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DESENVOLVIMENTO E VALIDAÇÃO DE UMA ESCALA DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA1 1 Recebido em 17/2/2023; aceito em 27/7/2023.

DEVELOPMENT AND VALIDATION OF A POLITICAL PARTICIPATION SCALE

DESARROLLO Y VALIDACIÓN DE UNA ESCALA DE PARTICIPACIÓN POLÍTICA

RESUMO

O artigo tem por objetivo desenvolver e validar uma escala de mensuração da participação política. A partir de uma revisão sistemática, desenvolveu-se um instrumento de mensuração baseado na constatação de que as medidas usadas não abrangem as diversas dimensões do construto. O instrumento foi inicialmente avaliado por especialistas e, posteriormente, testado e validado usando-se dados de duas amostras diferentes, coletadas em Moçambique. Os dados da primeira amostra foram usados para realizar uma Análise Fatorial Exploratória - AFE e os dados da segunda amostra serviram para executar uma Análise Fatorial Confirmatória - AFC e validar a escala. A AFC comprovou a plausibilidade de cinco fatores, nomeadamente, atividade de campanha; votação; contato; engajamento cívico; e protesto, ao mesmo tempo que apresentou ótimos índices de ajustamento. A escala alcançou validade convergente; validade discriminante; e apresentou boa consistência interna nos cinco fatores. O modelo de mensuração desenvolvido e validado é constituído por 27 indicadores da participação política que podem ser utilizados em qualquer contexto geográfico. Foram feitas recomendações de uso da escala em estudos futuros sobre engajamento político de cidadãos.

Palavras-chave:
Escala; Engajamento Político; Participação Política; Modelo de Mensuração

ABSTRACT

The article aims to develop and validate a political participation measurement scale. Through a systematic review, a measurement tool was developed based on the observation that existing measures do not encompass the various dimensions of the construct. The instrument underwent initial evaluation by experts and was subsequently tested and validated using data from two distinct samples collected in Mozambique. The data from the first sample were employed to conduct an Exploratory Factor Analysis - EFA, while the data from the second sample were utilized to perform a Confirmatory Factor Analysis - CFA and validate the scale. The CFA confirmed the plausibility of five factors: campaign activity; voting, contact; civic engagement; and protest, while also exhibiting excellent fit indices. The scale demonstrated convergent validity, discriminant validity, and strong internal consistency across the five factors. The developed and validated measurement model comprises 27 indicators of political participation, applicable in any geographical context. Recommendations for employing the scale in future studies concerning citizens’ political engagement were provided.

Keywords:
Scale; Political Engagement; Political Participation; Measurement Model

RESUMEN

El artículo tiene como objetivo desarrollar y validar una escala de medición de la participación política. A través de una revisión sistemática, se elaboró un instrumento de medición basado en la observación de que las medidas utilizadas no abarcan las diversas dimensiones del constructo. El instrumento fue evaluado inicialmente por expertos y posteriormente probado y validado utilizando datos de dos muestras distintas recopiladas en Mozambique. Los datos de la primera muestra se utilizaron para realizar un Análisis Factorial Exploratorio - AFE, mientras que los datos de la segunda muestra se emplearon para llevar a cabo un Análisis Factorial Confirmatorio - AFC y validar la escala. El AFC confirmó la plausibilidad de cinco factores: actividad de campaña; votación; contacto; engajamento cívico; y protesta, al mismo tiempo que presentaba excelentes índices de ajuste. La escala demostró validez convergente, validez discriminante y una sólida consistencia interna en los cinco factores. El modelo de medición desarrollado y validado consta de 27 indicadores de participación política que pueden utilizarse en cualquier contexto geográfico. Se brindaron recomendaciones para utilizar la escala en futuros estudios sobre participación política de los ciudadanos.

Palabras clave:
Escala; Engajamento Político; Participacion Política; Modelo de Medición

INTRODUÇÃO

As concepções iniciais de participação política envolveram um conjunto bastante restrito de atividades políticas se comparadas ao contexto contemporâneo em que o repertório e domínio dessa participação é bastante amplo e dinâmico, refletindo o contexto político, econômico, social, além do avanço tecnológico da sociedade. A nossa intenção não se constitui em revisar exaustivamente a evolução histórica das atividades vinculadas à participação política, de modo que optamos por fazer um corte transversal que oriente o nosso enfoque para as considerações atuais sem, no entanto, ofuscarmos o que essa evolução representou desde os estudos clássicos de Milbrath (1965MILBRATH, L. W. Political Participation: How and Why People Get Involved in Politics. Chicago: Rand McNally, 1965.) e Verba e Nie (1972VERBA, S.; NIE, N. H. Participation in America: Social equality and political democracy.New YorkHarper & Row, 1972.), por exemplo.

