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CARACTERÍSTICAS DO PACIENTE PSIQUIÁTRICO CONSIDERADO PROBLEMÁTICO

I. INTRODUÇÃO

Em hospitais psiquiátricos, muitas vezes um paciente, em particular, torna-se foco de atenção, devido aos problemas que ele apresenta para a equipe de enfermagem. Além disso, observamos declarações escritas, nas anotações de enfermagem, sobre pacientes que apresentam problemas, dificultando o atendimento de suas necessidades.

De acordo com IRVING (1975)IRVING, S. - Enfermeria psiquiatrica. México Interamericana, 1975. p. 249., entre os muitos obstáculos enfrentados pela enfermagem, está o comportamento manifesto pelo doente.

Para ROBINSON (1972)ROBINSON, L. - Psychological aspects of the care of hospitalized patients 2. ed. Philadelphia, Davis Co, 1972. p. 81-3., um problema clássico para o pessoal de enfermagem é o “paciente especial”, isto é, a pessoa que, por várias razões, não é percebida como um paciente “normal” e não é tratada como tal. Isso pode ser resultado da percepção do paciente sobre sua identidade atual, sobre seu relacionamento com a equipe ou sobre o seu comportamento que, de fato, faz que ele seja radicalmente diferente da maioria dos doentes.

Segundo TRAIL (1966)10 TRAIL, I. D. - Establishing relationship in psychiatric nursing. New York, 1960. p. 3., o paciente pode ver sua doença, de diferentes aspectos. O hospital pode ser um refúgio para ele; sua doença, uma libertação das tensões de sua vida diária. Pode aceitar bem sua condição de doente, apresentar incerteza acerca do futuro, tornar-se passivamente resignado, perder a confiança em si mesmo, ou sentir-se derrotado, perplexo, irritado e rebelde. Desde que esteja hospitalizado, deixa de conviver com seus familiares, perde o privilégio de tomar certas decisões, tais como: quando trabalhar, quando divertir-se, quando alimentar-se e dormir, tornando-se um deepndente do regulamento do hospital. Cada paciente vai reagir a essa situação, de acordo com sua doença e com suas experiências anteriores.

Qualquer pessoa, trabalhando em hospital, já ouviu dizer que determinado paciente é um “paciente problemático”; e, a partir daí, faz freqüentes generalizações a respeito.

A equipe de enfermagem está em contacto mais próximo e mais prolongado com os doentes; portanto, é esperado que, muitas vezes, ela se detenha com aqueles que, conforme a percepção de cada elemento da equipe ,são rotulados como difíceis, intransigentes, queixosos, não cooperativos e/ou outros adjetives. Em geral, os elementos da equipe de enfermagem podem especificar o porquê de tal comportamento.

A revisão de literatura revela a preocupação dos autores UJHELY (197612 ______ Two types of problem patients. NURS. 76: 64-7, May, 1976.; (1963)11 UJHELY, G. B. - The nurse and her problem patients. 3. ed. New York, Springer, 1963., MUNRO (1971)MUNRO, A. - Twenty years with the "problem' patient. Nurs. Clin. North Am, 6: 703-14, Dec, 1971. e EKDAWI (1967)EKDAWI, M. Y. - The difficult patient. Brit J. Psychiatry, 113: 547-52, May, 1967. em descrever pacientes psiquiátricos que apresentam problemas para a enfermagem; também a de outros, como ARMA-COST et al (1974) RICKELMAN (1974) HUGHIE (1967)HUGHIE, B. - Behavoir of psychiatric patients and staff discomfort. Nurs. Res, 16 (11): 67-8, winter, 1967. e KELLAM (1966)KELLAM, S. G. et al - Measurement of staff attitudes and the clinical course of patients on a psychiatric ward. Am. J. Psychother, 20: 169-83, Jan, 1966. em apresentar as reações da equipe de estudantes e da equipa de enfermagem em relação ao comportamento de “pacientes-problema”.

Na literatura consultada, verificou-se que são feitas generalizações a respeito de “pacientes-problema”; mas não se encontraram, em nesso meio, pesquisas que evidenciem as características do paciente psiquiátrico problemático.

Baseando-nos em nossa experiência em hospitais, onde cbservamos empiricamente as declarações do pessoal ae enfermagem sobre pacientes problemáticos, e na literatura específica, decidimos elaborar um estudo, em nosso meio, para identficar as epiniões do pessoal de enfermagem sobre as características dos pacientes psiquiátricos mais problemáticos hospitalizados.

