Visão do estudante de enfermagem sobre aprendizagem ativa e sua inserção no mercado de trabalho

RESUMO

Objetivo:

compreender a percepção sobre a inserção no mercado de trabalho dos egressos de um curso de Enfermagem que utiliza métodos ativos de aprendizagem.

Método:

estudo exploratório e descritivo, com abordagem qualitativa, realizado a partir de 17 entrevistas com egressos dos anos de 2012 a 2014. A análise se deu por meio da técnica da Hermenêutica Dialética, subsidiada pelo quadro teórico da Teoria da Complexidade.

Resultados:

identificou-se, na fala dos egressos, aspectos relacionados à segurança para atuação no mercado de trabalho, ao estímulo à proatividade e à iniciativa para o aprendizado proporcionado pelo método ativo, à dificuldade para o trabalho em equipe e à falta de vivência nas especialidades.

Considerações Finais:

revelam-se avanços e desafios marcados por contradições na forma de agir e pensar do egresso ao se inserir no mercado de trabalho, o que representa uma condição inerente aos processos de mudanças, perspectiva do pensamento complexo.

Descritores:
Educação em Enfermagem; Avaliação de Resultados; Estudantes de Enfermagem; Aprendizagem Baseada em Problemas; Mercado de Trabalho

ABSTRACT

Objective:

to understand the perception of alumni from a nursing course which uses active learning methods about their insertion in the job market.

Methods:

descriptive and exploratory study with a qualitative approach, carried out through 17 interviews with alumni from 2012 and 2014. The analysis took place using Dialectic Hermeneutics, as subsidized by the theoretical framework of the Theory of Complexity.

Results:

the statements of the alumni showed aspects related to safety to act in the job market, to stimulating proactivity and initiative for learning as proposed by the active method, to difficulties in teamwork, and to the lack of experience in certain specialized fields.

Final Considerations:

there are advances and challenges marked by contradictions in the way the alumni act and think as they enter the job market, which is an inherent condition to processes of change, from the perspective of complex thinking.

Descriptors:
Education, Nursing; Outcome Assessment; Students, Nursing; Problem-Based Learning; Job Market

RESUMEN

Objetivo:

comprender la percepción sobre inserción en mercado laboral de egresos de un curso de Enfermería que utiliza métodos activos de aprendizaje.

Método:

estudio exploratorio y descriptivo, con abordaje cualitativo, realizado por 17 entrevistas con egresos de los años de 2012 a 2014. El análisis ocurrió por medio de técnica de la Hermenéutica Dialéctica, subsidiada por cuadro teórico de la Teoría de la Complejidad.

Resultados:

identificó, en declaración de egresos, aspectos relacionados a la seguridad para actuación en mercado laboral, al estímulo a la proactividad e iniciativa para el aprendizaje proporcionado por método activo, a la dificultad para el trabajo en equipo y a la falta de vivencia en las especialidades.

Consideraciones Finales:

revelan avanzos y desafíos marcados por contradicciones en la manera de actuar y pensar de egreso al inserirse en el mercado laboral, lo que representa una condición inherente a los procesos de cambios, perspectiva del pensamiento complejo.

Descriptores:
Educación en Enfermería; Evaluación de Resultados; Estudiantes de Enfermería; Aprendizaje Basado en Problemas; Mercado Laboral

INTRODUÇÃO

Diante das transformações culturais, políticas e científicas atuais, a formação no âmbito da saúde precisa ser analisada com base nas políticas propostas, a fim de se obter melhoria em relação à fragmentação do cuidado e à desarticulação da rede de atenção à saúde. Nesse contexto, propõe-se um modelo de atenção que busque desenvolver assistência integral, universal e equânime; e, para tanto, a formação também precisa passar por alterações que visem fazer jus a esses princípios.