Pelo fato de a literatura apresentar uma diversidade de dimensões de participação política que, em muitos casos, é divergente, devido à diferença de perspectivas, a mensuração do construto tem sido feita de forma parcial e diferenciada em variados estudos, o que enfraquece as tentativas de mensuração padronizada e consistente dos diversos contextos políticos. Paralelamente a isso, tem sido comum pesquisas empíricas medirem a participação política sem indicação dos critérios pelos quais os indicadores foram selecionados, sendo que outro grupo de estudos usou medidas que não decorrem de modelos teoricamente desenvolvidos, o que permitiria testar a sua validade empírica. Partindo dessas lacunas e limitações da literatura, este artigo tem por objetivo desenvolver e validar um modelo multidimensional da participação política e, para tanto, foram seguidas as etapas de desenvolvimento de escalas de mensuração sugeridas por Costa (2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.), sendo que o processo de desenvolvimento da medida partiu de uma revisão sistemática da literatura (DONATO; DONATO, 2019DONATO, H.; DONATO, M. Stages for undertaking a systematic review. Acta Medica Portuguesa, v. 32, n. 3, p. 227-235, 2019.; MOHER et al., 2009MOHER, D.; LIBERATI, A.; TETZLAFF, J.; ALTMAN, D. G. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. Journal of clinical epidemiology, v. 62, n. 10, p. 1006-1012, 2009.) sobre “tipologias de participação política”, na qual a identificação das dimensões e a seleção dos respectivos indicadores foi norteada por Van Deth (2014).

Inicialmente, o instrumento foi submetido à validação de conteúdo e validação de face (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.), feita por especialistas com experiência na construção de medidas psicométricas e outros com doutorado em Ciência Política e, posteriormente, a escala foi testada empiricamente e validada por meio de dados de duas amostras diferentes, coletados em Moçambique. A primeira amostra é composta por 440 observações válidas, por meio das quais foi realizada uma Análise Fatorial Exploratória - AFE, cujo instrumento sugerido foi aplicado à segunda amostra, da qual se obteve 551 observações válidas, usadas para realizar Análise Fatorial Confirmatória - AFC e para validar a escala. O modelo de mensuração da participação política exibiu ótimos índices de ajustamento (BROWN, 2015BROWN, T. A. Confirmatory factor analysis for applied research. 2nd. ed. New York: Guilford Press, 2015.; HAIR et al., 2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.), alcançou validade convergente, validade discriminante e apresentou boa consistência interna (COSTA, 2011; HAIR et al., 2009), sendo constituído por 27 itens distribuídos pelos seguintes fatores: sete itens, “atividade de campanha”; cinco, “votação”; quatro, “contato”; quatro, “engajamento cívico”; e sete, “protesto”.

Além dessa introdução, o artigo está estruturado em quatro seções. A primeira se detém fundamentalmente em demarcar o escopo de participação política, em que foram selecionadas as atividades que pertencem ao domínio e repertório participação política. A segunda seção descreve os aspectos metodológicos da pesquisa, percorrendo os procedimentos utilizados na construção da escala da participação política e os critérios adotados para a seleção da amostra da pesquisa, ao mesmo tempo que apresenta o instrumento da pesquisa e os procedimentos da análise dos dados. A terceira apresenta os resultados da pesquisa, isto é, da AFE, feita com base nos dados da primeira amostra; e da AFC e da validação da escala,e feitas a partir dos dados da segunda amostra, culminando com a apresentação do instrumento validado. A última seção discute os resultados da pesquisa, ao mesmo tempo que apresenta as recomendações do uso da escala em pesquisas futuras, e as considerações finais.

1 DEMARCANDO O ESCOPO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

A participação política é indispensável para o funcionamento de sistemas democráticos que, por meio dela, cidadãos fazem demandas e expressam seus interesses (PALASSI; MARTINS; PAULA, 2016PALASSI, M. P.; MARTINS, G. F.; PAULA, A. P. P. Consciência política e participação cidadã de estudantes de administração: um estudo exploratório em uma universidade pública no Brasil. REAd, p. 435-461, 2016.; VAN DETH, 2015VAN DETH, J. W. Political participation. In: GIANPIETRO, M. (Ed.). The International Encyclopedia of Political Communication. [s.l.] John Wiley & Sons, Inc., p. 1-12, 2015.) a atores políticos. Considera-se que a participação política diz respeito a um conjunto de atividades voluntárias de cidadãos comuns que buscam influenciar ou afetar decisões e resultados políticos (TEORELL; TORCAL; MONTERO, 2007TEORELL, J.; TORCAL, M.; MONTERO, J. R. Political participation: Mapping the terrain. In: VAN DETH, J. W.; MONTERO, J. R.; WESTHOLM, A. (Eds.). Citizenship and Involvement in European Democracies: A Comparative Analysis. London: Routledge, p. 334-357, 2007.; VAN DETH, 2001, 2009, 2014), de modo que envolve quatro principais aspectos. Primeiro, as atividades políticas devem ser encaradas como ações levadas a cabo por cidadãos, por meio de comportamento observável (TEORELL; TORCAL; MONTERO, 2007; VAN DETH, 2001, 2014, 2015). Segundo, os sujeitos envolvidos nessas ações são indivíduos que exercem o seu papel de cidadãos, não o fazendo como políticos, titulares de cargos, profissionais de diversas áreas ou como servidores públicos (TEORELL; TORCAL; MONTERO, 2007; VAN DETH, 2014, 2015, 2016). Terceiro, as ações políticas são tentativas deliberadas que buscam influenciar ou afetar decisões e resultados políticos (TEORELL; TORCAL; MONTERO, 2007). E quarto, as atividades políticas são de carácter voluntário e não compulsório (VAN DETH, 2001, 2014, 2015, 2016).