II. METODOLOGIA

1. Hospitais, campo da pesquisa

Como campo de pesquisa, escolheram-se quatro hospitais governamentais do Município de São Paulo. Para efeito de estudo, eles receberam a denominação de hospital A, B, C e D. Dos quatro, dois internam pacientes do sexo feminino, um do masculino e o outro, de ambos os sexos. No período da investigação, três estavam com quatro unidades de internação de adultos funcionando e um, com apenas duas.

2. Amostra estudada

Fizeram parte da amostra, todos cs elementos da equipe de enfermagem presentes nas unidades de internação nos dias estabelecidos para a coleta de dados, em cada hospital.

3. Instrumento utilizado

A elaboração do formulário para a coleta de dados foi baseada no instrumento utilizado por NEWSON et al (1970)NEWSON, B. H. et al. - The problem patient. In: BURD, S. F. and MARSHALL, M. A. Some clinical approaches to psychiatric nursing. New York, MacMillan, 1970. p. 252-70. no trabalho “The problem patient”, feito em clínicas obstétrica, médica e cirúrgica.

Todas as informações pertinentes ao estudo foram colhidas em entrevistas, nas quais o formulário era preenchido pelo próprio pesquisador.

O formulário constitui-se de duas partes: a primeira, dos dados obtidos na entrevista feita com o informante; a segunda, dos dados que foram levantados do prontuário do paciente designado como o mais problemático.

III. RESULTADOS E COMENTÁRIOS

Foram entrevistadas 153 pessoas, presentes nos dias estabelecidos para a coleta de dados, no período diurno, dos quatro hospitais, campo da pesquisa.

Os resultados das entrevistas foram subdivididos em três itens a seguir: 1. características gerais dos pacientes mais problemáticos, descritas pelos informantes; 2. características assinaladas no formulário; 3. descrição do paciente mais problemático de cada unidade dos hospitais, para facilitar a compreensão do texto.

1. Características gerais dos pacientes mais problemáticos, descritas pelos informantes

Como resposta à primeira pergunta do formulário: quais são, de modo geral, as características dos pacientes mais problemáticos desta enfermaria; obtivemos 380 características que foram apontadas por 150 informantes. Três de 102 atendentes entrevistados não souberam caracterizar o paciente problemático, embora não tivéssemos notado qualquer dificuldade na compreensão do significado de “paciente problemático”. Contudo, eles foram contados no total de informantes, porque, quando se tratou de indicar o paciente mais problemático dentro da unidade em que trabalhavam, os três o fizeram.

No Quadro 1, temos a distribuição das características dos pacientes nos quatro hospitais estudados. Devemos destacar que 26,0% das respostas foram consideradas da área “comportamento emocional”, que corresponde às manifestações de psicopatologia, evidentes no comportamento do paciente.

Quadro 1
NÚMERO E PERCENTAGEM DAS RESPOSTAS LIVRES SOBRE AS CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS PACIENTES MAIS PROBLEMÁIICOS, POR HOSPPITAL ESTUDADO - 1976.

As respostas que não se enquadravam em nenhuma das áreas foram agrupadas no item “outras declarações”, que corresponde a 38,9% das características. Nesse agrupamento, queremos salientar que, no hospital D, aparecem 40 respostas que caracterizam, como pacientes mais problemáticos, aqueles que apresentam distúrbios de comportamento. Dentre essas 40 respostas, 36 referiam-se a pacientes com personalidade psicopática. Destacamos, também, que 56 (14,7%) respostas correspondem a diagnósticos; delas, 25 referem-se aos pacientes com personalidade psicopática.

Esse resultado está de acordo, em parte, com as conclusões do estudo de EKDAWI (1967)EKDAWI, M. Y. - The difficult patient. Brit J. Psychiatry, 113: 547-52, May, 1967., em que, dentre as características do paciente mais difícil descritas, sobressaem os traços psicopáticos e os sintomas neuróticos.

2. Características assinaladas no formulário, sobre os pacientes indicados como os mais problemáticos

Dos 153 informantes, 149 indicaram 98 pacientes como os mais problemáticos, num total de 299 designações.

