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DESEMPENHO DA GESTÃO HOSPITALAR POR PARCERIAS PÚBLICOPRIVADAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE

PERFORMANCE OF HOSPITAL MANAGEMENT BY PUBLIC-PRIVATE PARTNERSHIPS IN THE UNIFIED HEALTH SYSTEM

DESEMPEÑO DE LA GESTIÓN HOSPITALARIA DE LAS ASOCIACIÓNES ENTRE EL SECTOR PÚBLICO-PRIVADO EN EL SISTEMA ÚNICO DE SALUD

RESUMO

O objetivo do estudo foi comparar indicadores de desempenho dos hospitais com gestão por Parceria Público-Privada versus hospitais de mesmo porte com outros modelos de gestão vinculados ao Sistema Único de Saúde. Trata-se de estudo descritivo, com base em dados secundários do Sistema de Internações Hospitalares e do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde, no biênio 2018-2019, que avaliou os 3 hospitais com gestão por Parceria Público-Privada no país: Hospital do Subúrbio, Instituto Couto Maia, ambos na Bahia, e o Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro em Minas Gerais. Cada hospital foi comparado com outros três hospitais de mesma tipologia, e porte semelhante, situados na mesma unidade da federação. Os indicadores avaliados foram: tempo médio de permanência, taxa de ocupação de leitos, taxa de mortalidade hospitalar e valor médio da internação. Os resultados dos hospitais geridos por Parceria Público-Privada não se mostraram superiores em relação aos hospitais comparados, sendo que no caso do Instituto Couto Maia o desempenho foi superior apenas na taxa de ocupação de leitos, do Hospital do Subúrbio no tempo médio de permanência, e o Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro não se mostrou superior em nenhum indicador. O valor médio da internação foi apresentado como um parâmetro, pois o valor efetivamente pago pelos governos às Parcerias Público-Privadas foi maior.

Palavras-chave:
Parcerias Público-Privadas; Saúde Coletiva; Gestão em Saúde

The objective of the study was to compare performance indicators of hospitals managed by a Public-Private Partnership versus hospitals of the same size with other management models linked to the Unified Health System. This is a descriptive study, based on secondary data from the Hospital Admissions System and the National Registry System of Health Establishments, in the 2018-2019 biennium, which evaluated the 3 hospitals managed by Public-Private Partnerships in the country: Hospital do Subúrbio, Instituto Couto Maia, both in Bahia, and Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro in Minas Gerais. Each hospital was compared with three other hospitals of the same typology and similar size, located in the same Public-Private Partnership federation unit. The indicators evaluated were: mean length of stay, bed occupancy rate, hospital mortality rate and mean hospital stay. The results of the hospitals managed by Public-Private Partnerships were not superior in relation to the compared hospitals, and in the case of the Instituto Couto Maia the performance was superior only in the bed occupancy rate, of the Hospital do Subúrbio in the length of stay, and the Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro was not superior in any indicator. The mean hospital stay was presented as a parameter, as the amount effectively paid by governments to Public-Private Partnerships was higher.

Keywords:
Public-Private Partnerships; Public Health; Health Management


El objetivo del estudio fue comparar indicadores de desempeño de hospitales administrados por una Asociación Público Privada versus hospitales del mismo tamaño con otros modelos de gestión vinculados al Sistema Único de Salud. Se trata de un estudio descriptivo, basado en datos secundarios del Sistema de Admisiones Hospitalarias y del Sistema de Registro Nacional de Establecimientos de Salud, en el bienio 2018-2019, que evaluó los 3 hospitales administrados por Asociación Público Privada en el país: Hospital do Subúrbio, Instituto Couto Maia, ambos en Bahía, y el Hospital Metropolitano Doctor Célio de Castro en Minas Gerais. Cada hospital se comparó con otros tres hospitales de la misma tipología y tamaño similar, ubicados en la misma unidad de la federación. Los indicadores evaluados fueron: duración media de la estancia (DME), tasa de ocupación de camas (TOC), tasa de mortalidad hospitalaria (TMH) y valor medio de hospitalización (VMH). Los resultados de los hospitales administrados por Asociación Público Privada no fueron superiores en relación a los hospitales comparados, y en el caso del Instituto Couto Maia el desempeño fue superior solo en la tasa de ocupación de camas, del Hospital do Subúrbio en la duración media de la estancia, y el Hospital Metropolitano Doctor Célio de Castro no fue superior en ningún indicador. El valor medio de hospitalización se presentó como un parámetro, ya que el monto efectivamente pagado por los gobiernos a las APP fue mayor.