A participação política é um construto multidimensional que abrange diversos modos de participação, por meio dos quais os cidadãos fazem demandas e expressam seus interesses e preferências a atores políticos, com vistas a influenciar decisões e resultados políticos. Nas décadas de 1940 e 1950, as formas de participação política estavam circunscritas à votação, às atividades de campanha e à filiação partidária. A década de 1960 e princípios da década de 1970 ficaram marcadas pelo alargamento dos modos de participação política que passaram a incluir, por exemplo, atividades comunitárias e contato com políticos e funcionários públicos. A contínua expansão do repertório de participação política passou pelo reconhecimento de ações de protesto, como atividades não convencionais de participação política, ao mesmo tempo que a década de 1990 testemunhou a inclusão, no domínio da participação política, do engajamento cívico (VAN DETH, 2001VAN DETH, J. W. Studying political participation: Towards a theory of everything? European Consortium for Political Research. Anais...Grenoble: 2001, 2009, 2015, 2016).

A participação política passou de ações ligadas apenas aos processos eleitorais, nas décadas 1940 e 1950, para incluir um vasto conjunto de formas de engajamento político e, atualmente, a lista das tipologias de participação política nas sociedades democráticas é bastante ampla. A expansão exponencial do repertório e do domínio da participação política ao longo do tempo fez com que Van Deth (2001) argumentasse no sentido de que a participação política estuda tudo, concluindo-se que o estudo da participação política se configura como estudo de qualquer coisa; no entanto, pensar dessa forma significa encobrir todo o legado de estudos que se esforçou na delimitação rigorosa do objeto de estudo.

Além disso, a extensão contínua das formas de participação política parece ter dificultado, em algum momento, a concepção de um conceito mais abrangente das diversas ações políticas, por forma a reduzir a discrepância do que pode ser considerado como pertencente ao repertório e domínio da participação política. Contudo, Van Deth (2014) se esforçou na identificação dos requisitos indispensáveis para que determinadas atividades humanas pudessem ser enquadradas no repertório e domínio da participação política, ao desenvolver, exaustivamente, um mapa conceitual mais inclusivo que abrange, de forma sistemática e consistente, as diversas formas de engajamento político que foram surgindo ao longo do tempo.

Considerando esses requisitos, a participação política deve ser entendida como atividades ou ações voluntárias realizadas por cidadãos não profissionais, por meio de comportamento observável, circunscritas e/ou direcionadas à esfera política, com o objetivo de resolver problemas coletivos ou comunitários, ao mesmo tempo que essas ações são usadas para expressar objetivos e intenções políticas dos cidadãos (VAN DETH, 2014VAN DETH, J. W. A conceptual map of political participation. Acta Politica, v. 49, n. 3, p. 349-367, 2014.). Essa definição operacional é bastante útil não somente por refletir as diversas formas de participação política que foram surgindo ao longo do tempo, mas também por demarcar as ações humanas que se configuram como indicadores de participação, em que os elementos contidos nessa definição devem ser encarados como um conjunto a ser satisfeito, em sua totalidade, por qualquer atividade que se pretenda que seja indicador de participação política. Assim, qualquer atividade, para ser considerada como indicador de participação política deve, cumulativamente, visar resolver assuntos coletivos; estar circunscrita e/ou direcionada ao Governo/Estado, tendo, então, efeitos na política; e ser levada a cabo voluntariamente por indivíduos na sua condição de cidadãos, expressando seus objetivos e suas intenções por meio de comportamento observável.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta seção subdivide-se em quatro subseções, nomeadamente: i) apresentação dos procedimentos utilizados na construção da escala da participação política; ii) amostra da pesquisa; iii) instrumentos da pesquisa; e iv) procedimentos da análise dos dados.

2.1 Construção da escala

Ao tomar como referência as etapas de desenvolvimento de escalas, sugeridas por Costa (2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.), o modelo de mensuração da participação política foi desenvolvido a partir de uma revisão sistemática da literatura que visava mapear as tipologias de participação política, conforme as diretrizes da recomendação PRISMA (MOHER et al., 2009MOHER, D.; LIBERATI, A.; TETZLAFF, J.; ALTMAN, D. G. Preferred reporting items for systematic reviews and meta-analyses: the PRISMA statement. Journal of clinical epidemiology, v. 62, n. 10, p. 1006-1012, 2009.) e os procedimentos propostos por Donato e Donato (2019DONATO, H.; DONATO, M. Stages for undertaking a systematic review. Acta Medica Portuguesa, v. 32, n. 3, p. 227-235, 2019.). Consultando as bases de dados Web of Science, Scopus, Scielo e Google Scholar, a revisão foi embasada nos seguintes descritores, sem nenhuma restrição temporal: “Political participationAND typolog*; “Conventional political participation”; “Unconventional political participation”; “Institutionalized political participation”; “Non-institutionalized political participation”; Measur* ANDpolitical participation”; e Scale ANDpolitical participation”. A pesquisa, nas bases de dados, decorreu no período de 02 a 29 de junho de 2021, tendo gerado 3.439 estudos, dos quais foram selecionados 24 trabalhos. As etapas percorridas na revisão estão sistematizadas na Figura 1.

