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A RELAÇÃO ENTRE MATERNIDADE, REPRODUÇÃO SOCIAL E NEOLIBERALISMO NA POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO ÀS MULHERES EM SITUAÇÃO DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE E EGRESSAS DO SISTEMA PRISIONAL (PNAMPE)

THE RELATIONSHIP BETWEEN MOTHERHOOD, SOCIAL REPRODUCTION AND NEOLIBERALISM IN THE BRAZILIAN NATIONAL POLICY OF CARE FOR INCARCERATED AND RELEASED FROM THE PRISON SYSTEM WOMEN

LA RELACIÓN ENTRE MATERNIDAD, REPRODUCCIÓN SOCIAL Y NEOLIBERALISMO EN LA POLÍTICA NACIONAL BRASILEÑA DE ATENCIÓN A LAS MUJERES ENCARCELADAS Y EXCARCELADAS DEL SISTEMA PENITENCIARIO

RESUMO

Este artigo tem por objetivo compreender as relações dialéticas entre o discurso da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE), o neoliberalismo e a reprodução social. O Estado capitalista é aqui entendido na perspectiva marxista, como o consenso político das massas produzido para atender a necessidades materiais e históricas das classes dominantes, visando o controle social pelo amortecimento do real conflito social capitalista: o de classes. Em tempos de crises cíclicas do capital as classes dominantes se valem de discursos ideológicos como os do neoconservadorismo, a fim de garantir o controle social e alocar mulheres, sobretudo negras e pobres, ao trabalho reprodutivo, garantindo a reprodução social em face a cortes de políticas públicas que atendem aos desígnios neoliberais. Buscando compreender a relação entre reprodução social e neoliberalismo com o discurso da PNAMPE, utiliza-se da proposta teórico-metodológica da Análise Crítica do Discurso (ACD), em Norman Fairclough. Os resultados apontam que o sistema prisional se volta para a regulação do mercado de trabalho capitalista e a PNAMPE contribui para a dominação e regulação social pelas classes dominantes, garantindo que o trabalho de reprodução social seja atribuído às mulheres em situação de privação de liberdade, sobretudo aquelas que se tornam mães.

Palavras-chave:
Estado; Maternidade; Encarceramento Feminino; Reprodução Social; Análise Crítica do Discurso

This article aims to understand the dialectical relations between the discourse of the National Policy for Attention to Women in Situations of Deprivation of Liberty and Egresses from the Prison System (PNAMPE), neoliberalism and social reproduction. The capitalist State is understood here in the Marxist perspective, as the political consensus of the masses produced to meet the material and historical needs of the dominant classes, aiming at social control by dampening the real capitalist social conflict: that of classes. In times of cyclical crises of capital, the ruling classes make use of ideological discourses such as those of neoconservatism, in order to guarantee social control and allocate women, especially black and poor, to reproductive work, guaranteeing social reproduction in the face of budget cuts in policies. Seeking to understand the relationship between social reproduction and neoliberalism with the discourse of PNAMPE, it uses the theoretical-methodological proposal of Critical Discourse Analysis (ACD), in Norman Fairclough. The results show that the prison system serves to the regulation of the capitalist labor market and PNAMPE contributes to the domination and social regulation by the dominant classes, ensuring that social reproduction is assigned to women deprived of liberty, especially those who become mothers.

Keywords:
State; Maternity; Female Incarceration; Social Reproduction; Critical Discourse Analysis


Teniendo en cuenta la Política Nacional de Atención a las Mujeres Privadas de Libertad y Egresas del Sistema Penitenciario (PNAMPE), creada en 2014, este trabajo tuvo como objetivo comprender las relaciones dialécticas entre el discurso del PNAMPE, el neoliberalismo y la reproducción social. El Estado capitalista es entendido aquí en la perspectiva marxista como el consenso político de las masas producido para satisfacer las necesidades materiales e históricas de las clases dominantes, buscando el control social amortiguando el actual conflicto social capitalista: el de los tipos. Sin embargo, en tiempos de crisis cíclicas del capital, las clases dominantes, a través del aparato estatal hegemónico, hacen uso de discursos ideológicos como los del neoconservadurismo para garantizar el control social y destinar a las mujeres, sobre todo negras y pobres, al trabajo reproductivo, garantizando la reproducción social frente a los recortes en las políticas públicas que atienden a los diseños neoliberales. Buscando comprender la relación entre reproducción social y neoliberalismo con el discurso del PAMPE, utilizamos la propuesta teórico-metodológica del Análisis Crítico del Discurso (ACD) de Norman Fairclough. Los resultados indican que el propósito del PAMPE se centró en satisfacer el papel del Estado capitalista neoliberal en el mantenimiento de la dominación y regulación social por parte de las clases dominantes, asegurando que el trabajo de reproducción social sea destinado a las mujeres en situación de privación de libertad, sobre todo, las que se convierten en madres.

Palabras clave:
Estado; Maternidad; Encarcelamiento de Mujeres; Reproducción Social; Análisis Crítica del Discurso


INTRODUÇÃO

No ano de 2016, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (SANTOS; ROSA, 2017SANTOS, T.; ROSA, M. I. da; INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen Mulheres, v. 2, 2017.), o Brasil totalizou 42 mil mulheres em situação de cárcere, representando um aumento de 656% em sua população carcerária feminina, enquanto no mesmo período, a população masculina cresceu 293%. Ainda assim, somente 5,46% dos crimes registrados no período foram de autoria feminina (SANTOS; ROSA, 2017SANTOS, T.; ROSA, M. I. da; INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen Mulheres, v. 2, 2017.). Como explicar, então, o crescimento exponencial do encarceramento feminino no Brasil, se esse crescimento não se vincula a um aumento proporcional da criminalidade feminina?

Nolan et al (2017)NOLAN, M. M. et al. Mulheres em prisão. Instituto Terra, Trabalho e Cidadania-ITTC, 2017., apontam algumas das possíveis explicações para o fenômeno do crescimento exponencial do encarceramento feminino em massa no Brasil, nas últimas décadas. Para os autores, a prisão baseada majoritariamente em flagrante, caracterizada pelo racismo; as prisões provisórias (o qual significou, por exemplo, que em 2013, 44,7% das mulheres presas ainda aguardavam julgamento); e o baixo acesso das encarceradas à uma defesa técnica de qualidade, ajudam a explicar estes números (NOLAN et al 2017NOLAN, M. M. et al. Mulheres em prisão. Instituto Terra, Trabalho e Cidadania-ITTC, 2017.).

A privação da liberdade é encarada socialmente como um instrumento de punição, controle e gerenciamento do crime, utilizado pelo Estado para os possíveis transgressores em uma sociedade (WACQUANT, 2008WACQUANT, L. O lugar da prisão na nova administração da pobreza. Novos estudos CEBRAP, p. 9-19, 2008.). Todavia, como sugerem as pesquisas de Nolan et al (2017)NOLAN, M. M. et al. Mulheres em prisão. Instituto Terra, Trabalho e Cidadania-ITTC, 2017. e de Santos e Rosa (2017)SANTOS, T.; ROSA, M. I. da; INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen Mulheres, v. 2, 2017., as prisões brasileiras parecem cumprir, para as mulheres, funções para além de seu suposto caráter punitivo e correcional. Daí o argumento, neste trabalho, de que o cárcere é a resposta do Estado em seu propósito neoliberal de desregulamentação dos serviços públicos, criminalizando a pobreza com a finalidade de possibilitar a imposição de ofertas de trabalho precárias e mal remuneradas, imposição esta que se instala por meio de obrigações cívicas para as pessoas que se encontram na base da estrutura de classes (WACQUANT, 2008WACQUANT, L. O lugar da prisão na nova administração da pobreza. Novos estudos CEBRAP, p. 9-19, 2008.).

Para investigar o cumprimento deste papel do Estado em relação ao encarceramento feminino em massa, buscou-se, neste estudo, compreender as relações dialéticas entre o discurso estatal sobre encarceramento feminino, o neoliberalismo e a reprodução social, por meio da proposta teórico-metodológica da Análise Crítica do Discurso (ACD), com base em Norman Fairclough, aplicada ao principal documento oficial do Estado brasileiro a tratar do tema, o texto da Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE).

Para alcance desse objetivo, o presente artigo se organiza da seguinte forma: i) trata-se sobre o conceito de Estado e seu papel no contexto do neoliberalismo; ii) discute-se a contribuição do conceito de reprodução social para a compreensão do objetivo do encarceramento em massa no contexto neoliberal; iii) apresenta-se os fundamentos teóricos e procedimentos metodológicos, fundamentados na Análise Crítica do Discurso, em Norman Fairclough, seguidos pelas discussões e análises dos resultados; e iv) apresenta-se as considerações finais.

1 O ESTADO E SUA FUNÇÃO NO CONTEXTO NEOLIBERAL

Para a compreensão do conceito de Estado, faz-se necessário analisar a historicidade da sociedade ao longo do tempo. Vários autores, pensadores clássicos e estudiosos já discutiram muito sobre esse conceito e sua complexidade, sob perspectivas diferentes. Por exemplo, Friedrich Engels já discutira em “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, no capítulo sobre “Barbárie e civilização”, como sociedades ocidentais transitaram historicamente de um regime de conflitos gentílicos, substituído pela divisão social do trabalho nas famílias e, com o advento da propriedade privada, passaram a sociedades regulamentadas pelo Estado (ENGELS, 2013ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Clube de Autores, 2013.).

Ao longo dos séculos XVII e XVIII, conforme explica Engels (2013)ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Clube de Autores, 2013., o Estado, nesse período monarquista absolutista, surgiu por meio de uma luta aberta e contínua das classes entre si ou ainda sob o domínio de um terceiro poder acima dessas classes em luta. Esse poder deveria suprir as necessidades dos conflitos das classes, o qual permitiria a luta no meio econômico de uma forma aparentemente legal. Diferentemente da antiga organização gentílica, o Estado designa, em um primeiro momento, a junção dos seus súditos de acordo com uma divisão territorial. O segundo ponto marcante é a instituição de uma força pública, colocando a sociedade sob um controle aparentemente externo, cujo objetivo é amortecer a divisão da sociedade em classes (ENGELS, 2013ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Clube de Autores, 2013.).

