar familiares e pacientes no cuidado seguro é um direito humano e eles devem ser envolvidos em todos os níveis de cuidado, compartilhando inclusive decisões. Os pacientes, junto com familiares ou cuidadores, têm interesse genuíno no cuidado do doente, portanto seu envolvimento pode ter contribuições essenciais no cuidado seguro.

CONCLUSÕES

O presente estudo adaptou e disponibilizou um instrumento para classificação de pacientes adultos, considerando a rede de suporte familiar na demanda de cuidados de enfermagem. Além disso, testou suas propriedades de medida e demonstrou que o novo instrumento, denominado de Instrumento de Classificação de Paciente Adultos, possui evidências de validade e confiabilidade.

Sendo assim, recomenda-se utilizar o instrumento na prática clínica e gerencial do enfermeiro para guiar a tomada de decisão e implementação de estratégias que assegurem a qualidade da assistência oferecida ao paciente e deem subsídio para o gerenciamento dos recursos organizacionais.

DISPONIBILIDADE DE DADOS E MATERIAL

https://doi.org/10.25824/redu/PGYTV5

• FOMENTO
  FAEPEX, UNICAMP; CNPQ, PIBIC, UNICAMP.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Mar 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  20 Set 2022
• Aceito
  11 Nov 2022