Modelagem de processos: inovação tecnológica para controle do risco de lesão por posicionamento perioperatório

RESUMO

Objetivos:

relatar a construção de um modelo de processos para dar suporte à tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico para controle do risco de lesão por posicionamento perioperatório.

Métodos:

relato de experiência sobre a modelagem de um processo que auxilia o enfermeiro a tomar decisões sobre o cliente com risco de lesão por posicionamento perioperatório. As etapas percorridas permitiram identificar as variáveis intrínsecas e extrínsecas da literatura e dos fluxos de trabalho das equipes envolvidas no posicionamento do cliente para cirurgia. Na modelagem, utilizaram-se a notação Business Process Model and Notation, o software Bizagi Modeler e termos da Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem.

Resultados:

a experiência permitiu observar a integração de saberes entre distintas áreas, o que viabilizou a modelagem do processo e sua validação.

Conclusões:

a modelagem de processos é uma opção inovadora para desenvolvimento de sistemas de apoio às decisões clínicas da enfermagem.

Descritores:
Enfermagem de Centro Cirúrgico; Fluxo de Trabalho; Processo de Enfermagem; Tecnologia Biomédica; Tomada de Decisões

ABSTRACT

Objectives:

to report the construction of a process model to support the decision making of operating room nurses to control the risk for perioperative positioning injury.

Methods:

experience report on a process model that helps nurses with decision making regarding clients at risk for perioperative positioning injury. By following the steps, it was possible to identify intrinsic and extrinsic variables of the literature and of the workflows of teams involved in the positioning of the client for surgery. The Business Process Model and Notation, the Bizagi Modeler software and terms from the International Classification for Nursing Practice were used in the model.

Results:

the experience allowed the observation of the knowledge integration between different areas, which enabled the process modeling and its validation.

Conclusions:

process modeling is an innovative option for the development of support systems for clinical nursing decisions.

Descriptors:
Operating Room Nursing; Workflow; Nursing Process; Biomedical Technology; Decision Making

RESUMEN

Objetivos:

informar la construcción de un modelo de proceso que apoye la toma de decisiones de los enfermeros de quirófano para controlar el riesgo de lesión por posicionamiento perioperatorio.

Métodos:

informe de experiencia sobre el modelo de un proceso que ayuda al enfermero a tomar decisiones sobre el cliente en riesgo de lesión por posicionamiento perioperatorio. Los pasos seguidos permitieron identificar las variables intrínsecas y extrínsecas de la literatura y de los flujos de trabajo de los equipos involucrados en el posicionamiento del cliente para la cirugía. En el modelo, se utilizaron el Modelo de Procesos de Negocio y Notación, el software Bizagi Modeler y los términos de la Clasificación Internacional para la Práctica de Enfermería.

Resultados:

la experiencia permitió observar la integración del conocimiento entre diferentes áreas, lo que posibilitó el modelado del proceso y su validación.

Conclusiones:

el modelado de procesos es una opción innovadora para el desarrollo de sistemas de apoyo a las decisiones clínicas de enfermería.

Descriptores:
Enfermería de Quirófano; Flujo de Trabajo; Proceso de Enfermería; Tecnología Biomédica; Toma de Decisiones

INTRODUÇÃO

O posicionamento perioperatório do cliente promove acesso ao local da cirurgia e preservação das funções biológicas. Entretanto, a permanência prolongada em uma mesma posição, associada à constante pressão corporal, oferece riscos de complicações temporárias ou permanentes, como lesões de pele e de tecidos¹. Em um estudo sobre o tema, foi evidenciado que 77% dos clientes apresentaram lesão por pressão decorrente do posicionamento¹.

Para a prevenção de tais complicações, a equipe perioperatória é responsável pelo planejamento seguro e de qualidade, considerando a individualidade do cliente. Nesse sentido, o enfermeiro deve praticar seus conhecimentos, pautado nas etapas do Processo de Enfermagem (PE), instrumento tecnológico de cinco etapas distintas, porém interdependentes e inter-relacionadas, a saber: histórico, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação².

