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ANÁLISE DE POSICIONAMENTOS PÚBLICOS SOBRE A LICENÇA SOCIAL PARA OPERAR DA MINA GUAÍBA - RS1 1 Recebido em 21/11/2022, aceito em 7/8/2023.

ANALISIS DE POSICIONAMIENTOS PÚBLICOS SOBRE LICENCIA SOCIAL PARA OPERAR DE LA MINA GUAÍBA (BRASIL)

ANALYSIS OF PUBLIC POSITIONS ON THE SOCIAL LICENSE TO OPERATE OF THE GUAÍBA MINE (BRAZIL)

RESUMO

Licença Social para Operar - LSO é um conceito utilizado tanto como mecanismo estratégico de empresas, para obter aceitação de seus empreendimentos, quanto como elemento de reivindicação por parte de movimentos sociais que os confrontam. Este trabalho analisa posicionamentos públicos feitos sobre o projeto Mina Guaíba, no Rio Grande Sul. Foram identificados os posicionamentos no processo de licenciamento e em audiências públicas, e analisados 36 textos de portais da internet e 8 trabalhos acadêmicos. Os posicionamentos foram analisados de acordo com elementos encontrados na literatura, traçando paralelos com os posicionamentos expostos e os fatos descritos sobre a Mina Guaíba. Foi possível concluir que existem importantes relações entre os posicionamentos públicos sobre o projeto da Mina Guaíba e as questões analisadas em estudos empíricos sobre a obtenção da LSO em nível internacional. Problemas como o economicismo retórico em prol dos empreendimentos, a manipulação dos espaços de consulta, as omissões em relação aos reais impactos ambientais dos projetos e a crise de confiança vivenciada pelo setor de mineração se fazem constantes em ambos os casos. O artigo contribui com o debate sobre LSO ao apontar a relevância das ações organizadas por movimentos sociais e organizações ambientalistas no sentido de conscientização social.

Palavras-chave:
Mina Guaíba; Licença Social para Operar; Mineração; Impacto Ambiental; Participação

RESUMEN

La Licencia Social para Operar (LSO) es un concepto utilizado como mecanismo estratégico para que las empresas logren la aceptación de sus compromisos, y también como elemento de reivindicación de movimientos sociales que los confrontan. Este trabajo analiza los posicionamientos públicos realizadas sobre el proyecto Mina Guaíba, en Rio Grande Sul. Se identificaron posicionamientos en proceso de licenciamiento y en audiencias públicas, y se analizaron 36 textos de portales de internet y 8 trabajos académicos. Los textos fueron analizados según elementos encontrados en la literatura, trazando paralelismos con los argumentos expuestas y los hechos descritos sobre la Mina Guaíba. Fue posible concluir que existen relaciones importantes entre las posiciones públicas sobre el proyecto Mina Guaíba y las cuestiones analizadas en los estudios empíricos sobre la obtención de la LSO a nivel internacional. Problemas como el economicismo retórico a favor de las empresas, la manipulación de los espacios de consulta, las omisiones sobre los impactos ambientales reales de los proyectos y la crisis de confianza que vive el sector minero son constantes en ambos casos. El artículo contribuye al debate sobre LSO al señalar la relevancia de las acciones organizadas por movimientos sociales y organizaciones ambientalistas en el sentido de la conciencia social.

Palabras clave:
Mina Guaíba; Licencia Social para Operar; Minería; Impacto Ambiental; Participacion

ABSTRACT

Social License to Operate (LSO) is a concept used both as a strategic mechanism for companies to obtain acceptance of their undertakings and as an element of claim by social movements that confront them. This work analyzes public positions made about the Guaíba Mine project, in Rio Grande Sul. Positions in the licensing process and in public hearings were identified, and 36 texts from internet portals and 8 academic works were analyzed. The positions were analyzed according to elements found in the literature, drawing parallels with the exposed positions and the facts described about the Guaíba Mine. It was possible to conclude that there are important relationships between public positions on the Guaíba Mine project and the issues analyzed in empirical studies on obtaining the LSO. Problems such as rhetorical economicism in favour of corporations, manipulation of hearings, omissions regarding the real environmental impacts of projects and the crisis of confidence experienced by the mining sector are constant in both cases. The article contributes to the debate on LSO by pointing out the relevance of actions organized by social movements and environmental organizations in the sense of social awareness.

Keywords:
Mina Guaíba; Social License to Operate; Mining; Environmental Impact; Participation

INTRODUÇÃO

A atividade de mineração tem levantado discussões acerca de suas viabilidades social, econômica e ambiental, sobretudo com a sucessão de desastres ecológicos que ocorreram nos últimos anos, em que o desenvolvimento econômico é frequentemente apresentado como contrapeso frente aos danos ambientais. No Brasil, o setor da mineração cresce alterando marcos legais, facilitando a exploração dos recursos naturais e ameaçando modos de vida tradicionais de comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas (NEIVA; BATISTA, 2020NEIVA, J; BATISTA, J. P. Mineração predatória como política de governo. Nexo, São Paulo, 14 fev. 2020. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2020/Minera%C3%A7%C3%A3o-predat%C3%B3ria-como-pol%C3%ADtica-de-governo>. Acesso em: 27 set. 2020.
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).

No estado do Rio Grande do Sul - RS, vários empreendimentos têm sido prospectados4 4 Dentre esses empreendimentos, estão em fase de licenciamento o de Retiro, em São José do Norte; projeto da Votorantim, em Caçapava do Sul, nas proximidades do rio Camaquã; e o projeto de Três Estradas, no município de Lavras do Sul. O primeiro projeto trata da extração de titânio, utilizado, sobretudo, na fabricação de pigmentos para tintas; o segundo, relaciona-se à extração de chumbo, zinco e cobre; e no âmbito do último, pretende-se retirar fosfato para a produção de fertilizantes (WENZEL, 2019). , muitos deles situados em áreas de produção agrícola e proteção ambiental. Um deles é o projeto Mina Guaíba, que previa, até ser arquivado pelo órgão licenciador do estado, a extração de carvão mineral e a construção de um Polo Carboquímico. O projeto se situaria em uma a área de 4.373 hectares entre os municípios de Charqueadas e de Eldorado do Sul, a 15 quilômetros de Porto Alegre (WENZEL, 2019WENZEL, F. Mineradoras se voltam para o Rio Grande do Sul com quatro grandes projetos. ((o))eco, Rio de Janeiro, 17 de abril de 2019. Disponivel em:<https://www.oeco.org.br/reportagens/mineradoras-se-voltam-para-o-rio-grande-do-sul-com-quatro-grandes-projetos/>. Acesso em: 22 abr. 2020.
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).

O Polo Carboquímico seria fundamental para o sucesso financeiro da Mina Guaíba. A intenção era aproveitar o produto do processo de gaseificação do carvão para posterior fabricação de fertilizantes e produção de energia. Esse processo de gaseificação traz, entretanto, graves riscos para o suprimento de água e para a qualidade do ar (GONZATTO, 2020bGONZATTO, M. Os motivos pelos quais o licenciamento da Mina Guaíba está suspenso por tempo indeterminado. GaúchaZH, Porto Alegre, 02 de setembro de 2020b. Disponível em:<https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2020/09/os-motivos-pelos-quais-o-licenciamento-da-mina-guaiba-esta-suspenso-por-tempo-indeterminado-ckeltjla80053014ycesc5fjt.html>. Acesso em 20 set 2020.
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).

Menegat (2019MENEGAT, R. Mina Guaíba e o sucateamento da fiscalização ambiental. [Entrevista concedida a] João Vitor Santos. IHU Unisinos, São Leopoldo, 31 de julho de 2019.) ressalta que toda exploração de carvão é inerentemente poluidora. Para ele, os procedimentos apresentados pela empresa não mitigariam a emissão de gases tóxicos e o vazamento de metais pesados. Estariam ameaçados o Parque Estadual do Delta do Jacuí, a maior produção de arroz orgânico da América Latina, feita pelos agricultores do assentamento Apolônio de Carvalho; o loteamento Guaíba City; e a comunidade Mbyá Guarani, que vive nas proximidades.

Um dos principais desdobramentos da questão da Mina Guaíba se relaciona com a necessidade da consulta aos povos tradicionais, indígenas e quilombolas no processo de licenciamento ambiental, preconizada na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT, 1989). Em fevereiro de 2020, devido à não realização dessa consulta, o licenciamento foi suspenso por decisão da Justiça Federal (GONZATTO, 2020bGONZATTO, M. Os motivos pelos quais o licenciamento da Mina Guaíba está suspenso por tempo indeterminado. GaúchaZH, Porto Alegre, 02 de setembro de 2020b. Disponível em:<https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2020/09/os-motivos-pelos-quais-o-licenciamento-da-mina-guaiba-esta-suspenso-por-tempo-indeterminado-ckeltjla80053014ycesc5fjt.html>. Acesso em 20 set 2020.
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).

