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NOVOS MODOS DE FAZER ARTESANATO E DESAFIOS À MANUTENÇÃO ECONÔMICA NO ALTO DO MOURA DO SÉCULO XXI 1 1 Recebido em 27/11/2019, aceito em 13/8/2020.

NEW WAYS TO MAKE HANDICRAFT AND CHALLENGES TO ECONOMIC MAINTENANCE IN THE ALTO DO MOURA OF THE 21st CENTURY

NUEVAS MANERAS DE HACER ARTESANÍA Y DESAFÍOS PARA EL MANTENIMIENTO ECONÓMICO EN EL ALTO DO MOURA DEL SIGLO XXI

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar a mudança nas práticas de trabalho no artesanato do Alto do Moura, em Caruaru-PE, diante dos desafios enfrentados para manutenção econômica e modos de fazer no século XXI. Recorremos à noção bourdieusiana de habitus como construto a partir da qual elaboramos a noção de tensão emergente como um instrumento teórico-empírico para orientar as observações e análises das permanências e mudanças nas disposições, relativas ao modo de atuar no ofício e à manutenção econômica, dos pesquisados. A pesquisa teve natureza qualitativa e adotou a análise de conteúdo temática das 36 entrevistas realizadas com artesãos-proprietários, proprietários de outros negócios e formadores de opinião e demais materiais empíricos. As tensões disposicionais emergentes na dimensão econômica foram identificadas na concorrência predatória entre membros da comunidade, na ambivalência do papel do atravessador e nas diferentes formas de gestão do negócio do barro. Na dimensão laboral, foram evidenciadas tensões entre os tipos de produção (por cópia, em série e autoral), na invasão das bonecas e no sentimento em relação ao tipo de produção.

Palavras-chave:
Artesanato; Habitus artesão; Manutenção econômica; Modos de fazer; Alto do Moura

ABSTRACT

This study aimed to analyze the changes in the work practices in the handicrafts of Alto do Moura, in Caruaru-PE, in view of the challenges faced for economic maintenance and ways of doing in the 21st century. It recovers the Bourdieusian notion of habits, such as building based on the perception of emerging tension, as a theoretical-empirical instrument to guide the observations and analyzes of permanencies and changes in the dispositions of the surveyed, relating to the way of working in the trade and economic maintenance. A research was qualitative and adopted a thematic content analysis of the 36 interviews conducted with artisan-owners, other business owners and opinion makers and other empirical materials. The emerging dispositional tensions in economies dimension were identified in the predatory competition among members of the community, in the ambivalence of the middleman’s role and in the different ways of managing the clay business. In the labor dimension, tensions were evidenced between the types of production (by copy, in series and authorial), in the invasion of dolls and in the feeling regarding the type of production.

Keywords:
Crafts; Artisan habitus; Economic maintenance; Ways of making; Alto do Moura

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo analizar el cambio en las prácticas laborales en la artesanía del Alto do Moura, en Caruaru-PE, en vista de los desafíos que enfrenta el mantenimiento económico y las formas de hacer en el siglo XXI. Utilizamos la noción Bourdieusiana de habitus como una construcción a partir de la cual elaboramos la noción de tensión emergente como un instrumento teórico-empírico para guiar las observaciones y análisis de las permanencias y cambios en las disposiciones, con respecto a la forma de actuar en la profesión y el mantenimiento económico, del encuestado. La investigación fue de naturaleza cualitativa y adoptó un análisis de contenido temático de las 36 entrevistas con propietarios artesanales, propietarios de otros negocios y formadores de opinión y otros materiales empíricos. Las tensiones disposicionales emergentes en la dimensión económica se identificaron en la competencia depredadora entre los miembros de la comunidad, en la ambivalencia del papel del intermediario y en las diferentes formas de gestión del negocio de la arcilla. En la dimensión laboral, se evidenciaron tensiones entre los tipos de producción (por copia, en serie y autoral), en la invasión de muñecas y en el sentimiento sobre el tipo de producción.

Palabras clave:
Artesanía; Habitus artesano; Mantenimiento económico; Modos de hacer; Alto do Moura

INTRODUÇÃO

Algumas atividades socioeconômicas e culturais parecem ter adentrado o século XXI com significativos desafios. Ao que parece, esse é o caso da atividade artesanal, em torno da qual muitas comunidades precisam, por questões de subsistência, projetar o produto do seu trabalho, muitas vezes coletivo, para um mercado mais amplo do que o da feira mais próxima na qual, décadas atrás, comercializava-se parte relevante da sua produção. Tais atividades não mais parecem ter como se distanciar ou descolar de um contexto mundial que as envolve.

No cenário nacional é possível apontar uma elevada informalidade no artesanato. O quantitativo é de 8,5 milhões de artesãos, segundo pesquisa referente ao mapeamento do setor de artesanato brasileiro (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - MDIC. Programa do artesanato brasileiro. Brasília, 2013.). Os registros no Sistema de Informações Cadastrais do Artesanato Brasileiro (SICAB) apresentam um pouco mais de cem mil artesãos e trabalhadores manuais cadastrados (LORÊTO; DOURADO; SILVA, 2015LORÊTO, M. S. S.; DOURADO, D. C. P.; SILVA, I. P. “Do barro o forno”: analisando para onde as práticas discursivas sobre políticas públicas nacionais de artesanato apontam. In: Anais do III Congresso Brasileiro de Estudos Organizacionais, Vitória-ES, Brasil. 2015.). Ainda conforme dados do Ministério, em 2013, a atividade correspondia a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional (BRASIL, 2013BRASIL. Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços - MDIC. Programa do artesanato brasileiro. Brasília, 2013.).

Em Caruaru, Pernambuco, a produção e comércio de artesanato em barro representa a principal fonte de manutenção econômica de maior parte dos habitantes do Alto do Moura (IPHAN, 2006IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê Feira de Caruaru: Inventário Nacional de Referência Cultural. Redação de Bartolomeu Figueirôa de Medeiros (Frei Tito). Recife: Iphan, 20 set. 2006.; SILVA JÚNIOR, 2015SILVA JUNIOR, A. B. Os artesões do Alto do Moura: Uma Investigação Etnomatemática. Dissertação. Faculdade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Instituto de Educação, Lisboa, 2015.). O antigo povoado rural e seu entorno foi transformado em bairro por lei municipal de 1980. Situado a sete quilômetros do centro urbano, hoje seu perímetro também engloba um Distrito Industrial, parte de uma feira de gado, alguns loteamentos e conjuntos habitacionais (SILVA, 2007SILVA, L. P. A disputa da Argila pelos artesãos do Alto do Moura Caruaru-PE. Mestrado em Geografia. Dissertação. UFPE, Recife, PE, Brasil: 2007.).

Naquela localidade, a conformação de um saber prático popular adquiriu valor de mercado sobretudo a partir da consolidação da arte figurativa. O surgimento da atividade no âmbito da comunidade remete ao tempo das “loiceiras”, mulheres que produziam artesanato utilitário em barro, como panelas, potes, pratos, dentre outros. Ao observar sua mãe trabalhando na produção de tais utensílios, Mestre Vitalino6 6 Foi sobretudo por meio de Vitalino Pereira dos Santos (1909-1963), conhecido como Mestre Vitalino, que o artesanato figurativo em barro do Alto do Moura ganhou reconhecimento nacional. Sua obra foi projetada para o país em meados do século passado e atendia ao anseio do movimento modernista de criação de uma “arte nacional” (ROCHA, 2014), dentre suas principais criações é possível destacar peças como: cavalo-marinho, casal no boi, caçador de onça etc. Atribui-se ao Mestre a criação da “arte figurativa” em barro na localidade que antes somente produzia, para o comércio, peças utilitárias. Parte significativa dos seus descendentes ainda mora no Alto do Moura e trabalha com artesanato. Suas peças foram expostas em diversos museus no Brasil e no exterior, tendo ainda hoje destaque como referência da arte popular nacional do século passado (MELLO, 1995). O reconhecimento do seu trabalho foi bastante ampliado após sua morte, tendo sua biografia inspirado samba-enredo no carnaval carioca em 1977 e 2009, por exemplo. , ainda na mais tenra infância, brincava com o barro e modelava seus primeiros boizinhos com as sobras de argila (FERREIRA; SILVA FILHO, 2009FERREIRA, J. E.; SILVA FILHO, P. R. F. Do barro à expressão artística: as representações conceituais do trabalho artesanal do Alto do Moura - Caruaru - PE, Caruaru: Edições FAFICA, 2009.; LIMA et. al, 2014LIMA. L. R.; MIRANDA, L. C.; SANTOS, A. A.; VASCONCELOS, M. T. C. A arte do barro: um estudo sobre a perspectiva do conhecimento empírico para o controle patrimonial em Caruaru – Pernambuco. ReCont: Registro Contábil, vol. 5, n. 3, p. 111-129, set/dez, 2014.; SILVA, 2016SILVA, A. J. Mulheres vestidas de barro e os sentidos da produção de mestras artesãs da comunidade do Alto do Moura em Caruaru/PE. Mestrado em Educação Contemporânea. Dissertação. UFPE, CAA, Caruaru-PE, Brasil: 2016.). Em 1915, aos seis anos de idade, levou-as para vender na Feira de Caruaru. Este pode ser apontado como o marco inicial da comercialização do tipo de peça que estaria na origem do que, hoje, se entende por artesanato figurativo do Alto do Moura. Entretanto, quando atentamos para as continuidades e as mudanças trazidas pelo século XXI para aquele contexto, mostra-se necessário tensionar a sistematicidade, a unificação, a coerência e a estabilidade que tendem a ser associadas ao conjunto de práticas laborais e culturais que têm se modificado no devir daqueles que hoje seguem no ofício. Trata-se de mudanças que problematizam o alcance da produção artesanal a padrões de qualidade e competitividade demandados no sistema capitalista, inerentes a modelos de produção imbricados em uma ideologia de massificação, eficiência e padronização (KELLER, 2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014.; MARQUESAN; FIGUEIREDO, 2014MARQUESAN, F.; FIGUEIREDO, M. D. De artesão a empreendedor: a ressignificação do trabalho artesanal como estratégia para a reprodução de relações desiguais de poder. Revista de Administração Mackenzie, v. 15, n. 6, p. 76-97, 2014.; CEZAR; FANTINEL, 2018CEZAR, L. C.; FANTINEL, L. D. Entre um Bom Papo e um Café se Vende o Artesanato: representações sociais em um centro de comercialização da economia solidária. BBR, Braz. Bus. Rev., Vitória, v. 15, n. 5, set., p. 475-493, 2018.).