Coaduna com esse movimento a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação (LDB), que possibilita maior flexibilidade à organização curricular. Com as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos na área da saúde, define-se o perfil da formação dos profissionais, para que sejam reflexivos, saibam atuar de acordo com a realidade local e promover mudanças nos determinantes de saúde^(1-3).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Enfermagem (DCN-Enf) propõem que o profissional seja formado para atuar nos diversos campos e saberes da enfermagem, de forma generalista, crítica, reflexiva, ética e compromissada socialmente. Dessa maneira, poderá agir sobre os problemas de saúde-doença da população e nos seus determinantes, bem como enfatizar ações de educação e de promoção da saúde de forma integral^(1-2).

Após quase duas décadas de definição das DCNs-Enf, observam-se avanços com vista a alcançar o perfil desejado. Entre eles, citam-se: o reconhecimento da multidimensionalidade da prática profissional na superação da forma de pensar (fragmentada e simplificada) da realidade; a maior associação entre as bases biológicas e sociais da atenção à saúde; a integração entre teoria e prática, bem como conjunto ensino-pesquisa-extensão; a diversificação dos cenários da prática com a adoção de métodos ativos de aprendizagem; e a construção coletiva⁽¹⁾.

Muitos desafios ainda se impõem, visto que as mudanças necessárias envolvem novas formas de ensinar e de cuidar. Portanto, tais alterações são paradigmáticas e demandantes da incorporação de novos conceitos àqueles subjacentes ao imaginário dos profissionais formados no modelo tradicional de ensino e fragmentado de cuidado. Acrescenta-se, assim, que as diretrizes por si só não viabilizam as condições necessárias à efetivação do processo de mudanças. Além disso, tem-se a constatação de que elas não têm proporcionado objetividade e especificidade suficientes à sua implementação^(1,3). Diante disso, a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) liderou um movimento que foi amplamente discutido no Seminário Nacional de Diretrizes para Enfermagem (SENADEN), realizado em 2016, em Curitiba, com a finalidade de avançar nessa formação^(1,4).

Cabe salientar que, mesmo com as mudanças previstas, as orientações incorporadas deverão, necessariamente, ser pautadas no atual contexto social e, mais especificamente, na Política Nacional de Saúde. Esse fato leva em consideração que a formação de profissionais de saúde, para atender às demandas sociais, ganha contornos próprios na medida em que se tem a compreensão da indissociabilidade entre teoria e prática, da visão integral do homem e da ampliação da concepção de cuidado, como essenciais ao processo de trabalho^(1,4).

Remete-se, assim, à formação por competências e ao uso de métodos ativos de aprendizagem. O termo "competência aplicada ao trabalho" define-se como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessários ao desempenho das funções dos servidores, a fim de alcançar as metas da instituição. Na educação, o termo apresenta-se como a capacidade de articulação de valores, de habilidades e de conhecimentos, permitem ao indivíduo enfrentar a dificuldade, mobilizando conhecimentos prévios, adequando-os à resolução da situação a ser enfrentada. A construção desse conceito envolve diferentes saberes, como o saber ser, o saber conhecer e o saber fazer, ações que ocorrem de forma articulada no desenvolvimento de uma tarefa ou atividade^(1,5-6).

Essa compreensão demanda maior envolvimento com a prática profissional, levando à utilização de métodos ativos de aprendizagem. Neles, o conhecimento é construído por meio de vivências práticas, proporcionando o contato precoce com os campos de atuação e com os usuários dos serviços de saúde. O estudante passa a ser protagonista na construção do seu conhecimento com base nas suas vivências, o que perpassa a aquisição de habilidades e competências que vão além do domínio técnico-científico, pois deverá ser capaz de criar, planejar, implementar e avaliar políticas e ações em saúde para a população, além de solucionar problemas do cotidiano dos serviços de saúde^(1,7-12).

A trajetória de construção e reconstrução de novos modelos de aprendizagem e de cuidado em saúde remete-se à Teoria da Complexidade, que se apresenta como crítica ao processo reducionista do ensino, principalmente nas ciências da saúde, pois a organização curricular por disciplinas fragmenta o ser humano na busca de conhecer o seu funcionamento.