A Copelmi, empresa proponente do empreendimento, não respondeu aos relatórios técnicos realizados por pesquisadores contrários ao empreendimento e pediu prazo para esclarecer os problemas apontados. Posteriormente, em outro revés, a empresa chinesa que seria a principal investidora do projeto, bem como uma empresa de fertilizantes norueguesa que seria a maior compradora de gás do Polo Carboquímico, decidiram retirar o apoio ao projeto. É notável que tanto na China quanto na Noruega existe uma agenda política crescente contrária à exploração do carvão (GONZATTO, 2020c). Por fim, em 2022, a Justiça Federal anulou o processo de licenciamento ambiental e, no mês de março do mesmo ano, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental - FEPAM arquivou o licenciamento da Mina (PEIXOTO, 2022PEIXOTO, J. FEPAM arquiva projeto de licenciamento da Mina Guaíba. GaúchaZH. 15 mar. 2022. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2022/03/FEPAM-arquiva-projeto-de-licenciamento-da-mina-guaiba-cl0svx45s008v0165z5jcwhzt.html>. Acesso em: 16 mar. 2022.
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).

Destaca-se nesse processo a atuação do Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul - CCM-RS, que desde maio de 2019 realiza ações para enfrentar o avanço da mineração no estado. Em relação à Mina Guaíba, as principais ações do Comitê envolvem a conscientização da população, a articulação da participação em eventos e audiências públicos e a elaboração de estudos técnicos independentes, que expõem falhas do Estudo de Impacto Ambiental - EIA. O ajuizamento de ações contra ilegalidades no processo de licenciamento ambiental foi também de suma importância.

Em boa medida, as pressões sociais contrárias ao projeto foram preponderantes para o desfecho de arquivamento do projeto. Através da mobilização dos movimentos e das comunidades afetadas, uma série de audiências públicas não previstas no processo de licenciamento foram realizadas, intensificando a pressão contra o empreendimento. Esse processo se refletiu em uma série de posicionamentos públicos feitos não apenas em audiências, mas em publicações diversas.

Um conceito importante que trata desse processo é o da Licença Social para Operar - LSO, utilizado tanto como mecanismo estratégico de empresas, para obter aceitação de seus empreendimentos, quanto como elemento de reivindicação por parte de movimentos sociais que os confrontam (BOUTILIER, 2014BOUTILIER, R.. G. Frequently asked questions about the social licence to operate. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 32, n. 4, p. 263-272, 30 ago. 2014.).

Gaviria (2015) ressalta o caráter conflituoso inerente aos processos do licenciamento, em que a aproximação dos sujeitos com o debate pode representar a abertura de um espaço para o dissenso. Assim, pontua que “longe de promover qualquer passividade, tais estratégias favorecem um tipo de ativismo comunitário que, ao alocar responsabilidades nas comunidades, objetiva fazê-las ‘proprietárias’ tanto das chamadas oportunidades que o empreendimento traz quanto dos danos e dos riscos” (GAVIRIA, 2015, p. 150). Nesse sentido, o autor aponta que o conceito de LSO poderia incorrer em uma série de proibições e derrotas para as mineradoras, ao permitir que grupos locais pudessem interferir no processo decisório de existência do projeto (WOICESHYN, 2014WOICESHYN, J. “Social license to operate” is a violation of the right to liberty and property. Capitalism Magazine, 29 out. 2014. Disponível em: <http://capitalismmagazine.com/2014/10/social-license-operate-violation-right-liberty-property/>. Acesso em: 10 set. 2020.
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).

No campo da Administração, a LSO é trabalhada primordialmente em relação ao conceito de Responsabilidade Social Corporativa - RSC, a partir do ponto de vista empresarial, no qual a função da LSO é trazer enfoque na resolução dos conflitos sociais apresentados pelos empreendimentos; atender às minorias socialmente mais vulneráveis; desenvolver uma postura estratégica e não reativa e compensatória; e desenvolver um padrão claro e amplamente reconhecido (FRANCO; SAMPAIO; ALMEIDA, 2012). Analisando o caso do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, de responsabilidade da empresa Samarco, Lopes e Demajorovic (2020LOPES, J. C.; DEMAJOROVIC, J. Responsabilidade Social Corporativa: uma visão crítica a partir do estudo de caso da tragédia socioambiental da Samarco. Cadernos EBAPE.BR, v. 18, n. 2, p. 308-322, abr. 2020., p. 320) afirmam que “a questão de como capacitar a comunidade e garantir um ambiente institucional forte parecem ser o ponto chave para se alcançar um processo completo e eficaz de RSC”.

Considerando a prevalência de estudos e proposições em prol das atividades empresariais, seja no campo da Administração em particular ou em publicações em outros ramos do conhecimento, nota-se uma lacuna importante de análises sobre o conceito da LSO do ponto de vista das ações, movimentos e organizações que contestam atividades de mineração. Este artigo visa, portanto, contribuir com o debate sobre tais ações a partir das possibilidades que o conceito da Licença Social para Operar oferece para compreender os processos de mobilização social e popular, analisando os posicionamentos públicos feitos sobre o projeto Mina Guaíba.

O artigo está organizado em seis seções: na primeira, expressamos os procedimentos adotados na pesquisa; na segunda, apresentamos uma revisão do conceito da LSO na mineração; nas três seções seguintes, analisamos posicionamentos públicos em três momentos: audiências públicas, publicações na mídia e publicações acadêmicas; e finalmente, discutiremos os argumentos encontrados nos posicionamentos com aspectos relevantes encontrados na literatura.

1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O artigo resulta de uma pesquisa de caráter qualitativo e exploratório. Considerando tratar-se de um processo muito recente no tempo, que ainda não teve um desfecho definitivo, a abordagem exploratória se mostra como sendo a mais adequada (GIL, 2008GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2008.). Foi realizado levantamento bibliográfico e documental, entre outubro de 2020 e dezembro de 2021.

Para a análise dos posicionamentos no âmbito do licenciamento ambiental, foram analisados documentos extraídos do sistema online de licenciamento ambiental da Fundação Estadual de Proteção Ambiental do RS - FEPAM. Os documentos foram organizados de acordo com seu conteúdo e categorizados em: contrários à instalação da Mina; a favor da instalação da Mina; e sem posicionamento explícito. Para a análise de posicionamentos em audiências públicas, foram analisados vídeos de gravações dos eventos. No caso do sistema de licenciamento, os posicionamentos são eminentemente de cunho técnico, não sendo, portanto relativo ao tema da pesquisa, a LSO. Em relação aos posicionamentos em audiências, o volume de seu conteúdo impediria uma análise no âmbito da pesquisa da qual resultou este artigo. Portanto, esses posicionamentos não foram analisados em relação a seu conteúdo, mas em termos de: favoráveis e contrários à Mina Guaíba.

Para a análise de posicionamentos publicados na mídia, a busca e seleção dos textos foi feita por meio do Google, através da palavra-chave “Mina Guaíba”. Após, com a ferramenta Notícias, foram coletados os trabalhos com característica supracitada. Conjuntamente, foram utilizados também os mecanismos de busca interna dos portais Sul215 5 https://sul21.com.br/ e Humanitas6 6 https://www.ihu.unisinos.br/. para coleta adicional de textos. Isso ocorre pelo fato desses sites serem os principais veículos de divulgação de conteúdo sobre a Mina Guaíba na internet. Ao final da pesquisa, com a exclusão de duplicatas e textos que não se relacionavam com o tema, restaram um total de 36 textos de posicionamentos a serem analisados.

Para trabalhos acadêmicos, a pesquisa se deu com a utilização das plataformas Scielo, Periódicos CAPES, do mecanismo de busca Google Scholar e do repositório institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, LUME. Assim como ocorreu na pesquisa dos posicionamentos publicados na mídia, foi utilizada a expressão “Mina Guaíba” nos mecanismos de busca. Com exclusão de duplicatas e textos que não se adequaram ao critério da pesquisa, restaram um total de 8 trabalhos para análise.

Todos os documentos selecionados nos dois últimos momentos foram submetidos à análise de conteúdo, em procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo, na busca por inferências de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção das mensagens (BARDIN, 1970).

2 A LICENÇA SOCIAL PARA OPERAR

A expressão Licença Social para Operar surgiu em uma reunião do Banco Mundial realizada no Equador, no ano de 1997. Na época, movimentos de contestação à mineração se fortaleciam, ameaçando significativamente a continuidade e a viabilidade de vários empreendimentos (JOYCE; THOMSON, 2000JOYCE, S.; THOMSON, I. Earning a social licence to operate: social acceptability and resource development in Latin America social risk. The Canadian Mining and Metallurgical Bulletin, v. 93, n. 1037, p. 1-9, 2000.). Sua introdução foi feita inicialmente pelo executivo canadense Jim Cooney, diretor de assuntos públicos da mineradora Placer Dome. Tornou-se, desde então, amplamente difundida nos mais variados órgãos internacionais de mineração e consultorias.

Já no início do novo milênio, Joyce e Thomson (2000JOYCE, S.; THOMSON, I. Earning a social licence to operate: social acceptability and resource development in Latin America social risk. The Canadian Mining and Metallurgical Bulletin, v. 93, n. 1037, p. 1-9, 2000.) realizaram a primeira tentativa de sistematizar o conhecimento gerado até então sobre o tema, tendo em vista a necessidade das empresas de lidar com os “riscos sociais” dos projetos de mineração na América Latina, transformando aspectos políticos e legais em fatores a serem gerenciados. Joyce e Thomson (2000) citam, também, diferentes cenários de revoltas populares e mudanças institucionais que fomentam a insegurança jurídica. Tais questões estão diretamente relacionadas aos impactos da mineração, nomeadamente: a destruição do meio ambiente; a má distribuição das riquezas e dos lucros gerados pela mineração; e a falta de uma relação de confiança entre empresas e comunidades.