O presente estudo tem como objetivo analisar a mudança nas práticas de trabalho no artesanato do Alto do Moura, em Caruaru-PE, diante dos desafios enfrentados para manutenção econômica e modos de fazer no século XXI. Referimo-nos a um processo social específico de confronto com os desafios da contemporaneidade, associados à progressiva dificuldade de subsistência econômica e seu impacto no modo de produção artesanal local. Para alcançá-lo, recorremos à noção bourdieusiana de habitus (BOURDIEU, 1989BOURDIEU, P. Poder simbólico. Portugal/Brasil: Difel/Bertrand, 1989., 2007BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/Porto Alegre: Edusp/Zouk, 2007.; WACQUANT, 2006WACQUANT, L. Seguindo Bourdieu no campo. Revista Sociologia e Política, Curitiba, v. 26, junho, p. 13-29. 2006.) e, em particular, sua contribuição para a sociologia econômica (SWEDBERG, 2011SWEDBERG, R. The economic sociologies of Pierre Bourdieu. Cultural Sociology, vol. 5, n. 1, p. 67–82, 2011.; GARCIA-PARPET, 2013GARCIA-PARPET, M. F. A Sociologia da economia de Pierre Bourdieu. Sociologia & Antropologia. Rio de janeiro, vol. 03, n.05, p. 91-11, junho, 2013.). A partir da constatação do tensionamento do habitus artesão, elaboramos a noção de tensão emergente, como instrumento teórico para orientar o estudo das permanências e mudanças nas disposições, relativas ao ofício e à manutenção econômica por meio dele, dos artesãos pesquisados.

1 UM LUGAR CONSTITUÍDO PELO ARTESANATO E SEUS ENFRENTAMENTOS NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

1.1 TRAJETÓRIA DO NEGÓCIO DO ARTESANATO NO ALTO DO MOURA

A história do artesanato no Alto do Moura encontra um marco incontornável na figura do Mestre Vitalino (Figuras 1 e 2), e no simbolismo de suas peças autorais, já que isso é referenciado pelos próprios artesãos como critério definidor para se estabelecer o que corresponde ou não ao que se denomina “tradição” na comunidade (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.). Ao longo do tempo, vários artesãos aprenderam e deram continuidade à trilha aberta pelo mestre, reproduzindo e criando, nas peças, novas representações das situações sociais.

Figura 1
- Mestre Vitalino na Feira de Caruaru, década de 1940.

O artesanato se projetou como atividade relevante à manutenção econômica das famílias no Alto do Moura ao tomar uma dimensão de negócio. Consequentemente, as temáticas originais foram invadidas pelo urbano. Questionado por um cliente sobre o porquê de ter saído de sua temática original (bois, retirantes, caçador, trio de forró pé-de-serra etc.) para fazer engraxate, banca de advogado, mesa de operação, Vitalino respondeu: “dotô Joaõzinho, eles só me compram isso. As outras peças, ninguém compra” (MELLO, 1995MELLO, P. C. Vitalino, sem barro: o homem. Fundação Assis Chateubriand, Ministério da Cultura, 1995., p. 41).

Foi assim que, em meados do século passado, observou-se uma maior influência do mercado consumidor na produção artesanal figurativa do Alto do Moura (Figura 3) e, do mesmo modo, um certo estilo figurativo passou a ser o responsável pela caracterização e distinção deste como centro de artesanato um tanto diferenciado em relação a outros, em que há produção em barro (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.). A matéria-prima abundante, a proximidade do principal mercado de venda, a disponibilidade de mão de obra e boa aceitação dos compradores também foram fatores que contribuíram para tanto (SILVA, 2007SILVA, L. P. A disputa da Argila pelos artesãos do Alto do Moura Caruaru-PE. Mestrado em Geografia. Dissertação. UFPE, Recife, PE, Brasil: 2007.).

Figura 2 - Severino Vitalino (1940-2019), filho do Mestre, trabalhando na Casa Museu dedicada ao seu pai.

Figura 3 - Peças tradicionais: o trio pé de serra, os retirantes, casa de farinha etc.

Fonte: elaboração própria

Atualmente, é possível dizer que o tipo de produção no Alto do Moura encontra-se configurado num formato híbrido seriado, pois mescla características tradicionais ao modo de feitura artesanal com outras, advindas das pressões e demandas do modo de produção capitalista dominante (GONÇALVES; ALMEIDA, 2013GONÇALVES, F. A.; ALMEIDA, A. M. B. A reestruturação produtiva e as implicações no trabalho artesão no Alto do Moura. In: XXIX Congresso da Associação Latinoamericana de Sociologia, Santiago do Chile, Chile. Acta Científica XXIX Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociologia, 2013.). As bonecas, por exemplo, já integram a nova organização do trabalho artesão, na qual cada um faz uma parte da peça seguindo uma divisão social do trabalho.

É difícil precisar o início deste tipo de produção em série no Alto do Moura, mas relatos recorrentes apontam que as bonecas passam a fazer parte do repertório local entre o final da década de 1990 e o início deste século. Assim, enquanto um trabalhador produz no torno elétrico o corpo da peça (Figura 4), outro fixa os membros superiores, a cabeça e demais detalhes (Figura 5), um terceiro é encarregado da queima (Figura 6), enquanto trabalhadoras remuneradas por produção, geralmente mulheres, pintam as peças (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.).

Figura 4
- Corpos de bonecas prontos para montagem no chão.

A tendência das bonecas ilustra como a produção em série se tornou uma forma de variar a “tradição”, o modo pelo qual boa parte dos artesãos mantém sua produção e seu vínculo com o fazer em barro, recorrendo a meios mais “modernos” (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.). Um outro exemplo de hibridização do processo produtivo artesanal nesse sentido pode ser encontrado quando, dentro da comunidade, terceiriza-se a pintura das peças (GONÇALVES; ALMEIDA, 2013GONÇALVES, F. A.; ALMEIDA, A. M. B. A reestruturação produtiva e as implicações no trabalho artesão no Alto do Moura. In: XXIX Congresso da Associação Latinoamericana de Sociologia, Santiago do Chile, Chile. Acta Científica XXIX Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociologia, 2013.).

As novas práticas permitem observar diferentes perfis e práticas entre os artesãos do Alto do Moura, instaurando significados também diferenciados para as peças artesanais da comunidade, demarcando limites claros entre o que se diz por meio das expressões “arte figurativa” e “fabricação de cerâmica figurativa” (LIMA, 2001LIMA, S. F. Invenção e tradição: um olhar plural sobre a arte figurativa do Alto do Moura. Mestrado em Multimeios. Dissertação. UNICAMP, Campinas, SP, Brasil: 2001.).

Figura 5 - Artesã manipulando o corpo de uma boneca.

Figura 6 - Bonecas e outras peças após a queima.

Historicamente, o artesanato em barro se constituiu como a principal atividade de geração de renda e sustento no Alto do Moura, não obstante os modos de feitura e as propensões práticas exigidas por cada um deles, cujas particulares têm implicações para os ganhos econômicos, (IPHAN, 2006IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Dossiê Feira de Caruaru: Inventário Nacional de Referência Cultural. Redação de Bartolomeu Figueirôa de Medeiros (Frei Tito). Recife: Iphan, 20 set. 2006.; SILVA JÚNIOR, 2015SILVA JUNIOR, A. B. Os artesões do Alto do Moura: Uma Investigação Etnomatemática. Dissertação. Faculdade Lusófona de Humanidades e Tecnologias. Instituto de Educação, Lisboa, 2015.). Ainda hoje, parte significativa da população está associada de alguma forma à atividade, seja como artesão, seja como intermediário, proprietário de outro negócio (que tem nos artesãos seus principais clientes) ou trabalhador envolvido no processo produtivo. Segundo estimativa da própria Associação dos Artesãos em Barro e Moradores do Alto do Moura (Abmam), esta conta com 400 associados; desses, aproximadamente, 320 são artesãos e 80 moradores. Estima-se também que, hoje, algo entre 1000 e 1500 pessoas estejam ligadas ao negócio do artesanato na comunidade.

A situação no Alto do Moura não é diferente do quadro nacional. Segundo Roriz (2010)RORIZ. P. C. O. O trabalho do artesão e suas interfaces culturais econômicas. Mestrado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Dissertação. UnB, Brasília, DF, Brasil: 2010. e Matos (1998)MATOS, S. M. Artefatos de gênero na arte do barro. Doutorado em Antropologia. Tese. UNICAMP, Campinas, SP, Brasil: 1998., a atividade é praticada predominantemente pelas camadas populares, principalmente nas áreas rurais, muitas vezes por mulheres, crianças ou adolescentes com baixo grau de escolarização e sem outro tipo de formação profissional, que encontram nesse negócio um modo de subsistência capaz de ser desenvolvido no ambiente doméstico (NOGUEIRA, 2015NOGUEIRA, A. R. Saberes e Fazeres da Produção Familiar do Artesanato do Barro na Comunidade do Alto do Moura - Caruaru/PE. In: Anais do Colóquio Internacional Epistemologias do Sul: aprendizagens globais Sul-Sul, Sul-Norte e Norte-Sul, v. 3, p. 277-290. Coimbra: CES. 2015.). Trata-se de uma atividade ainda pouco valorizada, sendo muitas vezes vista apenas como passatempo, ajuda ou bico (RORIZ, 2010RORIZ. P. C. O. O trabalho do artesão e suas interfaces culturais econômicas. Mestrado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Dissertação. UnB, Brasília, DF, Brasil: 2010.).