A Teoria da Complexidade procura compreender como o todo está nas partes e como as partes estão presentes no todo. Enfatiza a necessidade de um processo de compreensão do mundo que se inicia no âmbito da educação, com estímulo à autonomia e à crítica sobre o que se vive e se busca, tornando a educação a esperança para uma consequente transformação social^(1,13-17). Além disso, tece críticas à organização curricular por disciplinas, pois isso desfavorece a ligação entre as áreas, deixando lacunas que dificultam a aprendizagem.

Ante o exposto, tem-se a constatação de que o atual contexto social impõe às instituições de ensino superior (IES) da área da saúde a necessidade de reformulação na maneira de ensinar. Como ponto de partida, está a Política Nacional de Saúde a ser aplicada em um mundo caracterizado pela diversidade, globalização e crescente avanço do conhecimento⁽¹⁾. Tendo em vista a complexidade que as mudanças necessárias representam, as quais estão permeadas por avanços e desafios, o presente estudo parte do seguinte questionamento: Como vem ocorrendo a inserção no mundo do trabalho dos egressos de um curso de Enfermagem que, desde 2003, tem implementado um currículo integrado e orientado por competência e com o uso de métodos ativos de aprendizagem?

OBJETIVOS

Compreender a percepção sobre a inserção no mercado de trabalho dos egressos de um curso de Enfermagem que utiliza métodos ativos de aprendizagem.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo teve aprovação do Comitê de Ética da instituição proponente e coparticipante, respectivamente. Para fins de anonimato, a instituição foi denominada como IES, e utilizadas as letras "EG", seguidas da numeração 1, 2, 3... 32, para os egressos de enfermagem, preservando o sigilo e a confidencialidade dos dados.

Tipo de estudo

Estudo de campo, de delineamento qualitativo, fundamentando-se na Hermenêutica Dialética e análise de conteúdo, realizado com base em entrevistas semiestruturadas com egressos de enfermagem de uma IES estadual do interior do Estado de São Paulo.

Procedimentos metodológicos

Cenário de estudo

A IES avaliada no estudo conta atualmente com dois cursos de graduação (Enfermagem e Medicina), além de um complexo hospitalar com duas unidades e uma rede ambulatorial em diferentes especialidades, servindo de referência para 64 municípios da região.

O curso de Enfermagem dessa faculdade apresentou mudanças no seu projeto políticopedagógico a partir 1998, pois, naquele momento, já se discutia, em todo território nacional, a necessidade de mudanças, indo ao encontro dos princípios de diretrizes do SUS. Para isso, buscouse compreender o currículo em uma perspectiva integrada que favorecia a articulação teoriaprática e trabalhoensino^(1-18).

A concepção pedagógica adotada foi respaldada na concepção crítico-reflexiva de educação, que considera o estudante um sujeito ativo e participativo no próprio processo de ensinoaprendizagem⁽¹⁹⁾. Na matriz curricular proposta em 1998, as disciplinas deixaram de ser oferecidas separadamente para comporem Unidades Educacionais, com conteúdos desenvolvidos de forma integrada, em sequências de atividades contextualizadas com a realidade prática vivenciada pelo estudante(20), concorrendo para obtenção de aprendizagem significativa⁽¹⁾.

Esse modelo curricular passou por constante avaliação de todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem (docentes, discentes, gestores, profissionais dos serviços de saúde que trabalham em parceria); e, em 2003, uma nova reformulação foi implantada^(1,20).

A sua estrutura atual conta com a Unidade de Prática Profissional (UPP) e a Unidade Educacional Sistematizada (UES), cujo propósito é promover o desenvolvimento de recursos cognitivos, afetivos e psicomotores que possam ser mobilizados e integrados para a realização de tarefas. Objetiva-se, assim, a identificação de necessidades de saúde do indivíduo, da família e do coletivo, bem como a elaboração do plano de cuidados com vista a sua implementação.

