Coping religioso/espiritual em cuidadores informais de crianças com fissura de lábio e/ou palato disfágicas

RESUMO

Objetivos:

identificar o uso do coping religioso/espiritual em cuidadores informais de crianças com fissura de lábio e/ou palato, disfágicas, alimentadas exclusivamente por sonda.

Métodos:

estudo descritivo e transversal, incluindo 30 cuidadores informais. Para a coleta de dados, utilizou-se um Questionário Sociodemográfico e a Escala de Coping Religioso/Espiritual Breve. Para a análise estatística, utilizaram-se os testes de ANOVA, t de Student e a correlação de Spearman, com nível de significância de 5%.

Resultados:

o uso do coping religioso/espiritual foi alto entre os participantes (média=3,71), com predomínio do positivo (média=3,30) comparado ao negativo (média=1,88). Evidenciou-se que, quanto maior a importância relatada da religiosidade/espiritualidade na vida dos participantes, maior foi o coping positivo (p=0,001).

Conclusões:

os cuidadores informais utilizaram o coping religioso/espiritual positivo como modalidade de enfrentamento das demandas de cuidados relacionadas à condição de saúde da criança. Esses achados apontam a importância de incluir a espiritualidade/religiosidade como indicadores de saúde.

Descritores:
Cuidadores; Fenda Labial; Fissura Palatina; Espiritualidade; Religião

ABSTRACT

Objectives:

to identify the use of religious/spiritual coping in informal caregivers of children with cleft lip and/or palate, dysphagic, powered exclusively by probe.

Methods:

descriptive and cross-sectional study, including 30 informal caregivers. For data collection, a Sociodemographic Questionnaire and the Brief Religious/Spiritual Coping Scale were used. For statistical analysis, ANOVA, Student’s t and Spearman’s correlation tests were used, with a significance level of 5%.

Results:

the use of religious/spiritual coping was high among participants (mean=3.71), with a predominance of positive (mean=3.30) compared to negative (mean=1.88). It was evident that the greater the reported importance of religiosity/spirituality in the participants’ lives, the greater the positive coping (p=0.001).

Conclusions:

informal caregivers used positive religious/spiritual coping as a way of coping with care demands related to the child’s health condition. These findings point to the importance of including spirituality/religiosity as health indicators.

Descriptors:
Caregivers; Cleft Lip; Cleft Palate; Spirituality; Religion

RESUMEN

Objetivos:

identificar el uso del coping religioso/espiritual en cuidadores informales de niños con labio leporino y/o fisura del paladar alimentado exclusivamente por sonda.

Métodos:

estudio descriptivo y transversal, incluyendo 30 cuidadores informales. La recolecta de datos, se utilizó una Encuesta Sociodemográfica y Escala de Coping Religioso/Espiritual Breve. Para el análisis estadístico, se utilizaron los test de ANOVA, t de Student y correlación de Spearman, con nivel de significación de 5%.

Resultados:

uso del coping religioso/espiritual fue alto entre los participantes (mediana=3,71), con predominio del positivo (mediana=3,30) comparado al negativo (mediana=1,88). Evidenciado que, cuanto mayor la importancia relatada de la religiosidad/espiritualidad en la vida de los participantes, mayor fue el coping positivo (p=0,001).

Conclusiones:

los cuidadores informales utilizaron el coping religioso/espiritual positivo como modalidad de enfrentamiento de demandas de cuidados relacionadas a condición de salud del niño. Esos hallados apuntan la importancia de incluir la espiritualidad/religiosidad como indicadores de salud.

Descriptores:
Cuidadores; Labio Leporino; Fisura del Paladar; Espiritualidad; Religión

INTRODUÇÃO

As fissuras de lábio e/ou palato destacam-se entre as malformações que acometem a face, cuja prevalência é de 1:700 nascimentos. Possui etiologia multifatorial, incluindo fatores genéticos e ambientais. Podem apresentar-se de maneira isolada ou em associação com síndromes e/ou outras malformações(¹).