De acordo com Engels (2013)ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Clube de Autores, 2013., o Estado é um produto da sociedade, que foi criado a partir da necessidade histórica e material das classes dominantes, a fim de impedir que a divisão social permeada por antagonismos de interesses de classes gerasse conflitos que consumissem toda a sociedade, levando as camadas dirigentes a perderem o controle sobre os rumos sociais. Para tal, seria indispensável um poder firmado, teoricamente, acima da sociedade, o qual se distancia cada vez mais da sociedade, a saber, o Estado.

Isuani (1984)ISUANI, E. A. Três enfoques sobre o conceito de Estado. Revista de Ciência Política, v. 27, n. 1, p. 35-48, 1984. destaca dois enfoques predominantes na literatura sobre o conceito de Estado. No primeiro, ele aponta o Estado como uma associação (ideia de contrato social) e tal noção permite duas variantes: a vista de “baixo”, em que o Estado seria produto de um acordo em comum, feito por um grupo de indivíduos; e a associação vista de “cima”, que seria uma associação de dominação de um grupo sobre o outro em um determinado território. O segundo conceito, seria o Estado conforme Hegel, como uma dimensão abstrata opondo-se às outras dimensões da sociedade. Hegel, segundo Isuani (1984)ISUANI, E. A. Três enfoques sobre o conceito de Estado. Revista de Ciência Política, v. 27, n. 1, p. 35-48, 1984., enxergou a sociedade civil, da tradição, como um reino de competições, homens hostis uns aos outros, com a primazia do interesse privado, particular, evidenciando o individualismo na sociedade, em que cada membro tem em si a sua própria finalidade. Ambas perspectivas destoam da análise materialista histórica presente na vertente marxista, aqui adotada, sobre o Estado.

Na maturidade, Marx critica o conceito hegeliano, juntamente com Engels, por perceberem que Hegel apresenta não mais que hipostasias do que situações de fato. Para os autores, Hegel não levou em consideração a exploração dos trabalhadores (MARX; ENGELS, 2007MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2007.). Em “Teoria Materialista do Estado”, de Joachim Hirsch, apresentam-se traços fundamentais para a compreensão do Estado não como “uma coisa”, um sujeito ou uma organização racional, mas como um complexo de relações sociais, em que o Estado não pode ser compreendido direta e imediatamente. Hirsch (2010)HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010. entende as instituições e os processos políticos que compõem o Estado como uma expressão das relações de domínio e exploração, assim como os conflitos e as lutas que delas derivadas. Portanto, para Hirsch (2010)HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010., não basta explicar como o Estado funciona ou deveria funcionar, mas sim, que tipo de relação social ele manifesta e como esta pode ser superada.

Em outro momento, Hirsch (2010)HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010. menciona Marx e Engels, através da obra “A Ideologia Alemã”, apontando como o modo de produção não necessariamente deveria ser considerado somente como um ponto de vista da reprodução da existência física dos indivíduos, mas sim, como uma forma destes indivíduos mostrarem como se manifestam na vida, o que diz muito a seu respeito. Na perspectiva da teoria materialista de Hirsch (2010)HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010., o Estado não deve ser visto como uma organização instaurada conscientemente pela sociedade, de acordo com dados objetivos definidos e tampouco pela representação do bem-estar comum; no entanto, o Estado pode ser entendido, até certo ponto, como um efeito das lutas de classes.

Na síntese de considerações teóricas marxistas, tem-se o Estado como um instrumento fundamental do sistema capitalista, pois este conduz as relações sociais por meio de certa concordância e continuidade de situações de exploração e opressão, permitindo o pleno funcionamento do capitalismo, que se utiliza de todas as pessoas inseridas nesse sistema (HIRSCH, 2010HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010.). Para análise de tal fenômeno, Hirsch refere-se à Teoria da Hegemonia, de Antonio Gramsci, para quem o Estado não seria visto como apenas um aparelho repressivo, que oprime as classes menos favorecidas, mas, simultaneamente, como um aparelho ideológico e parte integrante de relações hegemônicas, constituídas pelas ideias e pelas atitudes dos indivíduos. O Estado, constituindo uma hegemonia que se reveste de coerção, congrega a sociedade civil (organismos internos ou privados) e a sociedade política (função de hegemonia), valendo-se do direito burguês e do consenso político das massas para comando social (GRAMSCI, 1980GRAMSCI, A. Notas sobre Maquiavelo, sobre la política y sobre el Estado moderno. Madri: Nueva Visión, 1980. 340 p.). Enquanto moral dos produtores ou ética do trabalho, a hegemonia busca adaptar as classes trabalhadoras a fim de criar formas de passividade (GRAMSCI, 2001GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. v. 4, 394 p.). Portanto, o Estado pode ser determinado de acordo com o seu papel de dominação e regulação sobre os indivíduos, em detrimento de uma classe sobre a outra. (GRUPPI, 1978GRUPPI, L. O conceito de hegemonia em Gramsci. Rio de Janeiro: Graal, 1978.; HIRSCH, 2010HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010.).

Tendo em vista o papel do Estado na dominação e regulação das relações sociais no capitalismo, passa-se, na próxima seção, a discutir a relação entre o encarceramento em massa de mulheres no Brasil e a realização do objetivo do Estado capitalista, que será compreendida por meio da ACD da PNAMPE. Afinal, como aponta Federici (2017)FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. 464p., a introdução da assistência pública foi o primeiro passo na construção do Estado como garantidor da relação entre as classes e como supervisor da reprodução e da disciplina da força de trabalho. A partir dessas considerações, discute-se, a seguir, como o sistema carcerário contribui para o cumprimento do papel do Estado, enquanto controlador da sociedade pela via da reprodução social.

2 O SISTEMA CARCERÁRIO COMO INSTRUMENTO DE GESTÃO DA POBREZA NO ESTADO NEOLIBERAL: A CONTRIBUIÇÃO DA REPRODUÇÃO SOCIAL

Uma vez discutido o papel do Estado capitalista, apresenta-se, neste tópico, como o encarceramento em massa cumpre com o propósito neoliberal de desregulamentação dos serviços públicos, criminalizando a pobreza com a finalidade de possibilitar a imposição de ofertas de trabalho precárias e mal remuneradas, por meio de obrigações cívicas para as pessoas que se encontram na base da estrutura de classes (WACQUANT, 2008WACQUANT, L. O lugar da prisão na nova administração da pobreza. Novos estudos CEBRAP, p. 9-19, 2008.).

Nos estudos de WACQUANT (2008)WACQUANT, L. O lugar da prisão na nova administração da pobreza. Novos estudos CEBRAP, p. 9-19, 2008. sobre o inchaço penitenciário norte-americano, o autor compreende que o Estado punitivo e o encarceramento em massa refletem, na realidade, uma função extrapenal, de controle sobre a mão de obra assalariada. Como explica o autor, a função extrapenal do cárcere opera de três modos: i) pela regulamentação dos segmentos mais baixos do mercado de trabalho, por via do medo e do uso da violência pelas forças de segurança; ii) pela redução da taxa de desemprego, subtraindo do convívio social, por meio do encarceramento, parcela da população trabalhadora com baixa qualificação profissional. Uma vez que a taxa de desemprego é calculada por meio do número de pessoas que buscam emprego no período, retirar pessoas empobrecidas de circulação é uma forma de manipulação da taxa de desemprego; e iii) pela geração contínua de uma massa de trabalhadores marginais a serem explorados de maneira inescrupulosa, dado o estigma de “pessoa ex-detenta” que a obriga a aceitar condições ainda mais degradantes de trabalho para seu sustento, após sair do sistema prisional (WACQUANT, 2008WACQUANT, L. O lugar da prisão na nova administração da pobreza. Novos estudos CEBRAP, p. 9-19, 2008.).

Analisando o encarceramento em massa pelo prisma do materialismo históricodialético, Santos et al (2022)SANTOS, P. R. F. dos et al. Encarceramento em massa e racismo: a realidade no sistema prisional sergipano. Revista Katálysis [online], Florianópolis, v. 25, n. 2, p. 291-302, 2022. observam que, apesar da funcionalidade do cárcere ser compartilhada por diferentes países no capitalismo mundializado, cada formação social e histórica, a exemplo da brasileira, vai guardar idiossincrasias. Em nosso país, o principal elemento de nossa formação, que influenciou na construção do sistema de justiça criminal brasileiro, foi o racismo. O racismo, como pilar das estruturas do sistema econômico capitalista brasileiro, constitui também pedra fundamental do ordenamento social do país (SANTOS et al, 2022SANTOS, P. R. F. dos et al. Encarceramento em massa e racismo: a realidade no sistema prisional sergipano. Revista Katálysis [online], Florianópolis, v. 25, n. 2, p. 291-302, 2022.). Mesmo após a abolição formal da escravatura no Brasil, o racismo seguiu orientando a produção de hierarquias sociais que, pela marginalização da população afrodescendente, manteve esta parcela da sociedade como mão de obra barata e disponível, coagindo estas pessoas pelo uso da força e da justiça criminal e valendo-se do mito da democracia racial como forma de combater a resistência antirracista (SANTOS et al, 2022SANTOS, P. R. F. dos et al. Encarceramento em massa e racismo: a realidade no sistema prisional sergipano. Revista Katálysis [online], Florianópolis, v. 25, n. 2, p. 291-302, 2022.).