1.2 MUDANÇA SOCIAL, ATIVIDADE ARTESANAL E MODOS DE PRODUÇÃO NO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO

Os elementos até aqui referenciados compõem práticas específicas do artesanato, as quais referenciamos como constituintes de um habitus7 7 O conceito de habitus e nossa caracterização do habitus artesão são aprofundados adiante, na seção 3.1. artesão – saber prático incorporado, identidade, estilo de vida, transmissão de valores culturais e morais próprios – e não constituem exclusividade histórica da comunidade do Alto do Moura (MAZZA; IPIRANGA; FREITAS, 2007MAZZA, A. C. A.; IPIRANGA, A. S. R.; FREITAS, A. A. F. O design, a arte e o artesanato deslocando o centro. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 01-11, Dec., 2007.; KELLER, 2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014.; MARTINS, 2019MARTINS, D. F. V. A Perspectiva da Moral na Aprendizagem da Prática do Artesanato de Barro. Revista Interdisciplinar de Gestão Social – RIGS, v.8, n.1, jan./abril, 2019.). O pano de fundo que ambienta esta pesquisa é um tema clássico na ciência social nacional, e pode ser visto nos enfrentamentos de determinados agrupamentos quando submetidos às questões e aos dilemas provocados por processos de mudança social, desafios inerentes ao capitalismo contemporâneo. Tais enfrentamentos podem ser vistos em Candido (2010CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010., p. 21), cuja pesquisa seminal visava, “em linhas gerais, a conhecer os meios de vida num agrupamento caipira: quais são, como se obtêm, de que maneira se ligam à vida social, como refletem as formas de organização e as de ajuste ao meio”. Trata-se de um trabalho “centrado na análise das manifestações e mudanças da cultura caipira [paulista]. [...] O universo rural, segundo sua análise, encontrava-se em desagregação, estava perpassado pela crise” (ARRUDA, 1994ARRUDA, M. A. N. A trajetória da pesquisa na Sociologia. Estudos Avançados, vol. 8, n. 22, p. 315-324, 1994., p. 318). Seu foco esteve na mudança a qual foi submetida uma população de cultura rústica (não urbana e não primitiva), quando em maior contato e vinculação com o processo de urbanização e de “conversão” sociocultural de seus membros. A sua tipologia para a análise das “três reações adaptativas em face de tal processo: 1) aceitação dos traços impostos e propostos; 2) aceitação apenas dos traços impostos; 3) rejeição de ambos” (CANDIDO, 2010CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010., p. 250) inspira a análise de outros agrupamentos de raízes rurais submetidos a processos similares, como é o caso da comunidade artesã do Alto do Moura, mesmo que em outro espaço-tempo.

Para o caso do artesanato, em específico, Canclini (1983)CANCLINI, N. As culturas populares no capitalismo. Brasiliense, 1983. se tornou um dos estudos mais referenciados sobre a atividade como manifestação da cultura popular, em particular, partindo-se do pressuposto de que seria preciso estudar a cadeia de produção (quem, como e onde se faz determinado artesanato) e consumo (quem vende, onde, quem compra e qual significado atribui ao seu consumo) para entender devidamente a atividade no capitalismo. Canclini (2008)CANCLINI, N. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2008. retoma o tema enfatizando o hibridismo, um novo modo de produção cultural que mistura referências associadas às ideias de moderno e de tradicional na contemporaneidade.

Seguindo ambas as trilhas, Keller (2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014., p. 327) investiga a cadeia de valor presente na economia do artesanato em comunidades maranhenses apontando que “a atividade artesanal no mundo contemporâneo faz parte tanto da subsistência social e econômica do artesão quanto da subsistência de identidades e tradições culturais”, e que, citando Scrase (2003)SCRASE, T. J. Precarious production: globalization and artisan labor in the third world. Third World Quaterly, v. 24, n. 3, p. 449-461, 2003. e Canclini (2008)CANCLINI, N. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2008., “apresentaria uma identidade híbrida, uma vez que traz uma tradição cultural em seu objeto embora, simultaneamente, este esteja sendo produzido para um consumidor global ou para o mercado do turismo local” (KELLER, 2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014., p. 328). Como bem explicou Canclini (1983)CANCLINI, N. As culturas populares no capitalismo. Brasiliense, 1983., não surpreende que os produtos artesanais se modifiquem ao se relacionarem com o mercado capitalista, o turismo, a indústria cultural e as formas modernas de arte, comunicação e lazer. É fundamental discutir, entretanto, como tal processo de transformações torna mais frágil o artesão, uma vez que desloca seu poder de decisão sobre o quê, como e quando produzir, face à esfera da circulação. Isso acontece porque o mercado consumidor passa a definir o que tem mais ou menos valor comercial, ao introduzir novas demandas e necessidades de renovação (CARVALHO, 2001CARVALHO, H. C. B. Artesanato de caixeta em São Sebastião – SP. Mestrado em Recursos Florestais. Dissertação. USP, Piracicaba, SP, Brasil: 2001.).

É importante ressaltar que a maioria dos trabalhadores que lida com as dificuldades de manutenção econômica, relativas às condições periféricas da atividade artesanal, acaba assumindo, dessa maneira, uma posição de dependência de certas tendências mercadológicas ou de políticas públicas específicas, sobretudo por intermédio de entidades de fomento do terceiro setor, na tentativa de associar a atividade artesanal a circuitos de consumo internacional ou à atividade turística (MARQUESAN; FIGUEIREDO, 2014MARQUESAN, F.; FIGUEIREDO, M. D. De artesão a empreendedor: a ressignificação do trabalho artesanal como estratégia para a reprodução de relações desiguais de poder. Revista de Administração Mackenzie, v. 15, n. 6, p. 76-97, 2014.; BECKER, 2017BECKER, M. R. Confluências entre Turismo, Cultura e Artesanato. Desafio online, Campo Grande, v. 5, n. 1, Janeiro-Abril. 2017.; MELO-SILVA; EMMENDOERFER; ARAÚJO, 2017MELO-SILVA, Gustavo; EMMENDOERFER, Magnus Luiz; ARAÚJO, Joaquim Filipe Esteves Ferraz de. Desenvolvimento de produtos tradicionais artesanais e destinos turísticos regionais no contexto da indústria criativa. Caderno Virtual de Turismo. Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 131-147, dez., 2017.; MARTINS, 2019MARTINS, D. F. V. A Perspectiva da Moral na Aprendizagem da Prática do Artesanato de Barro. Revista Interdisciplinar de Gestão Social – RIGS, v.8, n.1, jan./abril, 2019.). Nesses casos, a eficaz “midiatização” para dotar o produto artesanal de um valor de mercado acaba fugindo do controle do artesão. A tentativa de ampliar o valor simbólico do item artesanal, tendo em vista seu aspecto histórico e cultural (VARGAS; FIALHO, 2019VARGAS, Daiane Loreto de; FIALHO, Marco Antônio Verardi. Artesanato, Identidade Cultural e Mercado Simbólico: Dinâmica da Vila Progresso em Caçapava do Sul-RS. Revista Desenvolvimento em Questão. Editora Unijuí, Ano 16, n. 45, out./dez., p. 191-208, 2019.), por sua vez, tem se mostrado, no contexto prático do consumo de certos bens artesanais, equivalente à tentativa de fugir da imagem da produção em série, massificada ou industrial (RAMOS, 2013RAMOS, S. P. Políticas e processos produtivos do artesanato brasileiro como atrativo de um turismo cultural. Rosa dos Ventos-Turismo e Hospitalidade, vol. 5, n. 1, 2013.).

O enfrentamento às demandas do capitalismo pode ainda ser descrito em outros estudos que investigam contextos localizados semelhantes. Ao analisar os tendeiros da Rota das Salamarias - RS, Tedesco (2012)TEDESCO, J. C. Saberes e fazeres entre os afazeres: a dinâmica e os sentidos de produtos artesanais entre camponeses do norte e nordeste do RS. In: 36º Encontro Anual da ANPOCS, 2012, Águas de Lindóia. Anais... São Paulo: ANPOCS, 2012. destaca que os artesãos adotavam uma dinâmica de mercado de diversificação dos produtos nos pontos comerciais, ao ofertarem outros artigos para venda, que não faziam parte da dinâmica local inicial (VARGAS; FIALHO, 2019VARGAS, Daiane Loreto de; FIALHO, Marco Antônio Verardi. Artesanato, Identidade Cultural e Mercado Simbólico: Dinâmica da Vila Progresso em Caçapava do Sul-RS. Revista Desenvolvimento em Questão. Editora Unijuí, Ano 16, n. 45, out./dez., p. 191-208, 2019.). Em estudos sobre territórios criativos em Minas Gerais, Melo-Silva, Emmendoerfer e Araújo (2017)MELO-SILVA, Gustavo; EMMENDOERFER, Magnus Luiz; ARAÚJO, Joaquim Filipe Esteves Ferraz de. Desenvolvimento de produtos tradicionais artesanais e destinos turísticos regionais no contexto da indústria criativa. Caderno Virtual de Turismo. Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 131-147, dez., 2017. observaram que divisão e especialização do trabalho tornaram-se características de sistemas produtivos contemporâneos, e que decisões referentes à produção em escala do artesanato, priorizando o mercado turístico, demandam uma lógica de imitação que limita o caráter criativo do trabalho artesão.

