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Análise da tendência temporal da mortalidade por anemia falciforme no Brasil

RESUMO

Objetivos:

analisar a tendência temporal da mortalidade por anemia falciforme no Brasil, por regiões, no período compreendido entre 1997 e 2017.

Métodos:

estudo epidemiológico, de delineamento ecológico, de tendência temporal, realizado com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade. Para análise descritiva, utilizaram-se frequências absolutas e relativas. Na análise de correlação, utilizou-se o teste ANOVA seguido pelo pós-teste de Tukey. A tendência temporal foi obtida mediante o teste de regressão polinomial cúbico.

Resultados:

foram registrados 6.813 óbitos por anemia falciforme. Indivíduos pardos (50,87%) foram mais frequentes, com predomínio do sexo masculino (50,4%), com faixa etária de 25 a 34 anos e maior incidência de óbitos no Centro-Oeste (0,25/100 mil habitantes). A curva temporal apresentou tendência crescente de óbitos no país entre 1997 a 2015 (R2 = 0,98).

Conclusões:

a anemia falciforme apresentou mortalidade crescente nos 21 anos analisados e desperta o alerta aos profissionais de saúde e gestores.

Descritores:
Anemia Falciforme; Mortalidade; Distribuição Temporal; Epidemiologia; Brasil

ABSTRACT

Objectives:

To analyze the temporal trend of mortality from sickle cell anemia in Brazil, by region, in the period 1997-2017.

Methods:

epidemiological study, with an ecological design, with a temporal trend, carried out with data from the Mortality Information System. For descriptive analysis, absolute and relative frequencies were used. In the correlation analysis, the ANOVA test was used, followed by Tukey’s post-test. The temporal trend was obtained using the cubic polynomial regression test.

Results:

6,813 deaths from sickle cell anemia were registered. Brown individuals (50.87%) were more frequent, with a predominance of males (50.4%), aged between 25 and 34 years and a higher incidence of deaths in the Midwest (0.25/100 thousand inhabitants). The time curve showed an increasing trend of deaths in the country between 1997 and 2015 (R2 = 0.98).

Conclusions:

sickle cell anemia showed increasing mortality in the 21 years analyzed and alerts health professionals and managers.

Descriptors:
SICKLE CELL ANEMIAS; MORTALITY; SPATIO TEMPORAL ANALYSIS; EPIDEMIOLOGY; BRAZIL

RESUMEN

Objetivos:

analizar tendencia temporal de mortalidad por anemia falciforme en Brasil, por regiones, entre 1997 y 2017.

Métodos:

estudio epidemiológico, de delineamento ecológico, de tendencia temporal, realizado con datos del Sistema de Informaciones sobre Mortalidad. Utilizado frecuencias absolutas y relativas para análisis descriptivo. Utilizado la prueba ANOVA seguido por la prueba de Tukey en el análisis de correlación. La tendencia temporal fue obtenida mediante la prueba de regresión polinomial cúbico.

Resultados:

fueron registrados 6.813 óbitos por anemia falciforme. Indivíduos pardos (50,87%) fueron más frecuentes, con predominio del sexo masculino (50,4%), con franja etaria de 25 a 34 años y mayor incidencia de óbitos en Centro-Oeste (0,25/100 mil habitantes). La curva temporal presentó tendencia creciente de óbitos en el país entre 1997 a 2015 (R2 = 0,98).

Conclusiones:

la anemia falciforme presentó mortalidad creciente en los 21 años analizados y despierta el alerta a profesionales de salud y gestores.

Descriptores:
Anemia de Células Falciformes; Mortalidad; Distribución Temporal; Epidemiología; Brasil

INTRODUÇÃO

O termo doença falciforme (DF) se refere a um grupo de hemoglobinopatias hereditárias decorrentes de um distúrbio morfofisiológico da hemoglobina (Hb)(11 Ballas SK. Sickle cell disease: Classification of clinical complications and approaches to preventive and therapeutic management. Clin Hemorheol Microcirc. 2018;68(2-3):105-28. https://doi.org/10.3233/CH-189002
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). Dentre os tipos de DF, a composição genética de maior impacto clínico é a anemia falciforme (AF), quadro em que o gene HbS é herdado de ambos os genitores e culmina na forma homozigótica HbSS(22 Piel FB, Steinberg MH, Rees DC. Sickle Cell Disease. N Engl J Med. 2017;376(16):1561-73. https://doi.org/10.1056/nejmra1510865
https://doi.org/10.1056/nejmra1510865...
).

