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A VISÃO DÁ COMUNIDADE SOBRE O PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM

INTRODUÇÃO

1 - O SISTEMA DE POSIÇÕES SOCIAIS NUMA SOCIEDADE

Para Costa Pinto (1010 PINTO, C. A. C. - Sociologia e Desenvolvimento. Ed. Civilização Brasileira, S/A. 2 ed. Rio de Janeiro. 90 e segs., 1965.)quando "falamos em estrutura social referimo-nos a uma sociedade enraizada do ângulo das relações dos homens entre si e dos homens com as coisas materiais que os cercam: relações interdependentes e geradas historicamente na atividade social de produzir e reproduzir as condições essenciais de sobrevivência do grupo".

A partir desta definição podemos distinguir três fontes fundamentais da estrutura social presentes em toda e qualquer sociedade, a saber: uma forma história de produção (o regime econômico) onde encontramos o conjunto das relações entre homens e as coisas materiais que os cercam; um sistema de estratificação social onde encontramos o conjunto das relações dos homens entre si e um conjunto de instituições e valores sociais que sedimenta os produtos de funcionamento da estrutura social.

No presente estudo será enfatizado um aspecto do sistema de identificação social de uma sociedade; aquilo que diz respeito ao sistema de posições sociais.

Para Davis e Moore(4DAVIS, K. e MOORE, W. E. - Alguns Princípios de Estratificação IN LUKACS. et als. Estruturas de Classes e Estratificação Social. Zahar Editores, Rio. 122, 1966.) a principal necessidade funcional que explica a preguiça universal da estratificação é a "exigência enfrentada por qualquer sociedade de situar e motivar os indivíduos na estrutura social".

A sociedade para atender às suas necessidades cria um sistema de posições sociais (exemplos: posição social de pai, de filho, de professor, de enfermeira) distribuindo seus membros nestas posições sociais e induzindo-os a executar os deveres inerentes a elas.

A cada posição social pode ser associado um papel social e um status social, Newcomb (6KELLY, C. - Política da Educação. Reper Edit., Rio de Janeiro.) define o papel social como "as maneiras de comportar-se que se esperam de qualquer indivíduo que ocupe certa posição social". O status social é definido por Lakatos (7LAKATOS, E. N. - Sociologia Geral. Ed. Atlas, S/A. 96 e segs., 1977.) como "o lugar ou posição que a pessoa ocupa na estrutura social de acordo com o julgamento coletivo ou consenso de opinião do grupo. Portanto, o status social é a posição em função dos valores sociais correntes na sociedade".

A sociedade brasileira atual se caracteriza como uma sociedade em transição - passagem do padrão, tradicional para o padrão urbano-industrial. Ora, numa sociedade em transição o velho e o novo estão presentes no mesmo momento - o velho se desagregando e o novo emergindo. Este processo de transição se reflete também no sistema de estratificação social, particularmente no sistema de posições sociais. Frente às novas necessidades sentidas são criadas novas posições sociais que deverão ser inseridas dentro do sistema de posições já existentes, de outro lado, algumas posições sociais do padrão tradicional desaparecem enquanto que outras têm papéis sociais e status sociais modificados.

Deve-se aqui lembrar que num processo de mudança social o aspecto da estrutura social que mais resiste às modificações é o referente às instituições e valores sociais (1BRURINI, M. I. - Estudo sobre a divulgação da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) no meio estudantil de enfermagem. Rev. Bras. Enf., D. F. (29) : 127-157, 1976.). Desta forma não seria de se estranhar se uma posição social tradicional frente às novas necessidades sociais tivesse seu conteúdo (em termos desfavoráveis) alterado sem uma correspondente alteração no status da mesma, já que o status envolve um aspecto valorativo da sociedade.