Dentre as síndromes associadas, incluem-se a Sequência de Pierre Robin, Stickler, Treacher Collins, Van der Woude, entre outras(¹). Nesses casos em específico, os aspectos funcionais podem encontrar-se comprometidos, incluindo a alimentação, ou seja, geralmente essas crianças evoluem com quadros de disfagia orofaríngea, em que o ato de alimentar-se por via oral estará comprometido(²).

Com isso, a alimentação torna-se um processo arriscado e frustrante, tanto para a criança, quanto para seus pais e/ou cuidadores, ou seja, uma condição crônica. Nesses casos, é frequente a utilização de sondas alimentadoras, que viabilizam a alimentação e contribuem significativamente para que essas crianças apresentem uma condição clínica favorável(²-³).

Na demanda de cuidados da criança disfágica e em uso de sonda alimentadora, inclui-se a necessidade contínua de posicionamento supino, preparo e infusão da dieta, monitoramento da permeabilidade e fixação adequada da sonda, higiene nasal e oral, e atenção contínua a sinais e sintomas de complicações, incluindo, entre outros, refluxo gastroesofágico, náuseas, êmese e diarreia(⁴).

Diante dessa realidade, frequentemente os pais ou familiares, em especial as mães, assumem o papel de cuidadores principais. Por não serem profissionais de saúde, ou seja, por não possuírem conhecimento técnico-científico para tal, são denominados “cuidadores informais”(²).

Embora recebam treinamento durante a internação da criança quanto aos cuidados necessários, a fim de garantir a continuidade no domicílio, a rotina após a alta hospitalar, diante dessa nova realidade, torna-se extremamente exaustiva(²,⁵-⁶). De fato, esses cuidadores informais vivenciam inúmeras repercussões psicossociais, como sobrecarga, estresse, impacto negativo no convívio familiar e social, entre outras(⁷).

Dessa forma, a demanda de cuidados vinculada ao diagnóstico de uma situação crônica pode acarretar sintomas físicos e emocionais drásticos, que poderão influenciar negativamente o comportamento e adaptação, repercutindo inclusive na qualidade do cuidado prestado(⁸-⁹).

Assim, são necessárias adaptações para que vivenciem esse período de maneira menos penosa, ou seja, deve-se estabelecer ou desenvolver modalidades de enfrentamento situacional, referidas como coping. Em outras palavras, o diferencial será a forma como esses cuidadores informais irão disponibilizar recursos e mobilizar esforços para o enfrentamento dessa situação, visando diminuir ou minimizar desfechos negativos(¹⁰).

A vivência de uma situação crônica, o déficit de suporte emocional, financeiro e psicossocial, associados à dificuldade de aceitação e à busca em ressignificar ou dar sentido à situação vivenciada, contribuem para que as pessoas busquem respostas ou apoio em aspectos transcendentes, incluindo os religiosos e/ou espirituais(¹⁰).

Nesse sentido, desponta o coping religioso-espiritual (CRE), que se refere às crenças e comportamentos religiosos vivenciados por pessoas visando facilitar a resolução de problemas e/ou prevenir ou aliviar consequências emocionais negativas diante de situações estressantes. Pode apresentar-se de duas formas: positivo ou negativo(¹⁰-¹¹).

O positivo caracteriza-se por efeitos benéficos que incluem a procura de amor, a proteção de Deus, conexão com forças superiores, busca por ajuda, encontro de conforto na literatura religiosa, perdão, oração e auxílio de Deus para enfrentar as dificuldades da vida. Em contrapartida, o negativo gera efeitos prejudiciais, que incluem questionamentos da própria existência e do amor de Deus, culpar a Deus pelos problemas vivenciados, interpretá-los como punição divina, sentimentos de insatisfação e descontentamento com Deus e com os membros da religião, entre outros(¹⁰-¹¹).

Diversas investigações demonstraram a crescente utilização do CRE por cuidadores informais, incluindo de crianças, de idosos, de pessoas com problemas mentais, de pacientes com câncer e de pessoas vítimas de traumas(¹²-¹⁵). É importante ressaltar que o uso do CRE positivo relaciona-se a melhores desfechos na saúde física e mental(¹⁶). Em contrapartida, evidencia-se que o uso de CRE negativo pode desencadear sintomas depressivos, comprometimentos da saúde e pior percepção da qualidade de vida(¹²-¹⁷).