Estas análises sugerem que, como já apontava Ribeiro (1995)RIBEIRO, D. A empresa Brasil. In: RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 176-179, o Brasil foi produzido como um projeto, em um primeiro momento, para o enriquecimento da metrópole colonial e, mantendo o mesmo sentido de sua formação, ao final do século XX, se prestava ao enriquecimento das nações imperialistas por meio da oferta de mão de obra e de matérias-primas baratas. Pastana (2009)PASTANA, D R Estado punitivo e encarceramento em massa: retratos do Brasil atual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 77, p. 313, 2009. analisa como essencial reconhecer que, mesmo no atual projeto político brasileiro no século XXI, assim como nos demais países de orientação neoliberal, rejeita-se o Estado em sua função interventora no campo econômico e social; no entanto, se projeta na gestão pública a responsabilidade de controlar, ainda que de forma autoritária, os transtornos sociais provenientes desse projeto como, por exemplo, o aumento da criminalidade.

Neste novo arranjo político, o alarme social que se cria em torno da criminalidade acaba por provocar um generalizado desejo de punição, uma intensa busca de repressão e uma obsessão por segurança, ainda que simbólica. Como resultado, observa-se um controle social autoritário, identificável, principalmente, pelo encarceramento em massa das classes populares (PASTANA, 2009PASTANA, D R Estado punitivo e encarceramento em massa: retratos do Brasil atual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, v. 77, p. 313, 2009.).

O controle social por meio do cárcere foi abordado também por Foucault (1987)FOUCAULT, M. (1987), Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. (R. Ramalhete, Trad.) Petrópolis: Vozes., para quem a vigilância torna-se um operador econômico essencial, na medida em que configura, ao mesmo tempo, uma peça interna no aparelho de produção e uma engrenagem específica do poder disciplinar. Para o sistema prisional ser efetivo, um olhar permanente sobre o preso deve ser mantido e uma constante vigilância, repressão e submissão ao poder das classes dominantes. Apesar de a prisão alegar como um dos seus objetivos, claramente ideológico, a recuperação daqueles transgressores da lei, o seu objetivo real é garantir um regime punitivo e repressivo, para tornar efetiva a ação da prisão sobre os detentos (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, M. (1987), Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. (R. Ramalhete, Trad.) Petrópolis: Vozes.).

Na perspectiva de Foucault (1987)FOUCAULT, M. (1987), Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. (R. Ramalhete, Trad.) Petrópolis: Vozes., a prisão no aparelho estatal dispõe da liberdade da pessoa e do tempo do encarcerado. Consequentemente, ao longo dos dias e até mesmo dos anos, pode regular seu corpo, seu inconsciente, seu sono, seu trabalho, suas crenças, sua educação, suas refeições, sua sexualidade e até mesmo suas ideias. Em suma, o autor entende que no sistema carcerário, o Estado se apodera do indivíduo inteiro, de todas as suas faculdades físicas e morais, assim como de seu tempo, visto que ele está em situação de cárcere. O ser humano se torna um objeto, um corpo a ser dominado e regulado em uma vigília prisional (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, M. (1987), Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. (R. Ramalhete, Trad.) Petrópolis: Vozes.). Observa-se, portanto, o Estado cumprindo seu papel de dominação e regulação sobre os indivíduos em detrimento de uma classe sobre a outra.

No relatório do Levantamento de Informações Penitenciárias (INFOPEN), o tráfico de drogas representa quase 60% da tipificação dos crimes cometidos ou tentados, entre as mulheres privadas de liberdade no Brasil (SANTOS; ROSA, 2017SANTOS, T.; ROSA, M. I. da; INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen Mulheres, v. 2, 2017.). Esse levantamento foi explorado pelo estudo de Ferreira et al (2015)FERREIRA, F. M. et al. Opressão e transgressão: O paradoxo da atuação feminina no tráfico de drogas. Dossiê: as mulheres e o sistema penal. Curitiba: OABPR, p. 151-170, 2015., que aponta como uma das possíveis explicações desse tipo de crime, sua análise da divisão sexual do trabalho presente na indústria do crime. O aumento feminino no tráfico de drogas, como mostram Ferreira et al (2015)FERREIRA, F. M. et al. Opressão e transgressão: O paradoxo da atuação feminina no tráfico de drogas. Dossiê: as mulheres e o sistema penal. Curitiba: OABPR, p. 151-170, 2015., se deve ao fato de que a maioria das mulheres desempenha o papel subalterno na hierarquia de organizações criminosas e, com isso, são mais facilmente presas.

A posição hierárquica de menor importância das mulheres nas organizações criminosas, para Ferreira et al (2015)FERREIRA, F. M. et al. Opressão e transgressão: O paradoxo da atuação feminina no tráfico de drogas. Dossiê: as mulheres e o sistema penal. Curitiba: OABPR, p. 151-170, 2015., explicaria a frequência da associação de mulheres a crimes relacionados ao tráfico. São comumente designadas como: “bucha” (pessoa que é pega com alguém que foi flagrado no delito); consumidoras; “mula” ou “avião” (transportadoras da droga); vapor (aquela que negocia pequenas quantidades no varejo); e “cúmplice” ou “assistente/fogueteira” (FERREIRA et al, 2015FERREIRA, F. M. et al. Opressão e transgressão: O paradoxo da atuação feminina no tráfico de drogas. Dossiê: as mulheres e o sistema penal. Curitiba: OABPR, p. 151-170, 2015.).

Com a rigidez da justiça não se considera que, majoritariamente, as mulheres componham o topo hierárquico do tráfico de drogas. No entanto, até que sejam julgadas, elas ficam encarceradas e, após o julgamento, suas condenações são atribuídas ao tráfico (FERREIRA et al, 2015FERREIRA, F. M. et al. Opressão e transgressão: O paradoxo da atuação feminina no tráfico de drogas. Dossiê: as mulheres e o sistema penal. Curitiba: OABPR, p. 151-170, 2015.). A legislação, como aponta Fernandes Sousa (2020)FERNANDES SOUSA, J. A. O grande encarceramento feminino: retratos da violência estrutural patriarcal no sistema prisional brasileiro. Caderno Espaço Feminino, [S. l.], v. 33, n. 1, p. 217–235, 2020., é um fator de criminalização da pobreza, dado que a maioria das mulheres em situação de cárcere cometeram crimes previstos na chamada “Lei de Drogas” (Lei nº 11.343/2006). Segundo a autora, esta lei é alvo de críticas por legisladores e escancara a interseccionalidade entre raça, classe e gênero nos presídios brasileiros.

Para Fernandes Sousa (2020)FERNANDES SOUSA, J. A. O grande encarceramento feminino: retratos da violência estrutural patriarcal no sistema prisional brasileiro. Caderno Espaço Feminino, [S. l.], v. 33, n. 1, p. 217–235, 2020., tal lei foi a resposta encontrada pelo Estado brasileiro à crescente marginalização e desemprego, sobretudo de mulheres mães, pobres e negras que viram no tráfico uma forma de sustento de suas famílias. Existe, segundo a autora, uma reprodução patriarcal nas redes de tráfico de drogas, em que as mulheres, além de assumirem funções subalternizadas como as de “mulas”, são vistas como “descartáveis” e “facilmente substituíveis”, pelos homens que controlam tais redes.

Todavia, dado o menor grau de periculosidade a sociedade dos crimes de tráfico em relação a outras tipificações penais, como homicídios e latrocínios (majoritariamente, cometidos por homens); por que o Estado brasileiro tem se ocupado em encarcerar mulheres de forma desproporcional aos homens? Por que não recorrer a outras medidas penais, para além do encarceramento, como o cumprimento de penas alternativas? Segundo Fraga (2015)FRAGA, P. C. P. Mulheres e criminalidade. Letra Capital Editora LTDA, 2015., estatísticas revelam que a maior parte dos crimes de furtos, roubos, homicídios e latrocínios são cometidos por homens, que são também as principais vítimas. As mulheres aparecem como a maioria das vítimas de crimes relacionados a violências de gênero (como o estupro) e como as principais autoras de certos crimes contra crianças e adolescentes, no ambiente doméstico. Na próxima seção, argumenta-se que a reprodução social, enquanto categoria de análise, pode contribuir para a compreensão do fenômeno do aumento do encarceramento feminino em massa observado nos últimos anos no Brasil.

3 REPRODUÇÃO SOCIAL E NEOLIBERALISMO: COMPREENDENDO A FUNÇÃO DO ENCARCERAMENTO FEMININO EM MASSA AO CAPITALISMO BRASILEIRO

Na perspectiva de Falquet (2008)FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008., as mulheres constituem a base da produção capitalista ao cumprir o trabalho de reprodução social, responsável pela produção socialmente fundamental através do trabalho doméstico não remunerado, que substitui pelo trabalho de cuidado (care) a ausência da prestação de serviços de sociais públicos pelo Estado (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.; FEDERICI, 2019FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo, 2019. 388p.). O trabalho de reprodução inclui do mesmo modo a reprodução da força de trabalho capitalista pelo nascimento e cuidado das crianças. Além disso, outras formas de trabalho de cuidado (care), como o trabalho sexual, também compõem os trabalhos reprodutivos, sendo desenvolvidos não só pela prostituição, mas também pelas donas de casa, de modo que o controle sobre a sexualidade feminina apresenta dupla jornada: renovação da força de trabalho e “satisfação” e/ou “alívio” dos homens responsáveis pelo trabalho tido como produtivo no capitalismo (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.).

No Brasil, assim como no restante do mundo, a ampliação da participação feminina no mercado de trabalho demonstra a emergência do padrão de desenvolvimento econômico neoliberal, em contraposição ao modelo de Bem-Estar Social. Com a redução do papel do Estado nas políticas sociais, transfere-se às mulheres a responsabilidade pela reprodução social, antes subsidiada e assumida coletivamente, via Estado por meio de políticas sociais. Além da vigilância racial, a prisão cumpre o papel no Estado neoliberal de resposta aos desinvestimentos na reprodução social, necessária para a manutenção da mão de obra capitalista. Ao invés de promover a educação pública, garantir a alimentação e o acesso à moradia, por exemplo, mascara os índices sociais retirando pessoas de circulação da sociedade por meio do encarceramento em massa (DAVIS, 2019DAVIS, A. A democracia da abolição: para além do império, das prisões e da tortura. Editora Bertrand Brasil, 2019.; WACQUANT, 2008WACQUANT, L. O lugar da prisão na nova administração da pobreza. Novos estudos CEBRAP, p. 9-19, 2008.).