A posição social de enfermeira faz parte do sistema de posições da sociedade tradicional, persistindo no novo padrão estrutural que está se formando Observa-se, no entanto, uma mudança no perfil social da enfermeira (os comportamentos que se esperam) os deveres inerentes à posição social de enfermeira são diversos). E a valorização da posição da enfermagem se alterou? É esta a questão que pretendemos responder neste trabalho.

2 - A PROFISSÃO DE ENFERMAGEM NO BRASIL

A educação é considerada, ao mesmo tempo, um indicador e um gerador de desenvolvimento. Ela começa a existir no instante em que, medidas racionais escalonadas em grau de prioridade, começam a ser adotadas para superar hábitos cristalizados, romper rotinas estabelecidas a fim de determinar a dosagem correta das várias tendências existentes sem a qual não se poderá fazer a integração harmoniosa no processo social.

No Brasil, como na maioria dos países, os recursos educacionais se desenvolveram de forma desordenada, como reflexo das condições sócio-econômico-educacionais de um determinado local, resultante e não determinante básico de progresso.

De um modo geral, as diversas profissões nasceram empiricamente, e a Enfermagem não foi uma exceção.

Salinas, em 1972 (1515 SALINAS, P. - Escola de Enfermagem Ana Neri, o padrão pioneiro. Rev. "Educação" 1, (4): Publicação Of. do Min. da Educação e Cultura - D. F., 1972.) ao relatar o início da Enfermagem no Brasil escreve: as "Santas Casas", nome dado, em Portugal, às instituições para recolhimento de pobres e órfãos e a hospitais, estavam nos planos de Cabral quando o encarregaram de descobrir o Brasil. Assim, fundada a Vila de Santos, em 1543, teve ele sua "santa casa". Seguiram-se várias outras.

Aqui, segundo a maioria dos entendidos se pode caracterizar no Brasil o início das atividades relacionadas aos cuidados com enfermos.

Embora haja divergência quanto às datas, afirmam que o primeiro homem que praticou a enfermagem no Brasil foi Anchieta após sua chegada à Colônia assistindo a trezentos enfermos recolhidos a um hospital improvisado, que mais tarde se tornaria a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. No século XVIII, Frei Fabiano de Cristo exerceu, durante 40 anos, a função de "enfermeiro".

Os senhores de engenho alugavam escravos peritos em enfermagem, que se instruíam nos livros da época, comprados em Portugal. O mais usado data de 1783, escrito por Francisco Mocato Roma, em Coimbra.

É interessante notar que a profissão, no seu início, era essencialmente masculina.

Mais tarde, com a vinda das Filhas da Caridade para o Brasil, a supervisão dos serviços ficaram aos seus cuidados e centrados nas Santas Casas.

Durante mais ou menos três séculos a Enfermagem foi exercida pelas religiosas ou voluntárias e a primeira de que se tem notícias chamava-se Francisca de Sande (1702); era baiana e sua casa servia de hospital.

Em 1865 outra baiana, Ana Neri, se destacou no cenário da enfermagem, como voluntária na guerra do Paraguai. Por sua atuação foi chamada "Mãe dos Brasileiros", e mereceu do Imperador uma pensão anual e a condecoração com as medalhas: Humanitária de 2.a Classe e de Campanha, e mais tarde deu nome à primeira Escola de Enfermagem de alto padrão no Brasil.

2.1 - Etapas do desenvolvimento da profissão de Enfermagem

Durante muito tempo a Enfermagem era exclusivamente prática. Aqueles que a seguiam eram leigos, levados ao campo hospitalar onde eram treinados sob o mais rígido regime, assemelhando-se ao regime militar, sob a chefia de médicos, sem horas de lazer nem de estudos.

Castro e colaboradores apud Mayor(3CASTRO, I. B. e colaboradores - Modificação da imagem da enfermeira percebida pelos estudantes durante o curso de graduação em Enfermagem. Rev. Bras. Enf., Rio de Janeiro. (2): 180-192, 1974.), compara o desenvolvimento de qualquer profissão com o do ser humano, determinando períodos de infância, adolescência e maturidade. Considerando o que foi dito acima, nenhuma profissão nasce na fase adulta, tendo que vencer sucessivamente todas as etapas em busca de seu "status" junto à sociedade.