Palabras clave:
Asociación Público-Privada; Salud Pública; Gestión en Salud


INTRODUÇÃO

Na década de 1990 o Brasil iniciava a regulamentação das leis aprovadas na carta magna de 1988, ao mesmo tempo que incorporava na sua prática de gestão governamental premissas das políticas neoliberais estabelecidas no consenso de Washington (CHOMSKY, 2002, p. 9CHOMSKY, N. O lucro ou as pessoas? Bertrand Brasil, 2002.). A Nova Gestão Pública (NGP), adotada naquele momento histórico pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, redefinia as funções do Estado, que deviam ser mínimas e estratégicas (SANO; ABRUCIO, 2008SANO, H.; ABRUCIO, F. L. Promessas e resultados da Nova Gestão Pública no Brasil: o caso das organizações sociais de saúde em São Paulo. Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 3, p. 64–80, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/j/rae/a/nRDJMVhZqmZHZXtDhmQkWJz/abstract/?lang=pt. Acesso em: 26 jan. 2019.
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). O principal objetivo da NGP era de aumentar a governança do Estado, entendida como sua capacidade administrativa para governar eficaz e eficientemente, transferindo para o setor privado a execução dos serviços à população. Esse movimento teve origem no Reino Unido, rapidamente se propagando por toda Europa. Uma das propostas, oriundas do ideário inglês, era a gestão de serviços através de Parcerias Público-Privadas (PPPs), que rapidamente se difundiram, inclusive na área da saúde.

No ano de 2010 a construção e gerenciamento de serviços de saúde através de PPP já estava estabelecido como modelo: o Reino Unido possuía 146 contratos por PPP, seguido da Itália com 71, Alemanha com 24, Espanha com 19, França com 16, Portugal com 8 e Finlândia, Polônia e Suécia com um cada. Ou seja, somente no continente europeu em 2010, havia 287 PPPs para construção e gerenciamento de serviços de saúde (BARLOW et al., 2017, p. 147BARLOW, J.; ROEHRICH, J.; WRIGHT, S. Europe sees mixed results from public-private partnerships for building and managing health care facilities and services. Health Affairs, v. 32, n. 1, p. 146-154, jan. 2013. Disponível em: https://www.healthaffairs.org/doi/citedby/10.1377/hlthaff.2011.1223 . Acesso em: 08 jul. 2019.
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). Para os defensores do modelo proposto pela NGP, de transferir para um parceiro privado a execução dos serviços públicos, há várias justificativas para sua adoção, que em síntese convergem para a eficiência da gestão privada, o equilíbrio orçamentário e fiscal do Estado e o aumento nos investimentos públicos (BARBOSA; MALIK, 2015, p. 1148BARBOSA, A. P.; MALIK, A. M. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre Janeiro de 2010 e Março de 2014. Revista de Administracao Publica, v. 49, n. 5, p. 1143–1165, 2015. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/0034-7612136177 . Acesso em: 20 Dez. 2019.
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). Já os críticos do modelo sugerem que o objetivo central busca a privatização e o amortecimento da proteção social do trabalho e dos trabalhadores (FERNANDES et al., 2018, p. 957FERNANDES, Lorena Estevam Martins et al. Recursos Humanos em Hospitais Estaduais Gerenciados por Organizações Sociais de Saúde: a lógica do privado. Trabalho, Educação e Saúde, v. 16, n. 3, p. 955–973, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/n7RtCS58n8dDsw39qmWRRBy/abstract/?lang=pt . Acesso em: 29 Jan. 2019.
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).

No Brasil as primeiras experiências de gestão hospitalar privada foram com as Organizações Sociais de Saúde (OSSs) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), ainda na década de 1990, com ampla difusão principalmente no estado de São Paulo (SANO; ABRUCIO, 2008SANO, H.; ABRUCIO, F. L. Promessas e resultados da Nova Gestão Pública no Brasil: o caso das organizações sociais de saúde em São Paulo. Revista de Administração de Empresas, v. 48, n. 3, p. 64–80, 2008. Disponível em: http://www.scielo.br/j/rae/a/nRDJMVhZqmZHZXtDhmQkWJz/abstract/?lang=pt. Acesso em: 26 jan. 2019.
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). Embora relativamente recente, a gestão por PPP na saúde já possui estudos avaliativos sobre a efetividade da estratégia. Como o modelo não é padronizado, sendo que cada país possui uma legislação específica, e cada gestor constrói seu contrato com base em suas necessidades, a avaliação das experiências existentes é diversa. Alguns estudos apontam vantagens e resultados satisfatórios (MCINTOSH et al., 2015MCINTOSH, N. et al. A public-private partnership improves clinical performance in a hospital network in Lesotho. Health Affairs, v. 34, n. 6, p. 954- 962, 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1377/hlthaff.2014.0945. Acesso em: 08 jul. 2019.
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; SEKHRI et al., 2011SEKHRI, N.; FEACHEME, R.; NI, A. Public-private integrated partnerships demonstrate the potential to improve health care access, quality, and efficiency. Health Affairs, v. 30, n. 8, p. 1498-507, Aug. 2011. Disponível em: https://doi.org/10.1377/hlthaff.2010.0461. Acesso em: 08 jul. 2019.
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), já os mais reservados em emitir considerações sugerem a elaboração de mais estudos (BARLOW et al., 2017BARLOW, J.; ROEHRICH, J.; WRIGHT, S. Europe sees mixed results from public-private partnerships for building and managing health care facilities and services. Health Affairs, v. 32, n. 1, p. 146-154, jan. 2013. Disponível em: https://www.healthaffairs.org/doi/citedby/10.1377/hlthaff.2011.1223 . Acesso em: 08 jul. 2019.
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; NUNES; MATOS, 2017NUNES, A.; MATOS, A. Análise do desempenho dos hospitais em parceria público privada no Serviço Nacional de Saúde português. Jornal Brasileiro de Economia da Saúde, v. 9, n. 3, p. 304–309, 2017. Disponível em: https://docs.bvsalud.org/biblioref/2018/04/883029/doi-1021115_jbesv9n3p304-9.pdf. Acesso em: 14 out. 2019.
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). Também há autores que sugerem que a escolha do modelo de gestão de serviços hospitalares é mais influenciada pelos limites ou déficits orçamentários dos governos e os percentuais de arrecadação, do que pelos indicadores e necessidades em saúde (SIMONET, 2014SIMONET, D. Assessment of new public management in health care: the French case. Health Research Policy and Systems 2014 12:1, v. 12, n. 1, p. 1–9, 2014. Disponível em: https://health-policy-systems.biomedcentral.com/articles/10.1186/1478-4505-12-57. Acesso em: 8 jul. 2019.
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).