Diante desse contexto é que parte da literatura aponta para a necessidade de desenvolvimento de certas habilidades em negócios por parte da classe artesã, em estudos que tratam sobre profissionalização e novas formas de organização do trabalho artesão (OLIVEIRA; VEIGA NETO, 2008OLIVEIRA, C. F; VEIGA NETO, A. R. A negociação do artesanato nordestino nos mercados internacionais. Revista Alcance-Eletrônica Univali, v. 1, n. 3, setembro-dezembro, 291-305, 2008.; OLIVEIRA; CAVEDON; FIGUEIREDO, 2012OLIVEIRA, J. S.; CAVEDON, N. R.; FIGUEIREDO, M. D. O artesanato na ótica de quem o produz: com a palavra os artesãos do Brique da Redenção em Porto Alegre. Revista Interdisciplinar de Gestão Social - RIGS, v. 1. n. 3, setembro-dezembro, 2012.); ou mesmo sobre gestão ordinária de negócios tipicamente familiares (CARRIERI; PERDIGÃO; AGUIAR, 2014CARRIERI, A. P.; PERDIGÃO, D. A.; AGUIAR, A. R. C. A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais. Revista de Administração, São Paulo, v. 49, n. 4, outubro-novembro-dezembro, p. 698-713, 2014.), para que possam melhor administrar relações com o mercado, bem como a integralidade do processo produtivo e sua comercialização (BARROS, 2006 apud DUARTE; SILVA, 2013DUARTE, M. F.; SILVA, A. L. A experimentação do risco na carreira criativa: o caso de mestres da cultura do artesanato cearense. FACECLA, Campo Largo – PR, v. 12, n. 2, maio-agosto, 156-172, 2013.; MACHADO; FONSECA, 2014MACHADO, S. F.; FONSECA, R. E. A Feira de Artesanato em Pedra Sabão, como produto turístico, na perspectiva dos artesãos, Ouro Preto-MG. Observatório de Inovação do Turismo. FGV, v. 8, n. 1. 2014.).

2 METODOLOGIA

2.1 DO HABITUS ÀS TENSÕES DISPOSICIONAIS EMERGENTES

Como recuperado anteriormente, alguns estudos têm ofertado análises e aportes teóricos para o estudo de agrupamentos sociais em processos de mudança (CANDIDO, 2010CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.), da relação entre cultura popular, hibridismos e artesanato (CANCLINI, 1983CANCLINI, N. As culturas populares no capitalismo. Brasiliense, 1983. e 2008CANCLINI, N. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2008.), bem como da própria condição artesã e sua organização socioeconômica nordestina na contemporaneidade (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.; KELLER, 2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014.). Aqui, em particular, apresentamos o principal instrumento teórico empírico de nossa análise, o conceito bourdieusiano de habitus:

O habitus é esse princípio gerador e unificador que retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas. [...] Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas – o que o operário come, e sobretudo sua maneira de comer, o esporte que pratica e sua maneira de praticá-lo, suas opiniões políticas e sua maneira de expressá-las diferem sistematicamente do consumo ou das atividades correspondentes do empresário industrial; mas são também esquemas classificatórios, princípios de classificação, princípios de visão e de divisão e gostos diferentes (BOURDIEU,1996BOURDIEU, P. Espaço social e espaço simbólico. In: Bourdieu, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas, SP: Papirus, 1996., p. 22, grifos nossos).

Por meio do habitus, estudos diversos naturezas buscaram desvelar as disposições (os “princípios geradores” que estão por trás dos modos de agir, pensar e sentir que dirigem a ação humana sob os diversos constrangimentos sociais) que governariam as práticas de determinados grupos (classes, subclasses), ou seja, as características sincrônicas de um estilo de vida, que congrega de modo unificado gostos, bens e práticas. É assim que podemos observar habitus como os seguintes: aristocrata ou pequeno-burguês (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/Porto Alegre: Edusp/Zouk, 2007.); acadêmico (BOURDIEU, 2011BOURDIEU, P. Homo Academicus. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2011.); pugilístico (WACQUANT, 2003WACQUANT, L. Body & Soul: notebooks of an apprentice boxer. New York: Oxford University press, 2003.); precário, primário e secundário (SOUZA, 2003SOUZA, J. A construção social da subcidadania. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.); e feirante (SÁ, 2018SÁ, M. G. Filhos das feiras: uma composição do campo de negócios agreste. Recife: Massangana/Fundaj, 2018., 2019SÁ, M. G. Feirantes: quem são e como administram seus negócios. 3ª ed. Recife: Editora UFPE, 2019.).

Swedberg (2011)SWEDBERG, R. The economic sociologies of Pierre Bourdieu. Cultural Sociology, vol. 5, n. 1, p. 67–82, 2011. destaca e analisa as contribuições de Bourdieu para a sociologia econômica, ressaltando que o sociólogo francês ofereceu um paradigma de pesquisa ao campo. Garcia-Parpet (2013)GARCIA-PARPET, M. F. A Sociologia da economia de Pierre Bourdieu. Sociologia & Antropologia. Rio de janeiro, vol. 03, n.05, p. 91-11, junho, 2013. resgata estudos e resultados alcançados por Bourdieu neste âmbito, desde seu período argelino, no sentido da construção de entendimentos sobre a força da dimensão sociocultural na economia, em oposição a uma racionalização extrema e artificial representada pela universalização do homo economicus. Em “A formação do habitus econômico”, Bourdieu (2004)BOURDIEU, P. A formação do Habitus Econômico. Texto traduzido de Bourdieu, P. Making the economic habitus: Algerians workers revisited. Ethnography, v. 11, n. 1, 2004. recupera, de suas experiências etnográficas argelinas, a trajetória de vida de um trabalhador que, ao migrar da Cabília para Argel, enfrentou o espírito de cálculo, por exigência da dinâmica econômica urbana, distinta de sua terra natal, um universo rural. Os termos da linguagem teórica criada por Bourdieu são apresentados como alternativas para suporte ao entendimento das dinâmicas econômicas localizadas, que recebem influências decisivas do percurso histórico de uma coletividade ou mercado específico, no sentido de elaborar uma compreensão da dimensão sociocultural das práticas econômicas.

O potencial do habitus como noção que norteia uma atitude de pesquisa vem sendo explorado por este ramo da investigação sociológica, uma vez que “para Bourdieu a noção é, em primeiro lugar e acima de tudo, um modo estenográfico de designar uma postura de investigação” (WACQUANT, 2017WACQUANT, L. (Verbete) Habitus. In: CATANI, A. M. et al. (Orgs.) Vocabulário Bourdieu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, p. 213-217, 2017., p. 216). Seguindo esta trilha, este artigo propõe contribuir “com a mais recente sociologia da formação do habitus econômico, que tem vindo a ser produzida internacionalmente” (PEREIRA, 2018PEREIRA, Virgílio Borges. Prefácio. In: SÁ, M. Filhos das feiras: uma composição do campo de negócios agreste. Recife: Massangana, p. 13-15, 2018., p. 15), a partir de um contexto e problematização específicos: os desafios da sobrevivência econômica enfrentados no Alto do Moura de hoje, e as mudanças no modo de fazer artesão a eles associadas. Direcionando questões, à moda de Bourdieu, para nosso interesse, nos perguntamos: o que um artesão faz em sua oficina-loja no Alto do Moura? Como faz? Como enfrenta os desafios econômicos impostos ao seu ofício em tal contexto?

Lembremos que, para Keller (2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014., p. 326), “o trabalho artesanal é um fenômeno sociocultural e econômico presente na sociedade contemporânea. Uma atividade produtiva de valor social, cultural e econômico exercida em geral de maneira informal”. Uma vez situados no seio da comunidade artesã do Alto do Moura, reiteramos a observação e elaboração de um habitus específico, o habitus artesão. Isto compreende a identificação de elementos manifestos em práticas e dinâmicas cotidianas (trabalho comunitário no artesanato e inserção numa dinâmica econômica local), tendo sido incorporados e partilhados.

Assim sendo, compreendemos que o habitus artesão pode, a princípio, ser caracterizado pelo saber prático incorporado do ofício do artesanato em barro, ou seja, a criação das peças e a habilidade do seu molde; pela transmissão e compartilhamento social desse saber entre gerações; pela finalidade de comercialização e geração de renda por meio da atividade; e, em termos ampliados, por um estilo de vida próprio daquela comunidade, de ver-se como detentora de um saber-fazer que está no cerne da trajetória histórica da sua coletividade e que confere aos seus membros uma identidade, um senso de pertencimento (et al., 2018SÁ, M.; SOUSA, J. R. F.; SOUZA, D. C.; LEAL, B. T.; SILVA, S. K.; SILVA, T. F. L. Seguir ou não no artesanato: modos de fazer, desafios e emergência de outros negócios no Alto do Moura do século 21. In: XLII EnAnpad, 2018, Curitiba. Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração. Rio de Janeiro: ANPAD, 2018.; 2019SÁ, M.; SOUZA, D. C.; SOUSA, J. R. F.; LEAL, B. T. Desengajamento do trabalho artesão: rumos da nova geração na comunidade do Alto do Moura-PE. In: XLIII EnAnpad, 2019, São Paulo. Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração. São Paulo: Anpad, 2019.). O amplo interesse investigativo deste trabalho destaca sua dimensão cultural (transmissão e incorporação de um saber prático popular), social (partilha de modo de vida próprio à condição artesã que os identifica) e econômica (enfrentamento do desafio da manutenção econômica por meio da atividade).

A noção que elaboramos, pode ser entendida como uma ressignificação contextualizada da noção de habitus. O objetivo é ressaltar o passado incorporado pelos indivíduos, que se faz presente nas disposições, propensões e apetências que transparecem no sentido prático de suas ações. A noção subsidiária de tensão emergente dá suporte à construção de um entendimento sobre o confronto do habitus artesão com forças contextuais, que afetam individual e coletivamente determinado agrupamento social. Como instrumento, orienta e organiza o trabalho de campo, no sentido de subsidiar a elaboração sobre mudanças contextuais (LAHIRE, 2010LAHIRE, B. Por uma sociologia disposicionalista e contextualista da ação. In Junqueira, L. (Org.). Cultura e classes sociais na perspectiva disposicionalista. Recife: EdUFPE, 2010.) e geracionais (em termos de ocupações, modos de vida, juízos de valores e horizontes de futuro, por exemplo) e como estão sendo incorporadas por alguns membros da comunidade observada. A origem social que os une (um habitus artesão em comum), não impede os rumos relativamente distintos de suas iniciativas de sobrevivência econômica por meio da atividade, nos modos de fazer e de se relacionar com a produção artesanal.