A enfermagem após o seu período crítico, tenta sistematizar o seu ensino segundo os critérios básicos de necessidades sociais. No entanto a primeira tentativa foi um tanto frustrante. A demanda social e de mercado de trabalho eram pacíficas e o ensino sobre a satisfação desse tipo de demanda teria que sofrer suas debilidades metodológicas.

Assim em 1890 da necessidade de um grupo de Médicos Psiquiatras surgiu a Escola Alfredo Pinto, a primeira no Brasil. O ensino de enfermagem situava-se no plano doméstico ou religioso, o treinamento era feito em serviço e atendendo a um objetivo predeterminado, atender às necessidades do grupo que oferecia o treinamento.

"A revolução na Enfermagem brasileira foi feita pelos Estados Unidos, através de um médico, o Dr. Lewis Wendel Heckeet, primeiro Diretor do Conselho Internacional de Saúde Pública, entre nós, e amigo íntimo de Carlos Chagas. Foi ele quem fez com que o sanitarista brasileiro procurasse observar de perto o valor da contribuição das enfermeiras nas campanhas profiláticas nos Estados Unidos. Com seu apoio, foi possível que os americanos, através do Sr. Rockefeller, financiassem a instalação do Serviço de Enfermeiras de Saúde Pública, ainda na administração de Carlos Chagas".

O sistema Nightingale adotado pelo mundo inteiro, infiltrou-se em nosso país e através do Decreto n.º 16.300, de 1923, apoiado pelo Dr. Carlos Chagas, foi criada a Escola de Enfermagem Ana Neri, que constituiu de fato, o início de uma nova era para a Enfermagem brasileira. A par disto, houve por força do Decreto n.º 20.109/31, de 15 de julho de 1931, uma equiparação de todas as Escolas de Enfermagem do país à Escola Ana Neri, considerada escola-padrão.

A sistematização do ensino era baseada no sistema Nightingale e determinava que, as candidatas deveriam ter aptidões muito especiais. Essa visão reforçava a seleção rigorosa de candidatos e alicerçava-se nas seguintes bases: Direção da Escola por enfermeira e não por médico ,ensino metódico, em vez de ocasional. Seleção dos candidatos do ponto de vista: físico, moral, intelectual e profissional.

Porém, o fato de uma política educacional ter alcançado excelentes resultados em determinada época e lugar, não significou que ele possa ser repetido exatamente em outros períodos sem a necessária adaptação ao contexto social do país.

Assim, o sistema Nightingale desenvolvido num tempo em que o processo econômico-cultural no Brasil era desfavorável em relação aos existentes na Inglaterra e Estados Unidos, determinou um processo de mutação, isto é, a adoção de um espírito de análise capaz de apontar caminhos e superar as dificuldades para adoção da sistemática.

A alteração e adaptação do sistema Nightingale foi uma conseqüência da Lei n.º 775/49, específica para o ensino de Enfermagem, mais tarde regulamentada pelo Decreto n.º 27.426/49.

Em linhas gerais seu conteúdo consistia na fixação de currículo, da duração do ".urso incluindo os trabalhos práticos e os estágios, reconhecia as próprias Escolas de Enfermagem, tirando-as da situação, de, apenas equiparadas à Escola Ana Neri.

Em essência, o conjunto de medidas adotadas não possibilitou modificações significativas em termos profissionais. O conteúdo continuou dando ênfase a parte prática, sendo negligenciada a fundamentação teórica dos procedimentos de Enfermagem.

Outro ponto a ser destacado foi d exigência do curso colegial completo para o ingresso nas escolas e o parecer de n.º 271/62 do Conselho Federal de Educação que fixa o Currículo Mínimo para os cursos de Enfermagem permitindo assim, a execução de uma política de expansão do sistema de ensino e melhoria qualitativa do mesmo.