Para representação, padronização e documentação dos elementos estruturantes da prática - diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem -, o International Council of Nurses desenvolveu a Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE^®). A propósito dos riscos relacionados ao posicionamento do cliente no Centro Cirúrgico (CC), consta na CIPE^® o diagnóstico de enfermagem “risco de lesão por posicionamento perioperatório”³, que norteia decisões sobre a assistência de enfermagem para o controle de potenciais lesões decorrentes do posicionamento.

A tomada de decisão sobre o planejamento da assistência perioperatória é influenciada pelo conhecimento de variáveis intrínsecas e extrínsecas ao cliente, aspectos financeiros e normativos da instituição⁴, assim como pela expertise do enfermeiro, que advém de conhecimentos adquiridos em vivências prévias, valores, crenças e habilidades técnicas sobre o tema⁵.

O CC é um ambiente complexo, no qual variáveis podem ter distintas análises, implicando ambiguidades e, consequentemente, atividades operacionais imprecisas. O enfermeiro deve tomar decisões eficientes, utilizando diferentes conhecimentos do contexto em que está inserido; para isso, é fundamental que tenha acesso - em tempo hábil - às fontes de conhecimentos específicos e/ou aos especialistas do tema. Nesse sentido, a utilização de mecanismos pode sustentar a tomada de decisão dele.

Dentre os mecanismos de apoio às decisões diante cenários como o CC, nos quais há flexibilidade de opções de sequências de atividades, destaca-se a modelagem de processos, técnica consolidada em outras áreas de conhecimento, como a engenharia⁶ e a indústria⁷, e aplicada de forma inovadora na enfermagem. Trata-se de um agrupamento de atividades que evidencia as correlações entre os processos, as pessoas e as informações, permitindo o aprimoramento de resultados, eliminando ou simplificando procedimentos⁸.

A modelagem é desenvolvida com base em um conjunto de símbolos e regras padrões, como a notação e modelo de processos de negócio (Business Process Model and Notation - BPMN)⁹, e conta com o auxílio de ferramentas computacionais, como o software Bizagi Modeler.

Diante do exposto, foi construído, de forma inovadora, um modelo de processos para dar suporte à tomada de decisão do enfermeiro de CC no controle do risco de lesão por posicionamento perioperatório.

OBJETIVOS

Relatar a construção de um modelo de processos para dar suporte à tomada de decisão do enfermeiro de CC para controle do risco de lesão por posicionamento perioperatório.

MÉTODOS

Trata-se de um relato de experiência sobre a construção de um modelo de processos para dar suporte à tomada de decisão do enfermeiro de centro cirúrgico para controle do risco de lesão por posicionamento perioperatório, realizada no período de 2016 a 2020. A experiência de modelar um processo sobre o posicionamento perioperatório do cliente teve início com a análise interdisciplinar sobre o tema, por meio de parceria entre pesquisadores da área de enfermagem e engenharia de produção e sistemas. O mecanismo adotado para o desenvolvimento do produto final foi a técnica da modelagem de processos, considerada capaz de apoiar a tomada de decisão do enfermeiro.

Para a construção do modelo, foi necessário a identificação das variáveis intrínsecas e extrínsecas relacionadas ao risco de lesão por posicionamento perioperatório. Tal identificação ocorreu por meio de uma revisão integrativa da literatura e da observação de fluxos de trabalho das equipes envolvidas no posicionamento do cliente para cirurgia. As observações ocorreram em três hospitais de médio porte da região Sul do Brasil, sendo: um universitário, com ênfase em trauma e emergência; um privado, com ênfase em cirurgias eletivas; e um público/privado, com procedimentos eletivos e de emergências.

Para garantir que a amostra representasse as especialidades cirúrgicas, e as variáveis de risco do posicionamento perioperatório, foram selecionados, em cada hospital, oito procedimentos de diversas especialidades, a partir da agenda cirúrgica e os fluxos de trabalho observados seguiram os critérios de inclusão: clientes acima de 18 anos; Índice de Massa Corporal (IMC) entre 18,5 e 29,9 para adultos e entre 22 e 27 e maior que 27 para idosos; tempo de duração da cirurgia entre duas e cinco horas, com anestesia geral e/ou regional e excluídas as cirurgias obstétricas por serem cirurgias de características específicas e, nos CCs observados, serem situações não rotineiras.