Em suma, é relevante identificar como cuidadores informais têm utilizado o CRE. Assim, buscou-se responder as seguintes perguntas: Cuidadores informais de crianças com fissura de lábio e/ou palato, disfágicas e em uso de sonda alimentadora utilizam o CRE? Utilizam predominantemente o CRE positivo ou negativo?

Embora estudos sobre o CRE entre cuidadores informais estejam disponíveis, não foram encontradas pesquisas com a população deste estudo nas bases de dados consultadas, apontando a relevância desta investigação de abordagem inédita.

OBJETIVOS

Identificar o uso do CRE em cuidadores informais de crianças com fissura de lábio e/ou palato, disfágicas, alimentadas exclusivamente por sonda.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Todos os preceitos da Resolução 466/12 do Conselho instituição Nacional de Saúde sobre pesquisas envolvendo seres humanos foram cumpridos. O Comitê de Ética em Pesquisa da instituição-cenário desta investigação, deu parecer favorável a realização do estudo, e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desenho, período e local do estudo

Estudo descritivo, transversal, de delineamento quantitativo, norteado pela ferramenta STROBE.

Foi desenvolvido entre maio de 2019 e janeiro de 2020 em um hospital público, de atenção terciária, situado na cidade de Bauru, estado de São Paulo (SP), Brasil. Trata-se de uma instituição especializada no tratamento de pacientes com anomalias craniofaciais e síndromes relacionadas, reconhecida nacional e internacionalmente por seu atendimento interdisciplinar e humanizado nas áreas de assistência, de ensino e de pesquisa.

População ou amostra; critérios de inclusão e exclusão

A população foi composta por cuidadores informais de crianças com diagnóstico de fissura de lábio e/ou palato e disfagia e que se encontravam internadas na Unidade de Cuidado Semi-intensivo no período estipulado para a coleta de dados.

A amostragem foi consecutiva e não probabilística. Para o cálculo amostral, realizou-se um estudo-piloto, cujo desvio-padrão foi de 0,5 ponto. Com base neste, considerou-se um erro amostral máximo de 0,2 e nível de confiança de 95%. Com isso, estimaram-se 25 participantes. Por fim, a amostra contou com 30 participantes.

Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: ser cuidador informal principal, ter idade igual ou maior a 18 anos, de crianças na faixa etária entre zero e 1 ano 11 meses e 29 dias e que se alimentavam, exclusivamente, através de sonda. Excluíram-se cuidadores informais que faziam uso de psicofármacos e/ou cuidavam de crianças que apresentavam comprometimento neuropsicomotor.

Protocolo do estudo

Inicialmente, houve o convite para aderir a pesquisa, onde foram apresentados os objetivos e os instrumentos utilizados na coleta de dados. Esta foi realizada individualmente e em local privado, cuja duração, em média, foi de 30 minutos.

Foram utilizados dois instrumentos: Questionário Sociodemográfico e a Escala de Coping Religioso-Espiritual Breve (CRE-Breve)(¹¹). O Questionário Sociodemográfico foi aplicado por meio de entrevista com a participante para a coleta das seguintes variáveis: sexo, idade, religião, escolaridade, número de filhos, estado civil e ocupação. E para a coleta da variável “classificação socioeconômica”, foi realizada a consulta em prontuário.

Para avaliar o CRE, utilizou-se a Escala de CRE-Breve, que foi desenvolvida com base na escala norte-americana Rcope Scale - Spiritual/Religious Coping Scale, traduzida, adaptada e validada à cultura brasileira. É composta por 49 itens que se encontram agrupados em 11 fatores, sendo 7 relacionados a CRE positivo (CREP - 34 itens) e 4 fatores relacionados ao CRE negativo (CREN - 15 itens)(¹¹,¹⁸).

Para identificar o estímulo estressor que levou à necessidade de enfrentamento por meio do CRE, o instrumento apresenta uma questão descritiva em que se solicita um breve relato referente ao maior estresse vivenciado nos últimos três anos. Para este estudo, essa questão descritiva voltou-se para o estresse vivenciado pelos participantes em relação à demanda de cuidados ao filho com fissura de lábio e/ou palato, disfágico e em uso de sonda alimentadora. Em suma, a escala busca identificar as estratégias positivas e negativas de enfrentamento religioso/espiritual(¹¹).