Figura 1
Processo de seleção dos estudos incluídos na revisão sistemática

A identificação das dimensões da partiticipação política e a geração dos respectivos indicadores foram feitas com base em Van Deth (2014), cuja atividade permitiu compor um instrumento de 40 itens que, posteriormente, foi avaliado por especialistas por meio de um questionário específico, para validação de conteúdo: grau em que os itens do construto são suficientemente representativos, relevantes e concisos; e validação da face: adequação dos itens para o construto e para os propósitos da mensuração (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.).

A análise da avaliação dos especialistas demandou exclusão, desagregação e reescrita de alguns itens, além de eles terem sugerido a necessidade de a escala apresentar itens que viabilizassem respostas gradativas, visto que a participação política envolve ações contínuas dos cidadãos ao longo do tempo, não consistindo, portanto, de atividades circunscritas e esgotadas em um determinado momento. Nesta perspectiva, optou-se pela escala do tipo Likert de 10 pontos, isto é, de 1 a 10, considerando que um número maior de pontos é apropriado por viabilizar o alcance da condição de normalidade das variáveis (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.). A avaliação dos especialistas culminou com um instrumento de mensuração constituído por 38 itens, que consta do Quadro 1.

Quadro 1
Instrumento inicial da participação política

Com base nos itens que constam do Quadro 1, organizou-se um questionário que foi aplicado na primeira atividade de amostragem, cujos dados foram utilizados para realizar uma AFE.

2.2 Amostra da pesquisa

Compreendendo que uma das etapas no desenvolvimento de medidas psicométricas é a avaliação dos especialistas (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.), o instrumento foi avaliado por dez especialistas, sendo sete brasileiros e três moçambicanos, selecionados com base nos fundamentos da amostragem intencional, considerando dois aspectos: experiência na construção de escalas relacionadas à cidadania, participação cidadã, entre outras; e pós-graduação em Ciência Política.

Por meio de procedimentos de amostragem por acessibilidade, foram coletados dados em duas amostras diferentes, que totalizaram 1.218 sujeitos, com vistas a testar empiricamente o modelo de mensuração. A primeira atividade de amostragem decorreu entre 3 de setembro e 5 de novembro de 2021, abrangendo, majoritariamente, alunos de graduação, do 3º e 4º ano; e de mestrado, pertencentes a três universidades moçambicanas. Além da coleta de dados pelo Google Forms, aplicou-se o questionário nas salas de aulas dos alunos, permitindo obter um total de 566 respostas, das quais foram usadas 440 válidas para realizar a AFE.

A segunda atividade de amostragem foi feita junto a servidores públicos e a membros de organizações da sociedade civil de Moçambique, também combinando o uso do Google Forms e a coleta de dados presencial, realizada no local de trabalho, de 14 de dezembro de 2021 a 5 de abril de 2022, donde se obteve 652 respostas, das quais foram usadas 551 válidas para realizar a AFC e para validar a escala.

2.3 Instrumentos da pesquisa

Os sujeitos da amostra responderam ao questionário da escala da participação política desenvolvida nesta pesquisa de duas formas, conforme se segue. A primeira consistiu na avaliação dos especialistas, na qual os 40 itens do instrumento inicial foram dispostos por dimensão, precedidos pela definição da dimensão. Os especialistas avaliaram cada indicador de participação política de acordo com a “adequação do item à definição” da sua respectiva dimensão - validação da face; e de acordo com a “clareza do enunciado” do item - validação de conteúdo, usando duas escalas Likert. Para a avaliação da “adequação do item à definição”, usou-se uma escala de cinco pontos, em que 1=inadequado; 2=pouco adequado; 3=adequado; 4=bem adequado; e 5=adequação perfeita. A avaliação da “clareza do enunciado” foi feita também por intermédio de uma escala de cinco pontos, em que 1=muito ruim; 2=ruim; 3=razoável; 4=boa; e 5=muito boa. Além disso, o questionário incluiu uma coluna de observações para cada item (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.).A segunda forma por meio da qual se respondeu ao questionário consistiu na aplicação de duas amostras diferentes, usando-se uma escala de 10 pontos do tipo Likert, de 1 a 10, em que 1=discordo totalmente e 10=concordo totalmente. Enquanto na primeira amostra o questionário validado pelos especialistas comportava 38 indicadores de 6 fatores, na segunda, o questionário continha 30 itens, distribuídos pelo mesmo número de fatores, decorrentes dos procedimentos da AFE, a partir dos dados da primeira amostra. Vale destacar que o questionário estava organizado em blocos de questões de 8 indicadores cada, nos quais foram inclusos indicadores de todas as dimensões de forma aleatória. Além dos indicadores da participação política, o questionário aplicado às duas amostras incluiu questões sociodemográficas, que intercalaram os blocos de questões.

