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Direito, decolonialidade e giro multiespécie

Resumo

O artigo tem por objetivo expor o giro multiespécie e suas repercussões sociojurídicas notadamente para problematizar a concepção tradicional de sociedade assim como reconhecer nossas existências como inscritas em mundos nos quais as vidas humanas e não humanas se interpelam e influenciam mutuamente para construírem suas historicidades.

Palavras-chave:
Estudos multiespécie; Pensamento decolonial; Animalidade

Abstract

The paper aims to expose the multispecies turn and its socio-legal repercussions notably to problematize the traditional conception of society and to recognize our existences as inscribed in worlds in which human and non-human lives interpellate and influence each other to construct their historicities.

Keywords:
Multispecies studies; Decolonial Thinking; Animality

Introdução

A humanidade, compreendida enquanto estatuto biológico e condição, projeta-se como fundamento de validade do plano civilizatório da Modernidade. O sistema de classificação social moderno estabelece marcadores de diferenciação entre o Sujeito por excelência – aquele que é, conhece, controla e narcisicamente se autoconstitui – e as demais entidades ou organismos em estado de sujeição, dado que supostamente não compartilhariam com os humanos os elementos de singularidade (inteligência, racionalidade, linguagem, moralidade, senso de justiça, etc.). Essa diferenciação categorial entre o humano e o não humano foi e ainda é essencial para a estruturação do modus moderno-colonial de animalização de humanos não-desejáveis (LUGONES, 2014LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Revista Estudos Feministas, v. 22, n. 3, p. 935-952, 2014., p.936).

Desta forma, esse sistema de diferenciação e categorização dos seres estabelece uma hierarquização que confere a uma multitude de seres e entidades abióticas o estatuto da inconsiderabilidade, da existência desqualificada, reificável, uma vez que o princípio organizador do Sistema Mundo é a racialização (GROSFOGUEL, 2016GROSFOGUEL, Ramón. A estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro genocídios/epistemicídios do longo século XVI. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 25-49, 2016.; BERNARDINO-COSTA & GROSFOGUEL, 2016BERNARDINO-COSTA, Joaze; GROSFOGUEL, Ramón. Decolonialidade e perspectiva negra. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 15-24, 2016.), intraespecífica e interespecífica. Às entidades não humanas – incluem-se aqui os humanos jogados abaixo da linha da humanidade como condenados da terra (FANON, 1968FANON, Frantz. Os condenados da terra. Trad. José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.) – restam os espaços epistêmicos e ônticos próprios à extração, controle e exploração.

Este artigo objetiva trazer à tona a proposta de viragem paradigmática no que toca a concepção tradicional de sociedade para reconhecer nossas existências como inscritas em mundos multiespécies, nos quais as vidas humanas e não humanas se intersectam e influenciam mutuamente para construírem suas historicidades.

As noções de sujeito, agência, subjetividade, identidades seriam impulsionadas a serem repensadas para se considerar e levar a sério o estatuto “além-do-humano”. A humanidade como espécie modelo, vetor orientador da sociedade moderno-colonial, passaria, nesta lógica multiespécie, a ser mais uma espécie que se inscreve no mundo através de múltiplas relações com agentes do campo da animalidade/vegetalidade/mineralidade/deidade/ancestralidade.

Os marcadores modernos da humanidade solidificaram uma narrativa jurídica específica imposta como universal e incontornável, mas que na verdade escamoteia o fato de ser situada no espaço-tempo, um localismo globalizado (SANTOS, 2002SANTOS, Boaventura de Sousa. Hacia una concepción multicultural de los derechos humanos. El otro derecho, n. 28, p. 59-83, 2002.) e etnocêntrico. Desta forma, pretendi pensar em que termos a virada multiespécie tensiona as sociabilidades pautadas por uma política normativa fundada na Colonialidade.

Com isso, enuncio a tese da vida multiespécie que coabita e é performada em uma monotópica da modernidade, mas que disputa a afirmação da pluriversalidade como modo possível de ontogênese do Direito. Para tanto, cumpriria decolonizar o mundo hegemônico para enunciar as alternativas de mundos e modos em seus enredamentos multiespecíficos, assim como decolonizar o Direito para adjudicar validez a projetos e formas normativas outras de ser, estar e tornar-se nos mundos comuns e possíveis.