A discussão conduzida pelos gestores do sistema sobre os gastos com saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) ocorre no nível local, tendo como premissa fundamental a eficiência de gestão, através de rigoroso controle dos custos e atuação do Estado como regulador e pagador do sistema. Os defensores dessa premissa, de que o problema da gestão hospitalar se resolve aumentando a eficiência, também propuseram novas modalidades de gestão e governança para o setor público.

A gestão por PPP no Brasil só veio a se concretizar na área da saúde com a construção do Hospital do Subúrbio em Salvador (Bahia) em 2010, apesar da Lei nº 11.079 (BRASIL, 2004BRASIL. Lei nº 11.079. Institui normais gerais para licitação e contratação de parcerias públicoprivadas no âmbito da administração pública. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 2004.), que regulamenta as PPPs, ter sido promulgada em 2004. A segunda PPP foi o Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro (HMDCC), localizado em Belo Horizonte, que concluiu a implantação total de sua capacidade de operação no ano de 2017, passando de 90 para 460 leitos (HMDCC, 2020HOSPITAL METROPOLITANO DOUTOR CÉLIO DE CASTRO (HMDCC). Relatório de Gestão 2019. Belo Horizonte, MG, 2020. 169p. Disponível em: http://www.hmdcc.com.br/wp-content/uploads/2020/06/RAG_2019Rev2.pdf. Acesso em: 23 ago. 2021.
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). Quanto à terceira PPP em operação no SUS no país, o Instituto Couto Maia, localizado em Salvador (Bahia), teve o início da sua operação em 2018.

Em abril de 2019, o Banco Mundial apresentou na Câmara dos Deputados, com o apoio do Ministério da Saúde, um relatório onde defendeu a presença do setor privado na saúde brasileira e o fechamento de hospitais de pequeno porte. Segundo algumas recomendações deste relatório, “pelo menos 24% dos hospitais brasileiros (de até 25 leitos) poderiam ser convertidos em unidades de APS ou até fechados” e “há fortes evidências de que os hospitais que funcionam com gestão autônoma, tais como a das Organizações Sociais em Saúde (OSS) têm melhor desempenho do que os que estão sob administração pública direta, desde que bem estabelecidos mecanismos de regulação” (BANCO MUNDIAL, 2018BANCO MUNDIAL. Propostas de Reformas do Sistema Único de Saúde Brasileiro. 2018. Disponível em: http://pubdocs.worldbank.org/en/545231536093524589/Propostas-de-Reformasdo-SUS.pdf. Acesso em: 28 mai. 2019.
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). Isso demonstra que há uma tendência por parte dos governos para a manutenção e ampliação da execução dos serviços hospitalares públicos por entes privados.

Finalizando uma década da implementação desta experiência no Brasil, quais foram os resultados obtidos? Houve diferença entre os indicadores de desempenho dos hospitais geridos por PPPs em relação aos hospitais com outros modelos de gestão no âmbito do SUS? O objetivo deste estudo foi comparar indicadores de desempenho dos hospitais com gestão por Parceria Público- Privada versus hospitais de mesmo porte com outros modelos de gestão vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS).

1 ASPECTOS METODOLÓGICOS

Trata-se de estudo descritivo, com base em dados secundários, sobre o desempenho, através da análise de indicadores, dos hospitais que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) com e sem gestão por Parceria Público-Privada.