A fisiopatologia da AF ocorre em nível molecular, devido a uma alteração da base nitrogenada, substituindo-se adenina (A) por timina (T) (GAG → GTG) no sexto códon da betaglobina. Essa remodelação leva a uma substituição do ácido glutâmico pelo resíduo valina; e, com isso, as moléculas de Hb passam a se polimerizar em condições de desoxigenação, o que altera a forma da hemácia e influencia diretamente suas funções — essa variação estrutural do eritrócito é conhecida como “falcização”. Atualmente quatro vias patológicas são conhecidas: a polimerização da Hb; a vaso-oclusão; a disfunção endotelial mediada por hemólise; e a inflamação estéril(33 Kato GJ, Piel FB, Reid CD, Gaston MH, Ohene-Frempong K, Krishnamurti L, et al. Sickle cell disease. Nat Rev Dis Primer. 2018;4(1):1-22. https://doi.org/10.1038/nrdp.2018.10
https://doi.org/10.1038/nrdp.2018.10...
-44 Sundd P, Gladwin MT, Novelli EM. Pathophysiology of Sickle Cell Disease. Annu Rev Pathol Mech Dis. 2019;14(1):263-92. https://doi.org/10.1146/annurev-pathmechdis-012418-012838
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).

As principais complicações da AF são decorrentes das alterações morfofisiológicas dos eritrócitos após sua falcização. Dentre as principais, estão as crises álgicas, pneumonias, esplenomegalia, úlceras de pernas, priapismo, acidente vascular cerebral, síndrome torácica aguda, alterações ósseas e colelitíase(55 Guarda CC, Yahouédéhou SCMA, Santiago RP, Neres JSS, Fernandes CFL, Aleluia MM, et al. Sickle cell disease: a distinction of two most frequent genotypes (HbSS and HbSC). PLOS ONE. 2020;15(1):1-15. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0228399
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).

A incidência mundial de pessoas que carreiam em sua estrutura genes responsáveis por hemoglobinopatias é de 5%. Estima-se que nasçam 5.476.407 crianças com o traço falciforme (AS) por ano e 312.302 com HbSS. Em países subdesenvolvidos como os da África Subsaariana, a estimativa de nascidos vivos com o gene HbSS é de 235.681 nascimentos por ano, porém esse número de pessoas é muito maior em comparação com países desenvolvidos, como o Reino Unido, que apresenta uma taxa de 300 nascimentos; e Estados Unidos da América (EUA), com aproximadamente 3 mil nascimentos(66 Chakravorty S, Williams TN. Sickle cell disease: a neglected chronic disease of increasing global health importance. Arch Dis Child. 2015;100(1):48-53. https://doi.org/10.1136/archdischild-2013-303773
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-77 Piel FB, Patil AP, Howes RE, Nyangiri OA, Gething PW, Dewi M, et al. Global epidemiology of sickle haemoglobin in neonates: a contemporary geostatistical model-based map and population estimates. Lancet. 2013;381(9861):142-51. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(12)61229-X
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).

No Brasil, estima-se que nasçam cerca de 3 mil crianças com DF por ano. A incidência é de 1 por mil neonatos com DF; em contrapartida, a proporção de traço falcêmico é muito menor, de 1 por 35. Em um estudo realizado no Distrito Federal brasileiro no período de janeiro de 2004 a dezembro de 2006, de um total de 116.271 amostras de sangue coletadas no programa de triagem neonatal, 3.760 identificaram portadores de traço falciforme e 109 amostras identificaram o gene HbSS correspondente à AF(88 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde. Doença Falciforme: a experiência brasileira na África história de um esforço de cooperação 2006-2010 [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012[cited 2020 Nov 22]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doenca_falciforme_experiencia_brasileira_africa.pdf
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-99 Diniz D, Guedes C, Barbosa L, Tauil PL, Magalhães Í. Prevalência do traço e da anemia falciforme em recém-nascidos do Distrito Federal, Brasil, 2004 a 2006. Cad Saúde Pública. 2009;25(1):188-94. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000100020
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).

Com o decorrer dos anos, novas pesquisas foram realizadas e intervenções foram propostas para que a expectativa de vida aumentasse para as pessoas com AF, entretanto o que se observa em pesquisas recentes é o aumento da mortalidade dessa população. No Rio de Janeiro, em 15 anos de acompanhamento em centro hematológico, foi identificado um total de 281 óbitos entre adultos e crianças; e, desses, 10,48% representaram a mortalidade de pacientes abaixo dos 18 anos de idade. No Brasil, pesquisas apontam que, mesmo com a implementação do programa de triagem neonatal para diagnóstico precoce, a taxa de mortalidade das crianças com AF do país não diminuiu e se apresenta superior à dos países desenvolvidos(1010 Lobo CLC, Nascimento EM, Jesus LJC, Freitas TG, Lugon JR, Ballas SK. Mortality in children, adolescents and adults with sickle cell anemia in Rio de Janeiro, Brazil. Hematol Transfus Cell Ther. 2018;40(1):37-42. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000600012
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200500...
-1111 Sabarense AP, Lima GO, Silva LML, Viana MB. Characterization of mortality in children with sickle cell disease diagnosed through the Newborn Screening Program. J Pediatr (Rio J). 2015;91(3):242-7. https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.08.006
https://doi.org/10.1016/j.jped.2014.08.0...
).

