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IMPORTÂNCIA DA OBSERVAÇÃO, COMO "ARMA" DA ENFERMEIRA DO TRABALHO NO DESEMPENHO DE SUAS FUNÇÕES

I - INTRODUÇÃO

A Saúde Ocupacional surgiu na época da chamada revolução industrial inglesa (fins do século XVII), mas no Brasil só agora ela está sendo implantada através de programas oficiais para atender necessidades da política de aumento de produção e contenção dos índices de acidentes de trabalho. Em conseqüência disso o governo através das portarias 3237 e 3460, criou condições favoráveis para formação e treinamento de várias categorias de profissionais para atuarem nesse campo da Saúde Pública. Particularmente, no que diz respeito à Enfermagem, além de um curso de Graduação, a Enfermeira do Trabalho recebe uma formação específica na área em nível de especialização, tornando-se capacitada a proporcionar uma assistência altamente qualificada, e ao mesmo tempo, capaz de exercer funções educativas e preventivas, visando à promoção da saúde do trabalhador e valorizando sua capacidade produtiva.

Para desempenhar satisfatoriamente suas funções profissionais deverá ter consciência, antes de mais nada, que ela faz parte de uma equipe, e ainda, saber muito bem as funções que são atribuídas a cada elemento da equipe, a começar da sua. Em segundo lugar deverá levar em consideração: a natureza da indústria, aspecto físico, localização, características da população trabalhadora e de seus grupos ocupacionais, suas tarefas específicas, características dos locais de trabalho, riscos gerais e específicos.

Lembramos que as funções básicas e atribuições da Enfermeira do Trabalho são:

1 - Administrativas

2 - Técnicas

3 - Ensino

4 - Pesquisa

Diante do exposto, aproveitamos um pouco de nossa experiência profissional para ressaltar a importância da observação, como “arma” da Enfermeira do Trabalho no desempenho de suas funções.

Segundo Ander-Egg a observação é um procedimento antigo e a mais moderna das técnicas de pesquisa. Nós a utilizamos todos os dias, mas raramente o fazemos cientificamente. Para essa finalidade devemos tomar cuidado, pois a técnica consiste em ouvir, perceber, ver, e interpretar fatos e/ou fenômenos que desejamos estudar. Sabemos que a observação é fundamental para toda ciência. A ciência tem início com a observação e para validação final volta à observação.

Segundo Wesbter, observar é tomar conhecimento por uma conduta apropriada; inspecionar ou tomar nota; ver ou sentir através da atenção dirigida, cuidadosa e analítica; estar atento.

II - MODALIDADES DE OBSERVAÇÃO SEGUNDO ANDER-EGG

Utilizando a classificação podemos dividí-las da seguinte forma:

  1. Segundo os meios utilizados - obsservação não estruturada e observação estruturada;

  2. Segundo a participação do observador - observação não participante e participante;

  3. Segundo o número de observador - observação individual e em equipe;

  4. Segundo o lugar onde se realiza - observação no trabalho de campo e efetuada em laboratório.

Observação não estruturada, ordinária, simples ou livre: segundo Godde e Hatt nossas observações são das situações que presenciamos ou participamos. Consiste em reconhecer e anotar fatos sem ajuda de meios técnicos. Não se trata de uma observação não controlada, porque há um pouco de intenção, de sistema e de controle para chegar a resultados válidos.

Observação estruturada ou sistemática: ocorre quando queremos uma maior precisão dos conceitos e dos dados, utiliza-se de instrumentos para recompilação de dados ou fator, observados. O observador usa formulário e questionário planejado, com provas psicológicas e controles das técnicas de observação. Há um controle maior do observador e do observado, para proteção do trabalho de críticas.

Segundo a participação do observador: na observação não participante o observador toma contato com a comunidade, mas permanece alheio; enquanto que na participante sua participação, é real na vida da comunidade. É denominada por Duverger “observação antropológica'.

