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LIDERANÇA: REPRESENTAÇÕES SOCIAIS E MODELOS MENTAIS DOS SÉCULOS XX E XXI

LEADERSHIP: SOCIAL REPRESENTATIONS AND MENTAL MODELS OF THE 20TH AND 21st CENTURIES

LIDERAZGO: REPRESENTACIONES SOCIALES Y MODELOS MENTALES DE LOS SIGLOS XX Y XXI

RESUMO

O objetivo principal do estudo foi verificar se a orientação de pesquisa científica sobre o tema liderança aproxima-se de uma abordagem tradicional ou contemporânea, quando analisadas as principais bases de dados de publicações sobre o tema, entre 2014 e 2021, nas línguas inglesa e portuguesa. Inicialmente, uma abordagem qualitativa foi realizada, por meio de um Focus Group com especialistas sobre liderança. Posteriormente, seguiu-se uma abordagem quantitativa, por meio de pesquisas bibliométricas, nas quais os 28 descritores definidos foram investigados em bases prestigiosas e não prestigiosas. A contribuição teórica foi apresentar uma lista atualizada de descritores que poderá ser utilizada para novas investigações sobre o tema liderança. As contribuições práticas foram a qualificação das bases de dados analisadas, em inglês e em português, e as tendências de comportamento do tema liderança. As principais conclusões foram: i) a constatação da baixa produção científica e necessidade de mais publicações prestigiosas em português sobre os temas liderança e gestão; ii) o reconhecimento de que o modelo mental tradicional do século XX é massivamente disseminado em comunicações explícitas em inglês, quando comparado ao modelo mental contemporâneo, com um comportamento inverso em português. Este fenômeno tem aumentado ao longo dos últimos anos, contrariando as expectativas da pesquisa.

Palavras-chave:
Gerenciamento; Liderança; Abordagem Tradicional de Liderança; Abordagem Contemporânea de Liderança.

The main objective of the study was to verify whether the orientation of scientific research on the leadership theme gets close to a traditional or contemporary approach, when analyzing the main databases of publications on the subject, between 2014 and 2021, in the English and Portuguese languages. Initially, a qualitative approach was carried out, through a Focus Group with experts on leadership. Afterwards, a quantitative approach was followed, through bibliometric research, in which the 28 defined descriptors were investigated on prestigious and non-prestigious bases. The theoretical contribution was to present an updated list of descriptors that can be used for further investigations on the leadership subject. The practical contributions were the qualification of the analyzed databases, in English and Portuguese, and the behavior trends of the leadership theme. The main conclusions were: (i) the finding of low scientific production and the need for more prestigious publications in Portuguese on the topics of leadership and management, (ii) the recognition that the traditional mental model of the 20th century is massively disseminated in explicit communications in English, when compared to the contemporary mental model, with an inverse behavior in Portuguese. This phenomenon has increased over the last few years, contradicting the research expectations.

Keywords:
Management; Leadership; Traditional Leadership Approach; Contemporary Leadership Approach.


El objetivo principal del estudio fue verificar si la orientación de la investigación científica sobre el tema liderazgo se acerca a un enfoque tradicional o contemporáneo, cuando analizadas las principales bases de datos de publicaciones sobre el tema, entre 2014 y 2021, en los idiomas inglés y portugués. Inicialmente, un enfoque cualitativo fue realizado, por medio de un Focus Group con especialistas en liderazgo. Posteriormente, siguió un enfoque cuantitativo, por medio de pesquisas bibliométricas, en las cuales los 28 descriptores definidos fueron investigados en bases prestigiosas y no-prestigiosas. La contribución teórica fue presentar una lista actualizada de descriptores que podrá ser utilizada para nuevas investigaciones sobre el tema liderazgo. Las contribuciones prácticas fueron la calificación de las bases de datos analizadas, em inglés y en portugués, y las tendencias de comportamiento del tema liderazgo. Las principales conclusiones fueron: (i) la comprobación de baja producción científica y la necesidad de más publicaciones prestigiosas en portugués sobre los temas liderazgo y gestión; (ii) el reconocimiento de que el modelo mental tradicional del siglo XX es masivamente extendido en comunicaciones explícitas en inglés, cuando comparado al modelo mental contemporáneo, con un comportamiento inverso en portugués. Ese fenómeno ha aumentado a lo largo de los últimos años, en contra a las expectativas de la pesquisa.

Palabras clave:
Gerenciamento; Liderazgo; Enfoque Tradicional de Liderazgo; Enfoque Contemporáneo de Liderazgo.


INTRODUÇÃO

O interesse em consumir material, instrução e capacitação sobre o tema liderança, em forma de conhecimento tácito e/ou explícito, em nível pessoal e/ou profissional, pela sociedade e/ou pelas organizações, pode ser constatado em trabalhos publicados no Brasil e no exterior (ALOK, 2022ALOK, K. Finding human nature coherence in theoretical narratives: A heuristics approach and a leadership illustration. Human Resource Management Review, v. 32, n. 1, 2022. https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2022.100897.
https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2022.1008...
; SAMUL, 2020SAMUL, J. The Research Topics of Leadership: Bibliometric Analysis from 1923 to 2019. International Journal of Educational Leadership and Management, v. 8, n. 2, p. 116-143, 2020. https://doi.org/doi.org/10.17583/ijelm.2020.5036
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; USLU, 2019USLU, O. A. General Overview to Leadership Theories from a Critical Perspective. Marketing and Management of Innovations, v. 1, p. 161-172, 2019. https://doi.org/10.21272/mmi.2019.1-13
https://doi.org/10.21272/mmi.2019.1-13...
; SOBRAL; FURTADO, 2019SOBRAL, F.; FURTADO, L. A liderança pós-heroica: Tendências atuais e desafios para o ensino de liderança. RAE-Revista de Administração de Empresas, v. 59, n. 3, p. 209-214, 2019. https://doi.org/10.1590/S0034-759020190306
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; AVOLIO et al., 2014AVOLIO, B. et al. E-Leadership: Re-examining transformations in leadership source and transmission. The Leadership Quarterly, v, 25, n. 1, p. 105-131, 2014. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2013.11.003
https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2013.11...
). Recentes estudos nacionais (MARQUES FELIX; VERGINIO DA SILVA, 2020MARQUES FELIX, C. R.; VERGINIO DA SILVA, S. A presença das mulheres e sua representatividade em cargos de liderança. Revista Mythos, v. 12, n. 2, p. 16-24, 2020. https://doi.org/10.36674/mythos.v12i2.305
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; MILTERSTEINER et al., 2020MILTERSTEINER, R. et al. Liderança Feminina: Percepções, Reflexões e Desafios na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR, v. 18, n. 2, p. 406-423, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395120190176
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) e internacionais (JOHNSON; TURNBULL; REISSLEIN, 2022JOHNSON, N.; TURNBULL, B.; REISSLEIN, M. Social media influence, trust, and conflict: An interview based study of leadership perceptions. Technology in Society, v. 68, 101836, 2022. https://doi.org/10.1016/j.techsoc.2021.101836
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; ÖTTING; MASJUTIN; MAIER, 2021ÖTTING, S. K.; MASJUTIN, L.; MAIER, G. W. The future of leadership - How is leadership in small and medium-sized enterprises going to change? Journal Gruppe. Interaktion. Organização - GIO, v. 52, p. 639-647, 2021. https://doi.org/10.1007/s11612-021-00610-9
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; KNIGHTS; GRANT; YOUNG, 2020KNIGHTS, J.; GRANT, D.; YOUNG, G. Developing 21st Century Leaders, a Complete New Process: we call them transpersonal leaders. Journal of Work-Applied Management, v. 12, n. 1, p. 6-21, 2020. https://doi.org/2020.10.1108/JWAM-12-2019-0038
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; PATTON, 2020PATTON, W. The many faces of leadership: leading people and change in Australian higher education. Journal of Educational Administration and History, v. 52, n. 2, p. 121-131, 2020. https://doi.org/10.1080/00220620.2020.1793740
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) têm buscado explicar o poder de influência, a relação no ambiente organizacional e o futuro da liderança no século XXI. Contudo, liderança é um assunto pesquisado no contexto competitivo há cerca de 150 anos, e abarca muitas definições possíveis e enfoques em constante mudança (BASS, 2008BASS, B. The Bass Handbook of Leadership: theory, research, and managerial applications. 4 ed. New York: Free Press, 2008.), a depender da época em que se situa.

Uma provocação adequada sobre o tema liderança, nos tempos atuais, poderá envolver a seguinte ponderação: o fenômeno liderança pode ser percebido como i) um incremento de atribuições ou ii) um ressignificado à essência humana? O primeiro ponto envolve as adições, em forma de práticas, atributos e competências conferidos ao líder, em seu processo de aperfeiçoamento da eficácia da liderança. O segundo ponto tem como base as transformações profundas e alterações na forma de projetar, consumir, compartilhar e se relacionar, envolvendo o líder, a sua organização e os stakeholders. São frutos colhidos pela “digitalização” ou virtualidade de costumes, práticas, efeitos e eventos, devido à natureza dos “novos tempos”, intensificados, inclusive, pelo próprio cenário pandêmico e pós-pandêmico. Poderá um líder manter-se apático e indiferente aos acontecimentos atuais, não compartilhar os valores sociais que moldaram a nossa atual forma de perceber, pensar e agir nesse novo cenário? Ou mesmo, por outro lado, posicionar-se como um “estrangeiro” social e organizacional, pouco sensível ao éthos que nos foi apresentado como oferta de um “novo normal”? Essas reflexões, por meio de questões de discussão filosófica, encontram amparo em Figueiredo (2021)FIGUEIREDO, J. A. L. Os Desafios de uma Liderança Digital. Revista de Administração Contemporânea, v. 25, n. 4, e210043, 2021. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021210043.en
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e Camus (1979)CAMUS, A. O Estrangeiro. 50 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1979.. O primeiro, um autor contemporâneo; e o segundo, um autor clássico, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1957. Eles apontam as preocupações, premências e ansiedades envolvendo o “homem organizacional”, ou o líder. E suscitam interesse de forma atemporal. Oitenta anos separam as duas obras originais; porém, o incômodo social e o desconforto da possível falta de significados parecem estar presentes nesse e naquele momento de nossa sociedade, convidando-nos a refletir sobre tais ansiedades. Aquele homem complexo e o atual homem complexo denunciam, apesar da passagem do tempo, angústias semelhantes. Em ambos, há algo em comum: qual o futuro que se espera e quem poderá mostrar um caminho satisfatório a seguir, independentemente do quão profunda será essa transformação? Talvez, por esse motivo, o tema liderança desperte tamanha expectativa na sociedade (SANT’ANNA et al., 2022SANT’ANNA, A. DE S. et al. Professional women in the transition to the Fourth Industrial Revolution: a brazilian gaze. Revista de Carreira e Pessoas, v. 12, n. 1, p. 9-30, 2022. http://dx.doi.org/10.23925/recape.v12i1.49766
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; BANKS; WOZNYJ; MANSFIELD, 2021BANKS, G. C.; WOZNYJ, H. M.; MANSFIELD, C. A. Where is “behavior” in organizational behavior? A call for a revolution in leadership research and beyond. The Leadership Quarterly, v. 32, 101581, 2021. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2021.101581
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), de forma múltipla e com distintas aplicações (ALOK, 2022ALOK, K. Finding human nature coherence in theoretical narratives: A heuristics approach and a leadership illustration. Human Resource Management Review, v. 32, n. 1, 2022. https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2022.100897.
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).

Liderança pode ser percebida em diversos ambientes, tais como: escolas, universidades, sindicatos, instituições públicas, associações, organizações sem fins lucrativos, empresas, na sociedade e quaisquer outras organizações sociais (ABDALLA; CALVOSA; BATISTA, 2013ABDALLA, M.; CALVOSA, M.; BATISTA, L. Hélice Tríplice no Brasil e na América Latina: fomentando o desenvolvimento através do ator universidade. Revista Iberoamericana de Educación, v. 61, n. 1, p. 1-12, 2013. https://doi.org/10.35362/rie6111267
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). Isto explica o tema ser um dos mais estudados nas Ciências Sociais e ter interesse multidisciplinar (SAMUL, 2020SAMUL, J. The Research Topics of Leadership: Bibliometric Analysis from 1923 to 2019. International Journal of Educational Leadership and Management, v. 8, n. 2, p. 116-143, 2020. https://doi.org/doi.org/10.17583/ijelm.2020.5036
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). Também, desperta o interesse e a atenção entre acadêmicos, profissionais de mercado, estudantes, religiosos, políticos, militares, gestores, colaboradores, comunidade, entre outros.