Nos Estados Unidos, entre 1979 e 2005, enquanto a taxa de mortalidade por AF em crianças reduziu, o número de morte em adultos sofreu um aumento gradativo, os índices de mortalidade na população maior de 19 anos aumentaram 1% ao ano, e a idade média dos óbitos foi de 33,4 anos para os homens e 36,9 anos para as mulheres(1212 Lanzkron S, Carroll CP, Haywood C. Mortality Rates and Age at Death from Sickle Cell Disease: U.S., 1979-2005. Public Health Rep. 2013;128(2):110-6. https://doi.org/10.1177/003335491312800206
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).

Dentre as principais causas de morte de pessoas com AF, foram identificadas: insuficiência respiratória aguda em razão principalmente de pneumonias; falência de múltiplos órgãos resultante de infecções e sepse; choque séptico; choque cardiogênico; e acidente vascular encefálico(1313 Araujo OMR, Ivo ML, Ferreira Júnior MA, Pontes ERJC, Bispo IMGP, Oliveira ECL. Survival and mortality among users and non-users of hydroxyurea with sickle cell disease. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(1):67-73. https://doi.org/10.1590/0104-1169.3385.2526
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).

Atualmente não existem estudos brasileiros que tenham avaliado de forma global a tendência da mortalidade de pacientes com AF. Portanto, avaliar o impacto da mortalidade por essa doença no país, ao longo dos anos, e descrever o perfil dos pacientes que vieram a óbito é de suma importância para que se possam traçar linhas de cuidados visando à melhoria da sobrevida dessa população.

OBJETIVOS

Analisar a tendência temporal da mortalidade por AF no Brasil, por regiões, no período compreendido entre 1997 e 2017.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Todas as bases de dados são de domínio público e dispensam aprovação prévia por comitê de ética em pesquisa com seres humanos para utilização de seus dados.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de estudo epidemiológico, de delineamento ecológico e tendência temporal. Foi realizado com base em dados de fontes secundárias, obtidos do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS)(1414 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Informática do SUS. Sistema de informações sobre mortalidade [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2019 [cited 2020 Nov 22]. Available from: http://datasus1.saude.gov.br/sistemas-e-aplicativos/eventos-v/sim-sistema-de-informacoes-de-mortalidade
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).

Em novembro de 2019, ocorreu a coleta dos dados referentes aos últimos 21 anos (de 1997 a 2017). Foi utilizada como norteador do método da pesquisa, a Declaração de Fortalecimento do Relatório de Estudos Observacionais em Epidemiologia (STROBE)(1515 Malta M, Cardoso LO, Bastos FI, Magnanini MMF, Silva CMFP. Iniciativa STROBE: subsídios para a comunicação de estudos observacionais. Rev Saúde Pública. 2010;44(3):559-65. https://doi.org/10.1590/S0034-89102010000300021
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).

População; critérios de inclusão e exclusão

Foram incluídos dados de pacientes com AF com crise (D57.0) e sem crise (D57.1), conforme a Classificação Internacional de Doenças - CID 10(1616 Organização Mundial da Saúde. Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde. 10o ed. Vol. 1. Edusp; 2017. 1200 p). Os dados foram coletados por Unidade de Federação (UF) de ocorrência e residência, ou seja, segundo a UF em que o caso ocorreu e aquela na qual a pessoa acometida residia. As variáveis coletadas foram: ano de óbito, sexo, faixa etária e cor/raça. Não foram inclusos casos anteriores ao ano de 1997 e posteriores a 2017, devido à inexistência de registro no banco de dados do SIM/DATASUS no período de coleta.

Protocolo do estudo

Inicialmente foi realizado o download da malha territorial do Brasil em formato shapefiles (SHP), por meio do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na área de geociências do portal, foram acessadas em sequência as abas “Organização do território”, “Malhas territoriais”, “Malha municipal” e “Downloads”, para extração do arquivo SHP do ano de 2017 das UFs do Brasil. Após esse processo, a malha territorial foi exportada ao software QGIS 3.16.0 para que fossem dissolvidas as camadas territoriais do país pelas cinco regiões brasileiras separadamente.