A UES segue a metodologia da Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP), que possibilita maior resgate e elaboração de processos cognitivos relacionados com as situações-problema apresentadas nos diferentes cenários de aprendizagem. No cenário real (UPP), problematizam-se as necessidades de saúde da pessoa/família, formula-se o problema de saúde e elabora-se um plano de cuidado^(1,20).

A partir do 2º ano, é realizado o estágio eletivo, o que permite flexibilidade ao currículo, pois o estudante pode escolher o local de sua preferência. Vale destacar que, para esse modelo de currículo, foi necessário estabelecer estreita parceria com a Atenção Básica do município. Os acadêmicos são inseridos em grupos de 12 alunos - 4 são da enfermagem; e 8, da medicina - em unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF), nas quais permanecem até o final do 2º ano. A finalidade é estabelecer vínculo com as famílias que acompanham e com a equipe de saúde. No 3º ano e em um semestre do 4º ano, as atividades são realizadas no cenário hospitalar. No 4º ano, eles retornam à ESF para realizar o estágio supervisionado durante um semestre^(1,20).

Amostra, coleta e organização dos dados

A população do estudo foi composta por 86 egressos de enfermagem de uma IES estadual do interior paulista, formados entre 2012 e 2014. Para a realização de contato, foi solicitada uma lista dos egressos do período citado às IES e, daí, realizada a busca, utilizando os recursos tecnológicos existentes (Google, Facebook). Após contato com um membro da turma, foram solicitados os dados (telefônico ou de e-mail) dos egressos que eram parte da amostra do estudo, convidando-os para participarem da pesquisa. Foi realizado contato com 68 egressos, obtendo-se retorno de 17, que aceitaram participar do estudo⁽¹⁾.

A coleta de dados ocorreu entre maio de 2015 e janeiro de 2017, por meio da realização de entrevistas semiestruturadas, que tiveram duração média de 30 minutos. Para sua realização, foi elaborado um roteiro de coleta com informações sobre identificação do egresso, estado civil, cidade de moradia-trabalho, idade, filhos, aprimoramento profissional, dados profissionais, local de trabalho, renda, tempo de trabalho na enfermagem, tempo que levou para ingressar no mercado de trabalho, atividade que exerce, dificuldades e facilidades para exercer a função de enfermeiro e o que poderia ser modificado na formação para facilitar a inserção no mercado de trabalho⁽¹⁾.

As entrevistas foram realizadas conforme disponibilidade dos participantes (pessoalmente, por Skype ou telefone, utilizando-se o modo "viva voz", o que permite gravação). Para as entrevistas realizadas à distância, o termo de consentimento foi enviado por e-mail e devolvido pelo participante após assinado e escaneado. Em todos os casos, foi assegurado local privativo, e a entrevista só teve início após cumprimento de todo o trâmite legal em relação ao recebimento do termo assinado pelo participante⁽¹⁾.

Análise dos dados

A análise dos dados se deu por meio da Hermenêutica Dialética, subsidiada pelo quadro teórico da Teoria da Complexidade, proposta por Morin (1990)⁽¹⁶⁾. Nessa teoria, destacam-se sete princípios que favorecem a compreensão das mudanças em processo no campo do ensino e da assistência à saúde, sendo eles: 1) o Sistêmico Organizacional - busca ligar o conhecimento das partes ao todo; 2) o Holográfico - complementa que não apenas as partes estão no todo, mas o todo está nas partes; 3) o Retroativo - permite a compreensão dos processos autorreguladores, rompendo com a causalidade linear; 4) o Circuito recursivo - indica que os produtos e os efeitos são produtores e causadores do que geram; 5) a Autonomia - indica que tanto a autonomia quanto a dependência estão em estreita relação; 6) o Dialógico - reforça a importância de não se excluírem noções contraditórias para compreensão de um fenômeno; e 7) a Reintrodução do conhecimento - surge da concepção de que este é fruto da interpretação feita por um sujeito inserido em uma dada realidade de determinada época^(1,15-17).