Ao longo dos anos 2000, o conceito de LSO entrou definitivamente no vocabulário de movimentos sociais, agentes governamentais e empresas, conforme salientam Thomson e Boutilier (2011THOMSON, I. e BOUTILIER, R. G. Social license to operate. SME mining engineering handbook, 1, 1779-1796, 2011.). Assim sendo, a obtenção de uma Licença Social para Operar aparece para as empresas como importante ativo econômico, dado o problema locacional que atinge os empreendimentos mineiros: a rejeição de uma comunidade pode inviabilizar o andamento dos projetos (PRNO; SLOCOMBE, 2014PRNO, J.; SLOCOMBE, D. Scott. A Systems-Based Conceptual Framework for Assessing the Determinants of a Social License to Operate in the Mining Industry. Environmental Management, v. 53, n. 3, p. 672-689, 28 dez. 2014.). A LSO, portanto, está diretamente relacionada a mecanismos de governança de mercado e às práticas de Responsabilidade Social Corporativa - RSC, com o objetivo de restabelecer a legitimidade frente à contestação popular (CURRAN, 2017CURRAN, G. Social licence, corporate social responsibility and coal seam gas: framing the new political dynamics of contestation. Energy Policy, v. 101, p. 427-435, fev. 2017.).

Por outro lado, o conceito de LSO pode ser apropriado por movimentos contrários aos projetos de mineração (BOUTILIER, 2014BOUTILIER, R.. G. Frequently asked questions about the social licence to operate. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 32, n. 4, p. 263-272, 30 ago. 2014.). Ele poderia implicar, nesse sentido, na criação de leis que abram espaços de participação às comunidades afetadas, assim como espaços para que surjam instâncias deliberativas nas quais os projetos possam ser rechaçados.

Em revisão sistemática de literatura sobre estudos empíricos relacionados à mineração e/ou à LSO feita em 78 artigos7 7 Para realizar o estudo, foram selecionados artigos que relatam estudos empíricos, a partir da base de dados do Periódicos CAPES. Foram utilizados como termos para a busca: “social licence to operate” AND “mining” e, também, “social license to operate”, considerando a grafia no inglês da América do Norte, AND “mining”. Foi marcado o filtro “periódicos revisados por pares” em ambas as vezes. , identificamos que cerca de 70% deles abordavam posicionamentos favoráveis à implementação de estratégias para obtenção da LSO, a partir de três principais temas: relações entre comunidade e empresa; arranjos institucionais e aspectos normativos; e estratégias de comunicação. Os demais 30% abordavam manifestações de problematização ou de contrariedade à mineração e/ou à LSO. Em função da limitação de espaço, optamos por não apresentar os resultados da revisão sistemática no artigo, trazendo elementos encontrados na literatura revisada ao longo da apresentação e análise dos posicionamentos, na seção seguinte.

3 POSICIONAMENTOS NO PROCESSO DE LICENCIAMENTO E NAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS

A primeira análise foi feita em documentos extraídos no Sistema Online de Licenciamento Ambiental da Fundação Estadual de Proteção Ambiental - SOL/FEPAM8 8 Os resultados deste estudo estão publicados em um sítio de internet. Para possibilitar a realização da avaliação cega, o endereço do sítio não será informado nesse momento, podendo ocupar o espaço desta nota de rodapé após a conclusão da avaliação, em caso de aprovação do artigo para publicação. .

A outra parte da análise baseou-se em cinco audiências públicas que ocorreram ao longo do ano de 2019: as duas primeiras, promovidas pela FEPAM, uma em Charqueadas, em 14 de março, e outra em Eldorado do Sul, em 27 de junho; a terceira, realizada pela Prefeitura de Guaíba, no dia 11 de julho; a quarta, realizada de forma conjunta entre o Ministério Público Estadual e o Federal, no dia 20 de agosto; e a quinta, em que analisamos os posicionamentos na audiência pública da Assembleia Legislativa do RS do dia 30 de setembro.

Ficou evidenciado que a maioria dos posicionamentos no sistema do processo de licenciamento e nos eventos realizados foi contrária à instalação da Mina Guaíba. Das 274 manifestações nesses espaços, 70% declararam contrariedade à instalação, em que pese haver um percentual de 17% de manifestações favoráveis e 13% de manifestações declaradas como indefinidas, nas quais não foi possível identificar posicionamentos.

Ainda que apenas em caráter consultivo, a experiência da participação popular em audiências públicas representa um papel importante dentro do processo de licenciamento ambiental. Durante o acompanhamento dos mais variados eventos que se sucederam ao longo do ano de 2019, foi possível verificar uma série de transformações no âmbito da mobilização popular e da opinião pública. Sendo assim, o estudo das audiências públicas e das demais manifestações permitiram a conclusão de um possível não consentimento social em relação ao projeto.

4 POSICIONAMENTOS PUBLICADOS NA MÍDIA

Os posicionamentos publicados na mídia sobre a Mina Guaíba foram agrupados em diferentes eixos temáticos, considerando-se as similaridades das argumentações expostas ao longo dos textos, sendo o primeiro deles o desenvolvimento econômico.

Sgarbossa (2019SGARBOSSA, M. A sedução narrativa do carvão. Sul21. 14 ago. 2019. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2019/08/a-seducao-narrativa-do-carvao-por-marcelo-sgarbossa/>. Acesso em: 14 jan. 2022.
https://sul21.com.br/opiniao/2019/08/a-s...
), no texto “A sedução narrativa do carvão”, critica os discursos que defendem o desenvolvimento econômico promovido pelas mineradoras, entendendo que os impactos ambientais provocados pelos empreendimentos são danosos à saúde humana e à região. Ainda conforme o autor, a mineração não gera benefícios econômicos nem para as comunidades e nem para o poder público, visto que no Brasil o setor tem direito a uma série de isenções tributárias.

Sob o enfoque locacional, Santos (2019SANTOS, C. Rio Grande do Sul: a nova fronteira mineral para as empresas transnacionais. IHU Unisinos. 2 jul. 2019. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/590506-rio-grande-do-sul-a-nova-fronteira-mineral-para-as-empresas-transnacionais-entrevista-especial-com-caio-santos>. Acesso em: 22 jan. 2022.
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) pondera a influência do discurso desenvolvimentista como reforço à expansão do setor carbonífero, acompanhado de uma retórica que minimiza os impactos ambientais. Isso se reflete em uma estratégia, por parte das empresas de mineração, que consiste em evitar manifestações dissonantes, em audiências públicas, por exemplo. Os problemas ambientais são tratados como menores e localizados diante dos benefícios sociais prometidos pela empresa.

Retomando a ideia de planejamento metropolitano integrado, o Observatório das Metrópoles, Núcleo Porto Alegre, em manifesto, posiciona o projeto da Mina Guaíba como sendo prejudicial para a economia da Região Metropolitana, que pode sofrer com os prejuízos da agricultura orgânica e com o afastamento de investimentos em setores inovadores, baseados na economia do conhecimento. O reforço de uma estrutura econômica retrógrada, argumentam, pode fomentar as desigualdades sociais e ampliar os problemas urbanos já enfrentados pelas cidades da região (OBSERVATÓRIO DAS METRÓPOLES, 2019).

Pugnaloni (2020PUGNALONI, C. Mina Guaíba. “Agora é o momento de promover outro desenvolvimento. IHU Unisinos. 23 set. 2020. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/603079-mina-guaiba-agora-e-o-momento-de-promover-outro-desenvolvimento-entrevista-especial-com-clara-pugnaloni>. Acesso em: 17 jan. 2022.
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), utilizando o exemplo da Mina Guaíba, disserta sobre a necessidade de se promover o debate sobre o desenvolvimento sustentável no Rio Grande do Sul. O projeto coloca-se como antítese da busca por soluções ecologicamente necessárias para o bem-estar da coletividade, ao ser representativo de um modelo econômico destrutivo, baseado no consumo e no lucro desenfreado. O Lago Guaíba, importante patrimônio ambiental de Porto Alegre e do estado, seria ainda mais poluído, sem considerações sobre seu uso pelas futuras gerações.

Marchesan (2020MARCHESAN, A. Mina Guaíba: quando o argumento de combate à pobreza desconsidera o meio ambiente. IHU Unisinos. 13 mar. 2020. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/597053-mina-guaiba-quando-o-argumento-de-combate-a-pobreza-desconsidera-o-meio-ambiente-entrevista-especial-com-ana-marchesan>. Acesso em: 17 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias...
) relata em entrevista como o direito ambiental tem sido atacado em favor de uma agenda desenvolvimentista pró-mineração. Critica, nesse sentido, a articulação entre Estado e empresas do setor para a aprovação de projetos favoráveis à desregulamentação ambiental, aproveitando a situação de precariedade econômica vivida pelo país.