Para extração dos dados de óbitos e tabulação, foi acessado o endereço eletrônico TabNet Win32 3.0. Em sua aba de serviços, foram acessadas as páginas “Transferência/download de arquivos” e “SIM/DATASUS” a fim de realizar o download dos arquivos auxiliares para tabulação. Em seguida, no mesmo local, foi feita a captação dos dados das declarações de óbito do país referentes aos anos de 1997 a 2017 de todas as UFs. Visto que essas informações são geradas como um compilado de dados em formato DBC, foi necessária a exportação para o software Tabwin 4.1.3 do DATASUS, para leitura e estratificação desse conteúdo com auxílio dos arquivos de tabulação previamente obtidos.

A tabulação final dos dados gerados após a filtragem pelo Tabwin 4.1.3 foi realizada com utilização do software Microsoft Excel®. Após esse processo, estruturou-se uma tabela discriminada conforme região brasileira de ocorrência dos óbitos de acordo com as variáveis “sexo”, “faixa etária” e “cor/raça”.

Por fim, foi feita a coleta dos dados populacionais do Brasil com base nas informações do IBGE. No portal eletrônico do IBGE, em sua área de estatísticas, foram acessadas as abas “Sociais”, “População”, “Estimativas da população” e por último a área de downloads, da qual se extraíram as estimativas publicadas pelo Diário Oficial da União (DOU) e as informações fornecidas para o Tribunal de Contas da União (TCU) de forma a contemplar os 21 anos de abordagem do estudo. Após esse processo, usou-se o programa Excel® para calcular a incidência de óbitos por 100 mil habitantes.

Análise dos resultados e estatística

Para análise da distribuição espacial, foi utilizada a incidência de óbitos previamente obtida e estratificada por um agrupamento de quatro períodos: 1) entre 1997 a 2002; 2) de 2003 a 2007; 3) de 2008 a 2012; e 4) de 2013 a 2017. Os dados da incidência foram exportados para o software QGIS 3.16.0 para realizar a unificação da malha territorial com os dados numéricos. Após a unificação, aplicou-se a simbologia de gradiente de cores para que fosse possível observar o acompanhamento da distribuição dos óbitos nos períodos previamente estabelecidos. O mapa foi dividido por cinco classes e classificado por intervalos iguais de distribuição. Nessa etapa, quatro mapas foram plotados de acordo com os anos previamente citados.

A comparação da frequência e incidência de casos entre as regiões do Brasil em relação aos óbitos por ocorrência e por residência foi realizada por meio do teste ANOVA de uma via, seguido pelo pós-teste de Tukey.

A análise de tendência temporal foi feita por meio da obtenção da média móvel simples (MMS) utilizada como um filtro linear com intuito de suavizar os dados, formatar um indicador de tendência sequencial para o estudo, além de retirar um possível viés de sazonalidade. A MMS foi calculada por ciclos de cinco anos, cuja aplicação se deu pela fórmula

MMS=(P1+P2+P3+Pn)/n.

Em seguida, foi construído um gráfico temporal com a incidência de óbitos para o Brasil, para as regiões individualizadas do país e para a MMS da incidência, visando verificar o possível formato da curva de tendência a ser estudada.

Na sequência, foram aplicados os modelos de regressão polinomial, de modo que o modelo que mais se adequou à curva foi o de terceiro grau, por se tratar de uma curva sigmoide, com representação pela fórmula

Y=β0+β1X+β2X2+β3X3.

Os modelos foram escolhidos de acordo com sua significância estatística e coeficiente de determinação (R2).

Os demais resultados foram apresentados na forma de estatística descritiva e por tabelas e gráficos. A análise estatística foi realizada por meio do programa estatístico SigmaPlot, versão 12.5; e, para todos os testes, foi considerado um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

No que se refere à caracterização epidemiológica das mortes do país, no período analisado, foram registrados no SIM/DATASUS 6.813 óbitos por AF com e sem crise, por local de ocorrência. Dentre esses registros, a Região Sudeste (48,39%) foi a que apresentou um maior percentual por número absoluto, seguida das Regiões Nordeste (31,92%), Centro-Oeste (10,3%), Norte (4,96%) e Sul (4,39%), respectivamente.

Quanto ao sexo, a população masculina (50,4%) apresentou um quantitativo maior de mortes em relação à população feminina (49,6%). Essa diferença é observada em quatro das cinco regiões brasileiras: Norte (55,9%), Nordeste (51,4%), Sul (51,5%) e Centro-Oeste (51%) (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas dos casos de óbitos por anemia falciforme nas regiões brasileiras, por local de ocorrência, entre os anos de 1997 a 2017, Brasil, 2021 (N = 6.813)

Em relação à idade, as faixas etárias com maior número de registros de mortes foram as de 25 a 34 anos e a de 15 a 24 anos, respectivamente. A Região Sul apresentou o maior índice de mortalidade do país (29,8%) para a faixa etária de 25 a 34 anos, porém tal comportamento só se apresentou estatisticamente diferente em relação ao Nordeste do país (p = 0,001). No tocante à raça, observou-se maior prevalência de óbitos em indivíduos pardos (50,87%), com maior mortalidade dessa população na Região Norte (72,6%) (p = 0,001), conforme se observa na Tabela 1.