Como compreender, neste contexto, o aumento ostensivo do encarceramento feminino? Jules Falquet explica que a mundialização do capital, enquanto processo de reorganização do trabalho a nível internacional por meio da plataforma do Estado neoliberal, resulta no fim da prestação de grande parte de serviços públicos do Estado ligados ao trabalho da reprodução social, através da adoção de políticas de austeridade fiscal (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.). O objetivo da política de ajuste fiscal, juntamente com os “pacotes de salvamento” a grandes empresas e instituições financeiras, é redirecionar as receitas públicas dos impostos, antes destinadas à educação, saúde, previdência social e outros gastos sociais para o pagamento de dívida pública, que é convertida em títulos negociáveis por meio dos quais os Estados remuneram os rentistas com altas taxas de juros (REIS, 2016REIS, L. F. Dívida pública, política econômica e o financiamento das universidades federais nos governos Lula e Dilma (2003-2014). Universidade e Sociedade, Brasília, DF, n. 57, p. 16-35, jan. 2016.).

O desmantelamento das funções do Estado de prestar tais serviços à população resultou na transferência destes para a esfera privada da família, mais especificamente, para as mulheres, por meio do trabalho reprodutivo (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.). Como Davis (2019)DAVIS, A. A democracia da abolição: para além do império, das prisões e da tortura. Editora Bertrand Brasil, 2019. observa, as mulheres permanecem como o segmento da população encarcerada que mais cresce, com numerosas mulheres presas por tráfico de drogas. Em parte, isso reflete, segundo a autora, o desmantelamento do Estado de Bem-Estar que, embora não resolvesse de forma eficaz, permitia uma certa rede de apoio para mães solo, mulheres desempregadas e com baixa qualificação profissional formal. As mulheres constituem o pilar da produção capitalista ao realizarem o trabalho de reprodução social, responsável pela produção socialmente necessária por meio do trabalho doméstico não remunerado, que substitui pelo trabalho de cuidado (care) a ausência da prestação de serviços de Bem-Estar pelo Estado (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.; FEDERICI, 2019FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo, 2019. 388p.).

Dentro da precarização do trabalho de mulheres, os recortes de classe e raça se apresentam por meio da divisão internacional do trabalho, que opera também entre as mulheres de países centrais do capitalismo para as dos países periféricos, visto que as mulheres do norte global mais rico repassam às mais pobres, negras e imigrantes (legais ou ilegais), os trabalhos domésticos mal remunerados (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.). Como explica Falquet (2008)FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008., há uma coformação das relações de poder (classe, raça e sexo) que interagem reciprocamente na ordem capitalista. A desvalorização do trabalho de reprodução realizado por mulheres favorece a criação de consenso político das massas no capitalismo, ao apresentar o trabalho não remunerado ou de remuneração precária de mulheres (sobretudo negras, pobres e/ou imigrantes dos países da periferia do capitalismo global) como substituto dos serviços públicos então prestados pelo Estado de Bem-Estar (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.; FEDERICI, 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. 464p.).

A desvalorização do trabalho feminino no trabalho reprodutivo gera ainda a impressão de que o trabalho produtivo nas empresas poderia emancipar as mulheres no capitalismo (ENGELS, 1976), o que não se concretizou devido à criação de uma hierarquia de valores sociais que, pela divisão sexual do trabalho, encontrou na misoginia uma forma do Estado mascarar o antagonismo de classes (FEDERICI, 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. 464p.). As opressões com base em características étnico-raciais somam-se às opressões relativas ao sexo biológico enquanto estruturas intrínsecas ao funcionamento do capitalismo que, ao longo de sua trajetória histórica, foi assimilando e ressignificando formas de vida social precedentes como formas de controle social, transformando-as conforme suas necessidades em cada contexto (ARRUZZA, 2015ARRUZZA, C. Considerações sobre gênero: reabrindo o debate sobre patriarcado e/ou capitalismo. Revista Outubro, n. 23, p. 33-58, 2015.). A difamação das pessoas exploradas pelo capitalismo (mulheres, sujeitos coloniais, descendentes de escravos africanos, imigrantes deslocados pela mundialização do capital) é um instrumento do Estado para suprimir formas de solidariedade que coloquem em risco seu papel de organização e controle social (FEDERICI, 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. 464p.; HIRSCH, 2010HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010.).

A criação do “amor materno” no Brasil, em razão do caráter escravagista de sua sociedade desde o período colonial, teve papel fundamental no discurso médico higienista que, condenando de forma racista e funcional o “aleitamento mercenário” (realizado, no Brasil, especialmente por mulheres negras escravizadas), percebeu no aleitamento uma forma de confinamento de mulheres por longos períodos no ambiente privado das casas. Aproveitando-se da característica biológica da amamentação (que, além de atividade difícil, pode durar por dois anos ou mais) para fomentar o consenso político da privação de mulheres do espaço público e de retirada do trabalho de cuidado do Estado, buscando garantir a reprodução da força de trabalho pela educação e saúde das crianças, proporcionadas gratuitamente pelas mães (MOURA; ARAÚJO, 2004MOURA, S. M. S. R. de; ARAÚJO, M. de F. A maternidade na história e a história dos cuidados maternos. Psicologia: ciência e profissão, v. 24, p. 44-55, 2004.).

Nesse sentido, se pode compreender as razões que levam, concomitantemente, ao enfraquecimento da prestação de serviços socias públicos pelo Estado, a construção social da “mãe moral”, responsável não só pelos cuidados, mas também, pela educação por meio da socialização das crianças e controle do pensamento moral nas famílias pelas mães (MOURA; ARAÚJO, 2004MOURA, S. M. S. R. de; ARAÚJO, M. de F. A maternidade na história e a história dos cuidados maternos. Psicologia: ciência e profissão, v. 24, p. 44-55, 2004.). Para estas autoras, o enfraquecimento da prestação de serviços de saúde pelo Estado está presente na construção do ideário da maternidade, que se consolida especialmente ao final do século XVIII e expansão capitalista, baseada na figura da mãe devota aos cuidados dos filhos desde o nascimento, dedicando-se integralmente às crianças e dispensando do Estado o fornecimento de serviços de enfermagem e de creches (MOURA; ARAÚJO, 2004MOURA, S. M. S. R. de; ARAÚJO, M. de F. A maternidade na história e a história dos cuidados maternos. Psicologia: ciência e profissão, v. 24, p. 44-55, 2004.). Tal papel da punição estatal para manutenção de mulheres, sobretudo negras e empobrecidas, em conformidade às necessidades de reprodução social no capitalismo neoliberal será investigado neste texto, a partir da perspectiva teórico-metodológica da ACD, que se apresenta a seguir.

4 ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO CONFORME NORMAN FAIRCLOUGH

Neste estudo busca-se como objetivo de pesquisa compreender, a partir da Análise Crítica do Discurso de Norman Fairclough, a relação dialética entre o discurso da PNAMPE, que prioriza a maternidade em sua atenção a mulheres em situação de cárcere e a reprodução social no contexto neoliberal brasileiro, sendo observado o parecer de discurso e outros elementos da prática social com base na PNAMPE.

De acordo com Fairclough (2008)FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p., o discurso é compreendido como uma prática social reprodutora e reformadora de realidades sociais; e o sujeito da linguagem, a partir de uma compreensão psicossocial, tanto propício a adequar-se ideológica e linguisticamente quanto atuando como conversor de suas próprias práticas discursivas, opondo-se e reformulando a dominação e as formações ideológicas socialmente executadas em seus discursos (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p.).

Com a ACD, Norman Fairclough compreende qualquer evento discursivo como, simultaneamente: um texto, uma prática discursiva e uma prática social. Estas três esferas sustentam a perspectiva tridimensional do discurso idealizada pelo autor e entendida, mutuamente, como a dimensão da análise linguística, da análise do processo interacional e da análise de circunstâncias organizacionais e institucionais da sociedade (FAIRCLOUGH, 2005FAIRCLOUGH, N. Peripheral vision: discourse analysis in organization studies: the case for critical realism. Organization Studies, Brussels, v. 26, n. 6, p. 915-939, June 2005.; 2008FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p.). Desse modo, o objetivo da ACD, segundo Fairclough, é buscar uma melhor compreensão da complexidade das relações sociais, em articulação com a definição de Estado em Hirsch (2010)HIRSCH, J. Teoria Materialista do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2010., enquanto um “complexo das relações sociais”. A ACD, desta forma, permite compreender como mudanças nos discursos podem causar transformações em outros elementos sociais (FAIRCLOUGH, 2001FAIRCLOUGH, N. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões críticas sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 31-81.).

Trata-se de uma abordagem teórico-metodológica de grande potencial aos estudos das organizações. Como apontou Onuma (2020)ONUMA, F. M. S. Contribuição da Análise Crítica do Discurso em Norman Fairclough para além de seu uso como método: novo olhar sobre as organizações. Organizações & Sociedade (impresso), v. 27, p. 585-607, 2020., a perspectiva teórico-metodológica da ACD permite a crítica a concepções que reduzem a construção de organizações à produção de elementos linguísticos, como os discursos e a comunicação organizacional. Por meio de sua proposta materialista histórico-dialética, a ACD permite compreender que os discursos que participam da constituição das organizações mantêm relações dialéticas tanto com discursos que se fazem hegemônicos no contexto organizacional quanto com relações de poder com a hegemonia capitalista, que não são consideradas pelas abordagens correntes nos Estudos Organizacionais sobre os discursos (ONUMA, 2020ONUMA, F. M. S. Contribuição da Análise Crítica do Discurso em Norman Fairclough para além de seu uso como método: novo olhar sobre as organizações. Organizações & Sociedade (impresso), v. 27, p. 585-607, 2020.).