Em busca da vida multiespécie

O compartilhamento do espaço-tempo entre a humanidade e os entes para-além-do-humano é uma temática que vem ganhando fôlego nos últimos anos (TSING, 2015aTSING, Anna. Margens Indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Ilha Revista de Antropologia. v. 17, n. 1, p. 177-201, 2015a., 2015bTSING, Anna. The mushroom at the end of the world: on the possibility of life in capitalist ruins. Princeton: Princeton University Press, 2015b.; KOHN, 2013KOHN, Eduardo. How forests think: toward an anthropology beyond the human. Berkeley: University of California Press, 2013.; OGDEN, HALL & TANITA, 2013OGDEN, Laura A.; HALL, Billy; TANITA, Kimiko. Animals, plants, people, and things: a review of multispecies ethnography. Environment and Society. v. 1, n. 5, p. 5-24, 2013.; KIRKSEY & HELMREICH, 2010KIRKSEY, Eben; HELMREICH, Stefan. The emergence of multispecies ethnography. Cultural anthropology. v. 25, n. 4, p. 545-576, 2010.; VAN DOOREN, KIRKSEY & MUNSTER, 2016VAN DOOREN, Thom; KIRKSEY, Eben; MÜNSTER, Ursula. Multispecies studies: Cultivating arts of attentiveness. Environmental Humanities. v. 8, n. 1, p.1-23, 2016.). O campo de pensamento e ação relativos aos estudos multiespécie encontra-se em franca expansão acadêmica. A abordagem já conta, inclusive, com ressonância significativa em terras brasileiras, com destaque para a produção antropológica (SEGATA, 2012SEGATA, Jean. Os cães com depressão e os seus humanos de estimação. Anuário Antropológico. n. II, p. 177-204, 2012., 2016SEGATA, Jean. A doença socialista e o mosquito dos pobres. Iluminuras. v. 17, n. 42, p.372-389, 2016.; SUSSEKIND, 2017SÜSSEKIND, Felipe. Onças e humanos em regimes de ecologia compartilhada. Horizontes Antropológicos. n. 48, p. 49-73, 2017.; 2018aSÜSSEKIND, Felipe. Natureza e Cultura: Sentidos da diversidade. Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares. v. 20, n. 1, p. 236-254, 2018a.; VANDER VELDEN, 2012VANDER VELDEN, Felipe. Inquietas companhias: sobre os animais de criação entre os Karitiana. São Paulo: Editora Alameda, 2012., 2018VANDER VELDEN, Felipe. Joias da floresta: antropologia do tráfico de animais. São Paulo: EDUFSCAR, 2018.; BEVILAQUA, 2011aBEVILAQUA, Ciméa. Chimpanzés em juízo: pessoas, coisas e diferença. Horizontes Antropológicos. v.17, n. 35, p.65-102, 2011a., 2011bBEVILAQUA, Ciméa. Normas jurídicas e agências não-humanas: o caso dos cães perigosos. Avá, n. 19, p. 199-225, 2011b.; CAMPOS, 2016CAMPOS, Marilena Altenfelder de Arruda. Na roça com os Pataxó: etnografia multiespécie da mandioca na aldeia Barra Velha do Monte Pascoal, Sul da Bahia. Tese (Doutorado em Ciências), Piracicaba: Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, 2016.; LODY, 1992LODY, Raul Giovanni. Tem dendê, tem axé: etnografia do dendezeiro. Rio de Janeiro: Pallas Editora, 1992.).

Os encontros, presenças e relações entre espécies redimensionariam a compreensão de como as vidas humanas e formas de estar no mundo são constituídas, a partir do entrelaçamento com o emaranhado de entidades não-humanas. Trazem à tona a noção de vida em um sentido marcadamente antissolipsista, não-humanista e que objetiva, em certa medida, rasurar o princípio de singularidade da espécie humana e de sua consequente compreensão de mundo e formas de ser/estar/tornar-se.

Essa abordagem tenta superar uma linhagem conceitual “exclusivista e monoespecífica” (SÜSSEKIND, 2018bSÜSSEKIND, Felipe. Sobre a vida multiespécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 159-178, 2018b., p.161) para pensar a vida e o que a permeia para além dos marcadores humanos consolidados na Modernidade/Colonialidade — tradição essa de pensamento e ação marcada por pares opositores hierarquizados-excludentes que sedimentam a singularidade humana (de um segmento específico dos humanos, saliente-se) como princípio organizador da sociedade. É nesse sentido que os estudos multiespécie desafiam o “binarismo ontológico do humanismo” (LOCKE, 2017LOCKE, Piers. Elephants as persons, affective apprenticeship, and fieldwork with nonhuman informants in Nepal. Journal of Ethnographic Theory, 7 (1): 353–376, 2017., p.357, minha tradução). Assim, essa abordagem traz à tona as limitações que se impõem à própria concepção de humanidade a partir de um isolamento narcísico que desconsidera as implicações das demais espécies no devir humano (LOCKE, 2018LOCKE, Piers. Multispecies ethnography. The International Encyclopedia of Anthropology, p. 1-3, 2018.).

A singularidade humana, essa marca estruturante da narrativa cartesiana moderna, adjudicou o predicativo da instrumentalidade às entidades além-das-humanas ao ponto nevrálgico de enunciar uma ruptura de Era geológica, do Holoceno ao Antropoceno/Capitaloceno/Plantatioceno (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantacionoceno, Chthuluceno: generando relaciones de parentesco. Revista Latinoamericana de Estudios Críticos Animales. v.1, p. 15-26, 2016.)/Colonialoceno. A ideia de Antropoceno visa a dar conta ou evidenciar a repercussão estruturante da intervenção humana na Terra. Como um epifenômeno, é como se o léxico trouxesse à tona o “horror” e “pudesse agora ser vislumbrado, enfim, por parte dos centros de poder euro-americano, bem como as suas derivações coloniais e colonizadas.” (GARCIA, 2018GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018., p.195).1 1 Como referente explicativo da influência da intervenção humana sobre os sistemas biogeofísicos do planeta Terra, para além da concepção escatológica do Antropoceno, vejo o reconhecimento dessa nova Era como potência pedagógica transformativa, no sentido proposto por Taylor e Pacini-Ketchabaw (2015), como espaço aberto para novas conformações pedagógicas desvencilhadas da matriz de poder exclusivista e monoespecífica, para adjudicar possibilidades outras de relações menos destrutivas. Um momento propício pra reconfigurar nossos sistemas de pensamento e ação. Nesse sentido, referenciais como Crititical Animal Pedagogies, Education for Total Liberation, Common Worlds Pedagogies são aportes teóricos relevantes.