As características globais dos óbitos em relação aos locais de ocorrência se repetiram ao comparar a mortalidade de pacientes por UF de residência e os pacientes do sexo masculino, com faixa etária de 25 a 34 anos e de cor parda permaneceram como os mais acometidos ao analisar essa variável. A Tabela 1 descreve as características sociodemográficas dos óbitos por AF por regiões no país.

Conforme a Tabela 2, os registros de mortalidade por AF com e sem crise, em 21 anos, apresentaram a maior incidência de casos por local de ocorrência no Centro-Oeste brasileiro (0,25 por 100 mil habitantes; p < 0,001). Além disso, foi observado um maior número de registros de óbitos por AF sem crise, seja por local de ocorrência, seja por residência (p < 0,001).

Tabela 2
Óbitos por anemia falciforme nas regiões brasileiras por local de ocorrência e residência entre os anos de 1997 a 2017, Brasil, 2021 (N = 6.813)

A distribuição espacial dos óbitos ao longo dos 21 anos de análise apresentou aumento crescente da incidência por 100 mil habitantes. Quando divididos por quinquênios, o período de 1997 a 2002 apresentou um registro de 0,19, enquanto, entre os anos de 2013 a 2017, esse número chegou a 0,26 casos por 100 mil habitantes. Além disso, a maior densidade das mortes no país está distribuída em três regiões brasileiras: Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste (Figura 1).

Figura 1
Dispersão dos óbitos em decorrência da anemia falciforme por local de ocorrência a cada cinco anos, distribuídos por região, Brasil, 2021

Nas duas décadas estudadas, o Brasil passou por uma ascendência nos registros de óbitos por AF, entretanto o ano de 2010 mostrou a maior incidência de mortalidade dentro do período observado. Entre as regiões brasileiras, a maioria apresentou comportamento similar com estabilidade ou discreta ascendência no período (p < 0,001). O Centro-Oeste, no entanto, foi o local que dispôs de maiores modulações e teve seu período de pico no ano de 2012 (Figura 2).

Figura 2
Incidência e média móvel de óbitos por anemia falciforme com e sem crise por 100 mil habitantes, por região de ocorrência, Brasil, 2021

A linha de tendência observada na Figura 3 demonstra uma tendência crescente (R2= 0,98) no número de óbitos registrados e atingiu seu platô no ano de 2012. Em 2015, houve um discreto declínio, indicativo de uma possível diminuição da mortalidade no país a partir deste ano (p < 0,001).

Figura 3
Curva de tendência da incidência de óbitos por anemia falciforme com e sem crise, por 100 mil habitantes, por região de ocorrência, Brasil, 2021

Os resultados evidenciaram um aumento progressivo de mortes até o ano de 2015 com leves flutuações de queda nos anos 2007, 2010 e 2012, porém sem grande impacto na curva de tendência. Em 2015, houve uma queda de 0,9 óbitos por 100 mil habitantes que, associada à diminuição de registros de 2012, impactou diretamente a linha e finalizou o período com um leve declínio.

DISCUSSÃO

Este estudo analisou a tendência de mortalidade da AF no Brasil de acordo com suas regiões. Foi possível observar que, embora a população masculina tenha sido mais acometida em quatro das cinco regiões brasileiras, não houve diferença significante no tocante à população feminina (p = 0,086), fato evidenciado em outros estudos epidemiológicos que verificam a ausência de relação entre a AF e o sexo(1010 Lobo CLC, Nascimento EM, Jesus LJC, Freitas TG, Lugon JR, Ballas SK. Mortality in children, adolescents and adults with sickle cell anemia in Rio de Janeiro, Brazil. Hematol Transfus Cell Ther. 2018;40(1):37-42. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000600012
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200500...
,1717 Wierenga KJ, Hambleton IR, Lewis NA, Unit SC. Survival estimates for patients with homozygous sickle-cell disease in Jamaica: a clinic-based population study. Lancet. 2001;357(9257):680-3. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(00)04132-5
https://doi.org/10.1016/s0140-6736(00)04...
).

Ao analisar a faixa etária com o maior número de óbitos, a população de 15 a 34 anos predominou. Tal fato difere do que é encontrado na literatura estrangeira, na qual se demonstra que a sobrevida para pessoas portadoras da forma homozigótica da DF, considerada a mais grave e de maior mortalidade, nos Estados Unidos está entre a terceira e quarta década de vida(1818 Paulukonis ST, Eckman JR, Snyder AB, Hagar W, Feuchtbaum LB, Zhou M, et al. Defining sickle cell disease mortality using a population-based surveillance system, 2004 through 2008. Public Health Rep. 2016;131(2):367-75. https://doi.org/10.1177/003335491613100221
https://doi.org/10.1177/0033354916131002...
).