Os discursos, para Norman Fairclough, atuam em processos de mudança social. Apoiando-se na concepção gramsciana de hegemonia, segundo a qual as classes dominantes prescindem do direcionamento moral, ético e cultural para exercício da exploração das classes dominadas, Fairclough percebe que as transformações sociais estão presentes tanto no campo discursivo, enquanto esfera de poder, quanto na vida material, em disputas político-econômicas, de forma que os aspectos discursivos e não discursivos da realidade social capitalista interagem dialeticamente, sem que um se reduza ao outro (GRAMSCI, 2001GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. v. 4, 394 p.; FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p.).

Posto de outro modo, em um universo em que novas formas de identidades, pensamentos e representações sobre o mundo surgem a todo momento, para que as classes dominantes mantenham o direcionamento do projeto social, é preciso que sejam capazes de direcionar a produção de sentidos sobre o mundo, processo para o qual a produção e controle de discursos é fundamental (CHOULIARAK; FAIRCLOUGH, 1999; HARVEY, 2014HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2014. 252 p.). No capitalismo, os discursos contribuem, portanto, para justificar desigualdades sociais com explicações como as da ideologia, da meritocracia e do empreendedorismo (TAVARES DIAS; WETZEL, 2010TAVARES DIAS, V.; WETZEL, U. Empreendedorismo como ideologia: análise do enfoque da revista Exame em dez anos de publicação (1990-99). Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, v. 44, n. 1, p. 97-118, jan. 2010.), que centram nas trajetórias dos sujeitos e não nas estruturas intrínsecas ao funcionamento capitalista, a raiz de problemas sociais.

Daí Norman Fairclough adota, em sua teoria do discurso ou dialética do discurso, a concepção de ideologia em Thompson (FAIRCLOUGH, 2001FAIRCLOUGH, N. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões críticas sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 31-81.; 2008FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p.; CHOULIARAK; FAIRCLOUGH, 1999; ONUMA, 2020ONUMA, F. M. S. Contribuição da Análise Crítica do Discurso em Norman Fairclough para além de seu uso como método: novo olhar sobre as organizações. Organizações & Sociedade (impresso), v. 27, p. 585-607, 2020.). Nesta concepção, a ideologia é entendida como a mobilização de sentidos, por parte das classes dominantes, a fim de estabelecer ou sustentar formas de dominação social (THOMPSON, 2011THOMPSON, J. B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 2011. 432 p.). Para este autor, cabem disputas ideológicas nas práticas discursivas, que buscam reiterar ou disputar posições de poder por parte de grupos de interesse na sociedade. Por isso é que Norman Fairclough adota a abordagem de ideologia em Thompson e não em Althusser, como faz a Análise de Discurso (AD) de corrente francesa. Para Althusser, a ideologia seria elemento agregador da sociedade não havendo, assim, espaço para disputas individuais ou coletivas pelo controle ideológico (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p.; ONUMA, 2017ONUMA, F. M S. O requisito da sustentabilidade nas universidades públicas brasileiras à luz da análise crítica do discurso 2017 393 p Tese (Doutorado em Administração). Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2017.). Como aponta Althusser (1985)ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985. 128 p., a ideologia recruta e transforma os indivíduos na sociedade, por meio do processo de interpelação. Uma vez que Fairclough (2008)FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p. busca compreender como o discurso participa de processos de mudança social, não haveria razão, como aponta o autor, para adoção em sua dialética do discurso na noção althusseriana de ideologia, dado que esta subestima o poder de contraposição dos sujeitos e coletivos à ideologia nas sociedades capitalistas (ONUMA, 2017ONUMA, F. M S. O requisito da sustentabilidade nas universidades públicas brasileiras à luz da análise crítica do discurso 2017 393 p Tese (Doutorado em Administração). Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2017.).

O adjetivo de “crítica” da ACD deriva, portanto, da própria noção de ideologia adotada na dialética do discurso, que entende que os discursos operam em favor da criação e/ou manutenção de grupos sociais em posições de poder, ao interagir de forma dialética com outras práticas sociais, como as formas de consciência, os objetos, as atividades humanas, os valores e os sujeitos e suas relações sociais (FAIRCLOUGH, 2005FAIRCLOUGH, N. Peripheral vision: discourse analysis in organization studies: the case for critical realism. Organization Studies, Brussels, v. 26, n. 6, p. 915-939, June 2005.; ONUMA, 2017ONUMA, F. M S. O requisito da sustentabilidade nas universidades públicas brasileiras à luz da análise crítica do discurso 2017 393 p Tese (Doutorado em Administração). Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2017.). Feitas estas considerações acerca da dialética do discurso, a teoria social do discurso em Norman Fairclough que embasa sua proposta teórico-metodológica da ACD, apresentam-se, a seguir, os procedimentos metodológicos adotados nesta pesquisa.

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nesta seção, apresentam-se os procedimentos metodológicos adotados, em consonância com a teoria social do discurso de Norman Fairclough e com os demais referenciais teóricos adotados, para proceder as análises e discussão dos dados da pesquisa.

Uma política nacional como a PNAMPE (BRASIL, 2014BRASIL. Portaria interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014, 2014.Recuperado de: <http://www.lex.com.br/legis_25232895_PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N_210_DE_16_DE_JANEIRO_DE_2014.aspx>. Acesso em 10 jun. 2021.
http://www.lex.com.br/legis_25232895_POR...
), propaga um cenário representativo de uma determinada categoria. Nessa política nacional estão estabelecidas suas atribuições, diretrizes, objetivos, metas, efetivações de direitos e, dentre outras normativas que serão direcionadas a esse público, mulheres em situação de privação de liberdade e egressas do sistema prisional.

A construção do corpus de análise se deu pela seleção de trechos do texto original. Como explica Maingueneau (2015)MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. São Paulo: Parábola, 2015. 192 p., as análises de discurso não estudam obras completas, mas reúnem materiais por meio da construção do corpus de análise, entendido como materiais coletados a fim de responder ao questionamento de pesquisa. Segundo o autor, a construção do corpus se justifica em razão das limitações de cada concepção teórico-metodológica de análise de discurso adotada que, neste caso, é a extensão das análises, visto a ACD faircloughiana dispor de diferentes ferramentas reunidas em três dimensões de análise (práticas textuais, discursivas e sociais), que podem gerar análises muito longas.

Considerando essas questões, os trechos que compõem o corpus de pesquisa foram escolhidos em função de tratarem de aspectos essenciais da PNAMPE, conforme sua própria descrição no site do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN, 2022DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL- DEPEN. Mulheres e Diversidades, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/mulheres-e-diversidades_old/mulheres-e-diversidades>. Acesso em 28 jul. 2022.
https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/acesso-a-...
), segundo o qual a PNAMPE deve servir de guia de orientação para a criação de políticas públicas estaduais voltadas a mulheres privadas de liberdade, considerando os seguintes aspectos: “i) atenção à gestação e à maternidade na prisão; ii) assistência material; iii) acesso à saúde, à educação e ao trabalho; iv) assistência jurídica; v) atendimento psicológico; e vi) capacitação permanente de profissionais do sistema prisional feminino” (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL- DEPEN, 2022DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL- DEPEN. Mulheres e Diversidades, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/mulheres-e-diversidades_old/mulheres-e-diversidades>. Acesso em 28 jul. 2022.
https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/acesso-a-...
).

Atendendo ao critério de que os trechos destacassem tais aspectos da PNAMPE, os mesmos foram escolhidos para compor o corpus após leituras flutuantes seguidas do documento, procurando trechos que melhor sintetizassem estes critérios apontados pelo DEPEN (2022)DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL- DEPEN. Mulheres e Diversidades, 2022. Disponível em: <https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/mulheres-e-diversidades_old/mulheres-e-diversidades>. Acesso em 28 jul. 2022.
https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/acesso-a-...
. Logo, as linhas e parágrafos destacados no Quadro 2, a ser apresentado nos resultados e discussões, correspondem ao texto original da PNAMPE, a fim de facilitar a correspondência a estes nas análises e discussões dos resultados, bem como a conferência de validade dos dados a qualquer pessoa interessada que busque recorrer ao texto original para conferir a veracidade do corpus de análise.

Quadro 01 Quadro teórico adotado para a realização de análise do texto da justificação da Portaria Interministerial n° 210/2014 (BRASIL, 2014BRASIL. Portaria interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014, 2014.Recuperado de: <http://www.lex.com.br/legis_25232895_PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N_210_DE_16_DE_JANEIRO_DE_2014.aspx>. Acesso em 10 jun. 2021.
http://www.lex.com.br/legis_25232895_POR...
) a partir da ACD em Norman Fairclough
Dimensão da Análise Crítica do Discurso e elementos analisados Elementos analisados
Análise das práticas sociais

- Ideologia;

- Hegemonia.

Análise das práticas discursivas

- Significados interpessoais (relações que o texto busca estabelecer);

- Força ilocucionária (intenções imediatas do texto);

- Significados ideacionais (crenças transmitidas);

- Gênero discursivo (estilo e mídium).

Análise textual

- Escolhas de vocabulário (sentidos das palavras escolhidas para uso no texto);

- Gramática, por meio da análise de:

1) Operadores argumentativos;

2) Tempos Verbais.