Segundo o número de observador e lugar onde se realiza: pode ser em equipe ou individual; como em campo ou láboratório. Kurt Lewin ao realizar seu trabalho de campo, lidou com indivíduos “supostamente sadios”, com o objetivo de fornecer um diagnóstico sobre uma situação social dada ao descobrir ou formular a dinâmica própria do grupo.

A Enfermeira do Trabalho faz suas observações no seu campo de trabalho, voltada à promoção e valorização do trabalhador. Ela procura entender o operário como um todo, dentro de suas necessidades psico-biológica, psíco-social e psico-espiritual.

III - IMPORTÂNCIA DA OBSERVAÇÃO NA EQUIPE DE ENFERMAGEM

Em situações onde a implantação da equipe de enfermagem nos serviços de Saúde Ocupacional, tem tido sucesso, nota-se um benefício não só ao trabalhador como à equipe. Nesses serviços pode-se verificar que a comunicação entre os membros é praticada, permitindo uma melhor orientação nos cuidados e opções que devem ser tomados para elaboração de planos de ação.

Na população industrial como trabalhamos com indivíduos “supostamente sadios”, os problemas são diferentes de um ambulatório hospitalar e isto significa que a observação deve ser mais acurada. O fato de o indivíduo ser sadio, não significa redução do trabalho direto da Enfermeira. A tendência nesse trabalho é gastar tempo em ajudar o trabalhador em aspectos físicos, psíquicos e sociais. Devemos lembrar que ele tem necessidades várias e o fato de ouví-lo não significa gasto ou perda de tempo, como normalmente se pode pensar, pois uma parte importante nos cuidados de um ambulatório de serviço do Saúde Ocupacional é ouvir e observar.

A Enfermeira é o elemento da equipe não somente encarregado dos acidentados e doentes, mas que também desempenha papel fundamental nos aspectos preventivos.

Na maioria das vezes ela é a primeira a notar sintomas ou sinais, permitindo uma rápida medida preventiva e/ou curativa. Ela são os olhos do médico dentro da indústria.

Por isso que a observação é de suma importância, pois, como já dissemos, o empregado é um indivíduo “supostamente sadio” e que poderá, no transcorrer do cotidiano de suas atividades na indústria, deparar-se com dificuldades variadas que podem afetar suas necessidades básicas.

Como bem disse Britto, o indivíduo é um ser complexo, tem uma série de necessidades naturais e também necessidades induzidas, almeja um certo padrão de vida, padrão esse que é fruto da estrutura social em que ele se insere. A sociedade padroniza as formas de comportamento. O indivíduo aprende o que é permitido e o que não é permitido. Ele é premiado ou castigado segundo seus comportamentos. Se essas necessidades não forem consideradas pela equipe de saúde, ele poderá ser levado a problemas mais sérios. É bom ressaltar o bom senso que deve ter a Enfermeira para não assumir um problema que não é de sua alçada. Neste caso deverá encaminhá-lo ao médico ou trocar idéias com o mesmo para encaminhamento adequado.

IV - O PAPEL DO OBSERVADOR NA PRÁTICA DE ENFERMAGEM

A assistência ao indivíduo tanto no que se refere à parte orgânica ou física quanto ao psíquico-social, é um processo contínuo que permite um contato muito próximo entre Enfermeira e trabalhador.

Alguma ação pode principiar pela aplicação de questionário com os mais variados objetivos. Outras vezes essa ação se dirige para execução de tarefas simples visando ao cuidado da saúde, com a verificação da temperatura, respiração, pulso e pressão arterial e mesmo execução de exame físico superficial, diminuindo, na maioria das vezes o trabalho médico. Esses processos são essenciais para assegurar uma condição saudável do trabalhador.