Ao longo do século XX, o tema liderança parecia ter contornos específicos de abordagens tradicionais, como era de se esperar. E atraia assuntos e ênfases direcionados para o gerenciamento, envolvendo, sobretudo, controle, comando, organização, eficiência e direção de ativos. Porém, com grandes mudanças sociais, culturais e ambientais no início do século XXI, o tema passou a incorporar, todavia, questões sociais, de meio ambiente, ecológicas, sustentáveis, de redes sociais, de evoluções tecnológicas, de políticas públicas direcionadas para a inclusão, de trabalho remoto; além de interesses virtuais, diversidade, estratégias de disseminação de liderança e inclinações culturais presentes. Que, mais significativamente, são observadas a partir da década de 2010 (CALVOSA, 2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022.), e isso envolve a conscientização, a remodelagem, a aceitação e a compreensão de novos significados, por meio de fatores externos à organização e satisfação de demandas sociais. A evolução e as projeções sobre o tema liderança podem ser analisados sob determinado prisma, envolvendo distintos comportamentos entre publicações brasileiras e estrangeiras (FONSECA; PORTO; BORGES-ANDRADE, 2015FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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). A provocação contida nas considerações desse último artigo e o estímulo para novas pesquisas complementares contidas em sua discussão final motivaram os pesquisadores à investigação de duas análises: i) a disponibilização de publicações que apresentam abordagens tradicionais ou não sobre liderança e ii) a comparação entre publicações em línguas inglesa e portuguesa sobre liderança, como indicação de um fenômeno social em construção. Estes são os pontos que o presente trabalho buscou responder.

Existe um consenso entre os pesquisadores de que as organizações e a sociedade estão mudando, logo, os atores envolvidos na execução e disseminação do tema liderança, também. Com isso, o modelo mental das pessoas na sociedade e nas organizações, como, por exemplo, gestores e pesquisadores, está sujeito a alterações. Talvez, essas duas posições sociais, gestor organizacional e pesquisador, permitam análises do fenômeno liderança de forma mais notória e prática (CALVOSA; FERREIRA, 2021CALVOSA, M.; FERREIRA, M. Os Atuais Pesquisadores sobre o Tema Liderança estão presos ao Modelo Mental do Século XX? In: XLV EnANPAD - Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Curitiba, 2021.). Porém, não se limitam a elas, nem nelas se esgotam. De fato, a cultura no interior das empresas e a circulação de conceitos no ambiente acadêmico contribuem para isso. Aliados a tais variáveis, o atual posicionamento ativo dos consumidores, as comunidades, o conjunto de stakeholders, as mudanças sociais, culturais e tecnológicas impulsionam ou inibem a manifestação de liderança, pois estão em constante movimento. Essa movimentação ocorre quer seja como fenômeno social (de fora para dentro), quer seja como parte do processo de construção ou evolução das organizações em busca de novos significados (de dentro para fora). E tal construção, ou “desconstrução”, passou a ser alvo de discussões sociais de indivíduos que buscam maior representatividade e oportunidades de manifestar as suas opiniões, de anseios nas organizações e de pesquisas científicas no ambiente acadêmico. Enfim, gera inquietude e ansiedades em parte da sociedade. Diante disso, uma questão de pesquisa pode ser formulada: o interesse científico, acadêmico e social sobre o tema liderança tem se modificado em comunicações ou discussões explícitas (publicações), movimentando-se para abordagens tradicionais (conservadoras) ou para abordagens contemporâneas (inovadoras)? Ou seja: estão se movimentando de forma explícita como pode ser observado e constatado de forma tácita, ou apresentam alguma resistência na conversão entre as dimensões tácitas e explícitas?

Para atingir a proposta descrita pareceu ser uma opção adequada analisar o tema liderança de forma explícita ao longo dos anos de 2014 a 2021 (dois quadriênios acadêmicos), em diversas bases de dados, referatórios e repositórios, com publicações de naturezas distintas (conhecimento explícito), nas línguas inglesa e portuguesa (FONSECA; PORTO; BORGES-ANDRADE, 2015FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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). A relevância do tema encontra-se na oportunidade de esclarecimento e verificação de dados que permitam gerar informações para um futuro aprofundamento, além de margem para a discussão sobre o tema liderança de forma acadêmica e organizacional.

O objetivo principal do estudo foi verificar se a orientação de pesquisa científica sobre o tema liderança aproxima-se de uma abordagem tradicional ou contemporânea, quando analisadas as bases de dados de publicações sobre o tema, entre 2014 e 2021, em línguas inglesa e portuguesa. E, para atingir esse objetivo definiu-se a necessidade de sugestão e validação de descritores que ajudassem a identificar uma corrente de pensamento com um modelo mental tendente para um comportamento mais conservador ou para um comportamento mais inovador de liderança, por meio das expressões usadas nas publicações. O objetivo secundário foi analisar o nível de relevância e gerar uma classificação entre as bases de dados de publicações em línguas inglesa e portuguesa, comparando o impacto de pesquisa - ao sugerir descritores de pesquisas para novas investigações sobre o tema liderança -, contribuindo para as discussões acadêmicas, identificando pontos de interesses organizacionais e facilitando a atuação de novos pesquisadores.

1 MODELOS MENTAIS TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEO EM LIDERANÇA

Com um olhar clássico, Bass, desde 1974, com sucessivos estudos e registros em língua inglesa, observa o sempre crescente número de publicações científicas sobre o tema liderança. Em seu famoso Handbook de Liderança, até a edição publicada em 2008, foram contabilizados um pouco mais de 12.000 estudos científicos (BASS, 2008BASS, B. The Bass Handbook of Leadership: theory, research, and managerial applications. 4 ed. New York: Free Press, 2008.). Em contraste, em dezembro de 2022, em uma análise prévia na base de dados do Google Scholar, o termo “liderança” apresentou 776.000 referências. Enquanto, o termo leadership (liderança, em inglês) apresentou 5.232.000 indicações de publicações em todo o mundo, mostrando que é um assunto de franca atenção e interesses acadêmico e social. Como investigação acadêmica, recentemente, os pesquisadores passaram a concentrar os seus estudos, sobretudo, em contribuições da liderança para a gestão e não mais em análises comportamentais, capacidades ou estilos de liderança (BANKS; WOZNYJ; MANSFIELD, 2021BANKS, G. C.; WOZNYJ, H. M.; MANSFIELD, C. A. Where is “behavior” in organizational behavior? A call for a revolution in leadership research and beyond. The Leadership Quarterly, v. 32, 101581, 2021. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2021.101581
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), ou sobre teorias de liderança, aspectos gerenciais ou aplicações competitivas, como ocorria até a primeira década dos anos 2000 (CALVOSA, et al., 2022). Por isso, a relação entre liderança e gestão parece ser um dos recortes científicos de maior interesse entre as diversas combinações e trilhas de pesquisa que o tema liderança poderá percorrer, ao investigar distintas naturezas de publicações mundiais (JOHNSON; TURNBULL; REISSLEIN, 2022JOHNSON, N.; TURNBULL, B.; REISSLEIN, M. Social media influence, trust, and conflict: An interview based study of leadership perceptions. Technology in Society, v. 68, 101836, 2022. https://doi.org/10.1016/j.techsoc.2021.101836
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; CASALÓ; FLAVIÁN; IBÁÑEZ-SÁNCHEZ, 2020CASALÓ, L. V.; FLAVIÁN, C.; IBÁÑEZ-SÁNCHEZ, S. Influencers on Instagram: Antecedents and consequences of opinion leadership. Journal of Business Research, v. 117, p. 510-519, 2020. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2018.07.005
https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2018.0...
). E isso se revela um desafio entre acadêmicos, pesquisadores e gestores. As decisões de investigação e pesquisa sobre liderança podem tornar-se demasiadamente abrangentes, caso não haja o devido direcionamento, sem uma aplicabilidade dirigida (KURZHALS; GRAF-VLACHY; KÖNIG 2020KURZHALS, C.; GRAF-VLACHY, L.; KÖNIG, A. Strategic leadership and technological innovation: A comprehensive review and research agenda. Corp Govern Int Rev., v. 28, p. 437-464, 2020. https://doi.org/10.1111/corg.12351
https://doi.org/10.1111/corg.12351...
; SAMUL, 2020SAMUL, J. The Research Topics of Leadership: Bibliometric Analysis from 1923 to 2019. International Journal of Educational Leadership and Management, v. 8, n. 2, p. 116-143, 2020. https://doi.org/doi.org/10.17583/ijelm.2020.5036
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). Pode ser desafiador tentar compreender a complexidade da natureza humana, a gestão e os múltiplos interesses da liderança (ALOK, 2022ALOK, K. Finding human nature coherence in theoretical narratives: A heuristics approach and a leadership illustration. Human Resource Management Review, v. 32, n. 1, 2022. https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2022.100897.
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).

As buscas pela compreensão do fenômeno liderança e do seu significado coletivo em cenários organizacionais e representações sociais, durante milênios apenas presentes no campo da filosofia, estão longe de serem saciadas na literatura, na sociedade e nas organizações. O tema liderança desperta notável interesse nas pessoas porque temos, naturalmente, necessidades e desejos de sermos afiliados ou afiliar pessoas dentro de uma mesma causa, de um objetivo coletivista. Ainda mais, por buscarmos, como sociedade, indivíduos que nos apontem caminhos a seguir: uma direção segura que minimize nossas angústias, sob uma proposta de valor. A liderança envolve tanto a vontade de mudar a nossa realidade, procurando caminhos que julgamos melhores para o futuro, em relação ao presente (CALVOSA, 2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022.), como a busca por identidade social, por meio de esforços sociais imputados ao líderes para que promovam e incorporem sensos de coletividade e aceitação (HASLAM et al., 2022HASLAM, S. A. et al. Reconciling identity leadership and leader identity: A dual-identity framework. The Leadership Quarterly, v. 31, n. 2, 2022. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2022.101620.
https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2022.10...
). As discussões envolvendo os estudos já consolidados e fundamentados em liderança parecem englobar a relação com as pessoas, com o ambiente e com os processos. Enquanto, as perspectivas, ou seja, as discussões futuras, parecem envolver novos públicos, inclusões e estratégias de atuação.

Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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identificaram que no século XXI os estudos internacionais sobre liderança possuem ênfases em afetos e atitudes no trabalho, com foco sobre o objeto de análise “indivíduo”. Contudo, a evolução das pesquisas em liderança no século XX pode ser classificada de forma mais genérica e sobre o objeto de observação “organização”. E isso corrobora com as ansiedades de Camus (1979)CAMUS, A. O Estrangeiro. 50 ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 1979., sobre a falta de sentido em um futuro abstrato e no “negócio”, não em aspectos específicos do “homem organizacional” com sua empresa, conforme incitado na introdução desse do trabalho. As ansiedades presentes na busca por competências e na preocupação com o desenvolvimento encontram apoio em Figueiredo (2021)FIGUEIREDO, J. A. L. Os Desafios de uma Liderança Digital. Revista de Administração Contemporânea, v. 25, n. 4, e210043, 2021. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2021210043.en
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; mas, também, ratifica a tese apresentada em Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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.

Banks, Woznyj e Mansfield (2021)BANKS, G. C.; WOZNYJ, H. M.; MANSFIELD, C. A. Where is “behavior” in organizational behavior? A call for a revolution in leadership research and beyond. The Leadership Quarterly, v. 32, 101581, 2021. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2021.101581
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sinalizam que o estudo do comportamento do líder foi um fator crítico de interesse na composição das teorias de liderança. Pois, os seus comportamentos funcionam como respostas coordenadas para atingir resultados e gerar estímulos em seus seguidores. E essa equação, “estímulo ‘x’ igual a resposta ‘y’”, parece ter sido eficaz em alguma parte da relação do líder com os seus colaboradores. Contudo, o modelo mental dos colaboradores e dos demais stakeholders mudou com o tempo (CALVOSA; FERREIRA, 2021CALVOSA, M.; FERREIRA, M. Os Atuais Pesquisadores sobre o Tema Liderança estão presos ao Modelo Mental do Século XX? In: XLV EnANPAD - Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Curitiba, 2021.).

O tema liderança parece ter avançado, recentemente, para aspectos envolvendo inovação; disrupção; robótica; nanotecnologia; virtualização; liderança 4.0; fusões e aquisições empresariais; redistribuição das funções e da imagem do líder na construção da liderança; mentoria e orientação profissional; nova ética organizacional e social; entre outros fatores. Com isso, inevitavelmente, as demandas em torno da figura do líder e do tema liderança mudaram. Porém, algumas demandas ainda são críticas, recorrentes e precisam de atenção, mesmo com o passar do tempo, o que faz com que modelos mentais conservadores e questões tradicionais convivam e dialoguem com modelos mentais contemporâneos e questões inovadoras. Por exemplo, no trabalho de Miltersteiner et al. (2020)MILTERSTEINER, R. et al. Liderança Feminina: Percepções, Reflexões e Desafios na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR, v. 18, n. 2, p. 406-423, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395120190176
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pode ser percebido que, apesar de avanços no tema liderança, questões seminais - tais como preconceito de gênero e seus entraves à ascensão profissional de mulheres à liderança - ainda estão na pauta de discussão e de preocupação desse tema milenar. Sobre essa provocação anterior, recentes estudos discutem assuntos de vanguarda do tema liderança, convivendo com os velhos dilemas. Como, para citar alguns, a forma de promover uma industrialização sustentável (DAUD et al., 2021DAUD, S. et al. Fourth Industrial Leadership Index (4IRLI) for Manufacturing Companies in Malaysia. International Journal of Organizational Leadership, v. 10, n. 4, p. 421-439, 2021.); desafios da digitalização dos processos organizacionais, incremento do uso de comunicação digital e trabalho remoto dos líderes (ÖTTING; MASJUTIN; MAIER, 2021ÖTTING, S. K.; MASJUTIN, L.; MAIER, G. W. The future of leadership - How is leadership in small and medium-sized enterprises going to change? Journal Gruppe. Interaktion. Organização - GIO, v. 52, p. 639-647, 2021. https://doi.org/10.1007/s11612-021-00610-9
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); a atuação do líder na implantação da Indústria 4.0 (SANT’ANNA et al., 2022SANT’ANNA, A. DE S. et al. Professional women in the transition to the Fourth Industrial Revolution: a brazilian gaze. Revista de Carreira e Pessoas, v. 12, n. 1, p. 9-30, 2022. http://dx.doi.org/10.23925/recape.v12i1.49766
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); a consideração de fatores sociais, ambientais e econômicos de forma conjunta, integrativa e sustentável (SARÁBIA-CAVENAGHI; MUNCK, 2019SARÁBIA-CAVENAGHI, L M; MUNCK, L. Lógicas decisórias e suas conclusões para a sustentabilidade nas associações. Organizações & Sociedade, v. 26, n. 91, 2019.); e como os líderes poderão usar as suas mídias sociais para ter maior poder de influência em suas áreas de atuação e para diminuir o nível de desconfiança em suas comunidades (JOHNSON; TURNBULL; REISSLEIN, 2022JOHNSON, N.; TURNBULL, B.; REISSLEIN, M. Social media influence, trust, and conflict: An interview based study of leadership perceptions. Technology in Society, v. 68, 101836, 2022. https://doi.org/10.1016/j.techsoc.2021.101836
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). Trabalhos esses que fazem avançar a percepção contemporânea sobre a evolução do estudo da liderança, mas confirmam essa dualidade e o potencial do tema para conviver com muitas abordagens distintas ao mesmo tempo (HASLAM et al., 2022HASLAM, S. A. et al. Reconciling identity leadership and leader identity: A dual-identity framework. The Leadership Quarterly, v. 31, n. 2, 2022. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2022.101620.
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; ALOK, 2022ALOK, K. Finding human nature coherence in theoretical narratives: A heuristics approach and a leadership illustration. Human Resource Management Review, v. 32, n. 1, 2022. https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2022.100897.
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).