  • Fonte: Elaboração própria com base em Chouliaraki e Fairclough (1999)CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999. 168 p. e Fairclough (2001FAIRCLOUGH, N. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões críticas sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 31-81.; 2005FAIRCLOUGH, N. Peripheral vision: discourse analysis in organization studies: the case for critical realism. Organization Studies, Brussels, v. 26, n. 6, p. 915-939, June 2005.)
  • Quadro 02
    Texto da justificação da Portaria Interministerial n° 210/2014, organizado neste quadro com indicação de linhas e parágrafos (destaque do original)

    De acordo com Fairclough (2008)FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p., sua análise da ACD inicia-se a partir da compreensão de um problema relacionado ao discurso em algum aspecto da vida social. A partir do discurso da PNAMPE, busca-se a análise da relação dialética entre o aspecto semiótico deste discurso, com a (re)produção na sociedade da ideia de criminalização de mulheres, dada a funcionalidade do encarceramento em massa de mulheres para a reprodução social dentro do Estado Neoliberal brasileiro, com o intuito de reproduzir tal dominação de grupos sociais privilegiados, por meio da (re)criação de hegemonia (FAIRCLOUGH, 2001FAIRCLOUGH, N. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões críticas sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 31-81.).

    Na dimensão das práticas discursivas, analisaram-se três elementos que irão compor o que Fairclough (2008)FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p. define como os aspectos mais ligados ao texto em si: i) a força ilocucionária do texto, ou seja, a intenção geral mais instantânea a que se propõe o texto; ii) os significados ideacionais ou crenças que o texto busca demonstrar; e iii) os significados interpessoais ou as relações que o texto busca compor, que podem ser identificadas, por exemplo, pelos tempos verbais e pelo estilo do texto.

    No quadro a seguir, reuniu-se os elementos que compõem as análises dos textos para cada dimensão do modelo tridimensional da ACD que será demonstrada nesta pesquisa:

    Fairclough (2008)FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p. considera que, na dimensão da análise das práticas sociais, são analisados aspectos ideológicos e hegemônicos presentes nos textos, o que está condicionado ao conhecimento sociológico e de contexto do analista. A análise das práticas sociais tem por finalidade localizar o discurso estudado no panorama conjuntural em que os discursos foram produzidos e consumidos, levantando questões relevantes para a interpretação do discurso em análise. Pode-se se evidenciar tais práticas na análise de trechos da PNAMPE em que se observou aspectos de ideologia e hegemonia no discurso da Portaria Interministerial n° 201/2014 (FAIRCLOUGH, 2008FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Ed. UnB, 2008. 320 p.).

    Para a análise da dimensão das práticas discursivas, optou-se pela análise do gênero do discurso (ou gênero discursivo) em questão (Portaria Interministerial n° 210/2014 e sua justificação), a partir da análise dos elementos dos gêneros discursivos: mídium e estilo. O meio (ou mídium) como o discurso é propagado determina coerções ao seu conteúdo, assim como encaminha os usos que os interlocutores do texto devem elaborar do mesmo (MAINGUENEAU, 2013MAINGENEAU, D. Análise de textos de comunicação. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013. 304 p.). Ou seja, para o autor, os diferentes mídiuns convertem as condições materiais da comunicação, transformando os conteúdos, de modo que a análise do mídium de um gênero do discurso seja necessária para considerar não apenas o seu suporte material, seja ele escrito, oral ou digital, mas também o conjunto do circuito que organiza a fala (MAINGUENEAU, 2013MAINGENEAU, D. Análise de textos de comunicação. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2013. 304 p.). As sequências tipológicas ou estilos diferentes podem ser, por exemplo, descritivas, expositivas, argumentativas ou narrativas, comumente estabelecendo uma obrigação ou uma ordem (FAIRCLOUGH, 2010FAIRCLOUGH, N. A dialética do discurso. Revista Teias, Rio de Janeiro, v. 11, n. 22, p. 225-234, maio/ago. 2010.; MARCUSCHI, 2007MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R; BEZERRA, M. A. (Org). Gêneros textuais & ensino. 5. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p. 19-36.).

    Os gêneros discursivos, segundo Bakhtin (1997)BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: M. Fontes, 1997. 415 p., são formas estáveis de enunciados elaborados pelas variadas esferas da atividade humana, compostas por modelos comunicativos, por exemplo, a portaria da PNAMPE (BRASIL, 2014BRASIL. Portaria interministerial nº 210, de 16 de janeiro de 2014, 2014.Recuperado de: <http://www.lex.com.br/legis_25232895_PORTARIA_INTERMINISTERIAL_N_210_DE_16_DE_JANEIRO_DE_2014.aspx>. Acesso em 10 jun. 2021.
    http://www.lex.com.br/legis_25232895_POR...
    ), composta por cunho normativo e que promovem uma organização nos processos comunicativos.

    Na análise da dimensão textual, parte-se da produção e/ou interpretação textual, buscando os aspectos formais do discurso. Pode ser elaborada de acordo com elementos textuais diversos, como vocabulário, gramática, coesão e estrutura textual (FAIRCLOUGH, 2001FAIRCLOUGH, N. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões críticas sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 31-81.).

    Neste estudo, optou-se por realizar a análise textual a partir dos elementos de escolhas vocabulares (ou escolhas lexicais), a fim de desvelar como a opção por determinado vocabulário visa a criação de entendimento comum para gerar formas de passividade hegemônica e, reforçando tais análises, os operadores argumentativos e marcadores de pressuposição.

    Conforme Koch (2013)KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 134 p., a gramática apresenta mecanismos que podem apontar para a orientação argumentativa de enunciados, aos quais se denomina marcas linguísticas de enunciação da argumentação ou moduladores. Dois dos principais elementos gramaticais que operam neste sentido são os operadores argumentativos, cuja função é indicar a direção, a força argumentativa de enunciados e os tempos verbais, que ajudam a compreender o grau de comprometimento da parte locutora em relação aos enunciados do discurso produzido (KOCH, 2013KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 134 p.).

    Como explica Koch (2013)KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 134 p., a partir da análise dos tempos verbais, podemos observar a presença, no texto, do mundo comentado ou do mundo narrado. No mundo comentado, a parte locutora se responsabiliza pelos enunciados produzidos, enquanto no mundo narrado ou comentado, a parte locutora se distancia dos enunciados, não se comprometendo com o que é dito. Existe ainda o “tempo zero”, sem perspectiva e que se pretende supostamente “atemporal”, que utiliza, no mundo comentado, do tempo presente e, no mundo narrado ou comentado, do pretérito perfeito e/ou pretérito imperfeito (KOSCH, 2013KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 134 p.).

    Tais elementos gramaticais foram escolhidos para compor a dimensão textual da análise em virtude da identificação de sua presença nas leituras flutuantes iniciais, que deram origem ao corpus de análise. Como apontam Chouliaraki e Fairclough (1999)CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking critical discourse analysis. Edinburgh: Edinburgh University Press, 1999. 168 p., não há um “procedimento padrão” para escolha dos elementos de análise dentro do modelo tridimensional da ACD, em que cabe a cada analista identificar, a partir de sua base de conhecimento linguístico e social, que elementos se fazem presentes no corpus de análise e podem contribuir na realização da ACD faircloughiana. Ao longo das análises, serão detalhadas estas categorias de análise na aplicação do modelo tridimensional de Norman Fairclough, apresentada a seguir.

    6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

    Conforme apresentado no item anterior, o Quadro 2 organiza o corpus de análise:

    A partir da apresentação do corpus, organizado com a indicação de parágrafos e linhas para facilitar a identificação destes trechos no texto original da PNAMPE, garantindo a validade das análises, passa-se, no tópico seguinte, às análises da dimensão das práticas sociais.

    6.1 Análise das práticas sociais

    As mulheres constituem a base da produção capitalista ao exercerem o trabalho de reprodução social, responsável pela produção socialmente indispensável através do trabalho doméstico não remunerado, que substitui pelo trabalho de cuidado (care) a ausência da prestação de serviços de Bem-Estar pelo Estado (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.; FEDERICI, 2019FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo, 2019. 388p.). O trabalho de reprodução compõe também a reprodução da força de trabalho capitalista pelo nascimento e cuidado das crianças, além de outras formas de trabalho de cuidado (care), inclusive, tudo o que engloba a maternidade (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.).

    Ainda que a maioria da população carcerária tenha um ou mais filhos (74%), mais que uma análise de demanda, esta informação parece indicar alinhamento ideológico com a Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional (PNAMPE) de 2014 que, conforme Gitirana (2019)GITIRANA, J. H. S. Política Nacional para A Mulher em Situação de Privação de Liberdade e Egressa no Sistema Prisional. In: II Encontro de Pesquisa por/de/sobre mulheres, Curitiba, 2019. Anais..., p. 81-109, ju. 2019., instituiu demandas relacionadas à maternidade e questões relativas à vida social e visita íntima, além de direitos a presas estrangeiras. Gitirana (2019)GITIRANA, J. H. S. Política Nacional para A Mulher em Situação de Privação de Liberdade e Egressa no Sistema Prisional. In: II Encontro de Pesquisa por/de/sobre mulheres, Curitiba, 2019. Anais..., p. 81-109, ju. 2019. destaca que a visão essencialista intrínseca de mulher na PNAMPE é a de “mulher-mãe”, reforçando a visão patriarcal capitalista que designa à mulher os trabalhos de reprodução e de cuidado. Como observa a autora, outras mulheres que não são mães são ignoradas na referida política.

    Como compreender a ênfase do papel “materno” de mulheres em situação de cárcere e a omissão de questões de saúde mental, como o suicídio, na PNAMPE? O papel subalterno desempenhado pelo Brasil, enquanto país periférico e dependente no capitalismo global, que o coloca como fornecedor de matérias-primas e de mão de obra barata para a reorganização internacional do trabalho, promovida pelos agentes das grandes corporações transnacionais que controlam o processo da mundialização do capital, pode nos oferecer pistas a este respeito (CHESNAIS, 1996CHESNAIS, F. Decifrar palavras carregadas de ideologia. In: CHESNAIS, FRANÇOIS (Org.). . A mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996. p. 21–44.; FERNANDES, 2015FERNANDES, Florestan. Notas sobre o fascismo na América Latina. Poder e contrapoder na América Latina. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015. p. 33–58.). Faz sentido, neste contexto, a ênfase do Estado brasileiro na figura da “mulher-mãe” nos presídios nacionais; e o aumento do encarceramento feminino parece configurar estratégia para retirar da circulação da sociedade as mulheres pobres, negras e com baixo grau de escolaridade, a fim de mascarar índices governamentais, bem como dar resposta ao desmonte de serviços públicos ligados ao trabalho de reprodução no capitalismo contemporâneo, marcado pelas políticas de ajuste fiscal na economia brasileira.