2.4 Procedimentos da análise dos dados

A análise dos dados de cada amostra iniciou com o descarte dos questionários incompletos ou em branco, seguida da identificação dos outliers multivariados nas matrizes dos dados, por meio do cálculo da “distância de Mahalanobis” (HAIR et al., 2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.) no software SPSS, culminando com a exclusão dos outliers em todos os procedimentos da análise fatorial e da validação da escala. Além disso, avaliou-se a normalidade dos dados por meio dos testes de Kolmogorov-Smirnov e de Shapiro-Wilk (RAZALI; WAH, 2011RAZALI, N. M.; WAH, Y. B. Power comparisons of Shapiro-Wilk, Kolmogorov-Smirnov, Lilliefors and Anderson-Darling tests. Journal of Statistical Modeling and Analytics, v. 2, n. 1, p. 13-14, 2011.), tendo os resultados dos dois testes demonstrado que todas as variáveis das duas amostras tinham distribuição não normal (p<0,001). Para a AFE, foram utilizados os procedimentos e os pontos de corte que constam na Tabela 1.

Tabela 1
Critérios utilizados nos procedimentos da AFE

A partir dos dados da primeira amostra, realizou-se uma AFE por meio do software IBM SPSS 25, agrupando todos os itens em simultâneo e utilizando componentes principais como método de extração. A decisão sobre o número de fatores a ser retido foi com base nos autovalores maiores que 1, sem estabelecer o número de fatores a ser retido. Utilizou-se a rotação ortogonal por meio do método varimax, tendo-se optado por suprimir cargas com valores absolutos inferiores a 0,4 (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.). Além disso, calculou-se a confiabilidade da escala por meio do alfa de Cronbach.

Usando-se os dados da segunda amostra, realizou-se uma AFC, por meio do software R, pacote Lavaan, agregando todos os fatores ao mesmo tempo e utilizando o método de estimação Diagonally Weighted Least Squares, DWLS, apropriado para dados categóricos (DISTEFANO; MORGAN, 2014DISTEFANO, C.; MORGAN, G. B. A Comparison of Diagonal Weighted Least Squares Robust Estimation Techniques for Ordinal Data. Structural Equation Modeling, v. 21, n. 3, p. 425-438, 2014.; LI, 2016LI, C. H. Confirmatory factor analysis with ordinal data: Comparing robust maximum likelihood and diagonally weighted least squares. Behavior Research Methods, v. 48, n. 3, p. 936-949, 2016.). Avaliou-se o ajuste do modelo com base nos seguintes índices: i) qui-quadrado (X2); ii) X2/gl; iii) Comparative Fit Index, CFI; iv) Tucker-Lewis Index, TLI; v) Root Mean Square Error of Approximation, RMSEA; e vi) Standardized Root Mean Residual, SRMR.

A validação da escala final foi feita por meio da verificação da validade convergente, da validade discriminante e da confiabilidade (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.). A fidedignidade do modelo foi avaliada a partir do cálculo dos coeficientes alfa de Cronbach e da confiabilidade composta, CC, no sofware R, pacote Lavaan. Além disso, também se calculou Average Variance Extracted, AVE. Enquanto para a CC usou-se como critério de avaliação valores > 0,7 (HAIR et al., 2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.), para a avaliação da AVE e do coeficiente alfa foram considerados os pontos de corte estabelecidos na Tabela 1.

No que diz respeito à validade discriminante, procurou-se analisar se a correlação entre as dimensões da escala, ou seja, as variâncias compartilhadas, são menores que as variâncias extraídas dos respectivos construtos. Na validade convergente, verificou-se o quanto as variáveis do mesmo construto estão vinculadas e convergentes entre si, sendo que maiores valores indicam maior vinculação e são evidência de maior validade convergente. Para o efeito, estes valores foram calculados por meio da raiz quadrada da AVE (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.).

3 RESULTADOS

Os resultados são apresentados em duas subseções. A primeira se detém nos procedimentos da AFE e a segunda diz respeito à AFC e validação da escala. A seguir, são apresentados os resultados da AFE.

3.1 Análise fatorial exploratória

Usando dados da primeira atividade de amostragem, realizou uma AFE, buscando encontrar a estrutura fatorial mais representativa para os dados. Das 566 respostas obtidas, foram utilizadas 440 observações válidas, em virtude de terem sido descartados 44 questionários incompletos, com mais de 10 itens não respondidos, e 82 outliers multivariados, identificados por meio do cálculo da “distância de Mahalanobis” (HAIR et al., 2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.). Considerando que o instrumento era composto por 38 indicadores, as observações válidas correspondem a 11,6 sujeitos por item, o que atende plenamente à sugestão de Hair et. al. (2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.), em que a amostra deve corresponder, no mínimo, a cinco respondentes por item.

A AFE foi precedida por um conjunto de análises feitas dimensão por dimensão, com vistas a avaliar a adequação das dimensões para realização da AFE, por meio dos testes de esfericidade de Bartlett e KMO, assim como do cálculo da confiabilidade por meio do coeficiente alfa de Cronbach, cujos resultados constam da Tabela 2.