Os dados foram coletados no Sistema de Internações Hospitalares (SIH/SUS) e no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES). Os indicadores avaliados referentes ao biênio 2018-2019 são: o tempo médio de permanência, a taxa de ocupação de leitos, a taxa de mortalidade e o valor médio da internação.

Os indicadores de tempo médio de permanência, taxa de ocupação de leito e taxa de mortalidade hospitalar foram escolhidos por estarem contemplados na Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP) (BRASIL, 2017— —. Ministério da Saúde. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Anexo XXIV - Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP). Portaria de Consolidação nº 2 de 28 de setembro de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 out. 2017.). Segundo o Eixo de Avaliação da PNHOSP, deve-se buscar a redução do tempo médio de permanência e o aumento da taxa de ocupação leitos, a fim de otimizar a utilização da capacidade instalada do hospital, melhorando o atendimento ao usuário. Também é preconizado instituir ações de segurança do paciente para reduzir riscos e diminuir eventos adversos, dentre eles os óbitos (BRASIL, 2017— —. Ministério da Saúde. Consolidação das normas sobre as políticas nacionais de saúde do Sistema Único de Saúde. Anexo XXIV - Política Nacional de Atenção Hospitalar (PNHOSP). Portaria de Consolidação nº 2 de 28 de setembro de 2017. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 out. 2017.). Segundo Avini (2017)AVINI, F. C. Indicadores hospitalares para a medição de desempenho assistencial e de gestão: proposta de modelo-referência de benchmarking hospitalar. (Dissertação de mestrado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), 2017., o tempo médio de permanência e a taxa de mortalidade são indicadores de desempenho assistencial, e a taxa de ocupação de leitos é um indicador de desempenho de processo.

Os hospitais geridos por PPP elegidos para análise deste estudo são o Hospital do Subúrbio (hospital geral) e o Instituto Couto Maia (hospital especializado), ambos localizados em Salvador, no estado da Bahia, e o Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro HMDCC (hospital geral), localizado em Belo Horizonte, Minas Gerais. Os dados destes hospitais foram comparados com os demais hospitais que atendem pelo SUS, e que possuem as mesmas características em relação ao porte, tipologia e natureza jurídica. A base de dados para definição destes critérios foi o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES).

O manejo de dados fez uso de estatística descritiva (frequência e média) para a descrição dos achados e medidas de associação para comparações entre os grupos (testes do qui-quadrado e t de Student), para um p<0,05.

Foram extraídos relatórios do site do CNES/Datasus com dados necessários para composição dos indicadores de interesse: tipo de hospital (ou tipologia), número do CNES, nome do estabelecimento, município, CNPJ e CNPJ mantenedora. Para adicionar outras variáveis, foi necessária busca manual no CNES de cada um dos estabelecimentos, resultando na inserção do número de leitos existentes em cada hospital na competência 12/2019. Quanto à tipologia, foram selecionados os tipos “hospital geral” e “hospital especializado”, e os hospitais com subtipo “maternidade” e “psiquiatria” foram excluídos da análise.

A data de competência de referência para pesquisa do número de leitos foi o ano de 2019. Não foram empregados dados de 2020, parcialmente disponíveis no momento da coleta de dados, pois o número de leitos cadastrados no exercício 2020 poderia gerar distorção, em virtude da ampliação de alguns estabelecimentos no país durante a pandemia de SARS-CoV-2.

2 CONSIDERAÇÕES ÉTICAS

Por se tratar de estudo que emprega dados presentes em bases de dados de acesso público não havia a necessidade de encaminhamento para comitê de ética. Mesmo assim, o projeto foi encaminhado para registro junto ao sistema de pesquisa da UFRGS sob o protocolo nº 39.414.

3 RESULTADOS

O tempo médio de permanência geral é um indicador cujo resultado deve ser o menor possível, sendo que os parâmetros são estabelecidos de acordo com o tipo de hospital, a especialidade e a faixa etária (BRASIL, 2002— —. Ministério da Saúde. Padronização da nomenclatura do censo hospitalar. 2 ed., Brasília, 2002. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/padronizacao_censo.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.
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). Dentre as três PPP comparadas com os hospitais legíveis para o grupo de comparação, apenas o Hospital do Subúrbio teve um desempenho melhor, enquanto o ICM e o HMDCC tiveram resultados inferiores em relação ao grupo de hospitais comparados (Tabela 1). Quanto à taxa de mortalidade, nenhuma PPP mostrou desempenho superior aos hospitais comparados (Tabela 2). O valor médio da internação teve resultado diverso (Tabela 3), cuja análise é limitada visto este não ser o valor final pago aos hospitais pelos gestores. Quanto à taxa de ocupação de leitos, nenhuma PPP teve resultado superior no grupo de comparação (Tabela 4).