Assim como destacado por Marchesan (2020MARCHESAN, A. Mina Guaíba: quando o argumento de combate à pobreza desconsidera o meio ambiente. IHU Unisinos. 13 mar. 2020. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/597053-mina-guaiba-quando-o-argumento-de-combate-a-pobreza-desconsidera-o-meio-ambiente-entrevista-especial-com-ana-marchesan>. Acesso em: 17 jan. 2022.
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), o uso da depressão econômica como forma de justificar projetos de mineração aparece na literatura sobre LSO. Os povos indígenas Mbyá Guarani que vivem nas cercanias do local onde se instalaria a Mina Guaíba poderiam enfrentar um destino similar ao que ocorreu no oeste da Austrália, onde as populações aborígenes afetadas por um empreendimento de mineração, convencidas pela empresa do potencial econômico gerado pelo projeto, concederam licenças sociais para diferentes mineradoras na região de Pilbara. A mineração, afirmam Langton e Mazel (2008LANGTON, M.; MAZEL, O. Poverty in the Midst of Plenty: Aboriginal People, the “Resource Curse” and Australia’s Mining Boom. Journal of Energy & Natural Resources Law, v. 26, n. 1, p. 31-65, mar. 2008.), afeta permanentemente a capacidade de as populações manterem seus modos de vida tradicionais. Como o setor monopoliza a atividade econômica no local de operação, o dinamismo econômico necessário para a sustentação das populações desaparece.

Em estudo realizado na Mongólia, Meesters e Behagel (2017MEESTERS, M. E.; BEHAGEL, Jelle Hendrik. The Social Licence to Operate: Ambiguities and the neutralization of harm in Mongolia. Resources Policy, v. 53, p. 274-282, set. 2017.) avaliam que o convencimento pelo argumento econômico ajudou a neutralizar a oposição local e possibilitou um projeto de mineração que produziu consequências graves para as comunidades afetadas.

A falta de geração de empregos nas regiões afetadas pela mineração, retratada também por autores que estudam a Mina Guaíba, como Koch (2020KOCH, E. R. S. Mirando (r)existências de sujeitos sociais em luta contra a mineração: o caso da Mina Guaíba. Contraponto, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 1, 2020.), aparece na literatura sobre LSO. Berman, Loeffler e Schimidt (2020BERMAN, M.; LOEFFLER, R.; SCHMIDT, J. I. Long-term benefits to Indigenous communities of extractive industry partnerships: Evaluating the Red Dog Mine. Resources Policy, v. 66, p. 101609, jun. 2020.) apontam que, em um projeto no Alasca, apesar de alguns benefícios econômicos gerados pela mina e da relativa aceitação pela comunidade, no longo prazo os empregos foram distribuídos para pessoas de outras regiões. Já Cheshire (2010CHESHIRE, L. A corporate responsibility? The constitution of fly-in, fly-out mining companies as governance partners in remote, mine-affected localities. Journal of Rural Studies, v. 26, n. 1, p. 12-20, jan. 2010.) analisa a dependência promovida pelas empresas quando se tornam principais indutores do desenvolvimento local, o que, por sua vez, acarreta sérios problemas de desemprego com o fechamento da mina.

Outro eixo temático presente nos posicionamentos sobre a Mina Guaíba, publicados na mídia, diz respeito ao alinhamento institucional entre governo e empresa. Os textos que abordam essa questão refletem sobre o processo de flexibilização da legislação ambiental e da criação de políticas de fomento à exploração do carvão.

Coelho (2020COELHO, T. Na pandemia, governo acelera trem de minério sobre povos das regiões mineradas. IHU Unisinos. 22 jun. 2020. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/600004-na-pandemia-governo-acelera-trem-de-minerio-sobre-povos-das-regioes-mineradas-entrevista-especial-com-tadzio-coelho>. Acesso em: 16 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias...
), em entrevista, tece algumas considerações sobre a atuação do setor da mineração, com destaque à Mina Guaíba, durante o período da pandemia de Covid-19 no Brasil, quando obteve garantia de não interrupção de suas atividades por ser considerado serviço essencial. Destaca, ainda, o papel que as mineradoras exercem na consolidação de uma agenda política que atende, sobretudo, aos interesses dos acionistas e da especulação financeira.

Todt (2020TODT, M. Megamineração ameaça o Rio Grande do Sul. Sul21. 18 fev. 2020. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2020/02/megamineracao-ameaca-o-rio-grande-do-sul-por-marcos-todt/>. Acesso em: 19 jan. 2022.
https://sul21.com.br/opiniao/2020/02/meg...
) expõe o crescimento dos projetos de mineração no estado do Rio Grande do Sul, ressaltando o apoio que recebem do poder público nas mais variadas esferas. Milanez (2021), em entrevista, aborda a política de degradação ambiental que vem sendo praticada no RS, com a flexibilização do licenciamento ambiental e o incentivo ao uso de agrotóxicos. Sobre a Mina Guaíba, cita as consequências para produtores rurais que adotam a agroecologia e para a população. Para ele, o projeto destruiria uma importante possibilidade de desenvolvimento econômico sustentável, em benefício de uma única empresa.

Em um mesmo sentido, Almeida (2021ALMEIDA, G. A Mina Guaíba e a desfaçatez do governador. Sul21. 30 set. 2021. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2021/09/a-mina-guaiba-e-a-desfacatez-do-governador-por-gerson-almeida/>. Acesso em: 14 jan. 2022.
https://sul21.com.br/opiniao/2021/09/a-m...
) critica as declarações do governo do estado que passou a adotar um discurso falacioso em prol do meio ambiente, o que é incongruente com as alterações na legislação ambiental que beneficiam sobretudo o setor da mineração de carvão. Já Mossmann (2022MOSSMANN, M. A sociedade gaúcha não conhece os bens ambientais que podem ser destruídos com os projetos de mineração. IHU Unisinos. 22 set. 2022. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/613028-a-sociedade-gaucha-nao-conhece-os-bens-ambientais-que-podem-ser-destruidos-com-os-projetos-de-mineracao-entrevista-especial-com-marcelo-pretto-mosmann>. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias...
) destaca o papel das instituições de direito no processo de consecução do licenciamento ambiental em projetos de mineração. Cita o apoio do governo do estado em favor das empresas mineradoras de carvão, através de medidas que garantem a exploração em quaisquer localidades, independentemente dos impactos ambientais, bem como a restrição de audiências públicas e a manipulação de organizações ambientalistas nos processos de consulta.

Em outro posicionamento, Corrêa (2019CORRÊA, C. Mina Guaíba: um projeto político que ameaça Porto Alegre. IHU Unisinos. 25 jul. 2019. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591052-mina-guaiba-um-projeto-politico-que-ameaca-porto-alegre>. Acesso em: 16 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/...
) relata a aprovação da Política Estadual do Carvão Mineral, que instituiu o Polo Carboquímico do Rio Grande do Sul, na Assembleia Legislativa do estado. Destaca, ao longo do texto, a influência de políticos, inclusive em nível federal, e de integrantes do lobby da indústria carbonífera no apoio à expansão do setor no estado, mesmo que em detrimento à proteção do meio ambiente e da saúde coletiva da população. Pontua que a mobilização popular, aliada à atuação no âmbito da política institucional, são fundamentais para o combate aos empreendimentos.

O alinhamento institucional entre governo e empresa assume grande relevância nas discussões sobre a obtenção da Licença Social para Operar. No projeto da Mina Guaíba, as relações entre estado e empresa expressam fortemente esse problema no Estado do Rio Grande do Sul.

O texto de Brueckner, Durey e Pforr (2014BRUECKNER, M.; DUREY, A.; PFORR, C.; MAYES, R. The civic virtue of developmentalism: on the mining industry’s political licence to develop Western Australia. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 32, n. 4, p. 315-326, 26 jun. 2014.), no contexto do Oeste australiano, segue em concordância com o relato de Mossmann (2022MOSSMANN, M. A sociedade gaúcha não conhece os bens ambientais que podem ser destruídos com os projetos de mineração. IHU Unisinos. 22 set. 2022. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/613028-a-sociedade-gaucha-nao-conhece-os-bens-ambientais-que-podem-ser-destruidos-com-os-projetos-de-mineracao-entrevista-especial-com-marcelo-pretto-mosmann>. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias...
) e Corrêa (2019CORRÊA, C. Mina Guaíba: um projeto político que ameaça Porto Alegre. IHU Unisinos. 25 jul. 2019. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/591052-mina-guaiba-um-projeto-politico-que-ameaca-porto-alegre>. Acesso em: 16 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/...
), ao criticar o fato de as instituições de direito e as garantias de participação popular estarem sendo sobrepujadas em prol de um fortalecimento da atuação do legislativo e dos operadores políticos na aprovação de projetos. Nesse processo, por exemplo, há uma facilitação da aprovação dos projetos para as empresas, dada a influência de um discurso desenvolvimentista e pró-empresas na política.

Nos trabalhos de Tiainen (2016TIAINEN, H. Contemplating governance for social sustainability in mining in Greenland. Resources Policy, v. 49, p. 282-289, set. 2016.) e Van Bets, Van Tatenhove e Mol (2016) percebe-se como na Groenlândia a legislação vigente tem sido alterada de forma a tornar o país cada vez mais atrativo para a exploração mineral. Adicionalmente, o abuso de poder e influência do Estado nas comunidades, com a finalidade de facilitar a concessão de LSOs, é um componente estratégico importante.

De Jong e Humphreys (2016) propõem a possibilidade de um papel mais positivo do Estado na promoção dos direitos das comunidades afetadas. Destacam o papel de leis que forneçam participação efetiva e poder de deliberação ao povo, seguindo a noção jurídica “Consentimento Livre, Prévio e Informado” para a totalidade da população, dado que atualmente essas discussões são restritas à consulta de povos indígenas.