V - DESENVOLVIMENTO DA HABILIDADE DA OBSERVAÇAO

A observação da Enfermeira requer uma curiosidade semelhante à da criança. A Enfermeira deve possuir experiência para discernir entre doença e habilidade de simular outras situações, pelo paciente. Ela deve entender o comportamento do homem como um todo. Deve ainda ser capaz de interpretar as reações dos indivíduos quanto à doença, tratar e fazer cumprir ordens prescritas, deve ainda entender o que a doença significa para o indivíduo e sua família e ser capaz de orientá-lo.

A capacidade de observação da Enfermeira torna-se cada vez mais apurada com prática e disciplina. Essa prática tem início no primeiro contato com o operário, no exame pré-admissional. Aqui ela tem oportunidade de começar o estudo do seu objeto constante que é o trabalhador, através de exames laboratoriais, vacinação, etc. Nesse contato inicia uma interação empregado-enfermeira, onde aquele começa a ser avaliado através dos exames acima citados e também quanto à sua personalidade, biótipo, aptidões, etc. Todos os elementos observados e coletados serão de grande valia para a Equipe de Saúde Ocupacional na avaliação e conhecimento da população trabalhadora sobre sua responsabilidade.

VI - OBSERVAÇÃO E APRENDIZAGEM

Através da educação, função que a enfermeira exerce a todo momento, é que ela tem oportunidade de desenvolver as potencialidades do trabalhador.

A educação sanitária é um processo de conduzir idéias, informações e conhecimentos, de tal maneira que aquele que a receber seja levado a utilizá-la com a finalidade de proteger ou melhorar sua própria saúde, de sua família e de sua comunidade. A finalidade é modificar favoravelmente as atitudes e comportamentos dos que compõem a comunidade no que se refere à saúde. Aqui a prática de educação sanitária inicia no dia da admissão do empregado estendendo-se posteriormente durante todo o período de permanência do mesmo na empresa. O médico, a enfermeira e outros elementos da Equipe de Saúde Ocupacional serão educadores no processo da saúde, do bem estar físico, psíquico, social e profissional do trabalhador.

Para o programa de educação na indústria a equipe necessita de conhecimentos pormenorizados de seus afazeres, requer entrosamento com a comunidade industrial e com entidades médicas e/ou assistenciais existentes na comunidade.

Existem métodos que facilitam a educação sanitária e desnecessária se torna enfatizar que a enfermeira, e a equipe como um todo necessitam conhecê-los.

E necessário que a Enfermeira aprenda a observar para ensinar. Como é um processo, a observação por parte da Enfermeira, das atividades do operário numa indústria, lhe proporciona oportunidade tanto de aprender como de ensinár.

VII - OBSERVAÇÃO E PESQUISA

Através da observação, detecção de fatos e/ou fenômenos e interpretação, poderá desenvolver suas pesquisas, pois o campo é vasto. A pesquisa vai contribuir para aumentar os recursos de melhor atendimento ao trabalhador.

Para ser um bom observador é necessário que a Enfermeira tenha conhecimentos que lhe permitam desenvolver seu trabalho através de bases concretas num processo contínuo. A observação na vida diária constitui importante “arma” para descoberta de problemas e para formulação de hipóteses.

É necessário que as Enfermeiras do Trabalho sejam orientadas para a importância e benefício da pesquisa para a equipe, como também para o trabalhador e para o industrial.

Há muitos métodos de observação qua podem ser utilizados no processo da pesquisa científica. A relação enfermeira-trabalhador dá oportunidade para emprego da observação. Como a Enfermeira está geralmente oito horas por dia em contato com os operários e o meio ambiente da indústria, o registro de suas observações diárias pode dar um quadro completo das alterações que venham a ocorrer no seu organismo. O interrelacionamento diário aprimora e favorece o desenvolvimento da observação.

A Enfermeira pode observar se o trabalhador tem problemas no andar ou na postura, através de um questionário ou de observação direta, na execução das provas funcionais. Enfim é em conseqüência da observação que a Enfermeira poderá orientá-lo ou encaminhá-lo para correção de defeitos.