As respostas são dadas em escala tipo Likert, variando de 1 a 5, em que a pontuação 1,00 significa “nem um pouco”; e 5,00, “muitíssimo”(¹¹). Ainda, a escala possibilita a avaliação de quatro índices, sendo: o CREP referente ao coping religioso/espiritual positivo exercido pela pessoa; o CREN relacionado ao coping religioso/espiritual negativo desempenhado pelo indivíduo; o CRE total, que indica o total de estratégias de coping religioso/espiritual mobilizadas pela pessoa para o enfrentamento do estímulo estressor; e a Razão CREN/CREP, que revela a porcentagem de CREN utilizado ao total de CREP. Nesse índice, o valor encontra-se entre 0,20 e 5,00, em que, quanto mais baixo for esse valor, maior será o uso do CREP em relação ao CREN; e quanto mais alto, maior será a utilização do CREN em relação ao uso do CREP(¹¹,¹⁸).

Análise dos resultados e estatística

Os dados foram analisados por meio do software IBM Statistical Package for the Social Sciences^®, versão 21.0 para o Windows. Para os dados categóricos, utilizou-se a análise estatística descritiva.

A fim de correlacionar o CREP, o CREN e o CRE total com as variáveis sociodemográficas (escolaridade, classe socioeconômica, idade, quantidade de filhos, estado civil e frequência das atividades religiosas), utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman. Para correlacionar o CREP, o CREN e o CRE total com as variáveis “estado civil” e “religião”, utilizou-se o teste de ANOVA. Na correlação do CREP, CREN e CRE total com a importância referida da religião/espiritualidade, utilizou-se o teste t de Student. O nível de significância adotado para todos os testes foi de 5% (p ≤ 0,05).

RESULTADOS

A amostra contava com 30 mães, cuja média de idade foi de 31,97 anos (DP = 8,64). Prevaleceram as casadas e/ou em união estável (90%; n = 27), com ensino médio completo (46,7%; n = 14), sem vínculo empregatício (60%; n = 18), com filho único (36,7%; n = 11) e pertencentes à classe socioeconômica baixa superior (50%; n = 15).

No tocante à religião, a maioria (46,7%; n = 14) declarou-se evangélica. Quanto à frequência com que participavam de atividades religiosas/espirituais, 36,7% (n = 11) responderam “uma ou mais vezes por semana”. Ainda, afirmaram que consideravam a religiosidade/espiritualidade como muito importante em sua vida (86,7%; n = 26).

Evidenciou-se que o uso do CRE foi alto entre as participantes (Média = 3,71; DP = 0,44). Observou-se, ainda, maior utilização do CREP (Média = 3,30; DP = 0,48) em relação ao CREN (Média = 1,88; DP = 0,76), sendo confirmada pela Razão CREN/CREP, cuja média foi de 0,57 (DP = 0,24), conforme a Tabela 1.

O fator que apresentou elevada influência no uso de CREP foi “posição positiva diante de Deus” (Média = 4,71; DP = 0,45); e baixa influência, “busca de conhecimento espiritual” (Média = 2,11; DP = 0,89). Em relação ao CREN, o fator que apresentou maior influência foi “posição negativa diante de Deus” (Média = 2,54; DP = 1,28); e pouca influência, “insatisfação com o outro institucional” (Média = 1,52; DP = 0,75) (Tabela 2).

Os valores da correlação de CRE total, CREP e CREN não apresentaram associação significante com as seguintes variáveis: escolaridade, idade, nível socioeconômico, número de filhos, frequência com que o indivíduo pratica atividades religiosas, religião e estado civil.

Tabela 1
Análise do coping religioso/espiritual, Bauru, São Paulo, Brasil, 2020

Variáveis	Média	Desvio-padrão	Valor máximo	Valor mínimo	Mediana	Q1*	Q3*
CRE* Total	3,71	0,44	4,39	2,76	3,78	3,46	4,07
CRE positivo	3,30	0,48	4,26	1,97	3,37	3,00	3,61
CRE negativo	1,88	0,76	3,93	1,00	1,90	1,20	2,20
Razão entre CRE negativo e positivo	0,57	0,24	1,13	0,26	0,54	0,38	0,71

• ^*
  Q1 - primeiro quartil; Q3 - terceiro quartil; CRE - coping religioso/espiritual.