Tabela 2
Análise da fatorabilidade das dimensões

O teste de esfericidade de Bartlett, o KMO, assim como os coeficientes alfa de Cronbach, sugeriram que todas as dimensões são adequadas para a realização da AFE. Apesar de a dimensão “engajamento cívico” ter apresentado coeficiente alfa de 0,69, optou-se pela sua manutenção, visto que está bastante próximo do ponto de corte, que é 0,7 (HAIR et. al, 2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.; COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.).

Realizou-se a AFE com todas as variáveis ao mesmo tempo, começando por analisar a fatorabilidade da matriz dos dados. A matriz de correlação dos 38 itens do instrumento mostrou-se adequada para realização da AFE, com excelente KMO de 0,91 e teste de esfericidade de Bartlett (9.828,020, gl = 703) estatisticamente significativo (p < 0,001), ao mesmo tempo que o coeficiente alfa de Cronbach foi de 0,93. A matriz da componente rotativa da primeira rodada da AFE gerou sete fatores que, ao todo, somaram uma variância de explicação do fenômeno de 63,57%. A primeira rodada dos dados demandou a necessidade de exclusão de alguns itens, com vistas a melhorar o instrumento para a segunda atividade de amostragem. Depois de cada exclusão, fez-se novo processamento dos dados, com base no qual tomaram-se as decisões subsequentes na limpeza da escala. Esse processo culminou com a exclusão de 8 itens, um a um, cuja sequência de exclusão, após a primeira rodada da AFE, consta da Tabela 3, incluindo as razões de exclusão de cada item.

Tabela 3
Sequência da exclusão dos itens após a primeira rodada da AFE

Conforme verifica-se da Tabela 3, as matrizes dos dados de cada rodada feita continuaram adequadas para a AFE, após cada exclusão dos itens, compreendendo que os resultados do teste de esfericidade de Bartlett, do KMO, assim como do alfa de Cronbach estiveram de acordo com os critérios estabelecidos na Tabela 1. No entanto, vale destacar que após o quarto processamento dos dados, observou-se que o item Vot1, “Tenho votado para a eleição do Presidente da República”, apresentava comunalidade baixa (0,39). Contudo, optou-se pela sua manutenção para as outras rodadas, não somente pela sua importância na dimensão “votação” e pela relação direta que tem com a participação política de cidadãos, mas também porque, no contexto em que se testou e validou a escala, o presidente da República é eleito por sufrágio universal direto. Embora Hair et al. (2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.) não sejam favoráveis à manutenção de indicadores com comunalidade abaixo de 0,5, eles afirmam, por outro lado, que se pode ignorar o valor do indicador e se interpretar a solução em razão da subjetividade subjacente à AFE.

Os procedimentos da AFE com os dados da primeira amostra sugeriram a retenção de 6 fatores compostos por 30 itens, os quais representam 65,14% de variância de explicação do fenômeno. O conjunto dos itens apresentou coeficiente alfa de Cronbach de 0,91, e não é influenciado pela exclusão de qualquer um dos itens. A estrutura fatorial da matriz pode ser observada na Tabela 4.

Tabela 4
Estrutura fatorial da primeira amostra

A partir da Tabela 4, verifica-se que os fatores 1, 2, 3, 4, 5 e 6 correspondem às dimensões “protesto”, “atividade de campanha”, “votação”, “contato”, “engajamento cívico” e “atividade partidária”, respectivamente. Com exceção de alguns itens da dimensão “atividade partidária”, isto é, AP1, AP2 e AP4, que carregaram na dimensão “atividade de campanha”, os demais indicadores carregaram nas respectivas dimensões. Após os procedimentos da limpeza da escala, aplicou-se o instrumento sugerido pela AFE na segunda atividade de amostragem, com vistas a realizar a AFC e validação do modelo.

3.2 Análise fatorial confirmatória e validação da escala

A partir dos dados da segunda amostra, realizou-se a AFC e validou-se a escala. Das 652 respostas obtidas, foram utilizadas 551 observações válidas, em virtude de terem sido descartados 52 questionários, por terem sido devolvidos em branco ou incompletos, e 49 outliers multivariados identificados por meio do cálculo da “distância de Mahalanobis”. Levando em consideração que o instrumento aplicado era composto por 30 indicadores, as observações válidas correspondem a 18,4 sujeitos por item, o que atende plenamente à recomendação de Hair et. al. (2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.).

Antes de avançar para a AFC, foi realizada uma rodada da AFE com os dados da segunda amostra, na qual verificou-se que o item Prot7, “Venho ocupando espaços públicos como protesto político”, apresentou comunalidade baixa (0,47) e carregou em outro fator, isto é, “atividade partidária”, demandando a sua exclusão. Após a exclusão do item, o teste de adequação da amostra apresentou KMO de 0,90; teste de esfericidade de Bartlett (12.0215,293, gl = 406) estatisticamente significativo (p<0,001); e a confiabilidade da matriz apresentou coeficiente alfa de Cronbach de 0,88. A solução fatorial confirmou os seis fatores sugeridos pelos dados da primeira amostra, representando 73,08% de explicação do fenômeno.