2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este artigo é fruto de um projeto de pesquisa em desenvolvimento e tem natureza qualitativa e caráter analítico-descritivo. O trabalho de campo foi realizado do segundo semestre de 2017 até o início de 2018, e permitiu a coleta de informações primárias junto aos sujeitos para discussão sobre as tensões disposicionais identificadas. Até se alcançar um ponto de saturação de dados, foram realizadas 36 entrevistas semiestruturadas, sendo 20 com artesãos-proprietários, 11 com proprietários de outros negócios na mesma comunidade e 05 com formadores de opinião. Também foram feitas observações diretas (com notas de campo e outras assistemáticas) e montado um clipping de notícias relativas ao bairro. Ao longo do trabalho de campo fotografias foram tiradas, tratadas e arquivadas. É válido ainda registrar que um de nós seguiu acompanhando e tomando notas das reuniões mensais (ordinárias) da Abmam desde 2015 até o segundo semestre de 2019.

Os entrevistados foram selecionados em função das diferenças que apresentavam entre si, em termos de traços esboçados em relação aos seus modos de proceder no ofício; de suas trajetórias de vida e dos seus negócios, respectivamente; da presença ou ausência de vínculos às famílias mais tradicionais da comunidade; do tipo de negócio na comunidade; da localização do mesmo; e da acessibilidade/disponibilidade do proprietário para a interação. Um resumo do perfil dos entrevistados pode ser visto no Quadro 1, a seguir. Para identificar a fonte de cada um dos trechos utilizamos a seguinte codificação: (ART) artesãos-proprietários de negócios; (PRO) proprietários de outros negócios; (FOR) formadores de opinião.

Quadro 1
– Perfil dos entrevistados

A opção pela análise temática de conteúdo levou em consideração a necessidade de manipulação do corpus construído e tem como suporte as demais fontes de material empírico aqui explicitadas, bem como o conjunto de observações e experiências da equipe de trabalho junto ao público pesquisado, ou seja, muito embora esta tenha sido a opção analítica central, registramos que há uma série de outros materiais empíricos de apoio que nos suportam nas análises realizadas. Logo, a relação com a noção de habitus se dá por meio do todo do processo investigativo, afinal, é ela que serve de instrumento de partida de apoio à explicitação das mudanças nas práticas de trabalho e de manutenção econômica no artesanato do Alto do Moura.

Para a análise do material textual, os trechos mais significativos obtidos com o público pesquisado foram associados a códigos atribuídos aos temas de uma estrutura de análise elaborada ao longo do trabalho de campo. De posse dessa seleção, voltamo-nos para os outros arquivos organizados ao longo da pesquisa (o clipping, as notas de campo e o arquivo de fotografias) para também utilizá-los como fonte ao desenvolvimento e ilustração de cada um dos temas, conforme descrito nas seções seguintes. A análise da maior parte desse material também se deu principalmente por meio da estrutura montada com os temas de interesse da pesquisa que foram se consolidando ao longo do trabalho de campo.

3 DISCUSSÃO TEMÁTICA COM O MATERIAL EMPÍRICO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

A noção de tensão emergente interliga e explicita os temas elaborados nesta exposição do trabalho de campo, organizado em função dos tópicos identificados na análise. Em comum entre eles, a tensão que emerge tanto na intimidade dos dramas individuais, quanto na coletividade das tramas desses dramas que os entrevistados manifestaram.

3.1 DESAFIOS À MANUTENÇÃO ECONÔMICA

Como atividade econômica e produtiva (BRANDÃO; SILVIA; FISCHER, 2013), a ocupação com o artesanato esbarra em alguns percalços inerentes às práticas de produção e consumo capitalistas dominantes. A análise de alguns elementos específicos ajuda a entender como a dinâmica de geração de renda, por meio desse ofício, vem sendo tensionada no século XXI. Os temas que seguem são referentes à dimensão econômica das tensões emergentes na comunidade estudada.

Concorrência predatória localizada

Uma das características do habitus artesão investigado é seu senso de pertencimento. Tal senso nutre um comunitarismo historicamente associado aos membros da comunidade, que reflete no modo como alguns deles atuam também no âmbito dos negócios. Mas os relatos dos pesquisados indicaram que o individualismo cresce nos últimos tempos e toma formas próprias na localidade. A concorrência predatória pode ser apontada como um fenômeno do presente que tensiona o comunitarismo herdado e incorporado por muitos.

O compadrio que historicamente uniu a comunidade parece não mais prevalecer quando o assunto é o negócio e, nos últimos tempos, isso vem se acentuando: “a falta de união que eu falo é porque, se parte para o negócio, é capaz de um passar por cima do outro [...]. Você faz um tipo de mercadoria, eu indico a um comprador ‘olha fulano ali faz’, tá entendendo? Isso não existe aqui no Alto do Moura” (ART13). Quando, dessa maneira, a solidariedade vicinal que antes distinguia o agrupamento decai e se comercializa, em função de uma crise, pode-se considerar que a perda de traços característicos do compadrio se torna inerente ao processo, e relativamente maior que a aquisição de traços compensadores (CANDIDO, 2010CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.).

Face a esses e outros fatores que esboçam apenas parte das nuances existentes entre as dificuldades de manutenção econômica da atividade artesã e a dinâmica de mercado capitalista (CANCLINI, 1983CANCLINI, N. As culturas populares no capitalismo. Brasiliense, 1983.) e fragilizam os artesãos perante suas necessidades de renovação (CARVALHO, 2001CARVALHO, H. C. B. Artesanato de caixeta em São Sebastião – SP. Mestrado em Recursos Florestais. Dissertação. USP, Piracicaba, SP, Brasil: 2001.), nos casos em que esse elemento de mercado aparece, ocorre uma disputa tida como desleal, quando mencionam, por exemplo, que “você vende uma peça para um determinado cliente, aí tem o seu vizinho que vende uma peça parecida com a sua, então, ele vai no seu cliente e oferece aquela peça pela metade do preço” (PRO6).

Um modo de proceder nas disputas de mercado não existe por si só, tal atitude precisa de indivíduos dispostos a agir em conformidade com tais regras do jogo (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, P. A formação do Habitus Econômico. Texto traduzido de Bourdieu, P. Making the economic habitus: Algerians workers revisited. Ethnography, v. 11, n. 1, 2004.). Ao que parece, a inculcação e a crença na competição de mercado como modo de proceder entre os pares é um fenômeno que pode ser associado ao ingresso do Alto do Moura no século XXI. Não que não houvesse competição anteriormente, mas, por meio de relatos como esse é possível especular sobre tais vestes contemporâneas que a competitividade vem assumindo, ao mesmo tempo em que o modus operandi da concorrência de mercado se evidencia também numa comunidade com tais características.

Ambivalência do papel do atravessador

No artesanato, é comum que a comercialização se encontre capturada pela ação de atravessadores (OLIVEIRA; VEIGA NETO, 2008OLIVEIRA, C. F; VEIGA NETO, A. R. A negociação do artesanato nordestino nos mercados internacionais. Revista Alcance-Eletrônica Univali, v. 1, n. 3, setembro-dezembro, 291-305, 2008.). O Banco do Nordeste (2002)BANCO DO NORDESTE. Ações para o desenvolvimento do artesanato do Nordeste. 2a ed. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2002. registra a atuação de tal figura desde a década de 1950. Nesse período, eram os principais responsáveis pelo fornecimento de matéria-prima mas, em contrapartida, mantinham os artesãos em uma situação de dependência, à margem do comércio ou distantes do consumidor.

Ainda hoje, a ambivalência do papel do atravessador (intermediário) é significativa no cotidiano de negócios, principalmente quando se observa que, para alguns artesãos, esse é o principal ou o único comprador de suas peças. A denominação advém da prática de atravessar espaços de produção e comercialização para lugares distantes (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.). O papel é desempenhado por membros da própria comunidade – que compram peças de outros artesãos para revender – ou membros externos.

Por atuarem principalmente com a revenda de peças, os atravessadores não compartilham do mesmo habitus o qual se observa nos artesãos que moldam o barro. Assim, muitos dos membros da comunidade que desempenham tal papel de compra para revenda não se consideram, nem são chamados pelos demais, de atravessadores, talvez pelas nuances negativas associadas a este rótulo ou pelo fato dos “atravessadores internos” serem também artesãos e assim preferirem se identificar. Esses artesãos intermediadores da venda de peças de outros podem ser vistos como um híbrido artesão-comerciante, mais artesão ou mais comerciante, a depender de suas práticas cotidianas, relação com o ofício e com os pares.

A primeira nuance negativa associada a figura do atravessador é a exploração, na medida em que esse intermediário pode usar sua posição na cadeia e capital disponível para comprar peças por um preço menor do que realmente valem (SILVA, 2007SILVA, L. P. A disputa da Argila pelos artesãos do Alto do Moura Caruaru-PE. Mestrado em Geografia. Dissertação. UFPE, Recife, PE, Brasil: 2007.). A tensão crucial perpassa a compreensão de que sem os atravessadores, no fim das contas, a maior parte dos artesãos produtores dificilmente teria como vender suas peças por outro meio, uma vez que se encontram reduzidas as possibilidades de acesso a novos compradores.

Geralmente detentores dos melhores pontos de venda espalhados pela principal avenida do bairro, ou ainda com uma clientela formada em outras localidades para a qual fornecem diretamente as peças que produzem, além de contratarem outros para a execução de parte de sua produção (principalmente a pintura), estes artesãos revendem peças produzidas por outros que não possuem um bom ponto ou contato com compradores externos. Se, por um lado, a comunidade depende dos atravessadores para escoar sua produção, por outro, a figura do artesão-atravessador também reflete a ambivalência do papel do atravessador externo, sendo que, ao assim modificar-se, o artesão pode estar se distanciando do seu habitus e se aproximando mais de um outro, o habitus comerciante, próximo ao pequeno-burguês retratado por Bourdieu (2007)BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/Porto Alegre: Edusp/Zouk, 2007..