Outros estudos que abordam a LSO apontam que esse tipo de alinhamento por parte de empresas e governos pode aumentar a desconfiança da população em relação aos projetos de mineração. Bowles, MacPhail e Tetreault (2019BOWLES, P.; MACPHAIL, F.; TETREAULT, D. Social licence versus procedural justice: Competing narratives of (Il)legitimacy at the San Xavier mine, Mexico. Resources Policy, v. 61, p. 157-165, jun. 2019. Acesso em: 14 mai. 2021.) ressaltam que a atuação do Estado em processos de regulamentação se realizada de forma não transparente em benefício das empresas, e pode afetar a imagem da mineração nas localidades. Essa mesma falta de transparência nas ações realizadas pelo setor da mineração de carvão na Austrália tem dificultado a obtenção de LSOs no país (PARAGREEN; WOODLEY, 2013PARAGREEN, N.; WOODLEY, A. Social licence to operate and the coal seam gas industry: What can be learnt from already established mining operations? Rural Society, p. 2728-2742, 11 out. 2013.).

O terceiro eixo temático que aparece de forma recorrente nos artigos publicados na mídia é a restrição da participação popular nas discussões públicas. No processo de licenciamento da Mina Guaíba, esse assunto ficou marcado pela não convocação de audiências públicas em Porto Alegre, bem como pela não realização de consulta às comunidades indígenas e de pequenos produtores rurais que circunvizinham o projeto.

Assim sendo, ao criticar a falta de diálogo no licenciamento ambiental da Mina Guaíba, o texto de Genro (2019GENRO, L. Mina de carvão: perigo à vista. Sul21. 19 mar. 2019. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2019/03/mina-de-carvao-perigo-a-vista-por-luciana-genro/>. Acesso em: 14 jan. 2022.
https://sul21.com.br/opiniao/2019/03/min...
) destaca que o projeto pode produzir danos significativos em cidades não contempladas pelo Estudo de Impacto Ambiental - EIA, como Porto Alegre. Embora diretamente impactada pela poluição da água e do ar, a capital não sediou uma audiência pública no âmbito do processo, o que excluiu a possibilidade de habitantes manifestarem contrariedade ao projeto. Em relação ao déficit de participação popular, Brack (2020BRACK, P. Mina Guaíba pode jogar um coquetel de substâncias tóxicas no ar. IHU Unisinos. 19 mar. 2020. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/597224-mina-guaiba-pode-jogar-um-coquetel-de-substancias-toxicas-no-ar-entrevista-especial-com-paulo-brack>. Acesso em: 16 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias...
) e Raguse (2019RAGUSE, E. Poluição do ar no RS: uma densa nuvem a ser dispersa. Sul21. 5 jun. 2019. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2019/06/poluicao-do-ar-no-rs-uma-densa-nuvem-a-ser-dispersa-por-eduardo-raguse-quadros/>. Acesso em: 14 jan. 2022.
https://sul21.com.br/opiniao/2019/06/pol...
) pontuam que dentro do Conselho Estadual do Meio Ambiente as discussões e votações sobre o projeto não eram pautadas, apesar das manifestações de entidades ambientalistas.

Alfonsin (2019ALFONSIN, J. Que o “mina Guaíba” não repita Brumadinho. Sul21. 27 mar. 2019. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2019/03/que-o-mina-guaiba-nao-repita-brumadinho-por-jacques-tavora-alfonsin/>. Acesso em: 14 jan. 2022.
https://sul21.com.br/opiniao/2019/03/que...
) também ressalta a necessidade de audiência pública no município de Porto Alegre, visto que as garantias dadas pelo Estudo e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA são insuficientes em relação ao potencial grau de impacto ao meio ambiente gerado pela operação. Consequentemente, conclui que a população possui o direito fundamental à manifestação de dúvidas e críticas em relação ao projeto e que isto deve ser realizado em um espaço adequado e acessível, sobrepujando os interesses econômicos da empresa.

Zaro e Chiappini (2020ZARO, Z.; CHIAPPINI, C. As mulheres e a megamineração no Rio Grande do Sul. Brasil de Fato. 21 mar. 2020. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/03/21/artigo-as-mulheres-e-a-megamineracao-no-rio-grande-do-sul>. Acesso em: 23 jan. 2022.
https://www.brasildefato.com.br/2020/03/...
) relatam a resistência ao projeto da Mina Guaíba a partir do depoimento de mulheres agricultoras no Assentamento Apolônio de Carvalho, onde se produz arroz orgânico. Relatam o assédio que a empresa de mineração tem feito à comunidade, com o objetivo de dividir o posicionamento dos assentados e, assim, facilitar a retirada de pessoas da região e enfraquecer a resistência contra a Mina.

Salientando a ocorrência de tragédias como a de Brumadinho, que vitimou centenas de pessoas, a Assembleia Popular da Mineração lançou nota contrária à Mina Guaíba, destacando seu impacto direto na produção de arroz orgânico na região e afirmando a necessidade de a população resistir ao empreendimento (RAUBER, 2019RAUBER, M. Resistência popular é a única que pode barrar a mineração no RS. IHU Unisinos. 14 jun. 2019. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/590035-resistencia-popular-e-a-unica-que-pode-barrar-a-mineracao-no-rs>. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/...
).

A literatura sobre LSO destaca a manipulação das consultas populares. Na Guatemala, a mobilização de uma comunidade excluída do processo de consulta popular resultou no insucesso de um empreendimento de cimentos. Da mesma forma que no Rio Grande do Sul, houve apoio do governo para a alienação das comunidades: o governo guatemalteco alterou o escopo de consulta, incluindo localidades que não seriam impactadas pelo projeto (COSTANZA, 2016COSTANZA, J. N. Mining Conflict and the Politics of Obtaining a Social License: Insight from Guatemala. World Development, v. 79, p. 97-113, mar. 2016.).

Brueckner e Eabrasu (2018BRUECKNER, M.; EABRASU, M. Pinning down the social license to operate (SLO): The problem of normative complexity. Resources Policy, v. 59, p. 217-226, dez. 2018.) destacam que a aceitação de um projeto de mineração se fundamenta sobretudo em fatores sociais, já que existem lacunas nos processos de licenciamento, dada a influência das empresas. Em estudo sobre um empreendimento de mineração de carvão na Austrália, demonstram que a operação, apesar de legalmente licenciada e apoiada por políticos locais, segue travada por pressões sociais.

Em relação a outro projeto de exploração de carvão localizado em Nova Gales do Sul, Austrália, Curran (2017CURRAN, G. Social licence, corporate social responsibility and coal seam gas: framing the new political dynamics of contestation. Energy Policy, v. 101, p. 427-435, fev. 2017.) descreve como a LSO se transformou em ferramenta de contestação por movimentos sociais contrários ao projeto ao simbolizar poder de deliberação popular. Por conta da pressão social, o projeto não conseguiu o apoio político necessário e foi, por fim, rechaçado.

Muitos dos textos apresentaram como tema central a realização de levantamentos das falhas técnicas existentes no EIA/RIMA e das consequências negativas do projeto Mina Guaíba. Apontam consequências para a saúde, o meio ambiente e a economia das populações afetadas. A estratégia dos ativistas em mostrar problemas técnicos também foi adotada ao longo das audiências públicas e no encaminhamento de questionamentos ao licenciamento pelo portal da FEPAM.

No texto “Poluição do ar no RS: uma densa nuvem a ser dispersa”, Raguse (2019RAGUSE, E. Poluição do ar no RS: uma densa nuvem a ser dispersa. Sul21. 5 jun. 2019. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2019/06/poluicao-do-ar-no-rs-uma-densa-nuvem-a-ser-dispersa-por-eduardo-raguse-quadros/>. Acesso em: 14 jan. 2022.
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) destaca a poluição que seria gerada pela emissão de material particulado na operacionalização da mina, que ocasionaria graves consequências para a saúde da população. Relata também o problema do desmonte das políticas de fiscalização ambiental e de monitoramento da qualidade do ar no Rio Grande do Sul, que diminui as possibilidades de controle público e popular.

Träsel (2019TRÄSEL, M. Mineração no RS: "Carvão não se come". GauchaZH. 5 jun. 2019. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/noticia/2019/05/mineracao-no-rs-carvao-nao-se-come-cjw6r2voz001w01oirdmezqk8.html?fbclid=IwAR00NXb8Lsrft4A5V9bB8E0FbP25xJ34kocvMzi5uy2bGxhpYQyjhz50WmE>. Acesso em: 18 jan. 2022.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/...
) aborda os riscos relacionados a acidentes em um eventual Polo Carboquímico a ser instalado junto à mina, assim como a liberação de inúmeros poluentes no ar, contribuindo para o cenário de devastação ambiental que atinge todo o planeta. Por fim, enfatiza que a Mina afetaria a importante produção de arroz orgânico nas proximidades do empreendimento, prejudicando o abastecimento de alimentos de qualidade em Porto Alegre.

No texto de Ruppenthal (2019RUPPENTHAL, E. L. Mina Guaíba e o futuro da saúde de 4 milhões de pessoas em risco. Sul21. 17 nov. 2019. Disponível em: <https://sul21.com.br/opiniao/2019/11/mina-guaiba-e-o-futuro-da-saude-de-4-milhoes-de-pessoas-em-risco-por-eduardo-luis-ruppenthal/>. Acesso em: 14 jan. 2022.
https://sul21.com.br/opiniao/2019/11/min...
), são novamente destacados os impactos ambientais negativos que a operação da Mina pode gerar. De acordo com o autor, o risco de contaminação das águas com a liberação de metais tóxicos seria grave para a vida aquática do local, e atingiria diretamente o assentamento Apolônio de Carvalho e o loteamento Guaíba City.