Tabela 1
Comparação do indicador de Tempo Médio de Permanência (TMP), entre as PPPs e os hospitais comparados, no ano de 2019.
Tabela 2
Comparação do indicador de Taxa de Mortalidade Hospitalar (TMH), entre as PPPs e os hospitais comparados, no ano de 2019.
Tabela 3
Comparação do indicador de Valor Médio de Internação (VMI), entre as PPPs e os hospitais comparados, no ano de 2019.
Tabela 4
Comparação do indicador Taxa de Ocupação de Leitos (TOL), entre as PPPs e os hospitais comparados, no ano de 2019.

4 DISCUSSÃO

4.1. INSTITUTO COUTO MAIA

O Instituto Couto Maia (ICM) apresentou TMP superior aos três hospitais comparados. O TMP elevado gera baixa rotatividade dos leitos, e pode elevar os custos hospitalares e a insegurança assistencial (ANS, 2013). Segundo a Agência de Saúde Suplementar (ANS, 2013), “a média de permanência em hospitais agudos acima de sete dias está relacionada ao aumento de risco de infecção hospitalar”. Este resultado do tempo médio de permanência elevado pode ter influenciado na também elevada taxa de mortalidade hospitalar do ICM, que também apresentou resultado superior aos demais estabelecimentos comparados, o que poderia estar relacionado ao perfil dos pacientes atendidos no hospital (infectologia). Avini (2017)AVINI, F. C. Indicadores hospitalares para a medição de desempenho assistencial e de gestão: proposta de modelo-referência de benchmarking hospitalar. (Dissertação de mestrado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), 2017. estudou a taxa de mortalidade como indicador de desempenho assistencial, e considerou os parâmetros de órgãos governamentais, entidades privadas e programas de acreditação, encontrando uma taxa que variou entre 1,78% e 5,52%. Considerada como um indicador de desempenho, há quatro determinantes que influenciam na variação da mortalidade entre hospitais: 1) o tamanho do hospital e o volume dos serviços produzidos, 2) características dos médicos e dos hospitais, 3) características dos pacientes, e 4) ser ou não hospital universitário (TRAVASSOS et al., 1999TRAVASSOS, C.; NORONHA, J. C.; MARTINS, M. Mortalidade hospitalar como indicador de qualidade: uma revisão. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 367-381, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81231999000200011. Acesso em: 22 jul. 2021.
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).

Destaca-se que, no grupo comparado, o estabelecimento Sarah Salvador não apresentou mortalidade hospitalar no período, possivelmente devido ao seu perfil de atendimento (reabilitação) e algumas características do estabelecimento (ausência de UTI e emergência). Quanto ao Hospital Manoel Victorino, a taxa de mortalidade baixa (de 0,66%) também pode ser atribuída ao perfil de atendimento do mesmo (ortopedia) e, embora possua emergência 24 horas, ao fato de não atender trauma agudo. Portanto, apesar dessas considerações sobre os hospitais comparados, a taxa de mortalidade de 6,76% do ICM também não teve um desempenho superior aos dados encontrados na literatura (AVINI, 2017AVINI, F. C. Indicadores hospitalares para a medição de desempenho assistencial e de gestão: proposta de modelo-referência de benchmarking hospitalar. (Dissertação de mestrado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), 2017.; TRAVASSOS et al., 1999TRAVASSOS, C.; NORONHA, J. C.; MARTINS, M. Mortalidade hospitalar como indicador de qualidade: uma revisão. Ciência & Saúde Coletiva, v. 4, n. 2, p. 367-381, 1999. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1413-81231999000200011. Acesso em: 22 jul. 2021.
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), e tampouco em relação a taxa da região Nordeste que foi de 3,63 e 3,76% em 2018 e 2019, respectivamente. (TCE/BA, 2020)

Quanto ao VMI, cumpre esclarecer que este é um valor de referência com base na tabela SUS. Mesmo assim, na comparação com os serviços, o hospital apresentou valor maior do que 2 dos 3 estabelecimentos comparados (R$ 918,53 em 2019). A despesa do governo com esta PPP em 2019 foi de R$ 53.700.000,00 (cinquenta e três milhões e setecentos mil reais), para um total de 2.285 internações (R$ 23.501,00/internação), ou seja, o VMI representou 1/24 do valor efetivamente pago pelo governo em 2019. Isto porque, geralmente, o valor pago aos hospitais é superior ao valor apresentado no SIH/SUS, que aponta apenas os valores dos procedimentos aprovados de acordo com a tabela SUS. Destaca-se que o VMI não considera o atendimento ambulatorial do serviço, e incentivos eventualmente pagos pelo governo ao hospital.