Tal constatação nos permite falar sobre uma reelaboração tanto na organização do trabalho quanto na criação artesanal, na medida em que as práticas capitalistas são introduzidas na comercialização do artesanato, em particular a partir da figura do intermediário. Muito embora as mudanças também ocorram em função de um processo de ressignificação a partir do consumo externo e que conferem às peças significados e usos diferentes aos atribuídos pela comunidade que as produzia (LIMA, 2001LIMA, S. F. Invenção e tradição: um olhar plural sobre a arte figurativa do Alto do Moura. Mestrado em Multimeios. Dissertação. UNICAMP, Campinas, SP, Brasil: 2001.).

Por meio dos relatos e das observações de campo, concluímos que o caráter de exploração ou parceria entre artesão e atravessador depende do poder de barganha de ambas as partes na relação. Desenvolver apetência para elaborar estratégias próprias de negociação e convívio com os atravessadores parece ser um traço disposicional cada vez mais necessário aos artesãos que por meio deles comercializam sua produção.

Diferentes formas de gestão do negócio do barro

As diferentes formas de gerir o “negócio do barro” apontam para um conjunto mínimo de práticas que, quando desconhecidas, podem trazer implicações sérias para o trabalho e seu rendimento. O primeiro ponto é o conhecimento acerca de algumas noções contábeis e de precificação: “se em um mês a gente apura seis mil reais, esse dinheiro vai ser usado para continuar produzindo no próximo mês, uma boneca dessa aqui é dezenove reais e nesse valor já está incluso tudo, a matéria prima, os corpos, a mão de obra, a pintura, os materiais usados para acabamento, embalagem e o lucro” (ART13).

O segundo ponto, talvez o mais relevante para entender a tensão que surge a partir da noção de negócio, é referente às estratégias de posicionamento e precificação: “tem gente aqui que vai para a Fenearte [Feira Nacional de Negócios do Artesanato], com o custo todo que isso implica, e lá vende a peça pelo mesmo preço que vende aqui ou ainda mais barato, isso é um absurdo, porque compromete a lucratividade do negócio” (ART5).

Ao que parece, um entusiasmo inerente à atividade comercial com a possibilidade de venda e a associação disso ao êxito nos negócios, ou ao suprimento de necessidades básicas urgentes, funcionam como molas disposicionais da ação de parte dos envolvidos com o negócio. O incremento da concorrência, a precificação muitas vezes estabelecida pelo atravessador, o aumento do custo dos insumos, a recorrência a trabalhadores externos para a realização de determinadas tarefas no processo produtivo (como a pintura), a sazonalidade das encomendas (que demandam por jornadas extras e até mesmo contratação de mão de obra), enfim, tudo isso torna mais complexa a dinâmica do artesão que possui uma loja-oficina na atualidade, quando comparado aos seus antecessores que produziam por conta própria tudo o que vendiam nos dias de Feira de Caruaru.

Considerando que a maior parte dos entrevistados tem poucos anos de estudo e realiza os cálculos necessários aos seus negócios “de cabeça”, uma certa lógica matemática própria parece ser necessária à gestão de negócios com tais características, ou seja, cobra-se do seu gestor o desenvolvimento de uma capacidade prática-intuitiva. Isso demonstra como a contabilidade configura um misto de profissionalismo com improviso, ou seja, com o uso de elementos simples, como lápis e um pedaço de papel ou caderno (CEZAR; FANTINEL, 2018CEZAR, L. C.; FANTINEL, L. D. Entre um Bom Papo e um Café se Vende o Artesanato: representações sociais em um centro de comercialização da economia solidária. BBR, Braz. Bus. Rev., Vitória, v. 15, n. 5, set., p. 475-493, 2018.).

Algo que também pode ser observado em estudos anteriores na mesma região, porém com públicos distintos, quando foram identificadas práticas associadas à ideia de uma “matemática da feira”, típica aos proprietários de pequenos negócios de feira ou mesmo de produção doméstica e comercialização de confecções em feiras de rua (SÁ, 2018SÁ, M. G. Filhos das feiras: uma composição do campo de negócios agreste. Recife: Massangana/Fundaj, 2018.; SÁ, 2019SÁ, M. G. Feirantes: quem são e como administram seus negócios. 3ª ed. Recife: Editora UFPE, 2019.).

Além disso é importante considerar que o contexto contemporâneo demanda a cada dia por novas habilidades gestoras, por ampliação da capacidade de negociação com compradores, por um cálculo mais preciso dos custos e do preço apropriado para a venda com lucro. Para o caso do artesanato, soma-se a isso a reação ao discurso do empreendedorismo, propagado por instituições como Sebrae, que visa converter o artesão em empreendedor (MARQUESAN; FIGUEIREDO, 2014MARQUESAN, F.; FIGUEIREDO, M. D. De artesão a empreendedor: a ressignificação do trabalho artesanal como estratégia para a reprodução de relações desiguais de poder. Revista de Administração Mackenzie, v. 15, n. 6, p. 76-97, 2014.; MARTINS, 2019MARTINS, D. F. V. A Perspectiva da Moral na Aprendizagem da Prática do Artesanato de Barro. Revista Interdisciplinar de Gestão Social – RIGS, v.8, n.1, jan./abril, 2019.) e o fato de que o PAB8 8 “O Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) foi criado pelo Decreto de 21 de março de 1991. Originalmente vinculado ao Ministério da Ação Social, o PAB tem o objetivo de coordenar e desenvolver atividades que visem a valorizar o artesão brasileiro, elevando o seu nível cultural, profissional, social e econômico, além de desenvolver e promover o artesanato e a empresa artesanal. As ações do Programa possibilitam a consolidação do artesanato brasileiro enquanto setor econômico de forte impacto no desenvolvimento das comunidades, a partir da consideração de que a atividade é disseminada em todo território nacional, possuindo variações e características peculiares conforme o ambiente e a cultura regional. A finalidade do PAB é coordenar e desenvolver atividades que visem valorizar o artesão, desenvolver o artesanato e a empresa artesanal. Nesse sentido, são desenvolvidas ações voltadas à geração de oportunidades de trabalho e renda, o aproveitamento das vocações regionais, a preservação das culturas locais, a formação de uma mentalidade empreendedora e a capacitação de artesãos para o mercado competitivo, promovendo a profissionalização e a comercialização dos produtos artesanais brasileiros. De acordo com o decreto Nº 9.679, de 2 de janeiro de 2019, atualmente o Programa é gerido pela Subsecretaria de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas, Empreendedorismo e Artesanato da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, do Ministério da Economia. O PAB é responsável pela elaboração de políticas públicas em nível nacional.” (http://artesanatobrasileiro.gov.br/pagina/1). hoje “é gerido pela Subsecretaria de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas, Empreendedorismo e Artesanato da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, do Ministério da Economia”.

Enfim, a tensão que emerge aqui é entre o habitus artesão e os mais diversos gatilhos e pressões contextuais no sentido da empresarização da atividade. Se, por um lado, para sobreviver dela é preciso incorporar práticas, estratégias e táticas para melhor dialogar e negociar com o mercado, por outro, isso não implica necessariamente na adoção acrítica da terminologia empreendedora e na conversão (in)desejada por muitos em “empreendedor individual”9 9 Por meio de cadastro como Microempreendedor Individual (MEI). A Lei 128/2008 trata da possibilidade de registro de um CNPJ e oferece a oportunidade de formalização de trabalhadores que possam ser enquadrados como tal. , por exemplo. Aos nossos olhos, essa tensão se consubstancia no desafio de encontrar alternativas de aprimoramento na gestão do seu pequeno negócio sem sucumbir aos ditames externos. As reações a isso podem ser vistas pelas lentes do hibridismo de Canclini (2008)CANCLINI, N. Culturas Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2008. ou ainda pelas três “reações adaptativas” de Candido (2010)CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010., ou seja, aceitação do que é externamente proposto e imposto, do que é somente imposto ou mesmo a rejeição de ambos.

Em síntese, existe uma série de práticas localizadas que movimentam o mercado ligado à atividade artesã, abordando formas de negociação e de gestão as quais se aproximam ou não de noções elementares de Administração e da “gestão tradicional”. Práticas que, por sua vez, assemelham-se àquelas que teriam no cotidiano do homem comum categoria mais relevante para caracterização desse tipo de gestão, evidenciadas pela forma de organizar, pelas estratégias de sobrevivência adotadas, por seus usos e sentidos dos espaços – de negócio e de família – e pela rede de relações tecidas por eles sem necessário apelo aos conhecidos parâmetros gerencialistas (CARRIERI et al., 2014CARRIERI, A. P.; PERDIGÃO, D. A.; AGUIAR, A. R. C. A gestão ordinária dos pequenos negócios: outro olhar sobre a gestão em estudos organizacionais. Revista de Administração, São Paulo, v. 49, n. 4, outubro-novembro-dezembro, p. 698-713, 2014.).

3.2 MODOS DE FAZER: CRIAR OU REPRODUZIR?

As tensões acima explicitadas reverberam no modo como a atuação no ramo vem se modificando nos últimos anos, ao menos no âmbito da comunidade artesã em estudo. Em particular, explicitam como a dimensão econômica também condiciona a transmissão, a evolução e a aderência ou modificação de um saber prático.

Apesar de ainda se observar, entre os artesãos, uma valorização das peças “tradicionais”, costumeiramente associadas às referências originais do trabalho do Mestre Vitalino, hoje é possível escutar com recorrência depoimentos sobre um declínio da originalidade, prevalecendo a reprodução: “a maioria não cria, repete, reproduz, no Alto do Moura, acho que umas dez pessoas que criam, as outras reproduzem” (FOR5). Diante disso, parece que a figura do artesão “reprodutor” é a que mais se faz presente hoje na comunidade, o que indica uma variação coletiva no tipo de saber prático que se transmite, inculca e investe na produção de peças em barro por lá. Nos últimos anos, tanto noções de inovação para a diferenciação, agregação de valor e enfrentamento da concorrência quanto a produção de outros tipos de peças vêm emergindo. Os temas que seguem demonstram uma dimensão laboral, inerente ao ofício, das tensões emergentes na comunidade artesã.