As relações de interferência recíproca entre o sistema educacional e o sistema sócio-econômico contribuíram de maneira sensível para assegurar que a educação não corresponde somente a uma aspiração individual, mas é também uma exigência das sociedades modernas.

A Reforma Universitária acontecida em decorrência dos decretos n.os53/66 e 252/67 proporcionou uma nova dimensão ao sistema de ensino apressando a integração das Escolas nas Universidades e propiciou um sistema comum de ensino e pesquisa, reunindo as matérias básicas em unidades próprias e possibilitando um intercâmbio cultural entre os estudantes dos diversos cursos, facilitando assim, um processo de redefinições dos padrões tradicionais de coesão social, além de tender para a melhoria dos seus conhecimentos científicos que o pragmatismo anterior não permitia.

2.2 - A Enfermagem em Goiânia

A Faculdade de Enfermagem São Vicente de Paulo, de Goiás, foi fundada pelo Bispo "Dom Emanuel Gomes de Oliveira" em 18 de maio de 1941.

No ato da fundação a Entidade Mantenedora foi a Coperência São Vicente de Paulo com sede no Rio de Janeiro, em seguida foi assumida pelas "Filhas de Caridade", Enfermeiras diplomadas pela Escola Ana Neri da Universidade do Brasil, recém-chegadas a Goiânia.

Reconhecida oficialmente pelo Governo Federal, através do Decreto-Lei n.º 15.945, de 09 de maio de 1944, foi agregada à Universidade de Goiás desde a fundação desta.

Das finalidades contidas no seu Regimento chamaram nossa atenção as seguintes:

- Ministrar, gratuitamente, o ensino de Enfermagem nos graus previstos pela Lei.

- Manter cursos facultativos para enfermeiros que desejam a especialização em determiados ramos da Enfermagem.

- Incentivar e desenvolver estudos e pesquisas, nos vários domínios que constituem objeto de ensino de Enfermagem.

- Promover a formação integral dos alunos de acordo com os princípios da doutrina cristã, colaborando com as demais unidades da Universidade de Goiás, em pesquisas científicas que visem ao desenvolvimento profissioal e em benefício da Comunidade.

Do exposto ficou patente a preocupação e o esforço dos profissionais responsáveis pela escola para desenvolver uma política de ensino capaz de superar as dificuldades para adoção de um ensino mais científico, proporcionando a pesquisa.

Algum tempo depois foi desagregada da Universidade de Goiás para se constituir numa escola isolada, o que a nosso ver foi um retrocesso...

Em 1973 a escola foi incorporada à Universidade Católica de Goiás e atualmente constitui um de seus departamentos, sendo que até 1971 era a única escola de nível superior da cidade de Goiânia.

A Enfermagem em Goiânia nasceu quando a capital ainda era uma criança, o que dificultou em parte o nascimento da Enfermagem e retardou durante algum tempo seu crescimento. Mas, o dinamismo e entusiasmo de suas fundadoras e a colaboração desinteressada efetiva de outros profissionais, principalmente da classe médica e posteriormente da Universidade Federal de Goiás conseguiu criar um ambiente equilibrado, harmonioso, capaz de integrá-la à sociedade.

O crescimento de qualquer profissão é proporcional às exigências e necessidades sociais e ao desenvolvimento da cultura da comunidade. Quanto maior o desenvolvimento dos diversos setores da vida social maior a solicitação de um profissional diferenciado.

Assim a Enfermagem cresce de mãos dadas com a cidade de Goiânia, tentando dissolver seus estereótipos tradicionais, na melhoria da qualidade do ensino na organização dos currículos no enfoque de uma ação independente e de um ensino voltado para pesquisa capaz de atender à realidade atual.