Para modelar o processo, utilizou-se a notação BPMN pelo software Bizagi Modeler (versão 3.4.0.062/2019), ferramenta livre que permite desenhar, diagramar, documentar e publicar os processos utilizando o padrão BPMN. A linguagem computacional, caracterizada pela simbologia (Figura 1) utilizada para esta modelagem, permitiu a interpretação e representação computacional do processo e, consequentemente, a ampliação da aplicação pela interoperabilidade proporcionada.

Figura 1
Simbologias para modelagem: pool (piscina) e elementos básicos da Business Process Model and Notation, Curitiba, Paraná, Brasil, 2020

O início e o final de um processo são representados por círculos. As setas representam o fluxo de sequência e os retângulos com bordas arredondadas, as tarefas. Os subprocessos apresentam um símbolo [+] na base inferior do retângulo, implicando o entendimento de que essa atividade contém um conjunto de tarefas.

Os gateways são os elementos que criam a divisão do fluxo, simbolizados por losangos, que representam a convergência ou a divergência da continuidade de um fluxo no momento em que uma decisão é tomada. O gateway paralelo é utilizado quando várias atividades ocorrem em paralelo; gateway inclusivo é utilizado quando, em um ponto do fluxo, são ativados um ou mais caminhos, dentre vários disponíveis; gateway exclusivo representa um ponto de decisão onde apenas um caminho dos vários possíveis pode ser escolhido.

A fim de padronizar a linguagem dos textos inseridos no modelo, foram empregados termos da CIPE^® 2017³. Além disso, o uso de terminologia da área da enfermagem promove segurança na comunicação e continuidade nos cuidados prestados.

O modelo foi construído, propositadamente, relacionando as fases 1, 2 e 3 com a etapa I do Processo de Enfermagem - histórico de enfermagem, enquanto a fase 4, foi relacionada com as etapas III e IV - planejamento e implementação de enfermagem, para estas, o diagnóstico de enfermagem selecionado foi “risco de lesão por posicionamento perioperatório”³, frequentemente identificado nos clientes cirúrgicos.

Para constituir um guia com embasamento teórico robusto, os pontos de decisão e as regras do modelo foram ajustados em evidências científicas e em orientações, recomendações e diretrizes de associações científicas da área sobre as possíveis complicações relacionadas ao posicionamento do cliente para cirurgia.

A fim de validar o modelo construído, enfermeiros de CC analisaram estudos de caso para responder sobre itens de um questionário sobre a tomada de decisão para o planejamento das intervenções para clientes cirúrgicos, frente ao diagnóstico “risco de lesão por posicionamento perioperatório”. As respostas foram analisadas quanto à concordância por meio do cálculo do Índice de Validade de Conteúdo (IVC)¹⁰, sendo considerados válidas àquelas com IVC geral ≥ 0,80.

RESULTADOS

A experiência nesta modelagem de processos, permitiu observar que a integração de saberes entre pesquisadores de distintas áreas sobre um mesmo fenômeno proporciona compartilhar recursos utilizados em uma diferente especialidade, denotando que os conhecimentos são complementares.

A análise das variáveis identificadas na literatura e das observadas nos fluxos de trabalho das seguintes especialidades cirúrgicas: cardíaca; geral; ginecológica; otorrinolaringologia; ortopedia; urologia; vascular e neurocirurgia permitiram a construção do modelo com um macroprocesso (Figura 2) estruturado em quatro fases, que contemplam subprocessos, quais sejam: (i) consultar agenda cirúrgica; (ii) consultar prontuário do cliente; (iii) executar exame físico; (iv) determinar dispositivos de posicionamento e posicionar o cliente.

Figura 2
Fases 1 a 4 do macroprocesso para posicionamento perioperatório do cliente, Curitiba, Paraná, Brasil, 2020

Como um modelo é estruturado por macro e subprocessos, é possível tanto a observação do todo, quanto do detalhamento, demonstrando os fluxos de trabalho de atividades sequenciais e interdependentes. Tal estruturação é importante para a execução de cada fase no posicionamento do cliente, o que possibilita ao enfermeiro uma visão abrangente e, ao mesmo tempo, específica das variáveis relacionadas ao posicionamento perioperatório, além de estar alinhado às etapas do Processo de Enfermagem.