Observando um operário como um todo podemos notar certas particularidades, por exemplo: os olhos geralmente exprimem atitudes de felicidade, ansiedade, apreensão, e depressão, além disso, podemos observar sinais outros como: olhos injetados, hiperemia das pálpebras, lacrimejamento, piscar freqüentes. O exame dos olhos faz parte do exame pré-admissional, mas nem sempre a função e a ocupação exigem um exame tão minucioso e algum problema só vem se exteriorizar depois da admissão.

A fadiga visual nem sempre provém da falta de adaptação ao trabalho. Outros fatores aceleram a fadiga visual, como má nutrição, alcoolismo, hábito de fumar e ingerir drogas, assim como a idade. A fadiga visual é um indicador de baixo rendimento, baixa produtividade e fator contribuinte na ocorrência de acidentes.

Outros casos que para nós são simples, para o empregado podem ser complexos e de difícil resolução. No diálogo que se estabelece entre eles, percebe-se que ele está ansioso e que alguma coisa o preocupa. A observação, interpretação e análise cuidadosas nos levam a causa fundamental ou ao conjunto dos problemas.

São situações que abrangem não só a enfermeira mas também o médico e até a administração. A perda do dia desse empregado para a empresa, talvez possa traduzir lucro, pois, uma pessoa tensa, preocupada, com distúrbio visual, poderá ser vítima de um acidente de trabalho conforme a ocupação e a gravidade do caso.

Outro problema são os jovens que trabalham e estudam, e que, de um momento para outro são acometidos de fadiga mental e física. Segundo Lawes a fadiga psicológica é resposta emocional à tarefa que desagrada. Daí podem surgir problemas com os colegas, conflitos com o chefe e superiores. A observação desses empregados é de suma importância para a empresa e para a equipe porque poderá também ocorrer o risco de serem acidentados. Uma observação minuciosa do caso poderá elucidar e obter muitos elementos para solução do problema. Será que esse empregado está dormindo o mínimo de horas exigido? sua alimentação está fornecendo energias necessárias à sua função e está sendo compatíveis com sua aptidão?

Existem situações, como já ressaltamos, que a Enfermeira, ao primeiro contato, capta o problema e encaminha à melhor solução, assim como existem casos em que só o tempo dará condições para ganhar a confiança do empregado e fazer uma observação mais precisa.

Talvez, para muitos, pareça mero palavreado inútil, mas é muito importante fazer uma análise e um retrospecto de determinadas situações ocorridas, chegar a alguma conclusão e evitar a repetição dos mesmos fenômenos. Quantos tuberculosos passaram por nossas mãos, sem que nossa observação permitisse o diagnóstico, evitando ou diminuindo a incidência alarmante de tal doênça? — quantos estão internados em hospitais psiquiátricos, às vezes por falta de um cuidado maior? quantos são os incapacitados e mutilados por acidentes ou doenças profissionais por que não tiveram a devida orientação e assistência?

VII - CONCLUSÃO

Procuramos discorrer sobre a enfermagem na indústria, sua atuação e sua atitude diante de situações que podem ocorrer. Tentamos mostrar a importância da observação como habilidade da enfermeira que deva ser empregada em todas as ações na prática de enfermagem, principalmente na indústria. Não há nada mais incompatível do que efifiência e distração. A enfermeira que é eficiente no desempenho de sua profissão o é, em grande parte, por cultuar a arte de observar.

  • VENDRÚSCOLO, E.M. - A importância da observação como "arma" da enfermeira do trabalho no desempenho de suas funções Rev. Bras. Enf.; DF, 31 :" 7-12, 1978.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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    PARETTA, José Maria Marlet; Meira, Affonso & D'ANDRETTA, Jr., Carlos. - Saúde da Comunidade. São Paulo, Mc Graw Hill do Brasil, 1976.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 1978
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