Em 1975, em resposta ao número insignificante de profissionais para atender às exigências crescentes dos serviços de Saúde do Estado, a Universidade Federal criou o Departamento de Enfermagem, inicialmente agregado administrativamente à Faculdade de Medicina. A primeira turma se gradua em 1979, com formação de enfermeiro geral, iniciada em 1976.

Para finalizar, fazemos nossas as palavras de Ribeiro: "Falar eternamente do "déficit" de enfermagem, não vai ajudar muito. Há que encarar o outro lado do problema: a questão de qualidade dos quantitativos atuais, da utilização plena e adequada dos profissionais de enfermagem de nível superior disponíveis e da sua responsabilidade pelo próprio desenvolvimento profissional". Ê o que estamos tentando no momento.

3. O PERFIL DO PROFISSIONAL DE ENFERMAGEM

A modificação do conceito de enfermagem é um desafio e uma constante perseguida no contexto social desde os seus primórdios.

3.1 - O perfil tradicional

Apesar da enfermagem em Goiânia ser recente e exigir um nível de escolaridade melhor para ingresso na mesma, a organização social da época não estava desperta para a aceitação de um profissional qualificado nesta área.

Dentro da área de saúde a enfermagem era considerada pela sociedade uma "subprofissão", situação criada talvez por seu começo tão destituído de princípios científicos e ser exercida por pessoas de nível social inferior, ao que parece, essa deficiência inicial contagiou aquela situação através dos tempos e atuou de certa forma de modo negativo numa sociedade em formação.

Como se não bastassem essas razões, a sociedade mais dotada de recursos financeiros culturais era bastante preconceituosa em relação ao trabalho feminino fora do lar, principalmente em relação aos ambientes hospitalares onde a convivência com o sexo masculino se fazia de modo mais freqüente, e os horários noturnos tinham que ser cumpridos. Isto era motivo suficiente para delimitar a clientela e dar uma imagem deturpada do profissional.

A situação profissiográfica descrita pode assim ser classificada como de caráter transicional ou preparatório para as características da profissão em termos atuais.

3.2 - O perfil moderno

"Sociólogos brasileiros reconhecem o esforço legítimo dos enfermeiros para conseguir "status" e condições de trabalho".

Todavia está bem claro, no presente, a passagem das atribuições gerenciais das escolas para o profissional de enfermagem outrora exercida por médica. É de lembrar-se ainda a sua competência profissional comprovada e aceita, para atuar com autoridade técnica no planejamento e administração, em programas de educação sanitária da população (geralmente em equipe).

Numa análise mais ampla podemos afirmar que ainda estamos numa época de crise. Mas com a passagem do curso para a condição universitária e com as perspectivas de ocupação em postos chaves o perfil sofreu alteração significativa além da melhoria sócio-cultural da clientela.

Brurini comenta: "O rápido desenvolvimento da profissão em conseqüência da criação de novas escolas, aumento do número de enfermeiros, suas atribuições e diversificações dos campos de atuação leva ao aumento da responsabilidade dos enfermeiros na manutenção do nível de assistência de enfermagem, necessário à situação atual".

3.3 - A situação da enfermagem em Goiânia

A situação da enfermagem em Goiânia obedeceu mais ou menos os mesmos passos que dos outros Estados.

O seu início foi caracterizado pela ausência de enfermeiras em número suficiente para fazer frente às necessidades da escola, e por força das necessidades o profissional médico lecionava a maioria das disciplinas ficando a parte prática a cargo das enfermeiras. A ênfase maior era dada à parte prática e funcionava em regime de internato.

A clientela era recrutada em geral junto aos extratos sócio-educacionais médio e baixo, havendo uma predominância entre os profissionais do sexo feminino de elementos solteiros devido ao regime de trabalho. O preconceito social em relação ao trabalho fora do lar, foi uma importante barreira a ser vencida pelas candidatas, seja na família, seja no círculo de amizades.