O Ministério da Saúde preconiza uma taxa de ocupação de leitos de no mínimo 85% (BRASIL, 2011— —. Ministério da Saúde. Organiza o Componente Hospitalar da Rede de Atenção às Urgências no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Portaria Nº 2.395, de 11 de outubro de 2011. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 out. 2011.), mas nenhum dos serviços comparados alcançou essa taxa em 2019. Neste indicador, o ICM foi o estabelecimento que obteve a maior taxa de ocupação em relação aos demais. Em síntese, com base nos indicadores analisados, a gestão por PPP do Instituto Couto Maia não demonstrou desempenho superior em relação aos estabelecimentos comparados, exceto em relação à taxa de ocupação de leitos.

4. 2. HOSPITAL DO SUBÚRBIO

O Hospital do Subúrbio apresentou um TMP dentro dos limites preconizados pelo Ministério da Saúde para hospitais SUS e inferior em relação aos estabelecimentos comparados. Isto demonstra que o HS teve um desempenho mais eficiente neste indicador. A taxa de mortalidade hospitalar foi elevada, sendo que o número de óbitos foi superior ao grupo de comparação. Ou seja, neste indicador o HS não obteve o melhor resultado.

O valor médio da internação em 2019 foi R$ 1.754,29. O governo pagou a esta PPP, no mesmo ano, R$ 204.900.000,00 (duzentos milhões, e novecentos mil reais) (TCE/BA, 2020), para um total de 15.912 internações (R$ 12.877,00/internação), ou seja, o valor médio da internação representou 1/7 do valor efetivamente pago em 2019. Na comparação com os demais estabelecimentos, o valor SUS pago ao HS foi maior em relação a dois hospitais, com significância estatística em relação a um deles, e menor em relação a um hospital, com significância estatística. Quanto à taxa de ocupação de leitos, o HS não apresentou diferença entre os serviços comparados. Logo, o HS apresentou desempenho superior aos demais apenas no indicador de TMP.

4. 3. HOSPITAL METROPOLITANO DOUTOR CÉLIO DE CASTRO

O Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro (HMDCC) apresentou um TMP de 7 dias, dentro dos limites preconizados pelo Ministério da Saúde para hospitais SUS, mas superior em relação aos estabelecimentos comparados. Quanto à TMH do HMDCC, o resultado foi superior aos hospitais comparados, ou seja, não teve desempenho superior neste indicador. Os resultados do TMP e da TMH do HMDCC podem estar relacionados ao perfil de atendimento (emergência, alta complexidade para traumato-ortopedia, cirurgia vascular e acidente vascular cerebral).

Quanto ao VMI, este foi inferior ao valor pago aos hospitais comparados. Contudo, o valor efetivamente pago pelo governo a esta PPP em 2019 foi de R$ 250.765.415,00 (cinquenta milhões, setecentos e sessenta e cinco mil, quatrocentos e quinze reais) (HMDCC, 2020HOSPITAL METROPOLITANO DOUTOR CÉLIO DE CASTRO (HMDCC). Relatório de Gestão 2019. Belo Horizonte, MG, 2020. 169p. Disponível em: http://www.hmdcc.com.br/wp-content/uploads/2020/06/RAG_2019Rev2.pdf. Acesso em: 23 ago. 2021.
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) para um total de 19.404 internações (R$ 12.923,28/internação). Ou seja, o valor médio da internação representou 1/8 do valor efetivamente pago em 2019. Quanto à taxa de ocupação de leitos, o HMDCC não apresentou diferença entre os serviços comparados, o que demonstra que esse indicador pode ser melhorado, visto que um resultado de 85% em relação à capacidade instalada representa uso seguro e eficiente da estrutura.

4. 4. PERSPECTIVAS DE ANÁLISE PARA AS PPPS NA SAÚDE

Este estudo faz um pequeno recorte, considerando alguns indicadores assistenciais, que embora sejam extremamente relevantes, precisam ter acrescidas outras análises para conclusões mais robustas sobre a superioridade, ou não, das PPPs frente aos outros modelos no SUS. No Brasil, as PPPs têm sido implementadas por muitos governos como uma solução alternativa para problemas na gestão pública. Logo, seria necessária uma análise quanto ao orçamento público comprometido, visto que o alívio imediato proporcionado ao ente público por ocasião da implantação de uma PPP pode comprometer parcela importante da Receita Corrente Líquida (RCL) aos longos dos anos, exigindo aplicação de um percentual maior do custeio para manter o funcionamento da parceria (VALE et al., 2015VALE, M. M. et al. Governos em risco: impacto das PPPs no orçamento do estado de Minas Gerais. XV Congresso Internacional de Contabilidade e Auditoria – A Contabilidade e o Interesse Público. Coimbra: 2015. Disponível em: https://www.academia.edu/28139637/Governos_at_Risk_Impacto_das_PPP_s_no_Or%C3% A7amento_do_Estado_de_Minas_Gerais?email_work_card=abstract-read-more . Acesso em: 14 out. 2022.
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). Tal ponto converge para a problemática do orçamento do SUS, cujo subfinanciamento é uma realidade, que foi agravada após a aprovação da EC 95/2016 (FUNCIA, 2019FUNCIA, F. R. Subfinanciamento e orçamento federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recursos. Ciência & Saúde Coletiva [online]. 2019, v. 24, n. 12 pp. 4405-4415. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1413-812320182412.25892019 . Acesso em: 14 out. 2022.
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).