Como exposto, questões centenárias ou milenares continuam atraindo a atenção da sociedade e refletindo as suas ansiedades. Ainda há grande déficit de resultados positivos e dificuldades em se estabelecer um processo de liderança efetivo, que responda pela contemplação de muitos interesses ao mesmo tempo; ou que resolva problemas éticos e questões de gênero na alta gerência/liderança (MILTERSTEINER et al., 2020MILTERSTEINER, R. et al. Liderança Feminina: Percepções, Reflexões e Desafios na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR, v. 18, n. 2, p. 406-423, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395120190176
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), ainda que deixe de enfatizar interesses puramente conservadores com ênfase em gerenciamento e competências de gestores (PAZ; ODELIUS, 2021PAZ, L. M.; ODELIUS, C. Escala de competências gerenciais no contexto da gestão pública: evidências de desenvolvimento e validação. Organizações & Sociedade, v. 28, n. 97, 2021.). Esses assuntos, mesmo tratados e abordados desde, pelo menos, a Terceira Revolução Industrial (BASS, 2008BASS, B. The Bass Handbook of Leadership: theory, research, and managerial applications. 4 ed. New York: Free Press, 2008.), por volta de 1950, emergem como inquietudes sociais e demandas organizacionais, surgindo, de forma mais visível, como discussões e debates na Academia e no interior das organizações.

A atuação do líder como gestor organizacional ou com interesse pela gestão parece, ainda, fragmentada, conforme a percepção de Bianchi, Quishida e Foroni (2017)BIANCHI, E. M.; QUISHIDA, A.; FORONI, P. Atuação do Líder na Gestão Estratégica de Pessoas: Reflexões, Lacunas e Oportunidades. Revista de Administração Contemporânea, v. 21, n. 1, p. 41-61, 2017. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2017150280
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. Mas, em potencial para evoluir para uma visão e atuação mais inovadoras, com maior interface de contribuição, a partir das novas aspirações da sociedade. Muitos trabalhos científicos, mesmo publicados em mídia prestigiosa, parecem refletir uma percepção tradicional do tema liderança, mesmo diante de tantas mudanças, urgências, pressões sociais, culturais e organizacionais. Uslu (2019)USLU, O. A. General Overview to Leadership Theories from a Critical Perspective. Marketing and Management of Innovations, v. 1, p. 161-172, 2019. https://doi.org/10.21272/mmi.2019.1-13
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aponta que abordagens tradicionais possuem uma visão clássica de liderança, e a visão contemporânea envolve aspectos, de forma frágil, apenas contingenciais à organização.

O que pode ser observado em liderança com ênfase em gestão, de forma preliminar, é uma dicotomia entre i) modelos mentais construídos em torno de uma visão e uma forma de pensar com recortes definidos em foco de análise na organização, no comando, no controle e no direcionamento à eficiência - modelo mais presente na forma de perceber liderança no século XX (visão tradicional); ou ii) um modelo mental com foco de análise no indivíduo e suas idiossincrasias, na formação de estratégias, parcerias, inclusão de stakeholders, diversidade, tolerância, participação em construções coletivas - modelo mais presente de perceber no século XXI, com um olhar no presente e, sobretudo, uma liderança para o futuro (visão contemporânea) (CALVOSA; FERREIRA, 2021CALVOSA, M.; FERREIRA, M. Os Atuais Pesquisadores sobre o Tema Liderança estão presos ao Modelo Mental do Século XX? In: XLV EnANPAD - Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Curitiba, 2021.).

Algumas das formas mais contemporâneas de se investigar, estudar e discutir o tema liderança aplicadas às empresas de alta competitividade, aquelas nas quais há maior oportunidade de aprendizagem e mudanças organizacionais mais rápidas, envolvem: i) discutir projeções e orientações de carreira em estruturas de gestão (MARQUES FELIX; VERGINIO DA SILVA, 2020MARQUES FELIX, C. R.; VERGINIO DA SILVA, S. A presença das mulheres e sua representatividade em cargos de liderança. Revista Mythos, v. 12, n. 2, p. 16-24, 2020. https://doi.org/10.36674/mythos.v12i2.305
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); ii) reconhecer e desenvolver liderança em um cenário mutável, que englobe as ansiedades dos clientes e das comunidades, principalmente as de nicho, representativas e com grande expressividade midiática (CALVOSA, 2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022.); iii) relacionar o fenômeno liderança aos efeitos e oportunidades presentes na atuais mídias sociais (NUNES et al., 2018NUNES, R. et al. Efeitos das Recomendações de Líderes de Opinião em Mídias Sociais sobre a Intenção de Compra de seus seguidores. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, v. 20, n. 1, p. 57-73, 2018. https://doi.org/10.7819/rbgn.v20i1.3678
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); iv) gerir a diversidade e priorizar a inclusão nas organizações (MARTINS, 2020MARTINS, L. L. Strategic Diversity Leadership: The Role of Senior Leaders in Delivering the Diversity Dividend. Journal of Management, v. 46, n. 7, p. 1191-1204, 2020. https://doi.org/10.1177/0149206320939641
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); v) considerar o impacto das equipes virtuais na integração e no planejamento da organização (GALLEGO; ORTIZ-MARCOS; ROMERO RUIZ, 2021GALLEGO, J. S.; ORTIZ-MARCOS, J.; ROMERO RUIZ, J. Main challenges during project planning when working with virtual teams. Technological Forecasting and Social Change, v. 162, 120353, 2021. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2020.120353
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); vi) preparar os líderes e a organização para um Mundo VUCA (KNIGHTS; GRANT; YOUNG, 2020KNIGHTS, J.; GRANT, D.; YOUNG, G. Developing 21st Century Leaders, a Complete New Process: we call them transpersonal leaders. Journal of Work-Applied Management, v. 12, n. 1, p. 6-21, 2020. https://doi.org/2020.10.1108/JWAM-12-2019-0038
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); e vii) desenvolver a relação bidirecional entre liderança estratégica e inovação tecnológica (KURZHALS; GRAF-VLACHY; KÖNIG, 2020KURZHALS, C.; GRAF-VLACHY, L.; KÖNIG, A. Strategic leadership and technological innovation: A comprehensive review and research agenda. Corp Govern Int Rev., v. 28, p. 437-464, 2020. https://doi.org/10.1111/corg.12351
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). Questões essas que as abordagens tradicionais não comportavam, englobavam ou foram expostas. Pois, não exigiam uma relação da liderança com avanços tecnológicos, com comunidades, com o maior grau de instrução, de cultura, de questionamento e de representatividade de comunidades, por meio de novos valores demandados “de fora para dentro” das organizações. Esses últimos autores concordam que o tema liderança, por uma óptica instrumental, deverá ser direcionado para solucionar ou amenizar problemas sociais e organizacionais do século XXI, com abordagem, instrumentos e modelo mental diferente dos utilizados no século XX, apesar de, na prática, não parecer ser assim.

Como, após o início do século XXI, diversos níveis de interação passaram a ganhar dimensões de mudança e de redesignação de significados, com uma forma contemporânea de tratar, estabelecer e disseminar a liderança? Determinados significados foram reprogramados e passaram a ter novos impulsionadores, a partir das novas formas de convívios e relacionamentos; nos vínculos pessoais e profissionais; na aceitação da diversidade; na relevância dada às comunidades, antes sem expressividade; no impacto da opinião pública por meio de manifestações virtuais; nas percepções e nas novas visões sobre os objetos de observação “organização” e “líder”; nas novas crenças sobre a figura do líder e sobre o seu poder de atuação; na concentração de influência antes centradas em poucas figuras, agora pulverizada em muitos atores disseminadores de liderança. São novos modelos de influência e de liderança, que uma abordagem tradicional não mais possui correspondência ou validade na mente das pessoas. Essas contradições biviárias entre a visão tradicional de liderança e a visão contemporânea estão mais retratadas em ações que visam, de um lado, o gerenciar - gerir, controlar, monitorar, fiscalizar e dirigir ativos, com foco na percepção da organização como impulsionadora de influência. E o conjunto de significados que essas ações ou comunicações atraem. E, de outro lado, ações que visam o liderar - orientar, inspirar e promover significado e sentido, com foco na percepção da organização como flexiva e adaptável à influência externa. Também, com a reunião de seus próprios significados e representações (CALVOSA, 2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022.), em uma visão pluralista (HASLAM et al., 2022HASLAM, S. A. et al. Reconciling identity leadership and leader identity: A dual-identity framework. The Leadership Quarterly, v. 31, n. 2, 2022. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2022.101620.
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).

Argumentando sobre um ponto de vista clássico, Kotter (1997)KOTTER, J. Liderando Mudanças. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1997. aponta que gerenciamento organizacional e liderança empresarial são posições e papéis organizacionais que possuem funções e demandas distintas. Gerenciamento em uma organização é o desenvolvimento de um sistema de gestão pautado pelo estabelecimento de competências para o exercício de funções, a execução de atividades, a realização de tarefas e o uso consciente de recursos e ativos. O seu objetivo principal é potencializar o retorno esperado pelo empregador e minimizar perdas de capital, de tempo, de energia, de desperdícios, de motivação, ou de qualquer natureza que possa afetar a competitividade da instituição, atendendo aos objetivos pré-definidos pela cúpula estratégica. Portanto, uma questão de eficiência e relação com tarefas de curto e médio prazos. Ou seja: uma forma de gerar alinhamento entre os seus níveis de atuação tático e operacional e o nível estratégico (BIANCHI; QUISHIDA; FORONI, 2017BIANCHI, E. M.; QUISHIDA, A.; FORONI, P. Atuação do Líder na Gestão Estratégica de Pessoas: Reflexões, Lacunas e Oportunidades. Revista de Administração Contemporânea, v. 21, n. 1, p. 41-61, 2017. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2017150280
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), promovendo uma espécie de ligação entre esses níveis (PAZ; ODELIUS, 2021PAZ, L. M.; ODELIUS, C. Escala de competências gerenciais no contexto da gestão pública: evidências de desenvolvimento e validação. Organizações & Sociedade, v. 28, n. 97, 2021.). E está relacionado a concentrar, manipular, controlar e organizar recursos em primeiro lugar, e, posteriormente, pessoas. No exercício do gerenciamento, mesmo em pleno século XXI, pode ser notado um comportamento gestor com ênfase em eficiência e com objetivos organizacionais internos, em uma visão pragmática da organização e das pessoas. Uma espécie de gestão conservadora, voltada para a manutenção do status quo.

Em contraste, cabe à posição organizacional do líder disseminar a liderança, mas não depende apenas dele a sustentar. Em uma organização, a liderança deverá proporcionar aos stakeholders experiências variadas e desafios. Assim como, ser uma referência e oferecer recompensas para os liderados; e reforçar os laços mútuos de confiança, gerando cidadania organizacional (DE ANDRADE et al., 2021DE ANDRADE, T. et al. Confiança interpessoal e confiança organizacional como antecedentes dos comportamentos de cidadania organizacional. Revista Eletrônica de Administração, [S. l.], v. 27, n. 3, p. 749-775, 2021. http://dx.doi.org/10.1590/1413-2311.332.106296
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). A liderança deverá ser capaz de romper estruturas, mobilizar e inspirar pessoas, compartilhar uma visão de futuro, gerar credibilidade em ambientes abstratos, entre outras funções que não são esperadas em um cargo ou na execução do gerenciamento. Nesse sentido, exercer liderança afasta-se da função de exercer gerenciamento, ratificando as proposições encontradas na pesquisa de Kotter (1997)KOTTER, J. Liderando Mudanças. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1997.. Pois, o gerenciamento tem uma abordagem mais pragmática e centrada em ativos inanimados, uma forma de direcionar pessoas e processos à eficiência e às atividades intermediárias, de forma tradicional, respeitando os sistemas vigentes e posicionando-se avessa ao risco.