A situação no grupo de trabalho era de "submissão", quer por sua escolaridade inferior à do médico quer por sua condição de mulher, o que em outras palavras se traduzia, enfermeira "auxiliar" do médico. Daí as classes melhores situadas socialmente desencorajarem suas filhas no momento da escolha da carreira em relação à enfermagem.

Atualmente a sociedade tenta ver o profissional de enfermagem de outra maneira, embora, ainda se cultive expectativas tradicionalistas e ao mesmo tempo a definem como profissão científica, e muitas vezes o próprio profissional afasta-se dos princípios científicos para adotar o modelo tradicional pressionado por situações precárias (falta de pessoal, equipamento e o próprio contexto social).

3.4 - Hipótese do trabalho:

- A evolução da enfermagem em Goiânia modificou a sua imagem na comunidade.

- A Reforma Universitária contribuiu para modificar o perfil da enfermagem no meio universitário.

DESENVOLVIMENTO

1. HIPÓTESE I

"A evolução da enfermagem em Goiânia modificou a sua imagem na comunidade".

A partir dos depoimentos verbais a nós feitos por 15 (quinze) profissionais de enfermagem formadas nas primeiras turmas de Goiânia, pode-se deduzir que a profissão de enfermagem sofreu uma transformação significativa no que diz respeito ao grau de escolaridade, de atuação junto à comunidade, de liderança dentro das equipes de saúde e no âmbito da educação.

Segundo os depoimentos o profissional de enfermagem era visto anteriormente como uma sub-profissão, o grau de escolaridade era baixo o que determinava os mecanismos de ensino; o regime patriarcal por sua vez condicionava a submissão mesmo na vida profissional.

A partir da análise dos resultados apresentados por Rodrigues, I. R. e cols. (1414 RODRIGUES, I.R., TEIXEIRA, I.L.. SILVA, M.A., CENTENO, M. L.. - "O que pensa a comunidade da Enfermeira" - Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Goiás, 1977 (documento original).) em seu trabalho "O que pensa a comunidade da enfermeira", procuraremos demonstrar que existe uma nova imagem da enfermeira, persistindo no entanto, resíduos da imagem tradicional.

Os autores realizaram 120 entrevistas (questionários em anexo) com pessoas da comunidade goianiense no segundo semestre de 1977. O critério para selecionar o entrevistado era o de que o mesmo deveria possuir três características previamente associadas em termos de sexo (masculino ou feminino), idade (jovens ou maduros) e grau de instrução (analfabeto, primário e 2.º grau e universitário). Foram entrevistados 10 pessoas para cada um dos 12 grupos possíveis.

A seguir apresentamos as conclusões da pesquisa de Rodrigues e cols. que nos parecem pertinentes ao problema em estudo.

1) 83,3% da população entrevistada conhecia uma ou mais enfermeiras, sendo que o conhecimento maior era pela população madura, pelo sexo feminino e pela população de instrução mais elevada.

2) 43,3% da população entrevistada conhecia o profissional através de uma relação de vizinhança.

3) 1/3 da população entrevistada tinha idéia negativa sobre a enfermeira e seu ambiente de trabalho, sendo que o maior percentual de respostas negativas (31,6%) se referia à questão: "Se o senhor tivesse uma filha e ela quisesse ser enfermeira, o senhor acharia bom?"

4) A predominância de respostas negativas foi da população madura.

5) A população masculina apresentou em todas as questões uma percentual maior de respostas negativas do que a população feminina.

6) "Por que gosta de ajudar os outros", foi o motivo mais justo para uma moça fazer enfermagem.

Pelos resultados apresentados podemos observar que o preconceito gerador de obstáculo à expansão da Enfermagem apenas começa a se dissipar, ainda se encontrando resíduos dos tradicionais estereótipos da enfermagem.