O uso da técnica de análise por meio da Hermenêutica Dialética nas ciências humanas e sociais iniciou-se no auge das primeiras críticas à metodologia positivista, com a compreensão de que não há como separar o sujeito do objeto ou a totalidade das partes, pois o que se busca explicar são os significados e não as causas de um fenômeno⁽²¹⁾. A epistemologia dessa forma de análise, na pesquisa qualitativa, parte da compreensão de que a comunicação entre os seres humanos é um processo que sofre interferência do contexto em que o sujeito vive e de sua cultura, com a interpretação isenta dos preconceitos do observador. Tal interação entre sujeito e o objeto é definida como "linguagem"^(1,21-23).

Essa técnica salienta a busca pelas diferenças e semelhanças entre o contexto do investigador e do investigado; a exploração das definições do autor; o compartilhamento entre os mundos do investigador e do investigado; a compreensão dos dados observados, apoiada por uma reflexão pautada no contexto histórico, julgamento e decisão sobre os fatos; e a produção de um relato em que todas as visões possam ser contempladas^(1,21-23).

Essa forma de análise se caracteriza por duas fases de interpretação: a fase gramatical, em que se analisa o discurso por meio das palavras e conceitos apresentados; e a fase psicológica, na qual se interpreta o que essas palavras significam para quem as proferiu. Esses dois momentos evidenciam a visão hermenêutica de análise, que busca a relação entre pensamento e linguagem. Na dialética, temse o diálogo entre os opostos, que procura nos fatos, na linguagem, nos símbolos e na cultura a contradição para realizar a análise crítica sobre eles^(1,21-23).

Assim, pela articulação entre a Hermenêutica e a Dialética, obtém-se um caminho para fundamentar a análise nas pesquisas qualitativas, valorizando a complementaridade e a divergência existentes nas relações expressas mediante a linguagem. Partindo-se da premissa de que não existe investigador imparcial, a Hermenêutica dá voz ao consenso, mediação e acordo; a Dialética orienta para a diferença e crítica. Ambas se complementam e dão luz aos dados observados e estudados, revelando sua identidade por meio da oposição, ressaltando-a pela reflexão^(1,21-23).

RESULTADOS

No que se refere à caracterização dos participantes da pesquisa, observa-se que foram 17 egressos (na sua totalidade, do sexo feminino). A maioria reside no interior do estado de São Paulo, com idade entre 23 e 27 anos, estado civil solteira, sem filhos, possui especialização ou está cursando pós-graduação. No que se refere à atuação profissional como enfermeira, cinco já exerceram a função de enfermeira, seis como residentes, uma como docente e quatro não desenvolveram atividades profissionais na área da enfermagem. A maioria já está exercendo atividades profissionais na área há mais de um ano. Em relação à renda, houve variação de 1,06 a 6,4 salários mínimos, com valor de referência nacional para 2017 de R$ 937, 00, sendo que a maioria se encontra na faixa de 3,06 salários.

Com base na análise das entrevistas, foram elencadas quatro temáticas, conforme se descrevem a seguir.

Segurança advinda do constante contato com a prática

Na fala dos egressos, é possível identificar que se sentem seguros para o enfrentamento das atividades profissionais, o que atribuem à inserção na prática profissional desde os primeiros anos do curso, a qual se concretiza no 4º ano quando realizam o estágio supervisionado.

Ah [...] eu gostei, sabe? Acho que eu consegui me realizar [...] com uma segurança e eu gostei disso, porque é uma autonomia. Eu me senti segura [...]. (EG9)

Acho que o diferencial mesmo da [nome da instituição] é o contato desde os primeiros anos [com a prática] [...]. (EG1)

Quando eu tive que trabalhar de verdade, não era tudo desconhecido, sabe? Eu já conhecia muita coisa por causa dos estágios e da vivência [...] então não foi tão difícil. (E14)

[...] [nome da instituição], no 4º ano, coloca a gente no que é [trabalho] do enfermeiro no setor hospitalar, né? Assim também como na parte de saúde coletiva. (EG13)

Formação voltada para a proatividade, iniciativa e aprendizagem significativa

É possível compreender que o egresso foi estimulado a ter iniciativa e autonomia para aprender a realizar sozinho as atividades colocadas no seu cotidiano de trabalho.