Observa-se que o valor pago para cada PPP diverge, e que não há um instrumento ou um balizador que determine o desembolso para o poder público. Logo, um ponto a ser melhor esclarecido é se há diferença entre o custo da PPP e o custo dos demais modelos para o governo na gestão hospitalar do SUS. Partindo da premissa que o ente privado tem como objetivo o lucro, aqui se observa-se a primeira contradição do modelo, visto que o ente público deve perseguir o princípio da economicidade na gestão.

A governança do modelo, sobretudo em relação à gestão de pessoas, é outra questão que emerge como importante no debate. Cerca de 73,7% do custo da operação de um hospital é fixo, incluindo o valor pago a título de salários e encargos trabalhistas (AVINI, 2017AVINI, F. C. Indicadores hospitalares para a medição de desempenho assistencial e de gestão: proposta de modelo-referência de benchmarking hospitalar. (Dissertação de mestrado). Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), 2017.). Logo, a política de cargos e salários pode impactar na operação, tanto para torná-la menos dispendiosa com o pagamento de salários mais baixos, por exemplo, e menos vantajosa no que tange à qualidade do atendimento, devido ao turnover elevado. Portanto, tendo os resultados entregues através dos indicadores assistenciais como ponto de partida, podemos desdobrar uma série de análises mais aprofundadas, através de pesquisas futuras, dos processos e arranjos organizacionais das PPPs, em comparação com os modelos já adotados no SUS, a fim de avaliar se há superioridade de um ou outro modelo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados dos indicadores de desempenho dos hospitais geridos por PPPs (tempo médio de permanência, mortalidade hospitalar e taxa de ocupação de leitos) não se mostraram superiores em relação aos hospitais com outros modelos de gestão, sendo que no caso do ICM o desempenho superior aos demais foi apenas no indicador de taxa de ocupação de leitos, do HS também foi apenas no indicador de tempo médio de permanência, e o HMDCC não se mostrou superior em nenhum dos indicadores de desempenho. Quanto aos valores pagos aos hospitais geridos por PPP deve-se reforçar que os valores das internações são apenas valores de referência, e para uma conclusão mais robusta seria necessário considerar o valor total do contrato firmado com o gestor público e o valor de produção ambulatorial, que não foram objeto deste estudo. Contudo, é possível observar que no Estado da Bahia, que possui duas das PPPs abordadas neste estudo, o valor pago ao ICM foi de R$24,00 (vinte e quatro reais) para cada R$1,00 (um real) de VMI, enquanto para o HS o valor pago foi de R$7,00 (sete reais) para cada R$1,00 (um real) de VMI. Destaca-se que, no caso do HS, Santos (2015)SANTOS, E. B. Parceria Público Privadas e ganhos extraordinários: uma análise da PPP do Hospital do Subúrbio em Salvador/BA. (Dissertação de mestrado). Universidade Federald a Bahia, 2015. avaliou potenciais ganhos extraordinários nesta PPP, mesmo o valor pago por internação sendo a metade do valor pago para a outra PPP, o ICM, localizada no mesmo Estado. Além disso, o ICM é um hospital referenciado, ou seja, não tem emergência, o que poderia tornar sua operação menos dispendiosa, diferentemente do HS que possui emergência 24 horas. Quanto ao número de leitos, o ICM possui menos de 1/3 do número de leitos do HS. Logo, essas diferenças levantam alguns questionamentos, para além dos indicadores de desempenho assistencial, sobre os custos da operação desses hospitais.

Se a lógica dos defensores deste modelo alega eficiência e economicidade (BARBOSA; MALIK, 2015BARBOSA, A. P.; MALIK, A. M. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre Janeiro de 2010 e Março de 2014. Revista de Administracao Publica, v. 49, n. 5, p. 1143–1165, 2015. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/0034-7612136177 . Acesso em: 20 Dez. 2019.
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), o desempenho assistencial abaixo do obtido por hospitais com outros modelos de gestão, e a discrepância nos valores efetivamente pagos não confirmam preliminarmente a superioridade do modelo. Outro ponto não alçando por este estudo diz respeitos às relações de trabalho, pois esse modelo, a exemplo das OSSs, também leva à terceirização e à precarização dos vínculos trabalhistas (FERNANDES et al., 2018FERNANDES, Lorena Estevam Martins et al. Recursos Humanos em Hospitais Estaduais Gerenciados por Organizações Sociais de Saúde: a lógica do privado. Trabalho, Educação e Saúde, v. 16, n. 3, p. 955–973, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/j/tes/a/n7RtCS58n8dDsw39qmWRRBy/abstract/?lang=pt . Acesso em: 29 Jan. 2019.
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), com elevado turnover, o que também pode influenciar na governança e nos resultados assistenciais. Outrossim, a gestão por PPP apresentam tendência de aumento da demanda e redução da capacidade de pagamento ao longo dos anos, conforme já observado em outros países (MONTAGU et al., 2012MONTAGU, D.; HARDING, A. World Bank. A zebra or a painted horse? Are hospital PPPs infrastructure partnerships with stripes or a separate species? World Hospitals and Health Services, v. 48, n. 2, p.15-9, Aug. 2012. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22913125. Acesso em: 07 jan. 2020.
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). Por isso, a avaliação do custeio destes hospitais em cenários como, por exemplo, o da pandemia de SARS-CoV-2, que teve início em 2019, podem acentuar eventuais déficits, e comprometer a capacidade de sustentação econômica do modelo.