Produção por cópia, produção em série e produção autoral

A produção por cópia, a produção em série e a produção autoral são os principais tipos que encontramos para dizer como os artesãos da comunidade desempenham seu ofício. A produção por cópia (Figura 7) diz respeito à reprodução de peças que já foram criadas por outros artesãos. Como exemplo, temos Severino Vitalino, filho do Mestre, que trabalha fazendo réplicas das peças que seu pai fazia e essa seria “uma forma de manter a tradição do local” (ART19). A produção autoral (Figura 8) trata da criação de peças diferentes das que já foram feitas na comunidade; em geral, essas não proporcionam a mesma regularidade de ganho financeiro quando comparadas às peças feitas em série, e, por isso mesmo, muitos artesãos dizem que apesar de gostar de fazê-las, não conseguem sobreviver apenas delas. A produção em série (Figura 9) se caracteriza pela divisão das peças em tarefas-partes que tendem a ser executadas por diferentes pessoas, acontece bastante associada a encomendas, mas também se dá para vendas futuras. A fabricação de bonecas é o exemplo mais significativo, geralmente se compra o corpo pronto, e monta-se apenas a cabeça, os braços e os detalhes (fruteiras, cestos etc.), e na maioria das vezes, contrata-se alguém para a pintura – mais recorrentemente, uma mulher, um adolescente, ou mesmo uma criança.

Figura 7
- Lampião e Maria Bonita, Retirantes e Banda de Pífanos.

Os artesãos que somente sabem trabalhar desse modo são denominados de “bonequeiros” ou “montadores”, podendo utilizar moldes (como uma forma para fazer as cabeças de boneca que a Figura 9, a seguir, ilustra) para fabricação em grande quantidade. O modo como se referem aos artesãos que criam e aos que montam peças ilustra como as tensões emergentes, ocasionadoras de mudanças no modo de produção, também interferem nas relações sociais entre os artesãos que classificam e são classificados conforme a hierarquia valorativa que se estabelece na comunidade neste século XXI (BOURDIEU, 2007BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo/Porto Alegre: Edusp/Zouk, 2007.). A diferenciação entre aqueles que se consideram e são reconhecidos pelos pares como artesãos e os demais, que somente fazem bonecas e muito embora se considerem artesãos não detêm o reconhecimento comunitário como tal, é um exemplo significativo dos desdobramentos, em termos de distinções sociais, da disseminação de um tipo de modo de fazer em detrimento de outro.

As tensões emergentes passam pelo dilema individual estabelecido entre o desejo de se dedicar ao trabalho autoral e sua inviabilidade econômica para muitos, e também se manifestam num tipo de produção (em série) que modifica o habitus, aproxima a condição artesã da operária, tornando-a mais repetidora e executora de partes de um processo (desvinculando-se do todo), como é possível ilustrar por meio do caso das bonecas. Se nos moldes de fabricação e consumo modernos, a produção em larga escala de itens padronizados que supre o mercado com produtos mais baratos tem contribuído para o declínio do artesanato enquanto atividade de geração de renda (KELLER, 2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014.) e construção identitária, poder-se-ia apontar uma precarização paralela do ofício em curso, em decorrência da adoção de sistemas de produção em série dentro da própria atividade.

Assim, observa-se que, embora o conceito de artesanal tenha estado tradicionalmente ligado à produção de peças únicas (MAZZA; IPIRANGA; FREITAS, 2007MAZZA, A. C. A.; IPIRANGA, A. S. R.; FREITAS, A. A. F. O design, a arte e o artesanato deslocando o centro. Cadernos EBAPE.BR, Rio de Janeiro, v. 5, n. 4, p. 01-11, Dec., 2007.), os desafios de manutenção econômica pressionam cada dia mais os artesãos a adaptarem-se em razão de novas demandas que tensionam seu habitus. Nesse sentido, é possível pensar as reações dos nossos pesquisados ao que o século XXI lhes apresenta por meio da formulação de Candido (2010)CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010., ou seja, a partir de tendências de aceitação dos traços impostos e propostos pela sociedade contemporânea (inovação na produção de bonecas e adaptação da produção artesanal à demanda dos atravessadores); a aceitação apenas do que é imposto (produção em série com a assinatura do comprador externo, uma cadeia nacional de departamentos, por exemplo); ou a rejeição de ambos (manutenção dos vínculos e práticas tradicionais, sem concessões, como um “guardião da tradição” que segue somente reproduzindo as peças tradicionais associadas ao legado de Vitalino).

Invasão das bonecas

Figura 8 - Primeiro Banho: peça autoral da artesã Socorro Rodrigues.

Figura 9 - Cabeças de bonecas moldadas em formas.

É difícil precisar a origem da produção em série desse tipo de peça na comunidade, mas relatos apontam que a invasão das bonecas aconteceu no final dos anos 90 e que foi a partir dos anos 2000 que se iniciou a melhor fase delas, com significativo aumento das vendas, principalmente para intermediários: “antigamente, trabalhava mais com bonecos tradicionais, mas com o surgimento das bonecas, há mais de 15 anos, mudou muito as vendas, hoje elas são as peças mais procuradas pelos turistas e compradores” (ART12).

Além de reforçar a ligação entre turismo e artesanato (BECKER, 2017BECKER, M. R. Confluências entre Turismo, Cultura e Artesanato. Desafio online, Campo Grande, v. 5, n. 1, Janeiro-Abril. 2017.; BANCO DO NORDESTE, 2002BANCO DO NORDESTE. Ações para o desenvolvimento do artesanato do Nordeste. 2a ed. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2002.), as interferências ilustradas por este depoimento corroboram a perspectiva de “volatilidade” do produto artesanal como símbolo da cultura local, desse modo é que as bonecas se tornaram o novo “artigo típico” do Alto do Moura. A chegada desse tipo de peça na comunidade trouxe, junto consigo, a emergência de uma tensão entre os fazedores das peças tradicionais e os que incorporaram as bonecas ao seu repertório.

Quem demonstra esforço de se distanciar da imagem da produção em série, massificada ou industrial (RAMOS, 2013RAMOS, S. P. Políticas e processos produtivos do artesanato brasileiro como atrativo de um turismo cultural. Rosa dos Ventos-Turismo e Hospitalidade, vol. 5, n. 1, 2013.), teceu diversas críticas às próprias bonecas, e também aos que com elas trabalham: “os artesãos saíram da origem do Alto do Moura, não fazem mais os bois, o vaqueiro, o trio e o retirante” (ART3). Ou ainda: “existe uma desvalorização do trabalho criativo, as pessoas preferem comprar as peças mais baratas, as que são feitas em moldes, e não dão o valor justo às peças tradicionais” (ART16).

Se, por um lado, se atribui à produção de bonecas em série (principalmente as denominadas de “baianas”) a possibilidade de manutenção por meio do artesanato nos últimos anos, por outro, muitos enxergam nelas adversárias ao seguimento da produção mais tradicional, decorrente do legado de Mestre Vitalino, ou mesmo de outra peça autoral mais contemporânea. A tensão que emergiu neste século entre um e outro tipo de produção talvez possa ser sintetizada na figura do “bonequeiro”. Conforme já dito, ser fazedor(a) de bonecos (tradicionais) ou bonecas (em série) é um marcador social de distinção entre os membros da comunidade (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.). É possível inferir que por trás de tal atitude está um confronto entre as heranças do saber prático identitário artesão e a produção de peças em série que atende às demandas dos principais compradores da produção do bairro (os atravessadores).

É como se um típico portador do habitus artesão enxergasse nas bonecas “invasoras” a razão da desvalorização de um saber prático que ele levou muitos anos para incorporar e desenvolver, afinal, muitos deles dizem que colocar os braços e uma cabeça pré-moldada, num corpo que o oleiro preparou, “qualquer um sabe fazer”. Não se vendo naquilo que é feito nos termos do “industrianato” (SCRASE, 2003SCRASE, T. J. Precarious production: globalization and artisan labor in the third world. Third World Quaterly, v. 24, n. 3, p. 449-461, 2003.; KELLER, 2014KELLER, P. O artesão e a economia do artesanato na sociedade contemporânea. Política & Trabalho, n. 41, Outubro, p. 323-347, 2014.), alguns artesãos acusam as bonecas pela modificação de sua imagem enquanto artesãos, modificação esta que também veem no outro membro da comunidade que aderiu a sua produção e passou a ser mais visto como bonequeiro do que como artesão. Se observada as dificuldades de comercialização de outros tipos de peças nos últimos anos e a falta de alternativas de geração de renda para muitos “filhos do Alto do Moura”, produzir bonecas é praticamente um traço imposto e não apenas proposto (CANDIDO, 2010CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito. Estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 11ª ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.), e assim materializa um processo de “conversão” sociocultural de seus membros, principalmente os mais jovens e desenraizados da natureza do ofício.

O sentimento em relação ao tipo de produção

Para além da tensão entre ganhos comerciais em escala, ou na margem de lucro – referentes à elaboração por reprodução ou autoral, respectivamente – observa-se que as peças autorais fomentam o orgulho e a criatividade dos artesãos que as fazem, contribuindo para um tipo de reconhecimento relevante dentro e fora da própria comunidade.

No modo como a comunidade artesã avalia a sua própria produção, o gosto por peças autorais (também explicitado na capacidade de reconhecer a originalidade e a técnica alheias) e o saber fazê-las (em detrimento do modo como se costuma referir a quem somente sabe “montar bonecas”) tendem a ser elementos de diferenciação. Para esses casos, percebe-se como o trabalho artesanal ainda persiste como uma atividade capaz de gerar recompensas simbólicas, indo além do puro retorno financeiro (CEZAR; FANTINEL, 2018CEZAR, L. C.; FANTINEL, L. D. Entre um Bom Papo e um Café se Vende o Artesanato: representações sociais em um centro de comercialização da economia solidária. BBR, Braz. Bus. Rev., Vitória, v. 15, n. 5, set., p. 475-493, 2018.).