Pela tabela constante no trabalho consultado, a enfermagem foi mais aceita pelas pessoas de instrução primária e secundária, havendo uma rejeição maior pelos elementos analfabetos e com grau de instrução superior, do que se pode deduzir que no primeiro caso seria por ignorância, no segundo por preconceito. A aceitação da pergunta também foi maior por parte dos elementos femininos que os masculinos, o que nos propiciou uma visão de submissão feminina esperada pelo grupo masculino. É notório também que deve haver um esforço conjunto na divulgação da nova imagem do profissional de enfermagem, visto que 43,3% do conhecimento do profissional pela população entrevistada se devia à relação de vizinhança, amizade e outros.

2. HIPÓTESE II

A Reforma Universitária contribuiu, para modificar o perfil da Enfermeira no meio universitário.

A Reforma Universitária trouxe aos estudantes uma unificação em termos de convivência, e um intercâmbio cultural na reunião das matérias básicas em unidades próprias. Esta medida veio facilitar a interação dos alunos de enfermagem em termos de trabalho em condições de igualdade junto a todas as áreas, principalmente a área de saúde.

É de se esperar que esta maior convivência provoque uma mudança de imagem da enfermeira junto à população universitária e que esta mudança seja mais forte junto à área de Ciências Biológicas, em que a convivência é maior do que nas demais áreas de estudo. É o que procuraremos evidenciar através da análise do trabalho de Bittow, L. e cols. (5FERREIRA, C. A. S. - A Enfermeira como categoria ocupacional num moderno Hospital-Escola brasileiro. Rev. Educación Medica y Saúde. OPAS (7): 16-29, 1973.) sobre "A percepção do estudante universitário sobre a profissão de enfermagem".

Os autores entrevistaram 107 estudantes do Campus II da Universidade Federal de Goiás, envolvendo as seguintes áreas: Área de Ciências Humanas - 32 alunos (13M e 19F), Área de Ciências Exatas - 28 alunos (21M e 07F) e Área de Ciências Biológicas (com exceção de enfermagem e nutrição) - 47 alunos (17M e 30F). Cada aluno respondeu a um questionário (em anexo) em que além da identificação por sexo e curso, assinalou se concordava ou não com 10 (dez) afirmativas propostas e que se referiam a idéias existentes sobre o curso e a profissão de enfermagem. Foi solicitado, também que o aluno classificasse por ordem de importância (de 1 a 10) as profissões constantes de uma lista de 10 (dez) profissões (médico, enfermeiro, nutricionista, odontólogo, veterinário, sociólogo, jornalista, físico, geógrafo e historiador.

1) Cerca de 2/3 dos alunos entrevistados (66,3%) concordaram com a afirmativa de que a remuneração de enfermeira está abaixo de sua qualificação.

2) A aceitação de idéias "distorcidas" sobre a profissão de enfermagem variou conforme a idéia sugerida pela afirmativa de uma porcentagem de 6,5% de aceitação até 38,3% de aceitação, verificando-se que em geral a presença das idéias "distorcidas" estava presente em cerca de 1/4 da população estudada.

3) Houve uma aceitação maior das afirmativas envolvendo idéias "distorcidas" pelos alunos da área de Ciências Exatas (32,14%) e uma aceitação menor pelos alunos de Ciências Humanas (23,61%) e de Ciências Biológicas (19,14%).

4) Cerca da metade dos alunos entrevistados (49,99%) classificaram a profissão da enfermagem entre as três primeiras dentre dez profissões apresentadas; sendo que a menor porcentagem foi obtida entre os alunos de Ciências Humanas (34,37%) e a maior porcentagem entre os alunos de Ciências Biológicas (48,93%).

Podemos deduzir que a Reforma Universitária deu sua parcela de contribuição na modificação da imagem do enfermeiro junto à população universitária. Essa modificação é percebida de maneira mais concreta entre os estudantes da mesma área, o que nos leva a crer que a interação entre os mesmos proporcione uma nova visão do profissional de enfermagem.

Os atuais e futuros acadêmicos forçosamente serão os agentes de mudança, contribuindo para apagar a tradicional imagem da enfermeira do cenário social e implementar novas condições que suportem o desenvolvimento do novo profissional.

