Acessibilidade / Reportar erro

Enfermeiro Navegador de Pacientes com Câncer: contribuições para a discussão no cenário nacional

A prática profissional da navegação de pacientes é algo incipiente no Brasil e, sendo assim, é indispensável uma ampla discussão com vários setores da sociedade, sendo essa a principal propositura deste editorial. Comecemos pela história.

A navegação de pacientes foi definida em 1989 como uma intervenção de prestação de serviços baseada na comunidade, com o objetivo de promover, de forma apropriada, o acesso ao diagnóstico e tratamento do câncer e de outras doenças crônicas por meio da eliminação das barreiras dificultadoras. O conceito foi definido a partir de audiências promovidas pela American Cancer Society (EUA) em sete cidades norte-americanas, das quais participaram, principalmente, pessoas com câncer em condições de vulnerabilidade social(1Freeman HP, Rodriguez RL. History and principles of patient navigation. Cancer. 2011;117(15 Suppl):3539-42. https://doi.org/10.1002/cncr.26262
https://doi.org/10.1002/cncr.26262...
).

O primeiro programa de navegação de pacientes com câncer foi idealizado e operacionalizado pelo médico Harold Freeman, em 1990, no Harlem, Nova York, EUA. Freeman & Rodriguez descreveram as barreiras a serem eliminadas ou minimizadas no programa de navegação, sendo estas: financeiras e de acesso, como falta ou problemas de seguro saúde; sistema de saúde; comunicação e informação; e barreiras emocionais, como medo e desconfiança. Quanto à determinação de quem deveria navegar, os autores atribuíram essa decisão à intrínseca correspondência do nível de habilidades exigidas a cada fase da navegação do continuum do cuidado(1Freeman HP, Rodriguez RL. History and principles of patient navigation. Cancer. 2011;117(15 Suppl):3539-42. https://doi.org/10.1002/cncr.26262
https://doi.org/10.1002/cncr.26262...
).

A partir de 2007, a Oncology Nursing Society (ONS, EUA) buscou pavimentar a navegação de pacientes com câncer como uma área de atuação para os enfermeiros oncologistas, destacando a importância de esses enfermeiros, atuantes nos programas de navegação, avaliarem o impacto no conceito em desenvolvimento. Tanto a ONS quanto outras sociedades de enfermeiros oncologistas de países de alta renda investiram em definir as competências e traçar modelos estruturados para os programas de navegação. A busca por estudos bem desenhados que, normalmente, advieram de revisões de literatura nacional, contribuiu para a construção dos fenômenos e posteriores processos de validações com profissionais especialistas e estudiosos da área(2Baileys K, McMullen L, Lubejko B, Christensen D, Haylock PJ, Rose T, et al. Nurse Navigator Core Competencies: an update to reflect the evolution of the role. Clin J Oncol Nurs. 2018;1;22(3):272-81. https://doi.org/10.1188/18.cjon.272-281
https://doi.org/10.1188/18.cjon.272-281...
).

O impacto positivo da instituição de programas de navegação de pacientes com câncer com a liderança de enfermeiros tem sido uma realidade inexorável internacionalmente. Diferentes perspectivas de avaliações, incluindo a diminuição de tempo de espera entre encaminhamentosconsultas-procedimentos, melhor uso de recursos terapêuticos e tecnológicos, melhores respostas clínicas e de satisfação do paciente, entre outros ganhos, caracterizam com propriedade cuidados centrados na pessoa e família, mesmo tendo havido uma heterogeneidade na concepção e na implementação dos serviços ao longo das últimas três décadas(3Aversano J, Boehmer LM, Spira A. Improving Cancer Care Delivery: learnings for oncology nurses and patient navigation from a national quality survey. J Adv Pract Oncol. 2022;13(5):484-93. https://doi.org/10.6004/jadpro.2022.13.5.2
https://doi.org/10.6004/jadpro.2022.13.5...
).

Diante das evidências, precisamos construir a história nacional de programas de navegação para pacientes com câncer. Nossos indicadores epidemiológicos e de vulnerabilidades sociais ou mesmo de baixo letramento em saúde produzem resultados de adesão insatisfatória aos cuidados de promoção e manutenção da saúde brasileira, e caracterizam, sobremaneira, barreiras para uma assistência oncológica oportuna e de qualidade. Ademais, temos, geograficamente, uma imensa desigualdade de oferta e de recursos da atenção oncológica em todos os níveis de atenção. Certamente, programas de navegação destinados a cada seguimento do processo de adoecimento pelo câncer são necessários e caracterizarão as competências centrais para cada fase da navegação.