Apesar de algumas práticas e habilidades de liderança serem claramente visíveis, e de se avançar em temas mais complexos sobre liderança, questões mais simples ainda parecem gerar discordância e debates entre os pesquisadores (FONSECA; PORTO; BORGES-ANDRADE, 2015FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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). Um exemplo é a falta de um conceito amplamente aceito para gerar uma definição objetiva e satisfatória do termo liderança. Mesmo após tantos anos de estudos intensivos sobre o tema, não há um consenso sobre um conceito final para expressar o fenômeno liderança, devido à grande diversidade de enfoques. Para esse trabalho, o conceito apresentado em Calvosa (2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022., p. 33) parece sintetizar os objetivos da pesquisa e ser um norteador da visão mais ligada à abordagem contemporânea destacada: “liderança é o fenômeno interpessoal de exercer influência, sob orientação colaborativa, por meio de um processo de comunicação, para o alcance de objetivos específicos participados, sendo ação contínua, universal e atemporal, estruturada no compartilhamento de uma visão de futuro e valores revalidados por um grupo”.

Esse conceito encontra abrigo, pelo menos parcial, no entendimento de outros autores correntes e hodiernos, quando observam a importância do líder, dentro de uma visão organizacional e social, sobre envolver os colaboradores em um ambiente de instrução e acolhimento. Como visto, em Martins (2020)MARTINS, L. L. Strategic Diversity Leadership: The Role of Senior Leaders in Delivering the Diversity Dividend. Journal of Management, v. 46, n. 7, p. 1191-1204, 2020. https://doi.org/10.1177/0149206320939641
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, que sinaliza a comunicação como um valor importante para o desempenho da equipe. Em Sarábia-Cavenaghi e Munck (2019)SARÁBIA-CAVENAGHI, L M; MUNCK, L. Lógicas decisórias e suas conclusões para a sustentabilidade nas associações. Organizações & Sociedade, v. 26, n. 91, 2019., que destacam o inter-relacionamento e o longo prazo como imprescindíveis para sustentar posições de liderança. Em Patton (2020)PATTON, W. The many faces of leadership: leading people and change in Australian higher education. Journal of Educational Administration and History, v. 52, n. 2, p. 121-131, 2020. https://doi.org/10.1080/00220620.2020.1793740
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, que evidencia a importância de o líder promover experiências entre os membros da equipe, compartilhando perspectivas. Finalmente, em Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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, que defendem uma forma mais abrangente de liderança, com foco não apenas no líder. A visão contemporânea sobre liderança inclui uma percepção inclusiva e plural, revalidando ansiedades de humanização, de convivência e de mudanças de mentalidade, que valorizem a diversidade, a inovação e a criação de espaços organizacionais éticos e igualitários (MILTERSTEINER et al., 2020MILTERSTEINER, R. et al. Liderança Feminina: Percepções, Reflexões e Desafios na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR, v. 18, n. 2, p. 406-423, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395120190176
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), para novas gerações de indivíduos e de organizações (SANT’ANNA et al., 2022SANT’ANNA, A. DE S. et al. Professional women in the transition to the Fourth Industrial Revolution: a brazilian gaze. Revista de Carreira e Pessoas, v. 12, n. 1, p. 9-30, 2022. http://dx.doi.org/10.23925/recape.v12i1.49766
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). A liderança é mais notada, ou apreciada, em tempos de crises interna ou externa, mudanças de cenários e pressões externas sobre a organização. Por isso, é uma espécie de gestão renovadora, inovadora ou inspiradora. Nesses momentos, geralmente, outras pessoas não conseguem perceber uma solução, não são capazes de enxergar prioridades ou oportunidades. E o indivíduo que ocupa, ou irá ocupar, uma posição de liderança, deve contribuir para repensar a sua organização, combinando os desafios atuais de interagir em um Mundo VUCA e em uma era globalizada e hiperconectada, que são demandas contemporâneas.

Para este trabalho, partiu-se do pressuposto de que os interesses sociais, acadêmicos e organizacionais sobre o tema liderança estão em mudança. Com isso, deixando de concentrar-se em questões envolvendo evoluções organizacionais, comando, controle, fiscalização, direcionamento à eficiência, gerenciamento de ativos e rigidez no processo de gestão (visão tradicional). E passando a se concentrar em um foco na atuação do líder e suas comunidades, estratégias, parcerias, inclusão de stakeholders, diversidade, tolerância, orientação, inspiração e promoção de significado e sentido, participação em construções coletivas e flexibilidade (visão contemporânea). Formas de comunicação explícitas sobre as duas vertentes são amplamente distribuídas em distintas bases, referatórios e repositórios de publicações, impregnadas de expressões e tópicos de discussão que carregam os valores e o simbolismo de uma ou de outra visão sobre o tema liderança, o que forma os seus quadros teóricos de referência. As diretrizes do quadro teórico podem ser observadas no quadro 1.

Quadro 1
Quadro Teórico do Trabalho: Referencial e Temático

Neste quadro de referência, a forma tradicional de abordar, analisar e investigar o tema liderança, segundo Avolio et al. (2014)AVOLIO, B. et al. E-Leadership: Re-examining transformations in leadership source and transmission. The Leadership Quarterly, v, 25, n. 1, p. 105-131, 2014. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2013.11.003
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; Nunes et al. (2018)NUNES, R. et al. Efeitos das Recomendações de Líderes de Opinião em Mídias Sociais sobre a Intenção de Compra de seus seguidores. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, v. 20, n. 1, p. 57-73, 2018. https://doi.org/10.7819/rbgn.v20i1.3678
https://doi.org/10.7819/rbgn.v20i1.3678...
; Zhao, Kou e Peng (2018)ZHAO, Y, KOU, G.; PENG, Y. Understanding influence power of opinion leaders in e-commerce networks: An opinion dynamics theory perspective. Information Sciences, v. 426, p. 131-147, 2018. https://doi.org/10.1016/j.ins.2017.10.031
https://doi.org/10.1016/j.ins.2017.10.03...
; e Casaló, Flavián e Ibáñez-Sánchez (2020)CASALÓ, L. V.; FLAVIÁN, C.; IBÁÑEZ-SÁNCHEZ, S. Influencers on Instagram: Antecedents and consequences of opinion leadership. Journal of Business Research, v. 117, p. 510-519, 2020. https://doi.org/10.1016/j.jbusres.2018.07.005
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, apesar de não excluir, reduz a intensidade e subtrai a compreensão qualitativa do fenômeno liderança em uma sociedade em mudança. A quantidade de publicações e o fato de serem defendidas por autores já consolidados e emblemáticos nos temas liderança e gestão, podem obscurecer a relevância de novas vertentes, pesquisas, investigações ou comunicações explícitas. Com isso, as formas contemporâneas de difusão e penetração social do tema podem ser obnubiladas ou menosprezadas. Para apresentar um contraponto, existe uma corrente teórica que defende que novas abordagens ou novas visões sobre liderança são formas de autorreplicação das teorias antigas (USLU, 2019USLU, O. A. General Overview to Leadership Theories from a Critical Perspective. Marketing and Management of Innovations, v. 1, p. 161-172, 2019. https://doi.org/10.21272/mmi.2019.1-13
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). Será mesmo?

2 MÉTODO

Os esforços de pesquisa concentraram-se, inicialmente, na composição de caminhos para responder à questão da pesquisa exposta no início do trabalho. Interpretou-se que uma forma de investigar o fenômeno poderia ser por meio da análise de publicações virtuais, circulantes em diversos canais de mídias, em bases de comunicação explícita que abrigam compartilhamentos e contribuições de formadores de opinião, agentes organizacionais e pesquisadores sobre o tema liderança, oriundos da sociedade, das organizações de mercado e da Academia, alguns de livre acesso e fácil capacidade de criação de conteúdo. Outros, com alto grau de especialidade e de rigidez para a efetivação de suas publicações. As publicações contidas em diversos repositórios ou referatórios podem ter distintas naturezas: científicas, acadêmicas, técnicas, tecnológicas, textos de magazine, blogs e projetos de pesquisa ou sociais, que transitam de forma virtual, em meios acadêmicos e organizacionais. Porém, também percorrem meios informais de divulgação. A provocação presente em Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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, a saber, melhor analisar a disseminação de pesquisas em liderança, nas línguas inglesa e portuguesa, além de abordagens e visões tradicionais, ou não, sobre o tema, foi aceita e acatada como proposição de pesquisa. Para isso, procedimentos e técnicas foram selecionados e projetados em duas fases distintas para atingir os seus objetivos, como escopo da pesquisa.

A fase 1, de abordagem qualitativa, teve o objetivo de compreender um conjunto de significados, motivos e aspirações, o que corresponde a um espaço mais profundo dos processos e dos fenômenos (MINAYO, 2002MINAYO, M. C. Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 21 ed. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2002.), e que envolve uma reunião de Focus Group. Essa foi agendada e realizada com oito integrantes, doravante, designados como especialistas sobre o tema liderança: quatro professores pesquisadores e quatro gestores de empresas competitivas de grande porte do segundo setor. Entre os pesquisadores, três ocupam o cargo de professor associado, com idades de 50, 45 e 42 anos (dois homens e uma mulher); e um adjunto, de 34 anos (homem). Todos atuam em universidades do estado do Rio de Janeiro, três na esfera federal e uma em universidade particular. Entre os gestores de empresas, quatro homens (35, 35, 29 e 26 anos), que atuam em empresas conhecidas de grande porte no estado do Rio de Janeiro. A média de idade do grupo foi de 37 anos. Foram sete participantes do gênero masculino; e uma, do feminino.

A reunião foi virtual, em março de 2020, patrocinada pelo grupo de pesquisas do qual os pesquisadores são integrantes. Os critérios utilizados para a participação dos convidados foram: ter experiência acadêmica ou profissional de dez anos ou mais em sua respectiva área; ser pós-graduado(a) e ter envolvimento teórico ou prático com o tema liderança. A seleção pela técnica Focus Group ocorreu pela necessidade de aprofundar a análise e a interação, em um grupo de trabalho, desejando ter influência mútua, sobre a compreensão de um fenômeno e definição de propósitos (KRUEGER, 1994KRUEGER, R. Focus Groups: a practical guide for applied research. 2 ed. Thousand Oaks, SAGE Publications, 1994.). O grupo apresentou homogeneidade entre os participantes, quanto aos interesses e propósitos da pesquisa, cumprindo, assim, as premissas da técnica. Os resultados foram discutidos, transcritos e analisados de forma qualitativa. Na reunião do grupo focal foram i) discutidas as apresentações e evoluções do tema liderança no ambiente organizacional e na Academia; ii) discutidos os especulados e sugeridos os modelos mentais tradicional e contemporâneo de liderança; e iii) apontados, discutidos e validados os descritores utilizados para o levantamento bibliográfico, a análise de pesquisas secundárias sobre o tema e o abastecimento da fase quantitativa.

Os descritores foram sugeridos, primeiro, em língua inglesa. Catorze descritores atenderam as condições estabelecidas como balizadores para a pesquisa. Esses foram definidos após a terceira rodada de sugestões, sistematizações e validações. A opção pela sugestão de termos em inglês ocorreu porque i) a literatura sobre Administração e Negócios, tema que concentra a maior parte das publicações sobre liderança, ser, essencialmente, em língua inglesa ou traduzida dessa; ii) na Academia ou nas organizações competitivas de mercado, muitos jargões e expressões comumente são utilizadas em inglês, e iii) os especialistas consultados consomem material acadêmico e/ou científico em língua inglesa, com familiaridade com os principais autores internacionais sobre o tema. Após a definição final da quantidade e da categoria dos descritores em inglês, os mesmos foram traduzidos para o português, totalizando os 28 descritores. Segundo consenso dos especialistas, esses termos ou expressões estão presentes com singular recorrência em artigos científicos, em livros ou capítulos de livros, em projetos, dissertações, teses etc. E, também, no interior das grandes organizações.

Outra preocupação estabelecida como diretriz e pauta para o grupo de especialistas foi determinar, dentre os descritores selecionados, quais deles estariam relacionados às práticas e à abordagem tradicional de liderança; e quais, às práticas e à abordagem contemporânea de liderança, dividindo-os em dois blocos de 7 descritores por língua. O objetivo foi obter o sentido decodificado dos descritores, seus possíveis impactos em suas correspondentes pesquisas e plataformas de circulação de conceitos. Após ampla discussão e análise qualitativa, os especialistas deliberaram os conceitos e classificações conforme observado no quadro 2.