Em seguida, realizou-se uma AFC, com vistas a testar a plausibilidade da estrutura multidimensional da escala da participação política. A avaliação dos índices de ajustamento do modelo de mensuração foi baseada nos pontos de corte que constam do Quadro 2.

Quadro 2
Pontos de corte dos índices de ajuste

Na AFC constatou-se que o item AP5, “Venho fazendo doação de dinheiro para um partido político” exibiu carga fatorial maior do que 1, isto é, 1,42, por isso, teve de ser excluído. Embora seja aceitável um valor maior do que 1 na carga fatorial (JÖRESKOG, 1999JÖRESKOG, K. G. How large can a standardized coefficient be? 1999. Disponível em: <http://www.statmodel.com/download/Joreskog.pdf>.
http://www.statmodel.com/download/Joresk...
), pelo fato de a variância residual do item ser negativa (-1,004), o que é indicativo de que podem ser extraídos fatores a mais, a variável não foi mantida (MUTHÉN; MUTHÉN, 2005MUTHÉN, L. K.; MUTHÉN, B. O. Mplus: Statistical analysis with latent variables. User’s guide. Los Angeles: Muthén, L. K., & Muthén, 2005.). Além disso, também teve de ser excluído o item AP6, “Venho fazendo doação de dinheiro para uma organização pertencente a um partido político”, em outro processamento dos dados, em virtude de ter sido o único restante na sua dimensão. Levando em consideração que os dois itens constituíam a dimensão “atividade partidária”, a dimensão deixou de existir.

Sobre o teste X2, embora tenha sido estatisticamente significativo (p<0,001), todas as outras medidas de ajustamento indicaram ajuste ótimo do modelo. Vale destacar que, mesmo sendo desejável ter amostras grandes para aumentar a precisão da estimativa dos parâmetros, a verdade é que quanto maior for o tamanho da amostra, mais de 500 observações, o valor do teste X2 também aumenta e o p-valor resultante é estatisticamente significativo (HAIR et al., 2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.; IACOBUCCI, 2010IACOBUCCI, D. Structural equations modeling: Fit Indices, sample size, and advanced topics. Journal of Consumer Psychology, v. 20, n. 1, p. 90-98, 2010.). Assim, modelos baseados em amostras grandes tendem a ter o teste X2 estatisticamente significativo (BROWN, 2015BROWN, T. A. Confirmatory factor analysis for applied research. 2nd. ed. New York: Guilford Press, 2015.). Adicionalmente, o teste X2 não somente é significativo por ser sensível ao tamanho da amostra (IACOBUCCI, 2010), mas também quando o número de variáveis for maior (HAIR et al., 2009). Desta forma, julga-se que o teste X2 do modelo pode ter sido estatisticamente significativo por ter se baseado em uma amostra grande, 551 observações, e ser composto por muitas variáveis, isto é, 27. Nos casos de modelos com teste X2 estatisticamente significativo, Hair et al. (2009HAIR, J. F.; BLACK, W. C.; BABIN, B. J.; ANDERSON, R. E.; TATHAM, R. L. Análise multivariada de dados. 6th. ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.) recomendam analisar os outros índices de ajuste, em razão do viés decorrente de grandes amostras, ao mesmo tempo que Iacobucci (2010IACOBUCCI, D. Structural equations modeling: Fit Indices, sample size, and advanced topics. Journal of Consumer Psychology, v. 20, n. 1, p. 90-98, 2010.) e Brown (2015BROWN, T. A. Confirmatory factor analysis for applied research. 2nd. ed. New York: Guilford Press, 2015.) sugerem que o mais importante é que a razão X2/gl seja igual a 3 ou menos. Os resultados da AFC do modelo podem ser observados na Tabela 5.

Tabela 5
Índices de ajuste do modelo multifatorial de participação política

Os resultados da Tabela 5 indicam que a razão X2/gl é menor que 3; os valores de CFI e TLI estão acima de 0,95; o valor de RMSEA é menor que 0,06, com limite superior de intervalo de confiança menor que 0,10; e o valor de SRMR é menor que 1. Considerando os critérios estabelecidos por Brown (2015BROWN, T. A. Confirmatory factor analysis for applied research. 2nd. ed. New York: Guilford Press, 2015.), que constam do Quadro 2, estes resultados sugerem aceitabilidade do modelo, com ajuste ótimo. A representação visual do modelo consta da Figura 2.

Figura 2
Diagrama da AFC da participação política

A solução fatorial da AFC, representada na Figura 2, indica que as variáveis apresentam cargas fatoriais elevadas nos seus respectivos fatores, estatisticamente significativas (p<0,001). Complementarmente à AFC, fez-se a análise da validade da escala final, por meio da verificação da validade convergente, da validade discriminante e da confiabilidade (COSTA, 2011COSTA, F. J. Mensuração e Desenvolvimento de Escalas: Aplicações em Administração. Rio de Janeiro: Ciência Moderna Ltda, 2011.), cujos resultados constam na Tabela 6.