É hora de apoiar os enfermeiros com sólida formação em oncologia a empreenderem programas de navegação no Brasil. No entanto, salientamos que os desenhos dos programas devem articular a literatura científica disponível, com estudos diagnósticos da realidade da atenção oncológica que vivenciam, negociando infraestrutura e processos com gestores, pactuando atribuições com a equipe multiprofissional e estabelecendo as atividades de navegação e as metas de resultados a serem alcançados.

Certamente, é o direito dos enfermeiros oncologistas, dedicados aos programas de navegação de pacientes, serem reconhecidos profissionalmente como detentores de mais uma área de especialidade, uma vez que a pós-graduação lato sensu compreende a incorporação de competências técnicas e a capacidade de desenvolvimento de um novo perfil profissional. Ela também possibilita o aprimoramento da atuação no mundo do trabalho e ao atendimento de demandas por profissionais tecnicamente mais qualificados tanto para o setor público quanto para as empresas e as organizações do terceiro setor, tendo em vista o desenvolvimento do país(4Silva RM, Fernandes JD, Maurício MD, Silva LS, Silva GT, Cordeiro AL. Motivações para a experiência transicional das estudantes do curso de especialização em enfermagem. Rev Enferm Ref. 2020;5(4):e20021. https://doi.org/10.12707/RV20021
https://doi.org/10.12707/RV20021...
).

A formação desse especialista poderá constituir-se pelo aprendizado de diretrizes para o cuidado do paciente com doença crônica não transmissível, com modelos multidimensionais em saúde (biopsicossocial e espiritual), estratégias clínicas e de educação em saúde, incluindo as premissas do letramento em saúde, políticas públicas da atenção oncológica brasileira, com ênfase na adoção de linhas de cuidado tanto no público quanto na saúde suplementar, além de modelos e estratégias de gestão de recursos, pessoas e indicadores de desempenho e qualidade. A própria ciência da enfermagem, com suas teorias, modelos e processos, não pode ser subtraída da formação do enfermeiro oncologista e navegador de pacientes e de suas famílias no continuum do cuidado; nesse cenário, cabe o resgate de modelos clássicos e a adição dos contemporâneos.

Os desafios advindos da vivência na nova especialidade já estão impulsionando os enfermeiros especialistas brasileiros a desvelarem problemas ou gerarem intervenções eficazes, por meio de pesquisas científicas atreladas aos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu nas modalidades profissional ou acadêmico. As evidências científicas geradas pelas pesquisas terão, ao longo do tempo, o potencial de lapidação das competências profissionais e dos programas de navegação, liderados por enfermeiros oncologistas no âmbito nacional, fortalecendo-os.

Assim, caminhemos com maior resolutividade formativa para os enfermeiros oncologistas, com reconhecida experiência prática, para que se apropriem de conhecimentos, habilidades e atitudes necessárias para a assunção da coordenação do cuidado e/ou liderança de programas de navegação, conformando uma nova e promissora área de especialidade.

REFERENCES

  • Freeman HP, Rodriguez RL. History and principles of patient navigation. Cancer. 2011;117(15 Suppl):3539-42. https://doi.org/10.1002/cncr.26262
    » https://doi.org/10.1002/cncr.26262
  • Baileys K, McMullen L, Lubejko B, Christensen D, Haylock PJ, Rose T, et al. Nurse Navigator Core Competencies: an update to reflect the evolution of the role. Clin J Oncol Nurs. 2018;1;22(3):272-81. https://doi.org/10.1188/18.cjon.272-281
    » https://doi.org/10.1188/18.cjon.272-281
  • Aversano J, Boehmer LM, Spira A. Improving Cancer Care Delivery: learnings for oncology nurses and patient navigation from a national quality survey. J Adv Pract Oncol. 2022;13(5):484-93. https://doi.org/10.6004/jadpro.2022.13.5.2
    » https://doi.org/10.6004/jadpro.2022.13.5.2
  • Silva RM, Fernandes JD, Maurício MD, Silva LS, Silva GT, Cordeiro AL. Motivações para a experiência transicional das estudantes do curso de especialização em enfermagem. Rev Enferm Ref. 2020;5(4):e20021. https://doi.org/10.12707/RV20021
    » https://doi.org/10.12707/RV20021

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br