Quadro 2
Descritores Validados por Especialistas sobre Liderança após o Focus Group

Supôs-se que o Modelo Mental Tradicional contém termos e expressões que estão ligados às publicações com visões, abordagens, conceitos e aplicações organizacionais mais conservadoras (independente do ano da publicação), que retratam ansiedades e inquietudes de gestão já consolidadas na sociedade e nas empresas. Enquanto, que o Modelo Mental Contemporâneo contém termos e expressões que estão ligados às publicações com visões, abordagens, conceitos e aplicações organizacionais mais inovadoras ou atuais, que retratam ansiedades e inquietudes de gestão já prementes, urgentes, social e culturalmente latentes, na sociedade e nas empresas. Por exemplo, os trabalhos sobre liderança e gestão de Paz e Odelius (2021)PAZ, L. M.; ODELIUS, C. Escala de competências gerenciais no contexto da gestão pública: evidências de desenvolvimento e validação. Organizações & Sociedade, v. 28, n. 97, 2021. e Marques Felix e Verginio da Silva (2020)MARQUES FELIX, C. R.; VERGINIO DA SILVA, S. A presença das mulheres e sua representatividade em cargos de liderança. Revista Mythos, v. 12, n. 2, p. 16-24, 2020. https://doi.org/10.36674/mythos.v12i2.305
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tratam, respectivamente, de gerenciamento e de representação de mulheres em posições de liderança. Apesar de grande contribuição científica para as suas áreas e a admiração dos leitores, de fato, apresentam-se como abordagens que se concentram em questões tradicionais sobre liderança, sem discussões contemporâneas ou ênfase em inovações, pelo menos, pela percepção da diversidade de assuntos para o tema, conforme explorado no referencial teórico desse trabalho.

Na parte final das discussões do grupo focal foi definido que algumas expressões ou termos mais recentes, certamente, presentes em literatura mais contemporânea, não seriam incluídos. Pelo fato de i) não atingirem os requisitos estabelecidos para a pesquisa qualitativa; ii) não serem totalmente conhecidos por todos os membros do Focus Group; e por, no final da reunião, acreditar-se que iii) não gerariam significativa diferença entre a comparação dicotômica dos modelos mentais propostos, por não estarem associados e difundidos em literatura científica e acadêmica, pelo menos com alta recorrência, nos últimos dois quadriênios de avaliação. Por isso, poderiam não aparecer em publicações com a idade de seis, sete ou oito anos, por exemplo, o que inviabilizaria a comparação proposta definida.

Definidos os 28 descritores, os autores iniciaram a fase 2, quantitativa, com pesquisas bibliométricas, nas quais foram investigados parâmetros de difusão, de propagação e de utilização em publicações dos descritores. A seleção e uso da Pesquisa Bibliométrica pareceu apropriada, pois é apontada como auxiliadora no entendimento e na aplicação de tendência futuras, com alta frequência em Ciências Sociais Aplicadas (QUEVEDO-SILVA et al., 2016QUEVEDO-SILVA, F. et al. Estudo Bibliométrico: Orientações sobre sua Aplicação. Revista Brasileira de Marketing, v. 15, n. 2, p. 246-262, 2016. https://doi.org/doi.org/10.5585/remark.v15i2.3274
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). A disseminação desses descritores pode ser notada em publicações indexadas nas principais bases de investigação científicas, acadêmicas, tecnológicas, técnicas, entre outras. Para isso, as bases Web of Science (WoS), Scopus, Scielo, Portal de Periódicos CAPES (PPCapes) e Google Scholar (G.Sch) foram definidas, após consulta com os especialistas.

Posteriormente, uma qualificação entre as cinco bases foi estabelecida: WoS, coleção principal; Scopus e Scielo, definidas como principais repositórios de mídia prestigiosa, pelo menos em Ciências Sociais Aplicadas, área de concentração de estudos e pesquisas dos autores. E as bases PPCapes, busca principal; e G.Sch, ambas definidas como repositórios mais amplos. Foram realizadas pesquisas bibliométricas individuais i) por idioma; ii) por recorte temporal; e iii) por base de dados, para a identificação de vários padrões na produção do conhecimento e indicação de mídias de divulgação (ARAÚJO, 2006ARAÚJO, C. A. A. Bibliometria: evolução histórica e questões atuais. Em Questão, v. 12, n.1, 2006. http://doi.org/10.19132/1808-5245121
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).

Esperou-se, com as pesquisas bibliométricas realizadas, analisar i) o fluxo coletivo de interesse dos pesquisadores sobre o tema liderança, por meio do somatório de publicações nos idiomas selecionados; ii) se houve mudanças no interesse dos temas de pesquisa nos oito anos (ou dois quadriênios) compreendidos no recorte temporal estabelecido, em nível nacional e internacional, em abordagens tradicionais e contemporâneas, a partir dos descritores levantados nas reuniões de grupo focal; iii) verificar o impacto do volume de publicações, em uma visão essencialmente quantitativa, nas bases de dados e repositórios investigados; e iv) apontar um caminho para novos pesquisadores ou gestores organizacionais sobre a relevância de descritores e as futuras pesquisas em línguas inglesa e portuguesa sobre liderança e seus modelos mentais. As análises quantitativas foram atualizadas em março de 2022, para que houvesse o fechamento do ciclo 2021.

Neste trabalho, as bases de dados foram divididas em bases prestigiosas (B.Pr) e não prestigiosas (B.ñPr). Frisa-se que, as chamadas B.ñPr não possuem qualquer cunho pejorativo; todavia, por estarem abrigados nelas diversos documentos que não exigem revisão por pares ou rigor científico para a publicação, é uma expressão utilizada em contraposição as B.Pr.

3 ANÁLISES E CONSIDERAÇÕES

Sobre as bases de dados utilizadas na pesquisa, as B.Pr englobam, sobretudo, artigos completos, revisados pelos pares e publicados em periódicos com altas classificações nacionais, Qualis/Capes, e relevante fator de impacto. Nessas bases é possível obter resultados apenas de trabalhos completos e finais - de acordo com os filtros de pesquisa estabelecidos pelo pesquisador -, publicados em periódicos científicos chamados prestigiosos - estratos superiores da classificação Qualis/Capes. As B.Pr selecionadas foram: WoS, Scopus e Scielo. Além do acesso à quantidade e à exposição dos trabalhos publicados, também há opção de análises qualitativas por filtros de classificação dos periódicos, nome do periódico, ISSN, área de concentração de conhecimento ou relevância de contribuição por índices de pontuação. Porém, essa não foi uma opção da pesquisa, devido ao carácter generalista e abrangente estabelecido na pergunta da pesquisa, optando-se por analisar novos recortes e opções em pesquisas futuras.

As B.ñPr, por outro lado, não permitem a aplicação de significativos filtros de pesquisa. E atraem, sem qualificação, todas as mídias escritas virtuais publicadas em diversas bases de dados, referatórios e repositórios, públicos e/ou privados, que estejam conectados à grande rede. Elas possuem como interessantes características: i) maior dinamismo em publicações; e ii) interface mais veloz com os anseios sociais e intelectuais de jovens e seniores pesquisadores e/ou estudantes, apresentando uma gama maior de mídias, baixa barreira de entrada e pouca burocracia para a publicação. Por certa óptica, apresentam maior volume e menor “qualidade”, apesar desse último ponto ter carácter subjetivista. Além de abrigar trabalhos completos e finais de periódicos, também são encontrados: trabalhos técnicos, trabalhos tecnológicos, materiais editoriais, artigos e resumos de artigos de conferência, resumos expandidos, blogs, textos de magazines, provas e avaliações, histórico de projetos de pesquisa, descrição de grupos e linhas de pesquisa, resumo de reuniões, cartas, retratações, documentos de conferência e de análise, capítulos de livro, livros, TCCs, dissertações de mestrado, teses de doutorado, pesquisas curtas, erratas e correções; todos esses, com expressões utilizadas como descritores eleitos na fase qualitativa da pesquisa. As B.ñPr selecionadas foram: PPCapes, busca principal; e G.Sch.

Como operacionalização das pesquisas, os 28 descritores foram analisados em todas as cinco bases, primeiro em língua inglesa, depois em portuguesa, nos dois recortes temporais propostos. O procedimento foi rigorosamente seguido, totalizando 280 atividades distintas da pesquisa. Nas B.Pr, a busca foi realizada por título do artigo, resumo e palavras-chave. Nas B.ñPr, o comando de busca foi definido para “qualquer idioma”, para alcançar trabalhos com títulos, resumos e palavras-chave em inglês, e, posteriormente, para “páginas em português”.

Após relacionar a pesquisa qualitativa à quantitativa, os resultados das pesquisas bibliométricas em cada base de dados foram analisados e tecidas considerações sobre o tema liderança, especialmente, com ênfase em gestão, uma vez que os termos selecionados na fase qualitativa contrapõem, especialmente, a ideia de gerenciamento, com o seu conjunto de significados; e liderança, com o seu conjunto de significados, visão apoiada por Kotter (1997)KOTTER, J. Liderando Mudanças. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1997., Knights, Grant E Young (2020)KNIGHTS, J.; GRANT, D.; YOUNG, G. Developing 21st Century Leaders, a Complete New Process: we call them transpersonal leaders. Journal of Work-Applied Management, v. 12, n. 1, p. 6-21, 2020. https://doi.org/2020.10.1108/JWAM-12-2019-0038
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, Martins (2020)MARTINS, L. L. Strategic Diversity Leadership: The Role of Senior Leaders in Delivering the Diversity Dividend. Journal of Management, v. 46, n. 7, p. 1191-1204, 2020. https://doi.org/10.1177/0149206320939641
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e Samul (2020)SAMUL, J. The Research Topics of Leadership: Bibliometric Analysis from 1923 to 2019. International Journal of Educational Leadership and Management, v. 8, n. 2, p. 116-143, 2020. https://doi.org/doi.org/10.17583/ijelm.2020.5036
https://doi.org/doi.org/10.17583/ijelm.2...
. Na etapa de análise e organização dos dados notou-se que apenas 7 dos 14 descritores de cada língua possuíam expressiva recorrência, independente da base analisada, quando comparados com os demais descritores. Por terem uma expressividade ínfima, devido à baixa incidência, os resultados entre o 8º e o 14º descritor de cada língua foram agrupados e apresentados apenas como um bloco de expressões, a partir de então, chamado de bloco secundário, servindo para comparar os resultados relativos, percentuais.

As Tabelas 1 e 2 trazem os resultados dos achados da pesquisa com descritores em inglês, nos dois recortes quadrienais propostos.

Tabela 1
Pesquisas Bibliométricas entre os anos de 2014 e 2017 - Termos em Inglês

As tabelas foram elaboradas pelo critério de ordenamento de maior para menor recorrência de registro dos descritores, quando somadas todas as incidências nas cinco bases de dados investigadas. As análises, conforme a proposta do estudo, foram registradas nos últimos oito anos de atividade de pesquisa (dois quadriênios, conforme entendimento da Capes), expressas por meio das publicações - comunicações explícitas de pesquisa e de discussão social.

Os dois recortes temporais estabelecidos para a comparação da evolução das publicações foram os seguintes quadriênios: entre 1 jan. 2014 - 31 dez. 2017 (Q.1) e entre 1 jan. 2018 - 31 dez. 2021 (Q.2), para a verificação de uma possível mudança de modelo mental evolutivo de liderança com o passar dos anos e suas tendências futuras. Todavia, foi possível analisar as séries históricas anuais, por conjunto de bases e por idioma, especificadas por termos mais conservadores ou inovadores.

Na tabela 1 pode ser observado que apenas dois, entre os cinco principais descritores representam o modelo mental tradicional em liderança, modelo que dá ênfase a abordagens conservadoras sobre o tema (USLU, 2019USLU, O. A. General Overview to Leadership Theories from a Critical Perspective. Marketing and Management of Innovations, v. 1, p. 161-172, 2019. https://doi.org/10.21272/mmi.2019.1-13
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). Contudo, somados, alcançam mais de 58% das recorrências entre os 14 descritores no somatório total das bases, mostrando, para esse recorte temporal, uma percepção mais conservadora, como tendência, entre as visões, abordagens, conceitos e aplicações organizacionais, no desenvolvimento de competências gerenciais (PAZ; ODELIUS, 2021PAZ, L. M.; ODELIUS, C. Escala de competências gerenciais no contexto da gestão pública: evidências de desenvolvimento e validação. Organizações & Sociedade, v. 28, n. 97, 2021.). No entanto, esse comportamento difere, na análise individual das bases investigadas. Somente no caso da G.Sch, base socialmente mais dinâmica, que possui maior recorrência percentual de descritores que representam o modelo mental contemporâneo em liderança foi dominante. Dessa forma, pode-se inferir que na base G.Sch sejam encontradas comunicações explícitas que tenham maior relação com causas e percepções coletivistas em liderança, que discutam inovação, espaços críticos colaborativos, diversidade e ética organizacional segundo o modelo circulante no século XXI, apoiada pela visão contida em Miltersteiner et al. (2020)MILTERSTEINER, R. et al. Liderança Feminina: Percepções, Reflexões e Desafios na Administração Pública. Cadernos EBAPE.BR, v. 18, n. 2, p. 406-423, 2020. http://dx.doi.org/10.1590/1679-395120190176
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. A dicotomia presente na literatura internacional sobre o tema, envolvendo e contraponto gerenciamento, pela percepção do conservadorismo; e liderança, pela percepção da inovação, mostrou-se visível de forma empírica, apoiando os estudos de Kotter (1997)KOTTER, J. Liderando Mudanças. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1997. e Johnson, Turnbull e Reisslein (2022)JOHNSON, N.; TURNBULL, B.; REISSLEIN, M. Social media influence, trust, and conflict: An interview based study of leadership perceptions. Technology in Society, v. 68, 101836, 2022. https://doi.org/10.1016/j.techsoc.2021.101836
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.