Entretanto, essa constatação reflete a menor sobrevida para pacientes com AF no Brasil, fato evidenciado por outros estudos brasileiros: os portadores dessa patologia morrem de maneira precoce no país, em geral entre a segunda e terceira década de vida(1313 Araujo OMR, Ivo ML, Ferreira Júnior MA, Pontes ERJC, Bispo IMGP, Oliveira ECL. Survival and mortality among users and non-users of hydroxyurea with sickle cell disease. Rev Latino-Am Enfermagem. 2015;23(1):67-73. https://doi.org/10.1590/0104-1169.3385.2526
https://doi.org/10.1590/0104-1169.3385.2...
,1919 Martins PRJ, Moraes-Souza H, Silveira TB. Morbimortalidade em doença falciforme. Rev Bras Hematol Hemoter. 2010;32(5):378-83. https://doi.org/10.1590/s1516-84842010000500010
https://doi.org/10.1590/s1516-8484201000...
).

A diminuição da sobrevida sugere que não é efetiva a transição das ações de prevenção e promoção à saúde global entre a adolescência e a fase adulta para pessoas com hemoglobinopatias. As causas podem ser multifatoriais e estar relacionadas tanto à falta de acesso e conhecimento para realização de cuidados especializados quanto à ausência de políticas públicas voltadas para o acompanhamento dessa população em longo prazo(2020 Hulihan M, Hassell KL, Raphael JL, Smith-Whitley K, Thorpe P. CDC Grand Rounds: improving the lives of persons with sickle cell disease. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2017;66(46):1269-71. https://doi.org/10.15585/mmwr.mm6646a2
https://doi.org/10.15585/mmwr.mm6646a2...
).

O Sul brasileiro apresenta o maior quantitativo de registro de óbitos para a faixa etária de 24 a 35 anos, porém não foram encontrados dados na literatura científica que possibilitassem a discussão acerca dessa variável. Embora a região não apresente diferença estatística em comparação à maioria das regiões brasileiras, ela difere do Nordeste (p < 0,001). Tal fato demonstra a importância do desenvolvimento de novas pesquisa no Sul do país para que possa haver uma análise comparativa mais profunda e aprimorada sobre essa variável(2121 Ramos JT, Paes GR, Jesus FA, Oliveira DS, Fernandes ESF, Carvalho BT, et al. Mortalidade infantil por doença falciforme na Bahia: um estudo epidemiológico. Rev Saúde Coletiva UEFS [Internet]. 2017 [cited 2021 Jul 22];7(3). Available from: http://periodicos.uefs.br/ojs/index.php/saudecoletiva/article/view/1658
http://periodicos.uefs.br/ojs/index.php/...
).

Em relação à variável “raça/cor”, observou-se um índice de mortalidade maior para pessoas pardas com AF na maioria das regiões brasileiras, confirmando estudos brasileiros(2121 Ramos JT, Paes GR, Jesus FA, Oliveira DS, Fernandes ESF, Carvalho BT, et al. Mortalidade infantil por doença falciforme na Bahia: um estudo epidemiológico. Rev Saúde Coletiva UEFS [Internet]. 2017 [cited 2021 Jul 22];7(3). Available from: http://periodicos.uefs.br/ojs/index.php/saudecoletiva/article/view/1658
http://periodicos.uefs.br/ojs/index.php/...
-2222 Freire de Souza CD. Modelagem espacial e epidemiológica dos óbitos por transtornos falciformes no estado da Bahia entre 2000 e 2013. Rev Bras Pesqui Saúde. 2019;21(3):15-22. https://doi.org/10.21722/rbps.v21i3.28201
https://doi.org/10.21722/rbps.v21i3.2820...
). Sabe-se que a AF acomete principalmente a população afrodescendente; no Brasil, essa característica populacional se deve ao processo histórico de chegada da doença em um momento de miscigenação racial, fato apontado como preponderante na epidemiologia da doença no país(2323 Naoum PC, Naoum, FA. Doença das células falciformes São Paulo: Sarvier. 2004. 270 p.).