Tabela 2
Análise dos fatores de coping religioso/espiritual positivo e negativo, Bauru, São Paulo, Brasil, 2020

Variáveis	Média	Desvio-padrão	Valor máximo	Valor mínimo	Mediana	Q1 *	Q3 *
CRE* positivo
Transformação de si e/ou sua vida	3,59	0,74	4,77	1,66	3,77	3,11	4,11
Ações em busca de ajuda espiritual	2,35	0,82	4,00	1,00	2,20	1,80	3,00
Oferta de ajuda a outro	3,03	0,83	4,80	1,40	3,10	2,40	3,60
Posição positiva diante de Deus	4,71	0,45	5,00	3,40	5,00	4,60	5,00
Busca do outro institucional	2,63	0,84	4,25	1,00	2,75	2,00	3,25
Afastamento de Deus/religião/espiritualidade	4,29	0,77	5,00	2,00	4,33	4,00	5,00
Busca de conhecimento espiritual	2,11	0,89	4,66	1,00	2,00	1,33	2,66
CRE* negativo
Reavaliação negativa de Deus	1,77	1,06	5,00	1,00	1,30	1,00	2,20
Posição negativa diante de Deus	2,54	1,28	4,66	1,00	2,50	1,33	3,66
Insatisfação com o outro institucional	1,52	0,75	3,75	1,00	1,25	1,00	2,00
Reavaliação negativa do significado	1,89	0,90	3,66	1,00	1,66	1,00	2,33

• ^*
  Q1 - primeiro quartil; Q3 - terceiro quartil; CRE - coping religioso/espiritual.

Tabela 3
Correlação entre o coping religioso/espiritual e as variáveis “vínculo empregatício” e “importância da religiosidade/espiritualidade”, Bauru, São Paulo, Brasil, 2020

Variáveis de correlação	n	Média	Desvio- padrão	Valor de p
CRE* total
Vínculo empregatício				0,060
Sim	12	3,89	0,41
Não	18	3,58	0,42
Importância espiritualidade e religiosidade				0,644
Muito importante	26	3,72	0,44
Importante	4	3,61	0,45
CRE positivo
Vínculo empregatício				0,094
Sim	12	3,48	0,42
Não	18	3,18	0,49
Importância espiritualidade e religiosidade				0,001*
Muito importante	26	3,40	0,39
Importante	4	2,63	0,53
CRE negativo
Vínculo empregatício				0,274
Sim	12	1,69	0,67
Não	18	2,00	0,80
Importância espiritualidade e religiosidade				0,183
Muito importante	26	1,95	0,76
Importante	4	1,40	0,67

• ^*
  CRE - coping religioso/espiritual; teste t de Student, com nível de significância de 5% (p ≤ 0,05).

Também, observou-se que os valores de CREP, CREN e CRE total não apresentaram associação significante com a ocupação profissional. Entretanto, no que se refere à variável “importância religiosa”, identificou-se que, quanto maior a importância da religiosidade/espiritualidade na vida das participantes, maior foi o CREP (p = 0,001) (Tabela 3 e Figura 1).

Figura 1
Correlação entre o coping religioso/espiritual positivo e a importância atribuída à espiritualidade/religiosidade, Bauru, São Paulo, Brasil, 2020

DISCUSSÃO

Neste estudo, evidenciou-se que os cuidadores informais de crianças com fissura de lábio e/ou palato utilizaram prevalentemente o CREP. Os benefícios dessa utilização são evidentes, configurando-se como fonte de consolo e esperança para os pais, além de favorecer a melhor percepção da qualidade de vida, o crescimento pessoal pós-traumático, a redução do estresse e a qualidade dos cuidados prestados(¹⁴,¹⁹).