Essa consideração parece relacionar-se com o quadro teórico do trabalho, pois, quanto mais são visíveis ou sentidas as mudanças sociais, culturais e tecnológicas, maior parece ser impulsionada ou inibida a manifestação de liderança, conforme presente em Calvosa e Ferreira (2021)CALVOSA, M.; FERREIRA, M. Os Atuais Pesquisadores sobre o Tema Liderança estão presos ao Modelo Mental do Século XX? In: XLV EnANPAD - Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, Curitiba, 2021.. Ou seja, o fenômeno liderança sempre parece estar em movimento por determinada óptica (BASS, 2008BASS, B. The Bass Handbook of Leadership: theory, research, and managerial applications. 4 ed. New York: Free Press, 2008.). E, em um período mais remoto (2014 - 2018) esperava-se a concentração de temas mais tradicionais em relação ao período subsequente; porém, não foi isso que a pesquisa apontou, contrariando, pelo menos de forma parcial, os apontamentos presentes em Banks, Woznyj e Mansfield (2021)BANKS, G. C.; WOZNYJ, H. M.; MANSFIELD, C. A. Where is “behavior” in organizational behavior? A call for a revolution in leadership research and beyond. The Leadership Quarterly, v. 32, 101581, 2021. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2021.101581
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. Na sequência, a tabela 2 é apresentada, contendo os resultados do Q.2.

Tabela 2
Pesquisas Bibliométricas entre os anos de 2018 e 2021 - Termos em Inglês

Na análise da tabela 2 pode ser visto que os mesmos dois verbetes relativos aos descritores que representam o modelo mental tradicional em liderança, em inglês, Management e Leadership Styles, estiveram presentes dentre os mais relevantes também no quadriênio subsequente estudado, com a passagem dos anos. Contudo, com maior representatividade: 78%, opondo-se às expectativas da pesquisa. Isso parece mostrar que houve um decréscimo de forma relativa, em termos quantitativos de comunicações explícitas envolvendo o modelo mental conservador, uma esperada evolução para o decorrer do século XXI. E sinaliza maior interesse especificamente de pesquisadores e acadêmicos em temas mais conservadores sobre liderança, apontado pelo aumento de cerca de 57% no número de publicações em B.Pr - o único índice a aumentar, na comparação do conjunto de bases ao longo dos quadriênios estudados. Uma possível explicação está na consideração de que, talvez, ao longo desse período, a sociedade e as organizações tenham se movimentado sob um olhar “mais para dentro” de suas próprias instituições e interesses (CALVOSA, 2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022.), um efeito do cenário pandêmico e pós-pandêmico com as mudanças vivenciadas na sociedade e nas organizações devido à incidência de COVID-19, em nível global, interferindo na natureza dos “novos tempos”, como levantado na introdução do trabalho. Essa característica pareceu conduzir o tema liderança, pelo menos como comunicado de forma escrita e publicado em bases de divulgação, a um retorno às necessidades de gerenciamento, controle, comando, eficiência e direção de ativos (KOTTER, 1997KOTTER, J. Liderando Mudanças. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1997.; BANKS; WOZNYJ; MANSFIELD, 2021BANKS, G. C.; WOZNYJ, H. M.; MANSFIELD, C. A. Where is “behavior” in organizational behavior? A call for a revolution in leadership research and beyond. The Leadership Quarterly, v. 32, 101581, 2021. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2021.101581
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; CALVOSA et al., 2022CALVOSA, M. et al. O Constructo Liderança Contemporânea A Partir Das Mídias Sociais Virtuais. Revista de Administração Unimep, v. 19, n. 10, p. 83-108, 2022.), na circulação das discussões e debates, pois, uma vez que faltam ativos e o cenário parece caótico, provavelmente, mude as necessidade e as expectativas sociais. Nesse sentido, Sarábia-Cavenaghi e Munck (2019)SARÁBIA-CAVENAGHI, L M; MUNCK, L. Lógicas decisórias e suas conclusões para a sustentabilidade nas associações. Organizações & Sociedade, v. 26, n. 91, 2019. explicam que fatores sociais não são indissociáveis na composição e estudo do fenômeno liderança.

Pode-se deduzir que houve um aumento de necessidade de circulação explícita de comunicação sobre gerenciamento, todas as bases de forma individual, e que tanto os interesses acadêmico, científico e organizacional formal quanto os interesses informais sociais - uma vez que a base de dados G.Sch também atrai blogs e postagens livres -, por uma perspectiva gerencial (KOTTER, 1997KOTTER, J. Liderando Mudanças. Rio de Janeiro, RJ: Campus, 1997.) ou de controle (CALVOSA, 2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022.), foram valorizados no período, o que contrariou as expectativas da pesquisa. Essa perspectiva é apoiada por Knights, Grant E Young (2020)KNIGHTS, J.; GRANT, D.; YOUNG, G. Developing 21st Century Leaders, a Complete New Process: we call them transpersonal leaders. Journal of Work-Applied Management, v. 12, n. 1, p. 6-21, 2020. https://doi.org/2020.10.1108/JWAM-12-2019-0038
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, quando afirmam que as necessidades de liderança e gestão ocorrem de forma sistêmica.

A análise comparativa de algumas especificidades contidas nas tabelas 1 e 2, para o período dos dois quadriênios, em língua inglesa sobre o tema proposto, mostrou que:

  1. Uma a cada seis publicações sobre liderança em inglês ocorre nas B.ñPr (16,62%) no Q.1. Enquanto que três a cada dez publicações (29,17%) foram registradas no Q.2. Ou seja, não podendo ser comprovado um aumento da qualidade das pesquisas de liderança - novamente, por não ser alvo dessa pesquisa -, pelo menos, há o registro de um expressivo aumento na quantidade de publicações prestigiosas (700.000 a mais, quando comparados os Q.1 e Q.2 e na participação percentual (cerca de 13%) no total de resultados, conforme já apontado por Bass (2008)BASS, B. The Bass Handbook of Leadership: theory, research, and managerial applications. 4 ed. New York: Free Press, 2008.. Por outro lado, a comparação mostrou um decréscimo de 24,16% no número de publicações das publicações nas B.ñPr.

  2. O bloco secundário de descritores em inglês, que apresentou expressividade de apenas 0,48%, no Q.1 e 0,70%, no Q.2, envolveu os seguintes termos: Managerial Leadership, Leadership Capabilities, Business Leadership, Business Leader, Leadership Theories - referentes ao sugerido modelo mental tradicional -; e Strategic Leadership, Coach Leader - referentes ao sugerido modelo mental contemporâneo.

  3. O bloco secundário teve maior expressividade na base G.Sch, seguida da base PPCapes, em ambos os recortes temporais. O que apontou o baixo interesse, na visão dos pesquisadores, em trabalhos completos publicados (B.Pr) para esses termos.

  4. Os 7 principais descritores, bloco primário, possuem recorrência de 99,52% no Q.1 e 99,30% no Q.2, entre todos os trabalhos publicados, mostrando que não houve variação, ao longo dos últimos oito anos, nos interesses de pesquisa dos pesquisadores em liderança. Primeiro, pela observação de não ter significativa alteração no ordenamento de interesse em publicação desse bloco em inglês, apenas, ligeira mudança nos posicionamentos dos descritores Leadership Styles, Leadership Development e Leadership Skills). Depois, pela ínfima mudança relativa de intensidade de interesse como bloco, com uma variação negativa (-0,22%). Independente do recorte temporal, o bloco primário atraiu mais de 99% das publicações.

  5. Entre as B.Pr, ao analisar a tabela 2, a WoS é o atual principal repositório para pesquisas sobre o tema “liderança", em língua inglesa. E a PPCapes, a principal entre as B.ñPr.

  6. Os três primeiros descritores ordenados correspondem a 97,58% e 97,24%, respectivamente, nos Q.1 e Q.2, mostrando que não houve mudança de interesse nas publicações e discussões explícitas dos pesquisadores, para os seus alvos de investigação e análises. Há um destaque para o descritor Management, que quando está presente, atrai em uma pesquisa/publicação uma forma de pensar, perceber e desenvolver liderança com um olhar tradicional, envolvendo controle, comando, gestão direcionada para a eficiência etc. Esse descritor correspondeu, sozinho, 57,64% e 73,43%, respectivamente, dos interesses de publicações dos Q.1 e Q.2. Mais do que estar em primeira posição em ambos os ordenamentos temporais, ele ocupa, em média, 65,54% dos interesses de pesquisa entre todos os 14 descritores em inglês, crescendo 27,39% em interesse, quando somadas todas as bases e ambos os recortes temporais. No Q.1, tal descritor estava presente entre 90,17% das publicações das B.Pr, e 51,16% das B.ñPr; e no Q.2, em 89,09% das B.Pr., e 66,98% das B.ñPr. Esses dados mostram que não houve alteração percentual para o interesse sobre esse descritor entre os pesquisadores, em B.Pr, o que era esperado pelos autores. Porém, houve um aumento significativo de publicações utilizando esse descritor em B.ñPr, o que surpreendeu os autores. Mesmo aproximando-se das demandas sociais e culturais mais recentes, os pesquisadores em língua inglesa parecem interessar-se, de forma relativa, por publicações e discussões mais tradicionais do que contemporâneas, ao longo dos últimos oito anos, confirmado pela análise refinada ano a ano, contrariando, parcialmente, Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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    .

  7. Em contrapartida, houve um decréscimo de interesse em Leadership, com uma variação negativa (-37,45%) no total de trabalhos publicados, puxado pelo desinteresse de publicação nas B.ñPr, apesar de um aumento nas B.Pr, quando comparadas as evoluções temporais Q.1 e Q.2. O mesmo comportamento está presente em Leader, com uma variação negativa (-54,85%). Dados que corroboram com a consideração presente no item anterior.

  8. Quando analisado o bloco primário, a classificação de descritores por modelo mental tradicional, sinalizado por um asterisco nas tabelas, apresenta como representantes os descritores Management e Leadership Styles. Esses, no Q.1, correspondem a 58,13% dos interesses dos pesquisadores quando somadas todas as bases de dados; e 90,29% em B.Pr. No Q.2 correspondem a 74,08% e 89,18%. Esses dados parecem sugerir que não houve mudança de interesse entre pesquisadores consolidados e seniores, além de alunos avançados de pós-graduação stricto sensu - principais contribuintes de trabalhos nas B.Pr, ao longo dos Q.1 e Q.2 -, pela óptica da massiva atenção dada à forma tradicional de se abordar e investigar o tema liderança, pelo menos, como óptica de gestão, baseada na visão dicotômica proposta no trabalho.

  9. A diminuição do número absoluto de publicações, variação negativa (-10,7%), pode ser um efeito da pandemia, que, talvez, tenha inibido iniciativas de investigações, análises, submissões e publicações, puxada pela queda no registro de publicações nas B.ñPr, que tendem a sentir mais os efeitos dessa variável no curto prazo. Pois, os trabalhos registrados em B.Pr podem ter recebido as suas submissões em períodos mais remotos, em alguns casos, com um registro de hiato de 12 a 48 meses entre a submissão e a publicação do trabalho. O mesmo comportamento foi observado nas análises em português.

  10. Em relação a um ponto de interesse para o alcance do objetivo secundário da pesquisa, houve a constatação de que, em língua inglesa, houve um aumento absoluto e percentual das publicações envolvendo as bases de dados prestigiosas. Em termos relativos, na sociedade, na Academia e nas organizações, um acréscimo de comunicação formal explícita passou a ser consumida e distribuída de forma virtual. Essa informação pode ser relevante para a aproximação de iniciativas que envolvam projetos conjuntos em gestão e liderança, com abordagens e perspectivas coletivistas que dialoguem com esses três atores: universidade, sociedade e empresas (ABDALLA; CALVOSA; BATISTA, 2013ABDALLA, M.; CALVOSA, M.; BATISTA, L. Hélice Tríplice no Brasil e na América Latina: fomentando o desenvolvimento através do ator universidade. Revista Iberoamericana de Educación, v. 61, n. 1, p. 1-12, 2013. https://doi.org/10.35362/rie6111267
    https://doi.org/10.35362/rie6111267...
    ), atendendo algumas expectativas sociais quando o tema liderança é evidenciado (SANT’ANNA et al., 2022SANT’ANNA, A. DE S. et al. Professional women in the transition to the Fourth Industrial Revolution: a brazilian gaze. Revista de Carreira e Pessoas, v. 12, n. 1, p. 9-30, 2022. http://dx.doi.org/10.23925/recape.v12i1.49766
    http://dx.doi.org/10.23925/recape.v12i1....
    ).

As tabelas 3 e 4 trazem os resultados dos achados da pesquisa com descritores em português, nos dois recortes quadrienais propostos.

Tabela 3
Pesquisas Bibliométricas entre os anos de 2014 e 2017 - Termos em Português
Tabela 4
Pesquisas Bibliométricas entre os anos de 2018 e 2021 - Termos em Português

De modo geral, em língua portuguesa, as comunicações explícitas, publicações sobre liderança, percorrem um caminho informal, com tendências para abordagens mais contemporâneas ou inovadoras, como pode ser observada na sua maior recorrência relativa em bases não prestigiosas. O que pode gerar a dedução de que, proporcionalmente, são discutidas questões e perspectivas contemporâneas sobre liderança e gestão com mais frequência nos meios sociais e virtuais em português do que em língua inglesa, observação também apoiada em Calvosa et al. (2022)CALVOSA, M. et al. O Constructo Liderança Contemporânea A Partir Das Mídias Sociais Virtuais. Revista de Administração Unimep, v. 19, n. 10, p. 83-108, 2022.. Tal comparação, entre publicações em línguas inglesa e portuguesa sobre liderança, mostra relevância para as discussões nacionais em ambientes acadêmicos e organizacionais, sobretudo, e está em conformidade com Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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, indicando um fenômeno social em construção.