    Ao mesmo tempo, o aumento do encarceramento de mulheres no Brasil de janeiro de 2000 a junho de 2016, apresentado pelo levantamento, indica que a desvalorização do trabalho feminino (FALQUET 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.) se reflete no papel das prisões no controle da pobreza, bem como na regulamentação do trabalho nos níveis mais baixos das classes trabalhadoras e geração contínua de mão de obra cada vez mais vulnerável para a exploração capitalista, como Wacquant (2008)WACQUANT, L. O lugar da prisão na nova administração da pobreza. Novos estudos CEBRAP, p. 9-19, 2008. aponta. Isso porque os dados revelam que 40% dos presídios femininos possuem oficinas de trabalho, em que as mulheres presas prestam serviços ao próprio presídio ou a empresas que montam unidades produtivas nas prisões. E enquanto as oficinas são observadas em apenas 17% dos presídios mistos, o número cresce para 22% nos presídios masculinos (SANTOS; ROSA, 2017SANTOS, T.; ROSA, M. I. da; INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen Mulheres, v. 2, 2017.). Ademais, 20% das mulheres que trabalham nos presídios não recebem remuneração, enquanto a maioria (43%) recebe até ¾ do salário mínimo brasileiro, 29% destas mulheres recebem entre ¾ e 1 salário mínimo e apenas 8% recebem entre 1 e 2 salários mínimos (SANTOS; ROSA, 2017SANTOS, T.; ROSA, M. I. da; INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen Mulheres, v. 2, 2017.).

    Para Silva (2021)SILVA, S. A. da. Autoritarismo e crise da democracia no Brasil: entre o passado e o presente. Revista Katálysis [online], Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 119-126, 2021., as jornadas de junho de 2013, que antecederam a data da criação da PNAMPE, que é de 2014, ofereceram impulso e renovação as forças reacionárias e neoconservadoras do Brasil, que encontravam menos espaço entre as massas desde o golpe civil-militar de 1964. O golpe midiático, empresarial e parlamentar de 2016, seguido da prisão, em 2018, do então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva, apontado pelas pesquisas eleitorais da época como capaz de vencer a proposta de Jair Bolsonaro nas urnas colaborou, segundo a autora, para a eleição deste e, por conseguinte, com a consolidação da agenda neoliberal já iniciada por Michel Temer com a Reforma Trabalhista e a Lei das Terceirizações (SILVA, 2021SILVA, S. A. da. Autoritarismo e crise da democracia no Brasil: entre o passado e o presente. Revista Katálysis [online], Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 119-126, 2021.).

    O atual governo, na concepção de Silva (2021)SILVA, S. A. da. Autoritarismo e crise da democracia no Brasil: entre o passado e o presente. Revista Katálysis [online], Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 119-126, 2021., aprofundou as pautas ultraliberais, contribuindo para o aumento da fome, do desemprego e da precarização do trabalho no país, além de dar voz e espaço no cenário político institucional a forças neoconservadoras. O neoconservadorismo é caracterizado por Biroli (2021)BIROLI, F. Gênero e política: igualdade de gênero e diversidade sexual na crise da democracia. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 36-749, 2021. como movimento marcado pela aliança entre forças do conservadorismo moral, contrário aos direitos da população LGBTQIAP+ e pautas feministas, com forças neoliberais que defendem o mercado como palco de soluções aos problemas da administração pública. A aliança entre tais forças foi possível, segundo Biroli (2021)BIROLI, F. Gênero e política: igualdade de gênero e diversidade sexual na crise da democracia. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 36-749, 2021., pela congruência entre o “familismo” conservador e a lógica neoliberal de retirada de investimentos públicos na promoção de políticas sociais, responsável pela garantia da reprodução social das famílias.

    Desse modo, observa-se a relação dialética entre o discurso da PNAMPE, reforçando o papel de “mães” junto a mulheres, sobretudo negras, pouco escolarizadas e em situação de vulnerabilidade socioeconômica, “empurradas” assim ao trabalho reprodutivo e ao atendimento a necessidades materiais e históricas; apoiadas por forças neoconservadoras que mostravam força social desde as chamadas jornadas de junho de 2013 e que tiveram, desde então, êxito na implantação de reformas de caráter liberalizante, cujo ápice se observa com a eleição do atual governo de ultradireita, de inclinações fascistas. Contrário aos direitos de mulheres e outras minorias sociais, reforçando a hegemonia neoliberal de que as “famílias tradicionais”, com as mulheres exercendo gratuitamente trabalhos reprodutivos em substituição a políticas sociais, é que devem ser responsáveis pela reprodução social capitalista, liberando recursos de superávit primário para as classes dominantes via acirramento da financeirização e ajuste fiscal (BIROLI, 2021BIROLI, F. Gênero e política: igualdade de gênero e diversidade sexual na crise da democracia. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 36-749, 2021.; SILVA, 2021SILVA, S. A. da. Autoritarismo e crise da democracia no Brasil: entre o passado e o presente. Revista Katálysis [online], Florianópolis, v. 24, n. 1, p. 119-126, 2021.).

    Portanto, o discurso sustentado na justificação da Portaria Interministerial n° 210, 16 de janeiro de 2014, foi desenvolvido saturado de elementos ideológicos que configuraram e deram continuidade, desde as jornadas de 2013, passando pelo discurso da PNAMPE, até os dias atuais, do contexto hegemônico propagado por meio do discurso neoconservador de raiz neoliberal, expressos na orientação replicada da reprodução social presentes no texto.

    6.2 Análise das práticas textuais e discursivas

    Os gêneros discursivos são modelos comunicativos relativamente constantes e que se referem a um tipo particular de texto e aos seus processos de produção, distribuição e consumo (Bakhtin, 1997BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2. ed. São Paulo: M. Fontes, 1997. 415 p.). Estes gêneros unem-se a um estilo, a um tipo de atividade e ao mídium (Fairclough, 2001FAIRCLOUGH, N. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. In: MAGALHÃES, C. M. (Org.). Reflexões críticas sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001. p. 31-81.); no caso em questão, o gênero discursivo é a Portaria Interministerial. Quanto ao estilo, o texto é oficial, formal e escrito. O tipo de atividade remete à prática congressista legislativa. Por se tratar de uma Portaria Interministerial, subentende-se que o domínio e acesso são (e devem ser) públicos. Contudo, o texto não tem ampla divulgação pois, embora o texto seja público, aberto e se encontre disponível no sítio virtual da câmara (mídium), é necessário que o leitor procure pelo texto, visto o mesmo não circular por meio de comunicação em massa, como o rádio ou a televisão (MAINGUENEAU, 2013; MARCUSCHI, 2007MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R; BEZERRA, M. A. (Org). Gêneros textuais & ensino. 5. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p. 19-36.).

    O texto analisado é um gênero com estruturas redacionais de estilo oficial (documento do legislativo brasileiro), e que faz uso de um vocabulário normatizado e litúrgico do ambiente organizacional parlamentar (MARCUSCHI, 2007MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A. P.; MACHADO, A. R; BEZERRA, M. A. (Org). Gêneros textuais & ensino. 5. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. p. 19-36.). Este tipo de vocabulário preestabelece uma hierarquia e um distanciamento do público-alvo em questão, seja a população leitora, sejam as mulheres em situação de privação de liberdade e egressas do sistema prisional, reforçando o caráter normativo do gênero discursivo legislativo empregado.

    Essa questão de o vocabulário estabelecer um distanciamento das mulheres no cárcere é reafirmada pelos dados sobre a escolaridade no levantamento do INFOPEN (SANTOS; ROSA, 2017SANTOS, T.; ROSA, M. I. da; INFOPEN. Levantamento nacional de informações penitenciárias. Infopen Mulheres, v. 2, 2017.), indicando que 45% da população feminina em situação de cárcere no Brasil apresenta o ensino fundamental incompleto. Consequentemente, existe uma limitação dessas mulheres ao acesso de documentos, em que possam reconhecer seus direitos.

    Analisando os tempos verbais adotados, percebe-se que, ao longo dos enunciados que compõem o corpus de análise, o distanciamento entre locutor e leitor da PNAMPE se aprofunda, uma vez que se utiliza de um mundo narrado, em que o autor do texto não se responsabiliza pelo seu conteúdo. Por todo o corpus analisado, em vez de usar verbos que indiquem ação, como forma de injunção (KOCH, 2013KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 134 p.), ou seja – recomendação ou ordem a gestores governamentais que procurem na PNAMPE orientação para produção de políticas públicas para mulheres em situação de cárcere em seus estados –, o texto adota substantivos (ex: “incentivo”, no parágrafo 36, em vez de “incentivar”; e “capacitação”, no parágrafo 88, em lugar de “capacitar”). Deste modo, em vez de adotar um discurso incisivo, que sugira ações concretas por meio do uso das formas verbais (ex: “incentivar” e “capacitar”), o uso das formas nominais (substantivos) cria uma orientação menos injuntiva, mais “branda”. A impressão resultante dessas escolhas lexicais aponta para certa displicência na cobrança pela adoção de medidas efetivas em favor do atendimento das necessidades destas mulheres, embora palavras como “humanização” e “efetivação de direitos fundamentais”, deem a entender certo comprometimento com demandas deste público.