Na mesma linha, Menegat (2019MENEGAT, R. Mina Guaíba e o sucateamento da fiscalização ambiental. [Entrevista concedida a] João Vitor Santos. IHU Unisinos, São Leopoldo, 31 de julho de 2019.) avalia em entrevista os impactos ambientais que a Mina causaria aos recursos hídricos de toda Região Metropolitana pela contaminação por metais pesados e pela acidificação de mananciais de água vizinhos ao projeto, com destaque ao Delta do Rio Jacuí, região fundamental para a fauna e a flora de toda região. Outro ponto que destaca é o sucateamento dos instrumentos de fiscalização ambiental que, sob argumentos de recuperação fiscal e econômica, têm sido flexibilizados.

Em outra entrevista, Menegat (2020MENEGAT, R. Mina Guaíba colocará em risco a segurança hídrica de Porto Alegre. Arayara. 12 fev. 2020. Disponível em: <https://arayara.org/mina-guaiba-colocara-em-risco-a-seguranca-hidrica-de-porto-alegre/>. Acesso em: 16 jan. 2022.
https://arayara.org/mina-guaiba-colocara...
) salienta os impactos negativos para a economia, pois as cidades da Região Metropolitana, caracterizadas pelo forte setor de serviços, com destaque para o setor da saúde, seriam duramente afetadas com a poluição que o projeto poderia causar. Além disso, destaca a ausência das cidades impactadas nas avaliações de impacto ambiental do projeto.

Em nota apresentada contrariamente ao projeto, a Associação Médica do Estado do Rio Grande do Sul - AMRIGS destaca a necessidade de serem adotados mecanismos que garantam direitos como o “Consentimento Livre, Prévio e Informado” às comunidades Mbyá Guarani, vizinhas ao projeto da Mina. Como destaque, a nota exige que seja adotada uma rigorosa “Avaliação de Impacto à Saúde (AIS)” no licenciamento do empreendimento, levando em conta os prejuízos à saúde coletiva (GOMES, 2021GOMES, L. AMRIGS alerta que projeto da Mina Guaíba pode trazer ‘sérios riscos à saúde’ da população. Sul21. 20 jan. 2021. Disponível em: <https://sul21.com.br/noticias/geral/2021/01/amrigs-alerta-que-projeto-da-mina-guaiba-pode-trazer-serios-riscos-a-saude-da-populacao/>. Acesso em: 20 jan. 2022.
https://sul21.com.br/noticias/geral/2021...
).

Considerando os impactos na saúde, acentuados pela pandemia de COVID-19, e as mudanças nas matrizes energéticas mundiais, em que o carvão vem sendo preterido em relação às outras fontes, Brack (2020BRACK, P. Mina Guaíba pode jogar um coquetel de substâncias tóxicas no ar. IHU Unisinos. 19 mar. 2020. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/597224-mina-guaiba-pode-jogar-um-coquetel-de-substancias-toxicas-no-ar-entrevista-especial-com-paulo-brack>. Acesso em: 16 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/159-noticias...
) critica o fato de o Rio Grande do Sul estar tomando um rumo retrógrado em relação ao desenvolvimento. Ressalta que o RIMA emitido pela empresa omite informações acerca dos efeitos na saúde da população e na manutenção do ecossistema local.

A forma como o EIA/RIMA demarcou as áreas afetadas pelo empreendimento também foi alvo de críticas em Würdig (2019WÜRDIG, J. O maior projeto de extração de carvão mineral do Brasil (Mina Guaíba) não viu o Bioma Mata Atlântica em seus estudos ambientais. IHU Unisinos. 19 out. 2019. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/593539-editar-o-maior-projeto-de-extracao-de-carvao-mineral-do-brasil-mina-guaiba-nao-viu-o-bioma-mata-atlantica-em-seus-estudos-ambientais>. Acesso em: 16 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/...
), que apresenta o problema da não demarcação do bioma “Mata Atlântica” na avaliação dos impactos ambientais. Para ele, o projeto implicaria em retirada da cobertura vegetal, o que é proibido por lei, dada a importância desse bioma para o bem-estar da coletividade.

A forma como o setor da mineração lida com os impactos ambientais e a transparência na comunicação são temas importante nos estudos sobre LSO. Os posicionamentos sobre a Mina Guaíba apontam que a Copelmi não observou os devidos alertas sobre os riscos do empreendimento, com Estudo de Impacto Ambiental insuficiente, e nem foi transparente com a população em geral.

Na literatura, aponta-se que isso pode ser um fator negativo a uma eventual licença social para operar, e pode ser danoso à imagem da empresa. Moffat e Zhang (2014MOFFAT, K; ZHANG, A. The paths to social licence to operate: An integrative model explaining community acceptance of mining. Resources Policy, v. 39, p. 61-70, mar. 2014.) destacam, por exemplo, que a manutenção de uma comunicação ativa e que garanta o direito à participação é fundamental para a construção de relações de confiança. Além disso, a mitigação dos impactos ambientais deve ser realizada proativamente pela empresa, mesmo em situações onde a LSO não foi obtida e o projeto não fora aprovado, como em Pebble, no Alasca, em que a presença de uma comunicação séria e com respaldo científico levou a uma melhora na imagem da empresa (HOLLEY; MITCHAM, 2016HOLLEY, E. A.; MITCHAM, C. The Pebble Mine Dialogue: A case study in public engagement and the social license to operate. Resources Policy, v. 47, p. 18-27, mar. 2016.).

A preservação da qualidade do ar e da água, bem como uma comunicação transparente acerca do impacto das operações, é vista como crucial para a “legitimação” do setor de mineração. Pellegrino e Lodhia (2012PELLEGRINO, C.; LODHIA, S. Climate change accounting and the Australian mining industry: exploring the links between corporate disclosure and the generation of legitimacy. Journal of Cleaner Production, v. 36, p. 68-82, nov. 2012.) enfatizam, por exemplo, a necessidade de redução das emissões de CO2 gerados pela mineração. Wessman et al. (2014WESSMAN, H; SALMI, O.; KOHL, J.; KINNUNEN, P.; SAARIVUORI, E.; MROUEH, U. M. Water and society: mutual challenges for eco-efficient and socially acceptable mining in Finland. Journal of Cleaner Production, v. 84, p. 289-298, dez. 2014.) pontuam que o funcionamento de uma mina deve se pautar em uma solução sustentável e que preserve os direitos da população, levando em conta principalmente a qualidade das águas.

As ações realizadas pelo governo do estado do Rio Grande do Sul, com ênfase na flexibilização dos instrumentos de fiscalização ambiental e nos incentivos a projetos de alto risco, como o Polo Carboquímico, podem criar uma crise de confiança em relação à mineração (MENEGAT, 2019MENEGAT, R. Mina Guaíba e o sucateamento da fiscalização ambiental. [Entrevista concedida a] João Vitor Santos. IHU Unisinos, São Leopoldo, 31 de julho de 2019.; TRÄSEL, 2019TRÄSEL, M. Mineração no RS: "Carvão não se come". GauchaZH. 5 jun. 2019. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/noticia/2019/05/mineracao-no-rs-carvao-nao-se-come-cjw6r2voz001w01oirdmezqk8.html?fbclid=IwAR00NXb8Lsrft4A5V9bB8E0FbP25xJ34kocvMzi5uy2bGxhpYQyjhz50WmE>. Acesso em: 18 jan. 2022.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/opiniao/...
). Zhang et al. (2015ZHANG, A.; MOFFAT, K.; LACEY, J.; WANG, J.; GONZÁLEZ, R.; URIBE, K.; CUI, L.; DAI, Y.. Understanding the social licence to operate of mining at the national scale: a comparative study of Australia, China and Chile. Journal of Cleaner Production, v. 108, p. 1063-1072, dez. 2015.), Ranängen e Lindman (2018RANÄNGEN, H.; LINDMAN, A. Exploring corporate social responsibility practice versus stakeholder interests in Nordic mining. Journal of Cleaner Production, v. 197, p. 668-677, out. 2018.) e Everingham (2007EVERINGHAM, J. A. Towards social sustainability of mining: the contribution of new directions in impact assessment and local governance. Greener Management International, v. 2007, n. 57, p. 91-103, 1 mar. 2007.) afirmam que ambientes institucionais que favoreçam a preservação do meio ambiente com regras rígidas são fundamentais para a busca de qualquer empreendimento.

Outro eixo temático identificado nos posicionamentos é o da desconfiança em relação ao governo. Já no final do ano de 2021, quando o projeto se encontrava suspenso por decisão judicial, o então governador do RS, Eduardo Leite, afirmou que o projeto da Mina Guaíba estaria arquivado. A declaração foi criticada pelo Comitê de Combate à Megamineração em coluna de opinião publicada no portal Sul21. A publicação esclarecia que o projeto seguia em processo de licenciamento junto ao órgão de fiscalização e que sua paralisação estaria vinculada a uma decisão judicial. Pedia, por fim, o cancelamento de fato do protocolo de intenções assinado junto à empresa para lançamento do Polo Carboquímico, assim como uma iniciativa por um plano de descarbonização da economia gaúcha (COMITÊ DE COMBATE À MEGAMINERAÇÃO, 2021).