A opção por um modelo de gestão hospitalar no SUS necessita de análise criteriosa dos resultados que ele entrega à sociedade. Este trabalho teve como objetivo analisar um conjunto de indicadores mínimos, mas ao mesmo tempo relevantes, para avaliar o desempenho dos serviços. Nesta análise a gestão por PPP não mostrou desempenho superior aos outros modelos existentes no SUS. O cenário da pandemia, ou outros possíveis cenários vindouros, que altera a ordem sanitária, econômica, política ou social, pode comprometer a gestão deste modelo. A EC nº 95/2016 (BRASIL, 2016BRASIL. Emenda Constitucional nº 95. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, p. 2-3,15 dez. 2016.) projetou uma retração do investimento em saúde para vinte anos que, aliado a contextos históricos desfavoráveis, deve influenciar nos resultados e no valor necessário para manter o custeio de uma PPP. Em outros países, como na França por exemplo, o governo teve de criar fundos garantidores devido às contas impagáveis de PPPs que foram devolvidas ao Estado (SIMONET, 2014SIMONET, D. Assessment of new public management in health care: the French case. Health Research Policy and Systems 2014 12:1, v. 12, n. 1, p. 1–9, 2014. Disponível em: https://health-policy-systems.biomedcentral.com/articles/10.1186/1478-4505-12-57. Acesso em: 8 jul. 2019.
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). Alguns autores reforçam o caráter técnico do modelo, como Carrera (2012)CARRERA, M. B. M. Parcerias público-privada na saúde no Brasil: estudo de caso do Hospital do Subúrbio de Salvador – Bahia. (Dissertação de mestrado). Fundação Getúlio Vargas, 2012., destacando sua eficiência e lógica de gestão. Contudo, também destacam o componente político e jurídico que rege a decisão pela adoção do modelo. Pode-se perceber que há um mosaico de princípios utilizados como argumentos conceituais para sua implementação, mas o componente decisório é o político. O hospital gerido por PPP é um constructo idealizado como uma ilha de eficiência no subfinanciado e sobrecarregado sistema hospitalar público brasileiro, é um “dá pra fazer mais e melhor” que tergiversa da realidade, evitando o debate sobre os verdadeiros problemas estruturais dos sistema de saúde brasileiro. Estando inserido no sistema, o hospital gerido por PPP não estará numa bolha, ele será afetado, em maior ou menor intensidade, pelas turbulências que afetam todos os outros serviços hospitalares brasileiros ao longo da história. Para o futuro das PPPs, a homologação da Lei nº 14.133 de abril de 2021 (BRASIL, 2021BRASIL. Lei nº 14.133. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 abr. 2021. Edição extra.) trouxe novas normas para a licitações e contratos na administração pública, incluindo os regidos por essas parcerias. Quanto à modalidade de licitação, as PPP poderão, além da concorrência previstas na Lei nº 11.079 (BRASIL, 2004BRASIL. Lei nº 11.079. Institui normais gerais para licitação e contratação de parcerias públicoprivadas no âmbito da administração pública. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 2004.), ser licitadas na modalidade diálogo competitivo. Contudo, esta nova modalidade ainda carece de melhor entendimento e consolidação na prática. Alguns autores atribuem a demora para a concretização do modelo à insegurança jurídica (BARBOSA; MALIK, 2015BARBOSA, A. P.; MALIK, A. M. Desafios na organização de parcerias público-privadas em saúde no Brasil. Análise de projetos estruturados entre Janeiro de 2010 e Março de 2014. Revista de Administracao Publica, v. 49, n. 5, p. 1143–1165, 2015. Disponível em: https://dx.doi.org/10.1590/0034-7612136177 . Acesso em: 20 Dez. 2019.
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), o que novamente pode ocorrer com a recente alteração da legislação. Fatores políticos, financeiros e de governança também merecem atenção para avaliar o resultado do desempenho da gestão com este modelo. Contudo, a eficiência por ele prometida ainda não se concretizou na prática da atenção hospitalar no SUS.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2022
  • Aceito
    08 Nov 2022
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