CONCLUSÃO

A partir do estudo realizado podemos chegar às seguintes conclusões:

- A imagem da enfermeira percebida pela comunidade goianiense não é totalmente satisfatória. Esperava-se que as modificações ocorridas em todos os setores da vida social, bem como a ascenção da profissão a nível superior, os estereótipos tradicionais estivessem menos presentes na comunidade goianiense.

- A Reforma Universitária funcionou como um veículo de comunicação entre os diversos profissionais, enfraquecendo as barreiras e projetando uma imagem da enfermeira altamente positiva entre os universitários goianienses, particularmente os da área de saúde.

  • SALUM, M.M.C. - A visão da comunidade sobre o profissional de enfermagem. Rev. Bras. Enf.; DF, 32: 75-88, 1979.

ANEXO 1 "A Percepção da Enfermagem pelo Estudante Universitário"

ANEXO 2 "O que pensa a comunidade da Enfermeira"

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    BRURINI, M. I. - Estudo sobre a divulgação da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) no meio estudantil de enfermagem. Rev. Bras. Enf., D. F. (29) : 127-157, 1976.
  • 2
    BITTOW, L, PINTO, F. V., PORTUGAL, V. Mc, CENTENO, M. L. - "A percepção do estudante universitário sobre a profissão de enfermagem. Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Goiás, 1977 (documento original) .
  • 3
    CASTRO, I. B. e colaboradores - Modificação da imagem da enfermeira percebida pelos estudantes durante o curso de graduação em Enfermagem. Rev. Bras. Enf., Rio de Janeiro. (2): 180-192, 1974.
  • 4
    DAVIS, K. e MOORE, W. E. - Alguns Princípios de Estratificação IN LUKACS. et als. Estruturas de Classes e Estratificação Social. Zahar Editores, Rio. 122, 1966.
  • 5
    FERREIRA, C. A. S. - A Enfermeira como categoria ocupacional num moderno Hospital-Escola brasileiro. Rev. Educación Medica y Saúde OPAS (7): 16-29, 1973.
  • 6
    KELLY, C. - Política da Educação. Reper Edit., Rio de Janeiro.
  • 7
    LAKATOS, E. N. - Sociologia Geral. Ed. Atlas, S/A. 96 e segs., 1977.
  • 8
    LEI FEDERAL 775/49 art. 22 - Leis, Decretos e Portarias 200, 1949.
  • 9
    MELLO, CG. - A enfermagem como profissão na atual conjuntura social. Rev. Paulista de Hospitais, Ano XI, vol. XI (6), 1963.
  • 10
    PINTO, C. A. C. - Sociologia e Desenvolvimento. Ed. Civilização Brasileira, S/A. 2 ed. Rio de Janeiro. 90 e segs., 1965.
  • 11
    PAULO VI - Popularum Progressio. Ed. Vozes. 34 e segs. Rio de Janeiro. 1967.
  • 12
    PINHEIRO, M. R. S. - A Enfermagem no Brasil e em São Paulo Rev. Bras. Enf., Rio de Janeiro (4) : 422 e segs. 1962.
  • 13
    RIBEIRO, C. M. (co-relator) - Anais da III Reunião. Associação Bras. Escolas Médicas Porto Alegre. 85-118, 1965.
  • 14
    RODRIGUES, I.R., TEIXEIRA, I.L.. SILVA, M.A., CENTENO, M. L.. - "O que pensa a comunidade da Enfermeira" - Departamento de Ciências Humanas da Universidade Federal de Goiás, 1977 (documento original).
  • 15
    SALINAS, P. - Escola de Enfermagem Ana Neri, o padrão pioneiro. Rev. "Educação" 1, (4): Publicação Of. do Min. da Educação e Cultura - D. F., 1972.
  • 16
    WALESCA, P. - Páginas de História da Enfermagem. 3 ed., Ed. Bruno Buccini. 79 e segs., 1963.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 1979
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