Assim, as tensões emergentes que implicaram nas mudanças no modo de produção e no que é produzido também se impõem ao sentimento relativo ao ofício. O sentimento em relação ao tipo de produção gera uma tensão específica para os artesãos que trabalham com os dois tipos de peças, na tentativa de obter uma renda regular a partir da atividade. Ou seja, o orgulho ou a realização pelo que foi e é capaz de fazer por conta própria parecem dar lugar, ao menos para a maioria, à repetição exaustiva e desvinculação afetiva do que se produz. Por um lado, há artesãos que tratam a atividade apenas como um negócio, não demonstrando envolvimento afetivo com o trabalho. Por outro, há aqueles que carregam dentro de si uma tensão relativa às peças que mais vendem (reproduzidas em série) e as autorais, que mais gostam de fazer.

Aos nossos olhos, os diferentes modos de fazer exemplificam como os tipos de saberes práticos exigidos em cada um deles, seus diferentes níveis de disciplinamento, bem como os significados socialmente construídos em torno disso encontram-se tensionados perante um conjunto homogêneo de competências técnicas, e modos de fazer a elas associados, provavelmente prevalentes décadas atrás. Nesse sentido, é válido registrar que, juntamente às demandas de mercado (CARVALHO, 2001CARVALHO, H. C. B. Artesanato de caixeta em São Sebastião – SP. Mestrado em Recursos Florestais. Dissertação. USP, Piracicaba, SP, Brasil: 2001.), a necessidade econômica pode ser decisiva aos rumos do negócio, nesse quesito. Assim, além das disposições necessárias à prática de um ou outro modo, a autonomia da escolha também depende da capacidade do artesão de se manter financeiramente a partir da produção de tipos específicos de peças (MELO-SILVA; EMMENDOERFER; ARAÚJO, 2017MELO-SILVA, Gustavo; EMMENDOERFER, Magnus Luiz; ARAÚJO, Joaquim Filipe Esteves Ferraz de. Desenvolvimento de produtos tradicionais artesanais e destinos turísticos regionais no contexto da indústria criativa. Caderno Virtual de Turismo. Rio de Janeiro, v. 17, n. 3, p. 131-147, dez., 2017.).

Se ainda nos é possível ouvir relatos do vínculo afetivo entre o artesão e a peça produzida, ao aderir a produção seriada, ao mais competir individualmente do que evoluir coletivamente e ao focar mais na gestão do negócio que no desenvolvimento técnico, muitos artesãos tendem a perder o vínculo afetivo com a condição que os une em comunidade e com o que produzem. A tendência cada vez maior é a ênfase na produtividade e na organização das atividades de modo que ela seja maximizada. Assim, ao aderir aos padrões impostos pelo mercado, modifica-se também o modo de sentir e sentir-se artesão.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo procuramos explorar duas dimensões nas quais nos foi possível observar mudanças no habitus artesão elaborado a partir da comunidade do Alto do Moura e para a melhor compreensão e exposição das tensões emergentes no século XXI. As mudanças no referido habitus se manifestam por meio da incorporação das novas práticas cotidianas distintas daquelas partilhadas pelos membros originais da comunidade (gerações anteriores), para lidar com as dificuldades de manutenção econômica, e se projetam em novos modos de fazer no âmbito laboral. Por fim, destacamos que as tensões emergentes provocam modificações nas dimensões cultural, social e econômica do habitus, ou seja, no tipo de saber (ofício) que se transmite para as novas gerações, no modo de vida, no reconhecimento dos pares como artesãos (ou não) e ainda nas práticas, estratégias e táticas de “cálculo econômico” (BOURDIEU, 2004BOURDIEU, P. A formação do Habitus Econômico. Texto traduzido de Bourdieu, P. Making the economic habitus: Algerians workers revisited. Ethnography, v. 11, n. 1, 2004.).

A análise sociocultural dos processos de mudança nos modos de fazer artesão implica em transformações para além da economia. A dubiedade das reações em momentos de crise é um ponto que merece ser aqui mencionado, já que diante desse cenário, de modo geral, os mais jovens tendem a aderir ao que se associa à ideia de “moderno”, por outro, seus pais e avós tendem ao apego ao que há de mais próximo da ideia de “tradição” em seu modo de vida.

Em termos de contribuição teórica, o trabalho procurou reunir contribuições das ciências sociais para a pesquisa vinculada à temática do artesanato nos Estudos Organizacionais (EO). De modo específico, acreditamos que a noção de tensão emergente como instrumento teórico possa inspirar outros pesquisadores do campo na análise de condições específicas similares à aqui elaborada, uma condição artesã-proprietária que precisa, além de produzir suas peças, conduzir um negócio periférico – diferente de uma empresa ou empreendimento convencional, por exemplo. A maior inserção de um contexto interiorano nordestino, como o Alto do Moura-PE, como campo e objeto empírico nos EO nacionais é outra contribuição que se acredita promover com o trabalho.

Seguimos adiante com a ambição de gerar conhecimento – sobre a caracterização, a dinâmica, os significados, a gestão na produção e no comércio do artesanato local e nos demais negócios que emergiram no Alto do Moura, bem como sobre as demandas dos seus proprietários por políticas públicas específicas e seus horizontes de futuro – norteados por questões como as seguintes: em meio aos desafios à manutenção econômica por meio da atividade e às tensões inerentes à condição de uma comunidade como a do Alto do Moura, na dinâmica de mercado mais ampla, como o identitário e o simbólico se relacionam com os diferentes modos de fazer hoje praticados no artesanato por lá? O que muda em suas dinâmicas cotidianas e no leque de saberes práticos ao qual recorrem para levar adiante um negócio no contexto de mercado do século 21? Como reagem aos feixes de forças externas, como o discurso do empreendedorismo, por exemplo?

Enfrentar questões como essas, tanto pode contribuir para se observar com mais propriedade o artesanato como um tipo de negócio, sem cair num esforço comum de imposição do modelo instrumental hegemônico (muitas vezes divulgado sob o manto do discurso do empreendedorismo), quanto pode ser um modo de evidenciar as questões mais presentes entre membros de comunidades artesãs que precisam, de algum modo, incorporar estratégias de médio e longo prazo, técnicas de negociação com atravessadores, noções de precificação, tudo isso ressignificado no campo de possibilidades do saber prático que colocam em jogo.

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    Recebido em 27/11/2019, aceito em 13/8/2020.
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    Foi sobretudo por meio de Vitalino Pereira dos Santos (1909-1963), conhecido como Mestre Vitalino, que o artesanato figurativo em barro do Alto do Moura ganhou reconhecimento nacional. Sua obra foi projetada para o país em meados do século passado e atendia ao anseio do movimento modernista de criação de uma “arte nacional” (ROCHA, 2014ROCHA, D. N. “A arte é para todos”: patrimônio cultural, tradição de conhecimento, processos sociotécnicos e organização social do trabalho entre os artesãos do Alto do Moura. Mestrado em Antropologia. Dissertação. UFPB, João Pessoa, PB, Brasil: 2014.), dentre suas principais criações é possível destacar peças como: cavalo-marinho, casal no boi, caçador de onça etc. Atribui-se ao Mestre a criação da “arte figurativa” em barro na localidade que antes somente produzia, para o comércio, peças utilitárias. Parte significativa dos seus descendentes ainda mora no Alto do Moura e trabalha com artesanato. Suas peças foram expostas em diversos museus no Brasil e no exterior, tendo ainda hoje destaque como referência da arte popular nacional do século passado (MELLO, 1995MELLO, P. C. Vitalino, sem barro: o homem. Fundação Assis Chateubriand, Ministério da Cultura, 1995.). O reconhecimento do seu trabalho foi bastante ampliado após sua morte, tendo sua biografia inspirado samba-enredo no carnaval carioca em 1977 e 2009, por exemplo.
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    O conceito de habitus e nossa caracterização do habitus artesão são aprofundados adiante, na seção 3.1.
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    “O Programa do Artesanato Brasileiro (PAB) foi criado pelo Decreto de 21 de março de 1991. Originalmente vinculado ao Ministério da Ação Social, o PAB tem o objetivo de coordenar e desenvolver atividades que visem a valorizar o artesão brasileiro, elevando o seu nível cultural, profissional, social e econômico, além de desenvolver e promover o artesanato e a empresa artesanal. As ações do Programa possibilitam a consolidação do artesanato brasileiro enquanto setor econômico de forte impacto no desenvolvimento das comunidades, a partir da consideração de que a atividade é disseminada em todo território nacional, possuindo variações e características peculiares conforme o ambiente e a cultura regional. A finalidade do PAB é coordenar e desenvolver atividades que visem valorizar o artesão, desenvolver o artesanato e a empresa artesanal. Nesse sentido, são desenvolvidas ações voltadas à geração de oportunidades de trabalho e renda, o aproveitamento das vocações regionais, a preservação das culturas locais, a formação de uma mentalidade empreendedora e a capacitação de artesãos para o mercado competitivo, promovendo a profissionalização e a comercialização dos produtos artesanais brasileiros. De acordo com o decreto Nº 9.679, de 2 de janeiro de 2019, atualmente o Programa é gerido pela Subsecretaria de Desenvolvimento das Micro e Pequenas Empresas, Empreendedorismo e Artesanato da Secretaria de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviços e Inovação, do Ministério da Economia. O PAB é responsável pela elaboração de políticas públicas em nível nacional.” (http://artesanatobrasileiro.gov.br/pagina/1).
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    Por meio de cadastro como Microempreendedor Individual (MEI). A Lei 128/2008 trata da possibilidade de registro de um CNPJ e oferece a oportunidade de formalização de trabalhadores que possam ser enquadrados como tal.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    27 Nov 2019
  • Aceito
    13 Ago 2020
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