Outro aspecto importante é que a população parda e negra do Brasil passa por uma disparidade de acesso aos serviços de saúde do país, em relação a pessoas de outras raças, e encontra barreiras estruturais, sociais e étnicas/culturais ao buscar por serviços, o que influencia negativamente o acesso e a adesão dessa população às unidades de saúde e resulta em uma maior morbimortalidade(2424 Silva NN, Favacho VBC, Boska GA, Andrade EC, Merces NP, Oliveira MAF. Access of the black population to health services: integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(4):1-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0834
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

É perceptível que o perfil dos óbitos por AF no Brasil, principalmente quando relacionado à raça/cor, segue um padrão da própria característica racial da população do país. Entre os anos de 2012 e 2016, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PNAD Contínua) evidenciou que 72,3%, 64,7% e 37,6% dos habitantes das Regiões Norte, Nordeste e Sudeste, respectivamente, se declararam pardos, número muito próximo aos dos registros de óbitos encontrados no presente estudo(2525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua) [Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [cited 2020 Nov 22]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-pobreza/17270-pnad-continua.html?=&t=downloads
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/mul...
).

De acordo com o censo do IBGE de 2010, as Regiões Sul e Sudeste apresentaram um maior índice de pessoas brancas; e, com a transição histórica de frequente miscigenação, a população brasileira passou a ser mais homogênea na maioria das regiões(2525 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD contínua) [Internet] Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2016 [cited 2020 Nov 22]. Available from: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/multidominio/condicoes-de-vida-desigualdade-e-pobreza/17270-pnad-continua.html?=&t=downloads
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/mul...
-2626 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo demográfico 2010 [Internet]. Brasília (DF): IBGE; 2010 [cited 2020 Nov 22]. Available from: http://censo2010.ibge.gov.br/
http://censo2010.ibge.gov.br/...
).

A distribuição espacial dos óbitos com maior concentração nas Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste demonstra um fato importante que pode estar ligado a uma evolução natural de distribuição do gene nesses locais juntamente com o processo histórico de homogeneização da população brasileira. Vale ressaltar que a migração na evolução humana é um dos principais fatores para que ocorra distribuição genética entre as populações(2727 Machado TMB, Bomfim TF, Souza LV, Soares N, Santos FL, Acosta AX, et al. Types of Marriages, population structure and genetic disease. J Biosoc Sci. 2013;45(4):461-70. https://doi.org/10.1017/S0021932012000673
https://doi.org/10.1017/S002193201200067...
).

Ao se verificar a incidência dos óbitos, embora o Centro-Oeste brasileiro apresente o maior quantitativo por local de ocorrência e residência, e tal resultado tenha sido estatisticamente significante, não foram encontrados estudos que possibilitassem uma discussão aprofundada dessa variável, tanto de forma específica para uma análise da própria região quanto de forma global para as diferenças encontradas em relação às demais regiões brasileiras.

A maior incidência de óbitos sem crise em comparação àqueles com crise pode indicar falhas nos registros hospitalares, subnotificações e até mesmo desconhecimento dos profissionais quanto ao uso correto da CID-10. Essa situação é corroborada por outros estudos brasileiros de internação e mortalidade por AF(2222 Freire de Souza CD. Modelagem espacial e epidemiológica dos óbitos por transtornos falciformes no estado da Bahia entre 2000 e 2013. Rev Bras Pesqui Saúde. 2019;21(3):15-22. https://doi.org/10.21722/rbps.v21i3.28201
https://doi.org/10.21722/rbps.v21i3.2820...
,2828 Loureiro MM, Rozenfeld S. Epidemiologia de internações por doença falciforme no Brasil. Rev Saúde Pública. 2005;39(6):943-9. https://doi.org/10.1590/s0034-89102005000600012
https://doi.org/10.1590/s0034-8910200500...
-2929 Martins MMF, Teixeira MCP. Análise dos gastos das internações hospitalares por anemia falciforme no estado da Bahia. Cad Saúde Coletiva. 2017;25(1):24-30. https://doi.org/10.1590/1414-462x201700010209
https://doi.org/10.1590/1414-462x2017000...
).No que tange à análise gráfica da mortalidade, quanto à sua incidência e tendência, verificou-se uma tendência crescente no número de registros de óbitos do país até o ano de 2015. Entretanto, não é possível afirmar que essa ascendência indique que as pessoas com AF estejam morrendo mais, mas há possibilidade de terem ocorrido subnotificações em anos anteriores devido à dificuldade de diagnóstico, uso incorreto da CID-10 e falta de registros hospitalares(3030 Lima ARG, Ribeiro VS, Nicolau DI. Trends in mortality and hospital admissions of sickle cell disease patients before and after the newborn screening program in Maranhão, Brazil. Rev Bras Hematol Hemoter. 2015;37(1):12-6. https://doi.org/10.1016/j.bjhh.2014.11.009
https://doi.org/10.1016/j.bjhh.2014.11.0...
).