Sobre as declarações de Eduardo Leite, Silva (2021SILVA, M. Mina Guaíba está suspensa no RS, mas projeto de desmonte ambiental segue sem alteração. IHU Unisinos. 8 out. 2021. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/613543-mina-guaiba-esta-suspensa-no-rs-mas-projeto-de-desmonte-ambiental-segue-sem-alteracao-entrevista-especial-com-marcelo-dutra-da-silva>. Acesso em: 19 jan. 2022.
https://www.ihu.unisinos.br/613543-mina-...
) afirma que apesar de as falas representarem uma derrota ao projeto de desenvolvimento carbonífero para o Rio Grande do Sul, ao longo de todo o processo o governo atuou para que a Mina Guaíba saísse do papel. Reitera que a agenda de desmonte dos mecanismos de proteção ambiental segue em curso, com alteração do Código Ambiental Estadual, por exemplo.

Stolz (2021STOLZ, A. Projeto Mina Guaíba da Copelmi: incertezas jurídicas com vitória popular. O que esse processo todo ensinou às administrações públicas? Guaíba Online. 8 out. 2021. Disponível em: <https://www.guaiba.online/social/projeto-mina-guaiba-da-copelmi-incertezas-juridicas-com-vitoria-popular>. Acesso em: 17 jan. 2022.
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), ainda sobre isso, afirma que o governador proferiu inverdades em relação ao processo de licenciamento da Mina Guaíba. Ao contrário do que fora dito, o projeto não foi arquivado pelo governo, e sim embargado pela justiça, devido às ações judiciais que peticionaram uma consulta livre, prévia e informada às comunidades afetadas pelo projeto. Outro fator a ser considerado é que a exploração de carvão, dados os danos ambientais que provoca, tem sido rechaçada pela população e pelos investidores, tornando-a cada vez menos aceita como alternativa para produção de energia e fonte de matérias primas.

É possível dizer, portanto, que a postura do governo em relação à defesa do meio ambiente, com alterações ao Código Ambiental do Estado e o enfraquecimento das ações de fiscalização ambiental, serviram para comprometer a confiança na atuação ambiental do estado (PEIXOTO, 2022PEIXOTO, J. FEPAM arquiva projeto de licenciamento da Mina Guaíba. GaúchaZH. 15 mar. 2022. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2022/03/FEPAM-arquiva-projeto-de-licenciamento-da-mina-guaiba-cl0svx45s008v0165z5jcwhzt.html>. Acesso em: 16 mar. 2022.
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).

O comprometimento de tais relações tem grandes consequências para projetos de mineração. Suopajärvi, Umander e Jungsberg (2019SUOPAJÄRVI, L; UMANDER, K; JUNGSBERG, L. Social license to operate in the frame of social capital exploring local acceptance of mining in two rural municipalities in the European North. Resources Policy, v. 64, p. 101498, dez. 2019.), Tarras-Wahlberg (2014) e Kokko et al., (2014KOKKO, K.; BUANES, A.; KOIVUROVA, T.; MASLOBOEV, V.; PETTERSSON, M. Sustainable mining, local communities and environmental regulation. Lauda. [s.l.] University of Lapland, Arctic Centre, 2014. Disponível em: https://lauda.ulapland.fi/handle/10024/62260. Acesso em: 1 mar. 2021.
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) argumentam que os projetos estão diretamente relacionados a questões históricas de confiança, e que dessa forma haverá maior dificuldade na consolidação de novos empreendimentos. A formação de uma governança responsável que consolide os anseios da população afetada é fundamental. Ou seja, uma comunicação transparente e qualificada pode influenciar na aceitação de novos empreendimentos. Zhang, Measham e Moffat (2018ZHANG, A.; MEASHAM, T. G.; MOFFAT, K. Preconditions for social licence: The importance of information in initial engagement. Journal of Cleaner Production, v. 172, p. 1559-1566, jan. 2018.), por exemplo, verificam que a presença de mecanismos de participação ativa e de escuta às comunidades são indispensáveis nesse processo.

5 POSICIONAMENTOS EM TRABALHOS ACADÊMICOS

A produção científica relacionada à Mina Guaíba contempla diferentes momentos do processo de licenciamento, com trabalhos publicados de 2019 até 2021. É possível observar que todos os estudos publicados manifestaram contrariedade ao projeto, e que trabalham com conhecimentos e abordagens de diferentes disciplinas.

De forma geral, os estudos abordam os mesmos temas que aparecem nos posicionamentos vistos no item anterior. São estudados os problemas da falta de participação popular no processo de licenciamento; o saldo econômico, ambiental e social negativo da mineração; o papel da mídia em prol de um consenso favorável ao projeto; e a insuficiência técnica do Estudo de Impacto Ambiental realizado pela empresa.

O artigo de Coelho et al. (2019COELHO, R. S. S.; FERNANDES, A.; PUEBLA, G. C.; MOURA, N. S.; OKIDO, R. H.; LIMA, T. S.; HEIDRICH, A. L.; FREITAS, M. W. D. Visão paisagística sobre o empreendimento “Mina Guaíba” (RS) - parecer técnico sobre os volumes II e IV do EIA “Mina Guaíba”. Boletim Gaúcho de Geografia, v. 46, n 1/2. 2019. Disponível em https://seer.ufrgs.br/bgg/article/download/107480/58349. Acesso em 5 ago. 2023.
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) critica o EIA, que desconsidera aspectos relacionados à preservação da paisagem local. A paisagem, explicam os autores, é um conjunto complexo que integra aspectos físicos, bióticos e socioeconômicos que simboliza, além desses fatores, a cultura e a essência de uma determinada população.

A análise feita pelo EIA/RIMA estaria restrita a critérios relacionados a processos físicos locais que, por sua vez, desconsideraria os potenciais impactos ambientais em outros pontos da Região Metropolitana, assim como os danos aos arranjos produtivos locais e às habitações próximas, como o Assentamento Apolônio de Carvalho e as comunidades pesqueiras vizinhas ao projeto. Por fim, Coelho et al. (2019COELHO, R. S. S.; FERNANDES, A.; PUEBLA, G. C.; MOURA, N. S.; OKIDO, R. H.; LIMA, T. S.; HEIDRICH, A. L.; FREITAS, M. W. D. Visão paisagística sobre o empreendimento “Mina Guaíba” (RS) - parecer técnico sobre os volumes II e IV do EIA “Mina Guaíba”. Boletim Gaúcho de Geografia, v. 46, n 1/2. 2019. Disponível em https://seer.ufrgs.br/bgg/article/download/107480/58349. Acesso em 5 ago. 2023.
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) exigem que se incluam as demandas das comunidades no EIA da Mina Guaíba, reconhecendo os direitos dessas populações de se manifestarem no processo de licenciamento.

Koch (2020KOCH, E. R. S. Mirando (r)existências de sujeitos sociais em luta contra a mineração: o caso da Mina Guaíba. Contraponto, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 1, 2020.) realizou trabalho de campo nas duas principais localidades afetadas pela Mina Guaíba: o assentamento Apolônio de Carvalho e o loteamento Guaíba City. A autora traz relatos de angústias dos moradores diante da ameaça a seus modos de vida. Destaca a estratégia da Copelmi de invisibilizar as reivindicações das comunidades nas consultas públicas.

Ferreira e Tagliani (2019FERREIRA, W. L. S.; TAGLIANI, Paulo Roberto Armanini. A retomada da exploração mineral no Rio Grande do Sul. In: Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental, 10., 2019, Fortaleza. Anais [...] . Fortaleza: Ibeas - Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais, p. 1-5, 2019. Disponível em: https://www.ibeas.org.br/congresso/Trabalhos2019/XI-089.pdf. Acesso em: 02 fev. 2022.
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) analisam o papel da Mina Guaíba na expansão do setor da mineração no RS, destacando o passivo ambiental a ser gerado pelo projeto e o processo histórico de empobrecimento e degradação das comunidades próximas à mineração. Também analisam a utilização de estratégias de manipulação das consultas públicas e os ataques aos movimentos ambientalistas ocorridos no processo de licenciamento da Mina.

Ainda sobre isso, Alt, Kuhn e Costa (2021ALT, J. P.; KUHN, D. D.; COSTA, A. M. Resistência à expansão da mineração no Rio Grande do Sul: reflexões a partir do projeto da Mina Guaíba. Revista Nera, Presidente Prudente, v. 24, n. 5, p. 152-175, 18 jun. 2021.) buscam analisar a articulação de estratégias de movimentos contrários à Mina nos momentos de consulta pública obrigatória. A estratégia da empresa na primeira audiência pública foi proceder de forma célere e assim fomentar incertezas a respeito dos papéis negativos do empreendimento. Já a partir da segunda audiência, diante de maior articulação dos movimentos sociais, com a criação do Comitê de Combate à Megamineração, percebem um incremento significativo de crítica ao projeto e de mobilização popular. Consequentemente, devido à pressão das comunidades, novas audiências públicas foram convocadas, em Porto Alegre e Guaíba, em que continuaram sendo momentos catalisadores de manifestação contrária ao projeto, assim como de disseminação de informações para a população.