Para que o enfermeiro compreenda e integre inovações ao processo de cuidar em saúde, ele deve ser capaz de expor-se a conteúdos tecnológicos. Geralmente, um maior interesse é dado para as tecnologias duras da sala cirúrgica, como a operacionalização de um ventilador mecânico ou de um monitor multiparamétrico; contudo, negligenciar as tecnologias leve-duras, como as simbologias da linguagem computacional, pode implicar deficiência ou subutilização de recursos tecnológicos.

Almeja-se que, ao usar o modelo, o enfermeiro do CC integre e analise diversas variáveis em um único momento, sistematicamente, controlando riscos de complicações para o cliente; isso se deve ao aspecto visual do modelo (Figura 3), no qual pontos de decisão e regras são ressaltados, facilitando a compreensão da equipe quanto à sequência e roteamento das atividades. A exemplo do procedimento cirúrgico que requer posição ventral do cliente, para o qual é pertinente o posicionamento das mamas se cliente do sexo feminino, no caso de cliente do sexo masculino, há pertinência em posicionar a genitália externa. Embora tais posicionamentos pareçam intuitivos, nem sempre acontecem, o que resulta em lesões de pele e/ou tecidos dos clientes. Por sua vez, as atividades gerenciais também são potencializadas pelo uso do modelo, que possibilita priorização e alocação de recursos em resposta às necessidades identificadas.

Figura 3
Fase 2: subprocesso “consultar prontuário do cliente”, Curitiba, Paraná, Brasil, 2020

Ao finalizar a construção do modelo, ele foi validado por seis enfermeiros de CC quanto ao auxílio na tomada de decisão para o planejamento das intervenções para o cliente com diagnóstico de enfermagem “risco de lesão por posicionamento perioperatório”. Dada a escolha intencional de profissionais que atuam nos CCs, local do estudo, há mais de um ano, e as pontuações referentes ao IVC por item e geral, nos três estudos de caso, não exibiram diferença significativa, a amostra pôde ser considerada representativa das questões locais relacionadas às tipologias dos CCs.

Aspectos Éticos

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob o número 2.809.970. As instituições observadas autorizaram a observação dos fluxos de trabalho.

CONCLUSÕES

Decisões requerem o uso de conhecimentos complexos e nem sempre é possível acessar fontes de informação no momento e no ambiente onde tais decisões são tomadas. A inovação tecnológica -modelo de processo - relatada neste artigo é um sistema de apoio à decisão ao enfermeiro que tem a finalidade de oferecer qualidade e eficiência à execução do Processo de Enfermagem.

Durante o desenvolvimento do modelo, os desafios impostos pela necessidade de translação de saberes entre áreas - enfermagem e engenharia de produção e sistemas - foram superados, consolidando a ideia de que os conhecimentos se complementam pela interdisciplinaridade.

Ao organizar as variáveis utilizadas, evidenciaram-se o impacto e a dimensão da assistência de enfermagem direcionada ao cliente cirúrgico no momento do posicionamento perioperatório, como também a relevância e pertinência de pautar a assistência no Processo de Enfermagem.

Conclui-se que o uso da modelagem de processos se apresenta como opção inovadora para desenvolvimento de sistemas de apoio às decisões clínicas de enfermagem.

Limitações do Estudo

De modo indireto, a não familiaridade dos enfermeiros com a modelagem de processos e a linguagem BPMN foi identificada, o que pode ter impactado nas poucas sugestões oferecidas no momento da validação.

Contribuições para a Área

O modelo guia o enfermeiro para o controle do risco de lesão específica e gera desdobramentos positivos para a assistência direta ao cliente do CC. Do ponto de vista organizacional, contribui com a atuação proativa do enfermeiro. A tomada de decisão é sustentada, quando esse profissional antecipa para a equipe perioperatória necessidades (materiais e humanas) que impactam no ato cirúrgico e prioriza a escolha de dispositivos utilizados no posicionamento, principalmente em situações com escassez de recursos.

• FOMENTO

  Este estudo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Marcos Brandão

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Set 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  01 Maio 2020
• Aceito
  15 Maio 2021