Eu acho que a graduação ajudou bastante nessa parte da gente ser mais ativo. Não ser tão sala de aula. (E2)

Porque o método ensina você a ir atrás, a buscar o que está faltando [...] e acho que isso a gente leva pra vida toda. (EG2)

Ah [...] eu acho que a prática. Porque eu percebia que os funcionários testavam muito a gente, então, como eu sempre tive iniciativa, que eu aprendi a ter na faculdade [...]. (EG3)

Eu acredito que, por conta de ter sido a metodologia ativa, eu aprendi bastante a ter autonomia e a buscar sempre. (EG12)

Porque a gente sempre estudava por conta [...] tinham muitos professores para se apoiar se você tinha dúvidas, mas eles explicavam muito como você estudar sozinha. (EG14)

[...] aquilo que você guarda as coisas, que você [preza] realmente, é aquela aprendizagem mesmo significativa que a gente fala. (EG5)

Você tem iniciativa, é uma formação que exige uma proatividade. Você já é proativa, porque eles exigem isso na formação. (EG8)

Dificuldade para desenvolver o trabalho em equipe

Os egressos também apontaram dificuldades no enfrentamento das situações no seu contexto de trabalho, o que se revela inerente aos processos complexos e de mudança de paradigma. Sendo assim, embora exista como base uma formação que busca a reflexão e o diálogo enquanto forma de agregar o conhecimento às situações de prática, o cotidiano do trabalho se desenvolve de forma mecanicista. Assim, pode-se depreender que as mudanças ocorrem em um movimento dialógico e marcado pela contradição.

E a dificuldade que eu tive era a de conseguir me inserir enquanto enfermeira e de colocar as minhas percepções, as minhas [...] o meu saber [...] e colocar a discussão de forma a ser aceita, a ser discutida e a ser levada a sério... (EG9)

[...] eu acho que, na graduação, a gente tem uma falsa esperança de que a gente articula com o profissional médico. Porque você não senta para discutir com o médico [...] você não senta pra discutir com o psicólogo [...] muitas vezes, você nem sabe quem é o psicólogo da ala, por mais que você esteja lá trabalhando, você não sabe durante a graduação [...]. (EG9)

E foi difícil um pouco a aceitação [...] porque eles descobriram que eu era recém-formada [...] mas eu [...] depois me adaptei bem, sabe? [...] Porque eu percebia que os funcionários testavam muito a gente. (EG3)

Falta de vivência em alguns campos de especialidades na graduação

Nas entrevistas com os egressos, foi possível ainda depreender que sentem falta da abordagem da especialidade nos cenários de prática, considerando que, muitas vezes, após formados, são solicitados a trabalhar nesses locais.

[...] na enfermagem, no âmbito da psiquiatria a gente não passa [...] Então, quando eu fui fazer o aprimoramento, foi um mar de descoberta [...] porque eu não tinha noção de absolutamente nada. (EG9)

[...] na faculdade a gente não passa por esse serviço, o que eu acho uma pena. Sempre achei. Porque é o lugar que a gente mais aprende, na UTI e no pronto-socorro, e esses dois & [...] essas duas grades não são obrigatórias lá, eu que fui atrás. (EG3)

E na parte de gestão, talvez a dificuldade exista porque é dividido nos próprios locais, tem a enfermeira assistencial e a enfermeira gerente [...] Então, quando a gente está inserida nesse cenário, acaba que a gente fica na parte assistencial, com as atividades dessa enfermeira e tem menos contato com a parte de gestão. (EG12)

DISCUSSÃO

A segurança para realizar uma tarefa apresenta estreita relação com o aprendizado que, tanto serve como base quanto direciona para o fazer já vivenciado. No método ativo, o estudante tem essa oportunidade de viver situações reais e, com base nelas, buscar o conhecimento e encontrar respostas que expliquem o fato apresentado e justifiquem as ações de cuidado. O estudante aprende apoiandose no campo de atuação profissional e, ao se inserir nesse cenário real, já sabe como lidar e atuar, não ficando no imaginário aquilo que irá encontrar, o que facilita a busca por soluções^(1,24).