Em língua portuguesa, em termos relacionais, a discussão alcança proporcionalmente mais temas ligados ao século XXI e acontecimentos atuais, em um modelo mental menos conservador do que apresentado em língua inglesa. Pode ser inferido o papel dos formadores de opinião, a partir de mídia publicada - frisa-se este ponto - em veículos menos formais e “prestigiosos”, com uma tendência a um alto poder de persuasão, por alcançarem grandes massas (NUNES et al., 2018NUNES, R. et al. Efeitos das Recomendações de Líderes de Opinião em Mídias Sociais sobre a Intenção de Compra de seus seguidores. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, v. 20, n. 1, p. 57-73, 2018. https://doi.org/10.7819/rbgn.v20i1.3678
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), mais consoantes com os valores e descritores estabelecidos como presentes nos interesses de pesquisa e circulação de conhecimento do século XXI, atendendo às expectativas de colaboradores que desejam inclusão, orientação e representatividade (BANKS; WOZNYJ; MANSFIELD, 2021BANKS, G. C.; WOZNYJ, H. M.; MANSFIELD, C. A. Where is “behavior” in organizational behavior? A call for a revolution in leadership research and beyond. The Leadership Quarterly, v. 32, 101581, 2021. https://doi.org/10.1016/j.leaqua.2021.101581
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).

De forma específica, a análise comparativa das tabelas 3 e 4, para o período dos dois quadriênios, em língua portuguesa sobre o tema proposto, mostrou que:

  1. Uma a cada 100 publicações sobre liderança, em português, ocorre nas B.Pr. (1,03%) entre 2014 - 2017. Enquanto, que duas a cada 100 publicações (2,28%) foram registradas entre 2018 - 2021. Ou seja, a quantidade de publicações em B.Pr sobre liderança é mínima quando comparada a quantidade em B.ñPr, esses achados corroboram com o trabalho de Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
    https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2015...
    . A comparação entre Q.1 e Q.2 mostrou um aumento absoluto de apenas 849 trabalhos, em B.Pr. E um decréscimo absoluto de 60.552 publicações das B.ñPr, o que corresponde a uma variação negativa (-34,59%). Assim como ocorreu para as publicações em língua inglesa, em português o “efeito pandemia” parece ter afetado a sistematização de pesquisas científicas e a disposição para a explicitação de comunicações informais durante o período, o que parece ter coerência com o nível de desafio e sua relação com heurísticas da natureza humana (ALOK, 2022ALOK, K. Finding human nature coherence in theoretical narratives: A heuristics approach and a leadership illustration. Human Resource Management Review, v. 32, n. 1, 2022. https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2022.100897.
    https://doi.org/10.1016/j.hrmr.2022.1008...
    ). A liderança, com fenômeno, é dependente e sensível às movimentações sociais e culturais, promovendo efeitos e alterações de interesses, de acordo com distintos estímulos (NUNES et al., 2018NUNES, R. et al. Efeitos das Recomendações de Líderes de Opinião em Mídias Sociais sobre a Intenção de Compra de seus seguidores. Revista Brasileira de Gestão de Negócios, v. 20, n. 1, p. 57-73, 2018. https://doi.org/10.7819/rbgn.v20i1.3678
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    ), confirmando de forma empírica esse registro teórico.

  2. Quando comparados os números absolutos das produções de publicações em língua portuguesa com a inglesa, pode ser percebido um “abismo” de distância em números absolutos e nos indicadores globais. No últimos oito anos, em língua inglesa foram publicados 3.172.325 em B.Pr e 10.901.193 em B.ñPr. Em português, respectivamente, foram: 4.507 e 290.590 publicações. Ou seja, as publicações em português são 0,14% do universo de publicações prestigiosas e 2,67% das não prestigiosas, entre todos os trabalhos publicados em língua inglesa, como também apontado em Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
    https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2015...
    .

  3. O bloco secundário de descritores em português, que apresentou expressividade de apenas 0,85% no Q.1 e 1,75% no Q.2, envolveu os seguintes termos: Liderança Gerencial, Capacidades de Liderança, Liderança Empresarial, Teorias de Liderança, referentes ao sugerido modelo mental tradicional; e Comportamentos do Líder, Líder Coach, Liderança Estratégica, referentes ao sugerido modelo mental contemporâneo. O bloco secundário teve expressividade apenas na G.Sch, em Q.1 e Q.2. Em comparação com a composição do bloco primário em inglês, as únicas diferenças foram a entrada do descritor Líder Empresarial, em detrimento de Leadership Behaviors, entre os sete principais descritores. As publicações em inglês tiveram dois representantes do modelo mental tradicional, e em português, três.

  4. O bloco primário possui recorrência de 99,15% no Q.1 e 98,25% no Q.2, entre todos os trabalhos publicados, mostrando que não houve variação, ao longo dos últimos oito anos, nos interesses de pesquisa dos pesquisadores em liderança, em português. Semelhante a análise em inglês houve uma alteração mínima no ordenamento de interesse em publicação desse bloco, com o descritor “Líder” alternando a posição do descritor “Liderança” no primeiro lugar, na comparação entre Q.1 e Q.2.

  5. Entre as B.Pr, ao analisar a tabela 4, a Scielo é a base, atualmente, com maior quantidade de trabalhos recentes, seguida de perto pela WoS, como principais repositórios para pesquisas sobre o tema “liderança”, em português. E a base G.Sch, a principal entre as B.ñPr.

  6. Os três primeiros descritores ordenados correspondem a 96,02% e 93,58%, respectivamente, nos Q.1 e Q.2, mostrando que não houve significativa mudança de interesse nas publicações e discussões explícitas dos pesquisadores, para os seus alvos de investigação e análises. E são os mesmo três descritores presentes de forma massiva nas pesquisas envolvendo a língua inglesa. Porém, com uma interessante inversão de posições de posições relativas na pesquisa científica. No Q.1, Management correspondeu a 57,64% das publicações e, somados, os termos Leadership e Leader, a 39,94%. E no Q.2, Management correspondeu a 73,43% das publicações e, somados, os termos Leadership e Leader, a 23,81%. Nas pesquisas em português, no Q.1, “Gerenciamento” ocupa a terceira posição com 26,01% dos interesses em publicação. Enquanto, “Liderança” e “Líder”, somados, possuem participação de 70,01%. E no Q.2, “Gerenciamento”, 29,57%, porém, “Liderança” e “Líder” somados, 64,01%. E pode-se gerar a consideração de que há um conjunto de significados tradicionais para as pesquisas em língua inglesa e contemporâneos para a língua portuguesa.

  7. Entre as B.Pr, “Gerenciamento” correspondeu a 17,85% das publicações e os descritores representantes do modelo mental tradicional presentes no primeiro bloco (“Gerenciamento”, “Líder Empresarial”, “Estilos de Liderança”), a 18,63%, no Q.1. Nesse mesmo período, “Liderança” e “Líder” corresponderam a 80,99% das publicações e os descritores representantes do modelo mental contemporâneo, 81,11%. Comportamentos que diferem de modo significativo da análise em língua inglesa.

  8. No Q.2, a base G.Sch possui quase três vezes mais publicações do que a base PPCapes. Isso mostra que além de pouca produção prestigiosa, em língua portuguesa, em termos relativos - mas, também, absolutos -, existem poucas dissertações de mestrado, teses de doutorado, relatórios técnicos, produções tecnológicas, editoriais, entre outros documentos em recente circulação sobre o tema liderança no mundo acadêmico. Apenas a G.Sch possui 33 vezes a quantidade de publicações entre as registradas nas B.Pr somadas. Em comparação, ao realizar a mesma análise para o Q.1, a G.Sch possuía 5 vezes mais publicações do que a PPCapes e 80 vezes a quantidade de trabalhos entre os registrados nas B.Pr. Ou seja, o desinteresse em publicar e pesquisar de forma mais profunda o tema liderança, em ambientes de pós-graduação stricto sensu, não pode ser atribuído a um fenômeno temporal, passageiro, em língua portuguesa, pelo menos há oito anos no cenário acadêmico, apesar de parecer ser tema de interesse da sociedade, em geral. Essa enorme distância não ocorre, atualmente, em língua inglesa, que apresenta os seguintes indicadores: base G.Sch 7,21% de variação positiva em relação às B.Pr somadas, no Q.2.

  9. Em língua portuguesa houve uma diminuição do número absoluto de publicações, com uma variação negativa (-33,65%), conforme também observado em publicações de língua inglesa, quando comparados Q.1 e Q.2. Contudo, com um aumento do número de publicações prestigiosas e diminuição de trabalhos depositados na base PPCapes.

Para apresentar maior clareza na comparação de recorrência por língua nativa das publicações, envolvendo as B.Pr e B.ñPr, a tabela 5 apresenta os registros percentuais sobre os três principais descritores, responsáveis por cerca de 99% das publicações realizadas nas línguas inglesa e portuguesa, quando somados todos os oito anos da pesquisa.

Tabela 5
Comparações Percentuais sobre os Descritores de maior Recorrência na Pesquisa

Em inglês, sobre o tema liderança com ênfase em gestão, um possível caminho de pesquisa poderá iniciar as investigações pelo termo Management em B.Pr, pois devido à sua alta recorrência, as pesquisas envolvendo os termos Leader e Leadership deverão também conter tal termo, por sua ampla dispersão em todas as B.Pr. Também, é um termo incluído em francas discussões e evoluções sobre o tema liderança, uma vez que aparece cerca de três vezes mais do que os demais descritores principais, nas B.ñPr. As investigações e discussões científicas sobre liderança com ênfase em gestão, em inglês, de forma explícita, possuem um viés tradicional de abordagem do tema, pela grande difusão e uso de elementos envolvendo gerenciamento, controle e comando. Pode-se perceber uma incidência de cerca de 20 vezes mais do uso do descritor Management em B.Pr, em relação aos segundo e terceiro colocados.

Em português, as pesquisas em B.Pr encontram no termo “Líder” maior expressão e disseminação, com quase 45% a mais de recorrência do que o termo “Liderança”; e 3 vezes mais do que o termo “Gerenciamento”. Em B.ñPr, a relação entre os termos é próxima, com destaque para o termo “Liderança”, que avança na sociedade, em documentos explícitos, sem a obrigatoriedade de rigor científico, como principal descritor presente nas publicações.

A sequência de pesquisas bibliométricas permitiu mostrar que os pesquisadores e formadores de opinião sobre o tema liderança, em seu fluxo coletivo de interesses, possuem orientações distintas ao longo dos anos e dependendo do idioma. Por uma óptica reducionista, no recorte temporal 2014 - 2018 houve maior interesse no registro formal de comunicações explícitas do que no quadriênio subsequente. Em inglês, o comportamento de publicação alcançou uma distribuição mais tradicional do modelo mental de liderança. Enquanto que, em português, mais inovador, guarda as proporções relativas. Os descritores levantados possuíram aderência parcial às comunicações explícitas levantadas. Por um olhar teórico, os resultados pareceram corresponder às expectativas levantadas e conduzidas de forma rigorosa na técnica Focus Group, inclusive, referenciadas por vasta literatura presente e circulante no idioma inglês. Por um olhar prático, talvez, a lista de descritores pode ter sido influenciada pela comunicação tácita, presente nas formas de compartilhar informação no interior das organizações e nos corredores acadêmicos, do cotidiano dos especialistas participantes.

O impacto do volume de publicações para a língua inglesa, pelo menos pela óptica quantitativa, pareceu satisfatório pela quantidade expressiva de comunicações explícitas. Também, a sua distribuição entre bases prestigiosas e não prestigiosas: cerca de 29% das publicações em língua inglesa, entre o período de 2014 - 2021, são oriundas de mídias prestigiosas. Nenhuma das duas variáveis anteriores ocorre para a língua portuguesa. Os descritores gerados e a identificação das bases de dados mais expressivas por língua utilizada para a pesquisa científica e acadêmica podem apontar um caminho para novos pesquisadores ou gestores organizacionais sobre a construção de subsídios para identificar e aplicar modelos mentais em liderança em suas pesquisas e organizações.

As questões envolvendo o modelo mental esperado para o século XXI: questões sociais, de meio ambiente, ecológicas, sustentáveis, de redes sociais, de evoluções tecnológicas, de políticas públicas direcionadas para a inclusão, de trabalho remoto; além de interesses virtuais, diversidade, estratégias de disseminação de liderança e inclinações culturais presentes (CALVOSA, 2022CALVOSA, M. Liderança Empresarial e Estratégica. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2022.), mostraram ter recuado durante o período pandêmico, especialmente em mídia prestigiosa em língua inglesa. E de forma absoluta em ambas as línguas. Enquanto os conhecimentos, discussões e debates tácitos parecem avançar nesse sentido, os conhecimentos, as discussões e os debates explícitos parecem recuar, criando a impressão de que pesquisadores e formadores de opinião no tema liderança, em publicações prestigiosas e não prestigiosas, estão presos ao modelo mental tradicional de liderança do século XX.