Quatro (um enfermeiro e três atendentes), um de cada hospital, não souberam indicar nenhum paciente para caracterizar como o mais problemático.

No Quadro 2 aparece o total de comportamentos assinalados, no formulário, de acordo com o hospital. Esses comportamentos se referem às características dos pacientes que os informantes designaram como os mais problemáticos (299 designações).

Quadro 2
NÚMERO E PERCENTAGEM DAS CARACTERÍSTICAS ASSINALADAS NO FORMULÁRIO SOBRE OS PACIENTES DESIGNADOS COMO OS MAIS PROBLEMÁTICOS, POR HOSPITAL ESTUDADO - 1976.

O total dos comportamentos assinalados foi igual a 3348. Nos hospitais A, B e C, a maior percentagem de comportamentos assinalados refere-se a “queixas”: no hospital A: 221 (22,6%); no B: 174 (23,4%; no C: 87 (23,7%). No hospital D, a percentagem maior foi referente a “comportamento emocional”: 251 (19,9%).

Quando se pediu aos informantes que caracterizassem, de modo geral, o paciente mais problemático, eles o fizeram de uma forma que não corresponde, exatamente, à ordem que foi obedecida, quando o fizeram apontando o paciente e assinalando as características no formulário fechado.

Os informantes descreveram os pacientes mais problemáticos, principalmente com as características das áreas de “outras declarações”, “comportamento emocional” e ‘cooperação”; e, quando apontaram os pacientes mais problemáticos, assinalaram principalmente as características das áreas de “queixas”, “comportamento emocionar e “exigências”.

De certa forma, esses resultados concordam com os do estudo de NEWSOM et al (1970)NEWSON, B. H. et al. - The problem patient. In: BURD, S. F. and MARSHALL, M. A. Some clinical approaches to psychiatric nursing. New York, MacMillan, 1970. p. 252-70. que, em suas conclusões, dizem que as enfermeiras mudam de opinião quanto às características do paciente-problema. Isso apareceu, quando as enfermeiras do seu estudo descreveram o paciente-problema teoricamente e, depois, apontaram as características cie um determinado paciente que elas tinham como problema.

3. Descrição do paciente mais problemático de cada unidade dos Hospipitais A, B, C e D

Para efeito do estudo, escolheu-se o paciente mais indicado de cada unidade dos hospitais, sendo 14 no total.

Tentamos analisar, à parte, esses pacientes, a fim de comparar as opiniões sobre eles com os totais de assinalações dos 98 pacientes, e com as características gerais descritas.

A análise foi feita com relação à idade, ao sexo, ao estado civil e ao diagnóstico médico.

De acordo com o Quadro 3, sabe-se que, quanto ao diagnóstico médico, o número maior de pacientes indicados como os mais problemáticos, em cada unidade dos hospitais, é de 5 (cinco) pacientes do sexo feminino, com diagnóstico de esquizofrenia.

Quadro 3
NÚMERO E PERCENTAGEM DAS CARACTERÍSTICAS ASSINALADAS SOBRE OS PACIENTES INDICADOS COMO OS MAIS PROBLEMÁTICOS, NAS UNIDADES DOS HOSPITAIS ESTUDADOS - 1976.

No Quadro 4, verifica-se que o maior número de pacientes indicados como os mais problemáticos nas unidades de cada hospital são solteiros, com a idade no intervalo de classe de 25 a 30 anos.

Quanto ao total de assimilações dos comportamentos que caracterizam os quartoze pacientes mais problemáticos, aparece, em primeiro, lugar, a área “queixas”: 255 (22,6%), em segundo, “comportamento emocional”: 202 (17,9%), em terceiro, “interação”: 182 (16,1%), conforme está no Quadro 5.

Se compararmos os resultados do Quadro 5 com os totais das características assinaladas sobre os noventa e oito pacientes indicados como os mais problemáticos pelos informantes (Quadro 2), percebemos que coincidiram as áreas que aparecem na primeira e segunda colocação, ou sejam, “queixas” e “comportamento emocional”; já na terceira aparece “interação”, quando, naquele quadro, na mesma posição, aparece “exigências”.

O Gráfico 1 dá para visualizar isso.