    Os poucos verbos que aparecem estão: no gerúndio (como em “garantindo”, no parágrafo 8, “observando”, no parágrafo 50 e “incentivando”, no parágrafo 103); no infinitivo (“induzir”, no parágrafo 18); e no futuro (“prestará”, no parágrafo 103, único momento em que o DEPEN se responsabiliza com alguma ação, mas ainda assim, futura e não em andamento ou concretizada no passado). O uso de verbos no gerúndio pressupõe ações contínuas, mas se referem à ações dadas como consequências de medidas adotadas (ex: “humanização”) e não ao DEPEN ou outras entidades/agentes públicos como sujeitos destas ações.

    Os verbos no presente (como em “observem” no parágrafo 12 e “contemplem”, no parágrafo 26), referem-se às medidas e não a ações concretas do DEPEN, ou outras entidades/agentes públicos, atuando mais como qualificadoras das medidas do que como ações concretas a serem tomadas. O resultado dessas escolhas de tempos verbais é para desresponsabilizar o DEPEN, ou outras entidades/agentes públicos, pela tomada de ações concretas em favor do atendimento a demandas e direitos das mulheres brasileiras em situação de cárcere. Os resultados em termos de alcance se dão como se fossem consequências pressupostas, imediatas das medidas de educação, formação para o trabalho ou capacitação de pessoal do sistema prisional em si.

    Em relação à apresentação de demandas específicas para mulheres em contexto de privação de liberdade, é interessante notar o uso de operadores argumentativos de soma de ideias. O operador argumentativo “e” é usado com frequência no texto, indicando soma de argumentos em favor de uma mesma conclusão que se pretende estabelecer no texto, a saber, de que há uma série de demandas e direitos destas mulheres a serem consideradas na proposição de políticas estaduais (KOCH, 2013KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 134 p.). Este operador aparece em praticamente todos os parágrafos do corpus, com exceção do parágrafo 103, operando a soma de elementos a serem observados na política a mulheres em situação de cárcere (ex: “direitos sexuais e reprodutivos”, no parágrafo 88). No parágrafo 36, o operador argumentativo “bem como”, também indica soma de argumentos, incluindo a questão dos filhos, no rol de temas que devem ser considerados pelos governos estaduais na criação de suas políticas de atenção a mulheres em situação de cárcere.

    Diferencia-se, todavia, do uso do operador argumentativo “e” porque assinala o argumento mais forte da conclusão: os filhos (KOCH, 2013KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. 11. ed. São Paulo: Contexto, 2013. 134 p.). Este operador argumentativo indica, portanto, que por mais que os direitos fundamentais das mulheres em situação de cárcere, como apontado no parágrafo 36, o que deve ter mais ênfase nas políticas governamentais são os filhos, reiterando as análises das práticas sociais de que o encarceramento em massa de mulheres se volta a uma pedagogia do trabalho materno, que se faz hegemônica para fins de garantir a reprodução social das forças de trabalho, futuramente exploradas pelas classes dominantes, a saber, os filhos destas mulheres (FALQUET, 2008FALQUET, J. Repensar as relações sociais de sexo, classe e “raça” na globalização neoliberal. Mediações-Revista de Ciências Sociais, v. 13, n. 1/2, p. 121-142, 2008.; FEDERICI, 2017FEDERICI, S. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2017. 464p.; 2019FEDERICI, S. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo, 2019. 388p.; GRAMSCI, 2001GRAMSCI, A. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. v. 4, 394 p.).

    No parágrafo 12, o adjunto adverbial restritivo “que” opera restringindo a construção e adaptação de unidades prisionais, ou seja, questões de infraestruturas, ao disposto na Resolução nº 9, de 18 de novembro de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Tem-se aqui prática discursiva de interdiscursividade manifesta, em que há menção direta a outro texto e seu discurso (MAINGUENEAU, 2015MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. São Paulo: Parábola, 2015. 192 p.). Tal resolução dispõe sobre a arquitetura prisional, estabelecendo que a mesma deve seguir o disposto em seus anexos I a XI, oferecendo acesso aos mesmos via hiperlink, outra forma de interdiscursividade manifesta (DEPEN, 2011DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL- DEPEN. Resolução nº 9 de 9 de novembro de 2011. Disponível em: https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/composicao/cnpcp/resolucoes/2011/resolucao-no-9-de-09-de-novembro-de-2011.pdf/view.2011, Acesso em 28 jul. 2022.
    https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/composica...
    ). Contudo, na data de acesso ao documento, conforme referência, os referidos anexos não estavam disponíveis (DEPEN, 2011DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL- DEPEN. Resolução nº 9 de 9 de novembro de 2011. Disponível em: https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/composicao/cnpcp/resolucoes/2011/resolucao-no-9-de-09-de-novembro-de-2011.pdf/view.2011, Acesso em 28 jul. 2022.
    https://www.gov.br/DEPEN/pt-br/composica...
    ).

    O trecho, (§103, linha 230), “voltadas às especificidades da mulher”, demonstra a presença da intertextualidade constitutiva, quando a menção a outro discurso não é direta, mas subjacente em conteúdo (MAINGUENEAU, 2015MAINGUENEAU, D. Discurso e análise do discurso. São Paulo: Parábola, 2015. 192 p.), a um estereótipo de gênero, como se houvessem coisas/algum tipo de trabalho que são destinados especificamente para mulheres, sejam nos cuidados romantizados do termo mãe/maternidade (trabalho reprodutivo), ou em questões envolvendo o trabalho dito produtivo.

    À vista disso, as justificativas que a PNAMPE propõe na sua política elucidam a reprodução social através da maternidade das mulheres privadas de liberdade no sistema carcerário, reveladora de ideários neoliberais que exprimem a imagem de que o sistema carcerário feminino está longe de ser um sistema de reintegração de pessoas que cometeram algum ato não condizente com a legislação vigente brasileira.

    7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

    A partir da Análise Crítica do Discurso de Norman Fairclough, pode-se compreender a relação dialética entre o discurso da PNAMPE, que prioriza a maternidade em sua atenção a mulheres em situação de cárcere e a reprodução social no contexto neoliberal brasileiro. Com as análises das práticas sociais, foi possível desvelar como a questão carcerária feminina ajuda a sustentar a dominação da agenda neoliberal, apoiada por alianças neoconservadoras no contexto brasileiro, por meio da maternidade e da reprodução social. Não se admira, portanto, que o discurso da PNAMPE confira uma atenção privilegiada aos filhos e às mulheres gestantes ou lactantes em situação de cárcere.

    O discurso da PNAMPE é, portanto, saturado de elementos do contexto hegemônico do discurso neoliberal, expressos na orientação da reprodução social, igualando mulheres em situação de cárcere a mães/lactantes/cuidadoras e reduzindo a este papel suas considerações acerca da saúde e da infraestrutura prisional em instituições penais femininas. Na análise das práticas textuais e discursivas, foi possível identificar no discurso da PNAMPE a reprodução social através da maternidade das mulheres privadas de liberdade no sistema carcerário e como as práticas textuais podem distanciar o público-alvo de acordo com o vocabulário utilizado.

    A ACD do discurso da PNAMPE permitiu a compreensão de que as mudanças sociais de acirramento neoliberal, observadas na atualidade do país, já encontravam prenúncio na relação dialética com o significado social produzido, de que mulheres negras e pobres, que compõem a maioria da população carcerária, deveriam ser atreladas à imagem da maternidade. Observa-se, a partir das análises, que o discurso da PNAMPE opera dialeticamente com as estruturas e práticas sociais do capitalismo brasileiro em atendimento à tendência, percebida desde as chamadas jornadas de junho de 2013, de avanço do neoconservadorismo, atuando para “empurrar” tais mulheres ao trabalho reprodutivo, a fim de que estas passassem, cada vez mais, a prover de forma gratuita a reprodução social diante de cortes de políticas públicas (ou seja, de ações de “cuidado” pelo Estado), com o avanço neoliberal acirrado a partir dos governos seguintes.

    Após analisar o documento da PNAMPE, considera-se que tal política pública visou satisfazer o papel do Estado em manter a dominação e regulação sobre os indivíduos, em detrimento de uma classe sobre a outra, e manter o funcionamento da reprodução social a partir do trabalho produtivo, sobretudo, reprodutivo dessas mulheres em situação de privação de liberdade, principalmente, àquelas que são mães. Percebe-se assim, que o sistema prisional se volta para a regulação do mercado de trabalho capitalista, dando atenção à reprodução de mão de obra futura a partir do enfoque dado à maternidade no cárcere, bem como pela reprodução do estereótipo das mulheres resumidas ao papel de “mães”, mantendo o sexismo como elemento estruturante da sociedade.

    Além das contribuições para a crítica e reflexão sobre o papel do encarceramento feminino em massa no país, espera-se que o trabalho fomente estudos futuros que partam da perspectiva teórico-metodológica da ACD, apontando para seu potencial de crítica e reformulação de políticas públicas; e abra a oportunidade para um aprofundamento em pesquisas de campo na temática do encarceramento, para que o tema possa ser trabalhado por pessoas pesquisadoras e também por gestoras públicas, considerando a centralidade de discussões de gênero, raça e classe para análise das instituições penais estatais, a exemplo das análises sobre a reprodução social aqui desenvolvidas. Um limite percebido nas análises foi o acesso à política nacional de arquitetura da estrutura física de unidades prisionais voltadas a mulheres, visto que o texto dos anexos da Resolução nº 9, de 18 de novembro de 2011, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP não se encontravam disponíveis à época da realização desta pesquisa.

    Sugere-se, assim, que trabalhos futuros busquem investigar a questão da relação dialética entre o discurso da configuração arquitetônica de unidades prisionais para mulheres no Brasil, bem como acionem outros referenciais marxistas, para além da teoria da reprodução social, que possam lançar olhares anticapitalistas críticos à infraestrutura disponível para mulheres em situação de cárcere no Brasil, a exemplo do conceito de território em autores como Milton Santos e Henri Lefebvre.

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    Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2022
    • Data do Fascículo
      May-Aug 2022

    Histórico

    • Recebido
      19 Jan 2022
    • Aceito
      12 Ago 2022
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