4 CONCLUSÃO E DISCUSSÕES

A análise da evolução do tema liderança e a projeção de cenários ajudam na resolução de novos dilemas sociais e de soluções organizacionais. A sociedade precisa de líderes e de liderança para ajudarem a apontar caminhos e significados para ambientes em mudança e com algum perfil de divagação ou digressão. Os pesquisadores, em geral, estão entre os pioneiros contemporâneos que ajudam a sinalizar percursos em momentos de indecisão e de imprecisão, e costumam atuar como formadores de opinião. Os conteúdos, conhecimentos e insights que circulam em comunicações tácitas e explícitas cumprem esses papéis. A proposta do trabalho foi analisar as comunicações explícitas virtuais.

Ser líder envolve atribuir significado às pessoas e às organizações, conseguir comunicar um propósito, direcionar esforços e recursos para o atingimento de resultados expressivos. Por isso, mostra-se relevante estudar o fenômeno liderança nas organizações e na sociedade. Essa definição afasta-se da função e expectativas de atuação sobre um “gerente”, figura da qual se espera outras relações organizacionais. Tal compreensão semântica e prática, baseada, principalmente, em vasta literatura internacional, como relação dicotômica, permitiu aos especialistas de liderança, no Focus Group, tecerem especulações sobre determinados conceitos ligados ao modelo mental tradicional e conservador, em relação ao modelo mental mais inovador e contemporâneo. Essa base teórica permitiu gerar um conjunto semântico de termos a serem propostos, além de inferências sobre os resultados estatísticos analisados.

Relativo à pergunta da pesquisa gerada como norteadora do trabalho, a partir do estudo, pode-se concluir que, de acordo com a lista de descritores propostos pelos especialistas, a abordagem tradicional de liderança está muito presente nas publicações em língua inglesa circulantes nos tempos atuais, em comparação com a abordagem contemporânea. Em português, o fenômeno parece ocorrer de forma inversa. Porém, a quantidade ínfima de publicações, sobretudo prestigiosas, permite apenas uma comparação em termos relativos. Também, há pouca atenção e construções de propostas em dissertações e teses de mestrado sobre a avaliação do tema em português, quando analisada a PPCapes.

Especificamente, sobre as análises em língua inglesa, as publicações em B.Pr cresceram em volume, em uma comparação proporcional entre Q.1 e Q.2, enquanto que as B.ñPr, diminuíram. Os seguintes descritores, por comparação relativa, pouco contribuem para a explicitação de pesquisa em liderança: Managerial Leadership, Leadership Capabilities, Business Leadership, Business Leader, Leadership Theories, Strategic Leadership e Coach Leader; e podem ser excluídos de futuras pesquisas. A WoS é a principal base de dados para pesquisas sobre liderança, entre as B.Pr. A PPCapes mostra-se como melhor opção em número de trabalhos entre as B.ñPr. Há um crescente interesse, em publicações em língua inglesa, para a abordagem tradicional em liderança, ao longo dos últimos oito anos, principalmente, entre nas B.ñPr. Isso sugere que nas discussões atuais, nas quais há maior dinamismo e chegam mais rapidamente à sociedade, os pesquisadores em língua inglesa estão com menores interesses, de forma comparativa, para assuntos ligados à liderança no século XXI, com temas inovadores. Inferência apoiada pelo decréscimo observado do uso de todos os principais descritores do modelo mental contemporâneo.

Algumas questões, tais como, a pandemia, as crises econômicas, a instabilidade de mercados, as agitações políticas mundiais, entre outros fatores, podem ter potencializado o foco de uma gestão para o presente - com ênfase em gerenciamento de ativos e eficiência -, o que pode ter minimizado um foco de gestão para o futuro, inovação, planejamento de pessoas e suas carreiras, preocupações com a chamada arquitetura organizacional e social. Se essa última discussão puder ser generalizada, a partir de estudos futuros, talvez, em tempos de agitação e turbulência, os pesquisadores e a sociedade busquem, majoritariamente, fenômenos de gestão com focos em atendimento de demandas presentes e mais urgentes, em satisfação de interesses no curto e no médio prazos, em direcionamentos objetivos e gerenciamento de processos. Essa poderá ser uma interessante aplicação no ambiente organizacional, tanto pela óptica de gerenciamento de recursos, quanto pela visão de disseminação da liderança.

Em língua portuguesa há um acréscimo de publicações em B.Pr e um decréscimo em B.ñPr sobre liderança, quando comparados os Q.1 e Q.2. Porém, com um número muito reduzido de publicações em B.Pr, quando comparadas à língua inglesa, discussão que confirma a proposição de Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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. Impressionante, que a cada 10.000 publicações geradas sobre o tema liderança em inglês, 14 publicações em português são geradas em B.Pr e 267 em B.ñPr. Esses dados reforçam uma percepção dos especialistas que participaram da fase qualitativa da pesquisa de que, historicamente, as literaturas em inglês são as principais e mais utilizadas para trazer assuntos atuais, inovações e tendências para alunos, profissionais e pesquisadores no Brasil - por extensão, lusofalantes -, na subárea de Administração e Negócios, que engloba o tema liderança, apesar de sua transversalidade.

Em português, os seguintes descritores pouco contribuem para a explicitação da pesquisa sobre o tema: Liderança Gerencial, Capacidades de Liderança, Liderança Empresarial, Teorias de Liderança, Comportamentos do Líder, Líder Coach e Liderança Estratégica. A Scielo é a principal base de dados para pesquisas sobre liderança, entre as B.Pr. A G.Sch mostra-se como melhor opção em número de trabalhos entre as B.ñPr. Diferente do comportamento das publicações em inglês, cerca de 70% das publicações no Q.1 envolvem descritores do modelo mental contemporâneo. E esse índice permanece relativamente estável, com cerca de 67% no Q.2 e média de 69%, nos últimos oito anos. Esse último índice, em inglês, é de 33%. Guardadas as devidas proporções, pode-se concluir que o interesse relativo presente em comunicar de forma explícita nos pesquisadores em língua portuguesa é mais direcionado para o modelo mental contemporâneo do que os pesquisadores em língua inglesa.

As B.Pr fomentam a discussão e fazem circular conhecimentos já consolidados, como formas de replicação de pesquisas maduras, sobretudo, de pesquisadores e alunos avançados de pós-graduação stricto sensu. E, em língua inglesa, elas parecem estar presas, de forma relativa, a um modelo mental tradicional, pela recorrência de termos e expressões que ressaltam a circulação de pesquisas com esse conjunto de significados; enquanto que, em língua portuguesa, as B.Pr parecem reforçar um interesse crescente por pesquisas com um modelo mental contemporâneo. A pouca recorrência de trabalhos em português, em B.Pr, pode ser um indicativo de que o tema liderança não tenha despertado tanto interesse nos últimos oito anos em pesquisadores primários com essa língua nativa. E os motivos que justificam essa baixa participação percentual em relação às mídias abrangentes podem ser alvos de novos estudos. As B.ñPr possuem menos filtros, podendo chegar a quase nenhum, para a sua dinâmica de publicação, permitindo a discussão do fenômeno em tempo real ou mais próximo a isso, com maior participação social. Fato que não ocorre nas B.Pr, devido ao rigor científico aplicado e o hiato de tempo entre a submissão, a publicação e a divulgação do trabalho.

Existem muitos pontos da pesquisa em concordância com as proposições levantadas em Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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. Respondendo de forma mais direta às provocações presentes naquele trabalho, a pesquisa comprovou que as publicações sobre o tema liderança carecem de maior atenção e fomento em língua portuguesa, não atendendo um volume desejado, quando comparada a produção entre B.Pr e B.ñPr. Também, que carecem de qualidade, se usado o critério de avaliação de repositório, apresentando a G.Sch como posicionada muito à frente de outras bases. A proposição de que temas complexos de liderança precisam ser melhor estudados e publicados mostrou-se verdadeira, de acordo com os parâmetros da pesquisa, por incidência de descritores. Rebatendo de forma parcial uma de suas proposições, a pesquisa sobre o modelo mental contemporâneo de liderança parece ter um carácter exploratório - não somente em língua portuguesa, mas também, em língua inglesa -, pelo menos para essa pesquisa, uma vez que não se mostra com grande penetração científica e social, quando comparadas, em termos relativos, com iniciativas mais conservadoras de gestão. E, finalmente, as estatísticas demonstradas sobre o interesse massivo de publicações sobre o modelo mental tradicional em língua inglesa, discordam, em parte, das conclusões do trabalho de Fonseca, Porto e Borges-Andrade (2015)FONSECA, A. M.; PORTO, J. B.; BORGES-ANDRADE, J. E. Liderança: Um Retrato da Produção Científica Brasileira. Revista de Administração Contemporânea, v. 19, n. 3, p. 290-310, 2015. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac20151404
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.

Vale ressaltar que, mesmo autores com português como língua nativa que publicam regularmente em inglês, para as bases investigadas, na grande maioria dos periódicos e jornais, o título, o resumo e as palavras-chave seriam publicadas em línguas nativas, para periódicos nacionais. O que permitiria a seleção da publicação nas pesquisas bibliométricas. Pode ser que parte dos autores lusofalantes publiquem diretamente em periódicos estrangeiros, sem o recurso de publicação de parte do trabalho em português. Se for assim, uma suposição poderá encontrar respaldo na oportunidade de que as publicações internacionais satisfaçam o viés científico e as pretensões de publicação de pesquisadores lusofalantes sobre o tema liderança. Porém, não contribuem para a discussão nacional interna de forma ampla, como preocupação da pesquisa.

A distância entre as duas metades dos descritores investigados, os blocos primário e secundário, tanto nas bases em português como em língua inglesa, pode mostrar uma percepção um pouco distante ou parcialmente equivocada dos especialistas no tema liderança. Contudo, o processo de Focus Group foi conduzido com rigor metodológico, com oito especialistas, com carreiras acadêmicas, científicas e profissionais definidas e bem desenvolvidas. Do ponto de vista qualitativo e de avaliação de estratos, a amostragem pode ser considerada adequada. Dos 28 descritores propostos, apenas metade, com pequena variação entre as línguas, mostrou-se relevantes em todos os espectros de análises. Uma suposição é que alguns termos centrais não foram alistados; ou que alguns sugeridos, provavelmente, tenham caído em desuso, especialmente em tempos recentes, nos oito anos de recorte temporal da pesquisa. Por isso, para futuras pesquisas, sobretudo de análises bibliométricas, recomenda-se utilizar como descritores os termos ou expressões registradas apenas no primeiro bloco das tabelas 1 a 4, a menos que a pesquisa seja específica para um tema, não comparativa.

Pode ter havido sobreposição de citações em algumas bases, como PPCapes e G.Sch, parcialmente, com outras bases. Contudo, pelo fato de algumas bases serem gratuitas e outras com o acesso pago; terem focos distintos; terem classificações de periódicos dessemelhantes; terem naturezas de publicações variadas; entre outros motivos, acolhe-se o julgamento de que esses eventos não atrapalharam, pelo menos de modo significativo, os resultados da pesquisa.

Não pode ser comprovado, por meio da pesquisa, a discussão presente em Uslu (2019)USLU, O. A. General Overview to Leadership Theories from a Critical Perspective. Marketing and Management of Innovations, v. 1, p. 161-172, 2019. https://doi.org/10.21272/mmi.2019.1-13
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de que novas abordagens ou novas teorias de liderança são formas de autorreplicação das teorias antigas, pelo menos, com a metodologia adotada para este trabalho, pois precisaria de um olhar qualitativo aprofundado. Estima-se que uma das contribuições do trabalho foi apontar melhores caminhos e discussões para o desenvolvimento mais maduro de outras propostas de pesquisa. E ajudar na construção de novos entendimentos, estudos e investigações sobre liderança.

Outra limitação da pesquisa, porém, não alvo da mesma, que talvez seja oportuna para ampliar a discussão e melhor compreender as informações geradas, foi a restrição da análise qualitativa dos dados da fase 2, não possível para o método desenhado. O método estabelecido para esse trabalho foi próprio e desenhado especificamente para atingir o esforço da pesquisa. Por isso, apesar de ser executado com satisfatório percentual de sucesso pelos autores, ele merece ser melhor testado, analisado em novas amostras e comparado com futuros trabalhos, para definir de forma confirmatória o seu êxito em novas investigações e aplicações.

Sugere-se que novas pesquisas e investigações sejam feitas sobre o tema liderança, com ênfase e visão dicotômica de gestão. Como exemplos: aumentar o recorte temporal, acrescentar outros descritores ou estender a pesquisas para novas bases. Inclusive, qualificando os periódicos por estratos, avaliando a recorrência de trabalhos e citação ordenadas de autores por descritor ou expressão de recorrência no tema liderança.

Acredita-se que a análise em dois quadriênios atingiu os resultados da pesquisa; porém, sem esgotar o assunto e nem ser um ponto final nas discussões sobre a evolução do tema liderança e gestão. Ao contrário, pretende-se estimular a reflexão, a discussão e ser um catalisador para novas pesquisas e investigações sobre o tema, conforme sugeridas. A visão neste trabalho é que o desenvolvimento complementar e mais maduro de outras propostas de pesquisa, acadêmicas e em ambientes organizacionais, são necessárias e oportunas, como contribuição e extensão do tema liderança e gestão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2022
  • Aceito
    06 Dez 2022
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