Os pais, ao se depararem com o nascimento de uma criança com fissura de lábio e/ou palato, associada a síndrome, vivenciam frustração quanto ao sonho do bebê idealizado. Além disso, com frequência, essas crianças necessitam interromper a alimentação por via oral por apresentarem disfagia, necessitando, na maioria dos casos, utilizar a sonda alimentadora. Assim, além da frustração, esses pais podem apresentar outros sentimentos negativos, como ansiedade, medo do desconhecido e estresse(⁷). Nesse contexto, o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento ou coping são indispensáveis, dentre elas as que envolvem aspectos espirituais e/ou a religiosos.

Esses cuidadores informais devem estar disponíveis e preparados em relação à demanda de cuidados específicos que a criança necessita(⁴). Ademais, eles necessitam de adaptação diante da realidade que vivenciam, exigindo dedicação e, por vezes, disponibilidade exclusiva. Nesse sentido, uma investigação identificou que pais cuidadores experimentam sobrecarga, estresse, ansiedade além de diferentes graus de depressão(⁸-⁹).

Apesar disso, com os benefícios da utilização da sonda alimentadora, como o ganho ponderal e desenvolvimento adequado da criança, as reações e sentimentos negativos são minimizados, evidenciando-se, portanto, a utilização de estratégias de enfrentamento situacional ou coping(⁷).

A prevalência da utilização do CREP entre os cuidadores deste estudo corrobora a literatura, pois se evidencia o uso de crenças espirituais/religiosas, sobretudo entre cuidadores de pacientes pediátricos(¹⁵,¹⁹). De fato, estudo brasileiro que investigou o uso de estratégias de CRE em pais/cuidadores de crianças com câncer mostrou que aqueles que utilizaram o positivo não apresentaram sintomas depressivos(¹⁵).

Sabe-se que o CRE previne ou minimiza resultados negativos para a saúde das pessoas. Nessa perspectiva, um estudo que avaliou o uso do CREP e CREN associado aos padrões de cortisol salivar diurno em cuidadores informais de pacientes com demência revelou que aqueles em uso de estratégias positivas tiveram diminuição da produção do hormônio. Os autores ressaltam que o cortisol configura-se como importante fator de risco para doenças cerebrovasculares(¹⁶).

Ao vivenciar uma experiência marcada por sofrimento, o indivíduo estabelece uma conexão com a espiritualidade, ou seja, quando o cuidador busca compreender o significado para aquele sofrimento vivenciado, começa a refletir sobre a sua própria condição humana, que é permeada de limitação, fragilidade. Assim, age no sentido de superar essa situação(²⁰).

Com isso, um dos recursos utilizados pelos cuidadores informais de crianças é o de perceber que a confiança e o pensamento positivo em Deus — ou seja, a fé no poder divino — são o melhor recurso a ser utilizado, depositando esperança e reconhecendo a sua limitação diante da doença(¹⁹).

De fato, os cuidadores informais utilizam as abordagens religiosas/espirituais para lidar com problemas de saúde de seus familiares e com o estresse vivenciado(¹³). As práticas religiosas e a utilização da espiritualidade como estratégias de enfrentamento são utilizadas com frequência no cotidiano pelas pessoas para lidar com problemas e eventos adversos da vida.

Este estudo demonstrou que os cuidadores recorreram ao CRE com alta intensidade e com predomínio das estratégias positivas. A Escala de CRE permitiu, ainda, a análise dos índices fatoriais secundários, os quais podem informar o quanto a pessoa utiliza as estratégias positivas e negativas, proporcionando uma visão detalhada do conjunto de estratégias utilizadas pelos familiares(¹¹).

Nesse sentido, a análise fatorial da dimensão de CREP apresentou o fator “posicionamento positivo diante de Deus” com a maior média nessa dimensão, indicando o alto uso dessa estratégia. Esse fator é definido como todo comportamento que visa olhar o estímulo estressor de maneira benéfica, com busca de apoio em Deus e de maior conexão com Ele. Além disso, inclui reavaliações positivas por intermédio de Deus. Essas manifestações revelam-se em atitudes como cantar, colaborar, suplicar, aproximar-se e/ou apoiar-se em Deus; ou ainda, em ações individuais da crença na ajuda de Deus(¹⁰-¹¹).