Assim, torna-se relevante considerar a integração entre teoria e prática na formação do enfermeiro, uma vez que, no processo de aprendizagem, há relação de reciprocidade entre esses pontos, por não serem dicotômicos. O cuidado em enfermagem não pode ser concebido como ação reducionista, mas como ação reflexiva e de autoconhecimento, com interligação e articulação da teoria com a realização do cuidado, fato que precisa de reflexões e fundamentações nos conhecimentos atuais e inerentes às melhores práticas^(1,25-26).

Alcança-se, assim, a compreensão de uma educação emancipatória, que promove a autonomia e favorece a reflexão do que se vive no dia a dia bem como a transformação social. Já as concepções reducionistas valorizam apenas a harmonia e a unidade, estimulando a acomodação^(1,26).

A dicotomia existente entre teoria e prática gera no estudante a sensação de não ter conhecimentos necessários para atuação prática, mesmo diante de uma grande bagagem apreendida durante a formação teórica. Além disso, as formas de ensino alicerçadas nos moldes tradicionais não possibilitam o reconhecimento de como aplicar o conhecimento apreendido^(1,27).

Observa-se um preparo para atuação prática que, por vezes, pouco atende à necessidade do sistema de saúde, se tornando um desafio para as instituições formadoras e para o SUS. Nesse contexto, tornam-se importantes as DCNs-Enf por direcionarem a formação de um profissional reflexivo, com capacidade de resolver problemas complexos e de promover as mudanças necessárias. Porém, verifica-se que grande parte dos currículos se encontram organizados de forma fragmentada, ou seja, por disciplinas, o que se mostra como um fator complicador desse movimento de mudança⁽²⁸⁾.

Nos métodos ativos de aprendizagem, o movimento para concretização do aprendizado acontece de forma contrária. Vivencia-se primeiro, para depois contextualizar teoricamente, mostrando como se pode aplicar com segurança o conhecimento teórico à prática profissional^(1,12). Espera-se, assim, conseguir a formação de profissionais críticos e comprometidos com o seu próprio processo de construção do conhecimento e com o compromisso de transformação social segura^(1,26). Em tal método, o educador fica com a função de observar esse novo contexto, atuando na perspectiva dialógica, trazendo ao estudante a relação entre os diversos saberes, contextos e práticas, para que o egresso consiga atuar nos diferentes determinantes de saúde.

A aprendizagem, quando significativa, transforma o estudante em sujeito do processo e possibilita o enfrentamento das situações complexas existentes na realidade. Ao contrário disso, o ensino na modalidade tradicional apresenta uma aprendizagem fragmentada, organizada por disciplinas, e mantém visão voltada ao reducionismo, levando à necessidade de conduzir a formação da enfermagem sob uma perspectiva diferenciada^(1,16,26).

A formação com foco no trabalho em equipe é algo a ser estimulado, pois faz parte do que é preconizado pelo SUS. Entretanto, mesmo que essa prática tenha sido incentivada na formação desses profissionais - o que ocorre na instituição estudada, na qual existe a integração entre os cursos de enfermagem e medicina e a inserção nas equipes da Estratégia Saúde da Família - não se concretiza de fato na prática^(20,25,27).

Aponta-se, assim, para a importância de se priorizar o trabalho em equipe na formação acadêmica e nos cenários de prática, a fim de se conceber uma visão conjunta entre as diferentes áreas do conhecimento, com vista à compreensão do ser humano como um todo, mantendo sempre a ideia de totalidade, na perspectiva da integralidade^(1,15-16,26). Só assim a "falsa esperança" da concretização do trabalho em equipe poderá ser revertida.