Tabela 6
Validade convergente, discriminante e confiabilidade do modelo

A Tabela 6 indica que as variâncias extraídas - AVE estão acima de 0,5. Na diagonal principal, os valores em negrito, raiz quadrada da AVE, demonstram que os itens de cada construto estão bastante vinculados e são convergentes entre si, com valores muito acima de 0,7, o que atesta a validade convergente do modelo. Sabendo que as variâncias compartilhadas, isto é, a correlação entre as dimensões da escala, são menores que as variâncias extraídas das respectivas dimensões, depreende-se que a medida alcançou validade discriminante nas suas cinco dimensões. Adicionalmente, a análise da fidedignidade do modelo indicou que o coeficiente alfa de Cronbach é muito maior que 0,7, ao mesmo tempo que a CC exibiu coeficientes acima de 0,8 em todas as dimensões, o que significa que o modelo apresenta boa consistência interna nos cinco fatores. A escala final validada pode ser observada no Quadro 3.

Quadro 3
Itens da escala final da participação política

O Quadro 3 sintetiza a escala final da participação política desenvolvida e validada nesta pesquisa, composta por 27 itens pertencentes às cinco dimensões.

4 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo multidimensional desenvolvido por meio de uma revisão sistemática sobreviveu ao teste empírico, com base nos dados de duas amostras diferentes. Os procedimentos da AFE, com os dados da primeira amostra, haviam sugerido a retenção dos seis fatores do modelo desenvolvido. No entanto, é útil destacar que três itens da dimensão “atividade partidária” carregaram no fator “atividade de campanha”, situação que prevaleceu até a validação da escala. Esses itens são: AP1, “Venho sendo membro de um partido político”; AP2, “Venho sendo membro de uma organização pertencente a um partido político”; e AP4, “Venho fazendo trabalho voluntário para um partido político”.

Outro aspecto relevante a destacar diz respeito ao fato de a AFC ter demandado a exclusão da dimensão “atividade partidária”, em virtude de um dos seus dois indicadores ter apresentado carga fatorial maior que 1 e variância residual negativa. Atendendo ao rigor metodológico seguido no processo da criação da escala, desde a revisão sistemática da literatura, pode ser que este resultado esteja relacionado a questões socioculturais da amostra. Assim, sugere-se que estudos futuros avaliem o comportamento dos itens da dimensão “atividade partidária”, com uso de amostras de outros contextos geográficos.

A AFC confirmou a plausibilidade da estrutura multifatorial da escala da participação política, considerando que os índices de ajustamento demonstraram ajuste ótimo do modelo. Além disso, o modelo alcançou validade convergente e validade discriminante, ao mesmo tempo que a análise da fidedignidade, por meio do coeficiente alfa de Cronbach e da fidedignidade composta, demonstrou possuir boa consistência interna nos seus cinco fatores. A escala final é composta por cinco subescalas relacionadas que, juntas, fornecem uma imagem mais abrangente da participação política dos cidadãos, as quais comportam 27 itens distribuídos da seguinte forma: sete itens, “atividade de campanha”; cinco, “votação”; quatro, “contato”; quatro, “engajamento cívico”; e sete, “protesto”.

Apesar de os resultados terem apresentado ótimos índices de ajustamento, ao mesmo tempo que a escala foi validada de acordo com os critérios estabelecidos, não descuramos que pode ser necessário aplicar-se o instrumento em outros contextos geográficos, com vistas a continuar a avaliar a sua qualidade psicométrica. Para aplicação do modelo em outras pesquisas, recomenda-se a utilização da escala de verificação de 10 pontos, com a indicação de que 1 corresponde a “discordo totalmente” e 10 a “concordo totalmente”. Ao aplicar o questionário, os itens devem ser dispostos em quatro blocos de questões, isto é, três blocos de sete itens e um de seis, os quais devem ser formados por itens de todas as cinco dimensões, agregados de forma aleatória. Sugere-se que cada bloco seja intercalado por questões sociodemográficas e outras de caracterização dos sujeitos.

Especificamente à dimensão “votação”, pode ser necessário estabelecer equivalências aos enunciados das variáveis, de modo a adequá-los ao tipo de eleições existentes no contexto geográfico no qual vai-se aplicar a escala, assim como aos órgãos que são constituídos a partir dessas eleições. Por outro lado, em contextos políticos onde existe Senado e onde os governadores e vice-governadores estaduais são eleitos, haverá a necessidade de incluir este tipo de questões, pois tais eleições não são realizadas no contexto que se testou empiricamente o modelo.

Tendo em vista que a participação política vinha sendo mensurada de forma parcial, ao mesmo tempo que as suas dimensões se encontravam fragmentadas na literatura, repercutindo na medição diferenciada do construto em vários estudos, esta pesquisa preenche estas lacunas e limitações da literatura, ao entregar uma medida válida e consistente que fornece uma imagem mais abrangente da participação política, que pode ser utilizada em diversos contextos geográficos. Assim, os resultados deste artigo podem expandir a forma como vinha sendo mensurada a participação política.

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  • 1
    Recebido em 17/2/2023; aceito em 27/7/2023.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2023
  • Aceito
    27 Jul 2023
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