Assim, cuidadoras informais, diante da demanda de cuidados com a criança que apresenta fissura de lábio e/ou palato, disfagia e usa sonda alimentadora, repensam suas ações, dando sentido ao que realmente é importante para o momento, ou seja, apoiar-se em Deus e realizar um cuidado de qualidade para o filho, evitando ou minimizando complicações.

De fato, mães de crianças com necessidades especiais utilizam aspectos religiosos e espirituais como uma forma de aceitar e enfrentar a tarefa de ser mãe de uma criança especial, interpretando o contexto como um presente de Deus, e que tal função não deve ser discutida, mas acatada. Com isso, ressignifica a situação e reúne forças para se adaptar à rotina de cuidados(²¹-²³).

Em face do exposto, o uso do CRE fornece esperança, sentimento que faz com que o indivíduo na adversidade identifique que há saída para o sofrimento, resultando em coragem para enfrentar as dificuldades. O apego a Deus envolve um significado, ou seja, a ideia de que Deus pode fazer milagres e reverter o quadro do filho, mesmo que este seja crônico ou grave(²¹,²³-²⁴). Assim, a prática de atividades religiosas/espirituais e a sua frequência são consideradas bons indicadores nas respostas dos indivíduos às diferentes situações de estresse(²⁴-²⁵).

Os dados obtidos neste estudo revelam que os cuidadores possuíam religião e praticavam atividades religiosas/espirituais com determinada frequência, além de considerarem a religião e/ou a espiritualidade como algo muito importante em suas vidas. Para cuidadores informais de pacientes pediátricos, ter e participar de uma religião, além de orar a Deus para lidar com a situação, promove conforto, força e orientação para lidar com as demandas do cuidar(¹⁹).

Investigação que incluiu 15 pais de crianças com câncer identificou que as atividades religiosas são um meio de alcançar a compostura, ter esperança no futuro e tolerar as dificuldades e condições críticas relacionadas à doença, bem como permitir a aceitação da difícil condição da criança(²⁶).

Diferentes estudos demonstraram que o envolvimento religioso e a frequência à igreja têm sido amplamente utilizados pelos cuidadores, repercutindo em apoio social. Outros benefícios foram revelados, incluindo menor percepção de sobrecarga, de sintomas depressivos e maior qualidade nos cuidados prestados(¹³,²⁷).

O cuidador busca, por meio da religião e da fé, dividir suas angústias e fraquezas, convertendo-as em mecanismos de suporte para o enfrentamento dos obstáculos advindos da rotina terapêutica(¹³,¹⁹). Sendo assim, a prática religiosa contribuiu de forma significativa para a utilização do CRE, uma vez que as crenças e as práticas religiosas despertam emoções positivas nas pessoas(²¹,²⁸).

Em contrapartida, cuidadores que utilizam prevalentemente o CREN apresentam mais sintomas depressivos, ansiedade, solidão, aumento do sofrimento psicológico, piora da percepção da qualidade de vida, sobrecarga e até mesmo comprometimento da saúde(¹⁷). Como exemplo, estudo brasileiro que incluiu 77 cuidadores informais/pais de pacientes pediátricos com câncer confirmou que o uso do CRE negativo associa-se a sintomas depressivos(¹⁵). Ademais, investigação realizada com cuidadores informais de idosos hospitalizados identificou que o CRE negativo associou-se a níveis mais altos de depressão(¹²). Em suma, evidencia-se a influência do CRE negativo na piora da saúde mental.

Além disso, o uso do CRE negativo está diretamente associado aos padrões de comportamento em saúde do cuidador. Nesse sentido, estudo realizado com 256 cuidadoras avaliou a relação entre o enfrentamento religioso, positivo e negativo, e um índice geral de risco à saúde, identificando que o CREN influenciava as práticas alimentares, associando-se à maior probabilidade de ganho de peso e maior restrição alimentar(¹⁷).