Nessa perspectiva, a Teoria da Complexidade contribui para reflexões sobre os modelos de ensino e de cuidado vigentes e propõe uma transformação capaz de conduzir, por meio da transdisciplinaridade, à verdadeira compreensão do real^(1,15-16). Decorre disso, o fato de a transdisciplinaridade se dar em um contexto amplo, geral e dinâmico, com interpretação holística dos fatos e fenômenos, por meio de um conjunto de situações que promove a interação e a ação coletiva para determinada finalidade. Trata-se de uma forma de ser, saber e abordar, que vai além das fronteiras do conhecimento de cada disciplina, pois é praticada por meio do diálogo que considera a diversidade, e isso permite a compreensão do mundo atual. Tal perspectiva vai ao encontro das necessidades do trabalho em saúde^(1,29).

O importante disso é que o vivido pelo egresso no exercício da prática não o paralise e permita a reflexão crítica mediante a incorporação do saber, do protagonismo e da autonomia para gerir os diferentes processos de ser enfermeiro.

É perceptível que o egresso tenha a imagem de desorganização, sendo que, para a Teoria da Complexidade, é em meio a desorganização que se encontra a organização. Tal entendimento responde ao movimento que o egresso apresenta para se tornar profissional, em um contexto no qual profundas mudanças são necessárias para que a formação do enfermeiro atinja o cuidado na sua integralidade^(1,13,16).

A importância dada ao estudo das especialidades durante a graduação parece se opor à formação generalista recomendada pelas DCNs-Enf. Embora a formação generalista seja preconizada, ao se depararem com cenários de alta especialização, os egressos convivem com a sensação de que faltou algo. Ao mesmo tempo, a ausência pode ser suprida por meio da própria autonomia no processo de busca pelo novo ou parcialmente conhecido^(1,16-17,26).

Em estudo relacionado com a formação do enfermeiro, reafirma-se a necessidade de se encontrarem alternativas para a compartimentalização do saber, uma vez que a visão disciplinar e pautada na especialização dificulta a compreensão de problemas multidimensionais, conforme se apresentam na realidade^(1,30).

Partindo da compreensão dessa contradição e considerando que o sistema de saúde e de formação do enfermeiro está em franco movimento de mudanças, retoma-se a afirmação de que um objeto mutável, ao mesmo tempo, existe em um estado dado e em um estado não dado. Sendo assim, para que haja mudanças na forma de ensinar e de cuidar, a contradição precisa ser considerada^(1,31).

Limitações do estudo e contribuições para a área da enfermagem

Constitui-se como limitação do presente estudo o fato de ter sido realizado em apenas uma instituição e com egressos de apenas três anos. Mesmo assim, os achados possibilitam reflexões importantes tanto para o campo da formação quanto para os serviços de saúde compromissados com as mudanças necessárias à implementação do SUS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, o relato dos egressos formados por meio de um currículo integrado e por competência apontou que a forma de ensino que utiliza métodos ativos de aprendizagem proporcionou sentimento de segurança diante do mercado de trabalho, o que atribuem à inserção na prática profissional desde os primeiros anos do curso. Além disso, compreendem também como fundamental o estímulo à iniciativa e à autonomia para aprender e realizar, de forma independente, as atividades do seu cotidiano de trabalho, o que é propiciado pela aprendizagem significativa utilizada no modelo de ensino vivenciado por eles.

Ademais, em um mundo de constantes mudanças, movido pela incerteza e pela complexidade, os egressos também revelam dificuldades, uma vez que o processo de trabalho tem ocorrido ainda de forma mecanicista e fragmentada, levando a dificuldades de se trabalhar em equipe. Os egressos também sentem falta de uma abordagem voltada para a especialidade, já que, no mercado de trabalho, foram colocados a exercer atividades nesses cenários⁽¹⁾.

Revela-se, assim, a existência de contradições na forma de agir e pensar do egresso, o que, para o pensamento complexo, trata-se de uma condição inerente aos processos nos quais velhos modelos coexistem com novas proposições, de forma que os avanços sejam gradativos e processuais⁽¹⁾.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Margarida Vieira

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Jul 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  07 Mar 2019
• Aceito
  30 Dez 2020