Argumentando de forma contraria ao estudo mencionado acima, o artigo de Brose (2019BROSE, M. E. Quando a participação popular é inócua: o greenwashing do carvão na região metropolitana de Porto Alegre/RS. Barbarói, p. 173-190, 13 dez. 2019.) afirma que a ocorrência das audiências públicas em nada alterou o processo de encaminhamento do empreendimento da Mina Guaíba. Considerando a prática de greenwashing, em que a manipulação da opinião pública é direcionada para o apaziguamento de tensões relacionadas ao meio ambiente, o autor afirma que a formatação das audiências públicas, dentro dos limites estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, confere um caráter legitimador das decisões sobre o licenciamento ambiental. Isso se dá, sobretudo, pelo fato de as audiências públicas se constituírem como espaços de manifestação crítica sem poder de deliberação. Por fim, Brose (2019) exemplifica essa condição, visto que essas audiências, em que foram expressas opiniões majoritariamente contrárias à Mina Guaíba, não foram capazes de barrar projetos como o Programa de Incentivo ao Uso Sustentável e Diversificado do Carvão Mineral do Rio Grande do Sul - PROCARVÃO/RS.

Em relação ao papel do jornalismo na defesa das ações de implementação de políticas de incentivo ao carvão no estado do Rio Grande do Sul, Fante e Girardi (2020FANTE, E. M.; GIRARDI, I. M. T. Jornalismo e megamineracão negam impactos e relação com mudança climática. In: FERNÁNDEZ-REYES, Rogelio; RODRIGO-CANO, Daniel; GIRARDI, Ilza Maria Tourinho (org.). Contribuciones actuales. Sevilha: Ediciones Egregius, p. 181-197, 2020.) destacam que o jornal Correio do Povo agiu historicamente em prol dos projetos de mineração, reverberando os discursos governamentais, com forte predomínio de uma retórica de desenvolvimento econômico centrado nas mineradoras. Destaca, ainda, que os jornais servem para amplificar e tornar socialmente aceito esse tipo de discurso.

Ao escrever sobre o papel da abordagem da Economia Ecológica e sobre os objetivos traçados pela ONU, em direção ao fomento do uso de energias limpas, em detrimento do carvão, Santos (2021SANTOS, F. R. A emergência climática e o uso do carvão: uma análise econômica das perspectivas do setor e o projeto Mina Guaíba. 2021. 74 f. TCC (Graduação) - Curso de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.) destaca que o projeto da Mina Guaíba representa um atraso significativo nas metas de desenvolvimento sustentável. Argumenta que as propostas de exploração econômica dos recursos minerais, aos moldes da Mina Guaíba, produzem somente degradação ecológica, concentração da riqueza e desigualdade social.

Considerando a pandemia causada pelo coronavírus, a exploração carbonífera tem sido criticada mundialmente por conta de sua influência na geração de doenças respiratórias. Nesse sentido, Ferreira (2020FERREIRA, T. S. Expansão mineral no sul brasileiro e a pandemia do covid-19: análise preliminar dos discursos para implementação da mina guaíba para exploração de carvão no Rio Grande do Sul frente aos debates críticos à mineração. Revista Latino-Americana de Estudos Científicos, Vitória, v. 2, n. 1, p. 37-44, 01 mar. 2020.) afirma que a Mina Guaíba deve ser debatida futuramente nesse sentido, pois a mineração do carvão e seu processamento não compensam os impactos à saúde das populações. A participação popular, conforme salienta o autor, assume um papel fundamental nessas discussões.

A análise dos textos publicados indica que a Mina Guaíba é um empreendimento com consequências graves e que reproduz uma lógica arcaica de desenvolvimento econômico e social. Também merecem considerações as reflexões sobre o processo de participação e deliberação popular em relação aos projetos.

Na literatura sobre LSO, por exemplo, a questão do conceito jurídico “Consentimento Prévio, Informado e Livre” é destacada por alguns autores nas discussões sobre participação. Argumentam que mecanismos de tomada de decisão devem estar circunscritos à legislação e, dessa forma, cristalizadas como direitos das populações como um todo, sem privilégios a grupos específicos (HANNA; VANCLAY, 2013HANNA, P.; VANCLAY, F. Human rights, Indigenous peoples and the concept of Free, Prior and Informed Consent. Impact Assessment and Project Appraisal, v. 31, n. 2, p. 146-157, jun. 2013.; DE JONG E HUMPHREYS, 2016DE JONG, W.; HUMPHREYS, D. A failed Social Licence to Operate for the neoliberal modernization of Amazonian resource use: the underlying causes of the Bagua tragedy of Peru. Forestry, v. 89, n. 5, p. 552-564, 21 jul. 2016.). Em relação aos procedimentos das audiências públicas, discutidas por Brose (2019BROSE, M. E. Quando a participação popular é inócua: o greenwashing do carvão na região metropolitana de Porto Alegre/RS. Barbarói, p. 173-190, 13 dez. 2019.) e por Alt, Kuhn e Costa (2021ALT, J. P.; KUHN, D. D.; COSTA, A. M. Resistência à expansão da mineração no Rio Grande do Sul: reflexões a partir do projeto da Mina Guaíba. Revista Nera, Presidente Prudente, v. 24, n. 5, p. 152-175, 18 jun. 2021.), a noção de deliberação nesses processos tornaria as audiências instrumento de politização ainda mais relevantes.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou os diferentes posicionamentos públicos sobre a Mina Guaíba. Buscou estabelecer uma discussão sobre os elementos relevantes para a aceitação ou não dos projetos e, nesse sentido, foi possível observar importantes paralelos entre os posicionamentos públicos sobre o projeto da Mina Guaíba e as experiências analisadas em estudos empíricos sobre a LSO em nível internacional. Questões como o economicismo retórico em prol dos empreendimentos, a manipulação dos espaços de consulta, as omissões em relação a comunicação sobre os reais impactos ambientais e sociais dos projetos e a crise de confiança vivenciada pelo setor de mineração e pelos governos estão presentes tanto no contexto do Rio Grande do Sul como em outras regiões do mundo. O artigo contribui com o debate sobre LSO ao apontar a relevância das ações organizadas por parte de movimentos sociais e organizações ambientalistas para a conscientização social no que se refere aos impactos destrutivos de um empreendimento dessa natureza.

As tentativas de manipulação dos espaços de consulta, que aparecem recorrentemente na literatura sobre LSO, foram relatadas nos posicionamentos sobre a Mina Guaíba. Aponta-se um crescimento da desconfiança em relação às ações do governo do estado, que apoiou o projeto através de medidas como a aprovação do novo Código Ambiental, a instauração do programa PROCARVÃO e, como apontado em Menegat (2019MENEGAT, R. Mina Guaíba e o sucateamento da fiscalização ambiental. [Entrevista concedida a] João Vitor Santos. IHU Unisinos, São Leopoldo, 31 de julho de 2019.) e em outros posicionamentos, a flexibilização da fiscalização ambiental.

Constata-se, também, uma ausência importante de posicionamentos favoráveis ao empreendimento na mídia e na academia. De certa forma, a falta de ações de comunicação direcionadas para comunidades afetadas indica que a empresa priorizou criar arranjos institucionais com o poder público para a aprovação do projeto, em detrimento da busca de apoio popular e consentimento social.

Assim sendo, os acontecimentos relacionados à Mina Guaíba indicam a importância da articulação de movimentos e organizações na realização de laudos técnicos independentes, na ocupação dos espaços de participação e na publicação de posicionamentos que apresentem contrapontos e divergências. O artigo aponta também para uma lacuna na literatura sobre LSO que aborde a forma pela qual os movimentos sociais que contestam práticas degradantes entendem e operam o conceito de Licença Social para Operar. No processo de luta contra à Mina Guaíba, além da produção de estudos técnicos independentes que contestam o projeto, uma das forças mais efetivas foi a mobilização coletiva, que tornou evidente que a Mina não possui licença social para operar.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Recebido em 21/11/2022, aceito em 7/8/2023.
  • 4
    Dentre esses empreendimentos, estão em fase de licenciamento o de Retiro, em São José do Norte; projeto da Votorantim, em Caçapava do Sul, nas proximidades do rio Camaquã; e o projeto de Três Estradas, no município de Lavras do Sul. O primeiro projeto trata da extração de titânio, utilizado, sobretudo, na fabricação de pigmentos para tintas; o segundo, relaciona-se à extração de chumbo, zinco e cobre; e no âmbito do último, pretende-se retirar fosfato para a produção de fertilizantes (WENZEL, 2019).
  • 5
    https://sul21.com.br/
  • 6
    https://www.ihu.unisinos.br/.
  • 7
    Para realizar o estudo, foram selecionados artigos que relatam estudos empíricos, a partir da base de dados do Periódicos CAPES. Foram utilizados como termos para a busca: “social licence to operate” AND “mining” e, também, “social license to operate”, considerando a grafia no inglês da América do Norte, AND “mining”. Foi marcado o filtro “periódicos revisados por pares” em ambas as vezes.
  • 8
    Os resultados deste estudo estão publicados em um sítio de internet. Para possibilitar a realização da avaliação cega, o endereço do sítio não será informado nesse momento, podendo ocupar o espaço desta nota de rodapé após a conclusão da avaliação, em caso de aprovação do artigo para publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2022
  • Aceito
    07 Ago 2023
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