Outra variável influenciadora refere-se aos desafios pessoais, ou seja, ao modo pelo qual o cuidador encara as oportunidades de crescimento diante das adversidades. Nessa linha, estudo com cuidadores indianos mostrou que o uso do enfrentamento religioso, em especial as estratégias positivas, foi significantemente relacionado ao crescimento pós-traumático. Sendo assim, o uso de esforços para encontrar significado e posição positiva diante de Deus, dentro de uma estrutura espiritual, estava relacionado à percepção de mudanças positivas na vida. Por outro lado, as respostas que refletiam a luta espiritual — punir a reavaliação de Deus e o descontentamento espiritual — estavam ligadas à percepção reduzida do crescimento pós-traumático(¹⁴).

Embora a correlação entre o uso do CRE e os fatores sociodemográficos não tenham sido significantes neste estudo, o fato de as participantes serem exclusivamente do sexo feminino e mães pode, de alguma forma, ter influenciado o uso prevalente do CREP. Sabe-se que “sexo feminino” influencia tanto a experiência de estresse após o diagnóstico de uma patologia na criança quanto as respostas de enfrentamento dos pais(⁷,²²-²³). Assim, mulheres são mais propensas que os homens a utilizarem o CRE(²⁹).

Mães vivenciam com mais intensidade os eventos estressores e aflições associadas ao diagnóstico da doença de seus filhos, em comparação aos pais. Além disso, mães e pais apresentam diferenças diante do papel de cuidador de seus filhos, o que, de certa forma, molda as reações de enfrentamento(³).

Um estudo norte-americano realizado com pais de pacientes pediátricos com câncer identificou que as mulheres foram mais propensas que os homens a utilizarem o CRE enquanto lidavam com o diagnóstico de câncer da criança. Isso deve-se ao fato de as mulheres entenderem que possuem maior responsabilidade durante o tratamento do câncer de seus filhos, portanto são mais propensas a se engajarem nesse modelo de enfrentamento(²⁹).

Ainda, além do sexo e grau familiar, o ambiente familiar e os mecanismos de enfrentamento que os pais usam para se adaptarem à doença da criança podem ser influenciados por outras características sociodemográficas(²⁹). Ressalta-se que a maioria das cuidadoras deste estudo apresentava baixo nível socioeconômico, e essa variável pode influenciar a utilização do coping(³⁰).

Em suma, o uso da religião e da espiritualidade têm se apresentado como importantes fontes de conforto e esperança para os cuidadores, diante de uma situação desafiadora. Além disso, essa estratégia auxilia na aceitação da condição crônica da criança(⁷,¹⁹,²¹,²³), como no caso de crianças disfágicas, cujos cuidados necessários podem ocasionar sobrecarga e comprometer a qualidade de vida do cuidador, devido à exigência e dificuldades vinculadas ao ato de cuidar.

Limitações do estudo

A característica monocêntrica deste estudo bem como a especificidade dos cuidadores impossibilitam a generalização dos resultados. Assim, outras investigações sobre o CRE em diferentes perfis de cuidadores informais são necessárias para fortalecer e ampliar os conhecimentos aqui firmados.

Contribuições para área da Enfermagem

A compreensão da vivência do cuidador referente ao processo de cuidar de uma criança com fissura de lábio e/ou palato, disfágica e em uso de sonda alimentadora permitiu perceber que a utilização do CREP constitui um importante mecanismo de enfrentamento: os cuidadores informais ressignificam sua experiência até então negativa, favorecendo o crescimento espiritual e exercendo maior controle de suas emoções. Ressalta-se que a qualidade dos cuidados prestados depende muito da saúde física, psíquica, emocional e espiritual dos cuidadores.

CONCLUSÕES

Cuidadores informais de crianças com fissura de lábio e/ou palato, disfágicas e em uso de sonda alimentadora utilizam o CRE prevalentemente positivo como forma de enfrentamento da demanda de cuidados a eles imposta e da condição de saúde da criança. Esses achados mostram a possibilidade de incluir a espiritualidade e/ou a religiosidade como indicadores de saúde e bem-estar.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Manuscrito resultado de Tese. Farinha, FT. Coping religioso/espiritual em cuidadores informais de crianças com fissura de lábio e/ou palato disfágicas [Internet]. 2020. Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo. Disponível em: https://doi.org/10.11606/T.61.2020.tde-29032021-151641

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Mitzy Danski

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Nov 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  11 Jan 2021
• Aceito
  02 Jul 2021