Com a implementação do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) em 2001, as doenças relacionadas aos transtornos falciformes passaram a ter uma maior evidência, além de uma melhor compreensão dos profissionais acerca dessas doenças. O aumento do número de óbitos por AF no Brasil acompanhou a evolução da taxa de cobertura do programa no país, que era de 81,61% em 2009 e chegou a 96,5% em 2020(3131 Mallmann MB, Tomasi YT, Boing AF. Neonatal screening tests in Brazil: prevalence rates and regional and socioeconomic inequalities. J Pediatr (Rio J). 2020;96(4):487-94. https://doi.org/10.1016/j.jped.2019.02.008
https://doi.org/10.1016/j.jped.2019.02.0...
-3232 Nascimento ML. Situação atual da triagem neonatal para hipotireoidismo congênito: críticas e perspectivas. Arq Bras Endocrinol Metabol. 2011;55(8):528-33. https://doi.org/10.1590/s0004-27302011000800005
https://doi.org/10.1590/s0004-2730201100...
).

O fato de a taxa de cobertura do PNTN historicamente ter sofrido um aumento gradativo indica que abordagens criadas e implementadas nos serviços universalizaram o acesso ao diagnóstico, o que repercute diretamente na identificação de novos casos e, por sua vez, na contabilização de mais registros(2222 Freire de Souza CD. Modelagem espacial e epidemiológica dos óbitos por transtornos falciformes no estado da Bahia entre 2000 e 2013. Rev Bras Pesqui Saúde. 2019;21(3):15-22. https://doi.org/10.21722/rbps.v21i3.28201
https://doi.org/10.21722/rbps.v21i3.2820...
).

Limitações do estudo

Apesar de ser um grande estudo sobre a tendência de mortalidade por AF no Brasil, esta pesquisa apresenta como limitação a utilização de dados de fontes secundárias, com registros de baixa qualidade. Por consequência, isso pode comprometer em parte a base de dados, mas a grande população estudada permite superar essas limitações próprias do desenho ecológico.

Além disso, outra limitação foi a não utilização de dados de mortalidade por todas as hemoglobinopatias falciformes em decorrência da não possibilidade de estratificação desses dados pelo banco de dados do SIM/DATASUS.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Identificar o perfil das pessoas que mais morrem no Brasil por AF, a evolução temporal e a distribuição espacial desses óbitos por regiões permite oferecer aos gestores conhecimento científico para que possam reconhecer os grupos mais vulneráveis e anos-chave com maiores índices de mortalidade. Isso possibilita a busca de alternativas que viabilizem uma maior qualidade e sobrevida dessa população.

CONCLUSÕES

É possível concluir que, embora a mortalidade por AF tenha predominado nos homens, estatisticamente a doença não apresentou maior incidência entre as mulheres. Outro dado importante foi a menor sobrevida no país, uma vez que a mortalidade foi maior entre a segunda e terceira décadas de vida. Além disso, a mortalidade pela doença acompanha um processo de miscigenação da população e esteve presente em um maior quantitativo de indivíduos pardos.

Foi possível perceber a ocorrência de uma transição do quantitativo de casos entre as regiões; e, no período compreendido entre 1997 e 2017, o Centro-Oeste apresentou a maior incidência de óbitos. Além disso, a tendência temporal de mortalidade no país evidenciou que, historicamente, o Brasil passa por um crescimento no número de registros de óbitos que pode estar relacionado a uma melhoria nas notificações desses casos.

A tendência crescente de óbitos também acende um alerta aos profissionais e gestores em saúde. É necessário monitoramento contínuo dos casos bem como rápida intervenção e tratamento aos que apresentam sinais de agravamento da doença, de modo a evitar mortes precoces e melhorar a sobrevida dessa população.

É importante salientar que, embora a AF tenha mais de 110 anos de relato científico, essa patologia ainda envolve muitos estigmas e desconhecimento por parte dos profissionais de saúde. Realizar ações com o intuito de dar mais visibilidade para a doença é uma conduta de extrema necessidade; com isso, espera-se o surgimento de novas propostas de capacitação das equipes de saúde que impliquem melhoria nas intervenções para esse público.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Machado Mota, Felipe; Ferreira Júnior, Marcos Antônio; Insabralde de Queiroz Cardoso, Andréia; Mariana Pompeo, Carolina; Pereira Frota, Oleci; Tsuha, Daniel Henrique; Schiaveto de Souza, Albert, 2021, “Análise da tendência temporal da mortalidade por anemia falciforme no Brasil - base de dados”, https://doi.org/10.48331/scielodata.YQJ2RK SciELO Data, VERSÃO RASCUNHO, UNF:6:47cZ66kWLX8Sohcdgm3UWA==

  • FOMENTO
    Esta pesquisa foi financiada por meio de concessão de bolsa de iniciação científica do primeiro autor pelo CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico; Apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001; e apoio financeiro da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS/MEC - Brasil.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2021
  • Aceito
    11 Dez 2021
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