IV. CONCLUSÕES

1. Das 153 pessoas entrevistas, 150 (98,0%) tentaram definir o paciente mais problemático, quando foram livres para descrevê-lo, apontando, em maior número, as manifestações de psicopatologia evidente no comportamento do doente (26,0%). Em segundo lugar, levaram em conta o diagnóstico (14,7%), tendo sido mais citados os enfermos com diagnóstico de personalidade psicopática. Em terceiro, referiram-se a distúrbios de comportamento (12,6%). Dessa tentativa de definição do paciente problemático, pode-se concluir que as manifestações de comportamento menos toleradas pelos que prestam assistência de enfermagem a pacientes psiquiátricos são aquelas próprias da sintomatologia da doença, e que as pessoas que trabalham com doentes mentais têm idéia formada de como seria o doente mais problemático.

2. As características dos pacientes problemáticos apontada por 149 (97,4%) informantes, quando designaram os pacientes problemáticos, diferiram, quantitativamente, em relação à questão inicial.

3. Considerando a ordem de freqüência das respostas assinaladas em relação aos 98 pacientes indicados como os mais problemáticos nos quatro hospitais, pode-se concluir que para o seu pessoal de enfermagem, os pacientes problemáticos são aqueles que fazem queixas (20,9%), apresentam reações em face dos sintomas de sua doença ou do meio ambiente (17,7%), são exigentes (16,1%), têm dificuldades de interação (14,6%), apresentam problemas de comunicação (12,3%), não são cooperadores (11,6%) e não cuidam de sua aparência (6,2%).

4. Quanto à individualização do paciente mais problemático por outras características, como quanto à idade, ao sexo e ao diagnóstico, ele se apresenta como o doente do sexo feminino, com idade entre 25 e 30 anos e com diagnóstico de esquizofrenia.

Diante dos resultados deste estudo, sugerimos aos enfermeiros que trabalham com doentes mentais que procurem orientar o seu pessoal, sobre tópicos específicos que dizem respeito a comportamentos de pacientes internados. Assim, seria de grande utilidade ter conhecimento de que as manifestações de comportamento apontadas como características do paciente mais problemático são, na realidade, manifestações decorrentes da doença mental. Por outro lado, aquele pessoal deveria receber orientação no sentido de perceber e controlar as suas próprias reações frente a essas manifestações, porque, de certa forma, tais manifestações podem também aparecer em conseqüência da maneira pela qual o paciente está sendo tratado.

  • COSTA, A.C. - Características do paciente psiquiátrico considerado problemático. Rev. Rev. Bras. Enf.; 31 : 39-46, 1978.
  • Neste título, acrescentamos as respostas livres correspondentes ao comportamento de pacientes com personalidade psicopática, por serem semelhantes.

VII REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    ARMACOST, B. et al. - A group of "problem" patients... Am J. Nurs, 74 (2): 289-92, Feb, 1974.
  • 2
    EKDAWI, M. Y. - The difficult patient. Brit J. Psychiatry, 113: 547-52, May, 1967.
  • 3
    HUGHIE, B. - Behavoir of psychiatric patients and staff discomfort. Nurs. Res, 16 (11): 67-8, winter, 1967.
  • 4
    IRVING, S. - Enfermeria psiquiatrica. México Interamericana, 1975. p. 249.
  • 5
    KELLAM, S. G. et al - Measurement of staff attitudes and the clinical course of patients on a psychiatric ward. Am. J. Psychother, 20: 169-83, Jan, 1966.
  • 6
    MUNRO, A. - Twenty years with the "problem' patient. Nurs. Clin. North Am, 6: 703-14, Dec, 1971.
  • 7
    NEWSON, B. H. et al. - The problem patient. In: BURD, S. F. and MARSHALL, M. A. Some clinical approaches to psychiatric nursing. New York, MacMillan, 1970. p. 252-70.
  • 8
    RICKELMAN, B. L. - Reactions of staff to psychiatric patients. Nurs. Forum, 13 (2): 147-56, 1974.
  • 9
    ROBINSON, L. - Psychological aspects of the care of hospitalized patients 2. ed. Philadelphia, Davis Co, 1972. p. 81-3.
  • 10
    TRAIL, I. D. - Establishing relationship in psychiatric nursing. New York, 1960. p. 3.
  • 11
    UJHELY, G. B. - The nurse and her problem patients. 3. ed. New York, Springer, 1963.
  • 12
    ______ Two types of problem patients. NURS. 76: 64-7, May, 1976.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 1978
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