A segregação da humanidade das outras formas de existências implicou em um modelo de exploração de corpos, entidades, elementos abióticos de tal sorte a considerar a natureza como um bloco homogêneo disponível ao processo de reificação como recurso de extração (KIRKSEY, 2017KIRKSEY, Eben. Lively Multispecies Communities, Deadly Racial Assemblages, and the Promise of Justice. South Atlantic Quarterly. 116, v.1, p.195-206, 2017.). Com isso, são desconsideradas as subjetividades, agentividades e capacidades desses entes e as possíveis relações com a humanidade, em um sentido de não-passividade, de coconstrução de realidades. A fórmula ocidental do homo mensura complementa-se com a concepção da natureza como recurso e dos seres não humanos como instrumentos (SÜSSEKIND, 2018aSÜSSEKIND, Felipe. Natureza e Cultura: Sentidos da diversidade. Interseções: Revista de Estudos Interdisciplinares. v. 20, n. 1, p. 236-254, 2018a.).

Como evidencia Garcia (2018)GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018., a despeito da História da humanidade ser uma narrativa dos humanos em relação a tantos não humanos, esses seres não foram tratados com seriedade, com o devido centramento, como parte integrante e interativa de nossos mundos sociais. Ao afirmar que “a natureza humana é uma relação entre espécies”, Anna Tsing (2015aTSING, Anna. Margens Indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Ilha Revista de Antropologia. v. 17, n. 1, p. 177-201, 2015a., p.184) reconhece que todas as entidades que habitam a metáfora e a materialidade Terra emergem e constroem suas existências em comunidades multiespécies, como que em uma teia de interdependência. Essa constatação ressignificaria o espelho narcísico da humanidade, ou ao menos causar-lhe-ia alguns trincos.

A compreensão e constituição do humano dar-se-ia de forma relacional, em interações para além do humano, cuja historicidade é forjada por um emaranhado e complexo plexo de relações. Como consequência, seríamos sempre mais que humanos (ASDAL, DRUGLITRØ & HINCHLIFFE, 2016ASDAL, Kristin; DRUGLITRØ, Tone; HINCHLIFFE, Steve. Humans, animals and biopolitics: the more than human condition. New York: Routledge, 2016.). Mais, seríamos sempre Com e Juntos.

Esse emaranhado de seres possuiria, então, capacidade de produzir História (HARAWAY, 2016HARAWAY, Donna. Antropoceno, Capitaloceno, Plantacionoceno, Chthuluceno: generando relaciones de parentesco. Revista Latinoamericana de Estudios Críticos Animales. v.1, p. 15-26, 2016.; HRIBAL, 2007HRIBAL, Jason. Animals, agency, and class: Writing the history of animals from below. Human Ecology Review, p. 101-112, 2007.; BARATAY, 2012BARATAY, Eric. Le Point de vue animal. Une autre version de l’histoire. Paris: Le Seuil, 2012.). Uma História com ampliação de agentes produtores e a partir de Comunidades Híbridas, onde os encontros e mediações interespecíficos são possíveis (LESTEL, 2011LESTEL, Dominique. A animalidade, o humano e as “comunidades híbridas”. Pensar/escrever o animal: ensaios de zoopoética e biopolítica. Florianópolis: Editora da UFSC, p. 23-54, 2011.). Assim, experiências e histórias do ator não humano passam a ter significância que reverberam nas compreensões da humanidade e animalidade (TORTORICI & FEW, 2013TORTORICI, Zeb; FEW, Martha. Writing Animal Histories. In: ORTORICI, Zeb; FEW, Martha (Org.). Centering animals in Latin America History. Durham: Duke University Press, 2013, p.1-30.), não só do ponto de vista ecológico, mas social, político, econômico e jurídico.

O historiador Jason Hribal (2003HRIBAL, Jason. “Animals are part of the working class”: a challenge to labor history. Labor history, v. 44, n. 4, p. 435-453, 2003., 2007HRIBAL, Jason. Animals, agency, and class: Writing the history of animals from below. Human Ecology Review, p. 101-112, 2007.) parte da pressuposição de que opor resistência é uma das características principais para a categorização ou compreensão de uma consciência de classe. Mais, afirma que os animais demonstrariam atos de resistência intencionais e negociações frente ao trabalho, nos limites de sua própria exploração. Ao reconhecer os animais como uma classe trabalhadora, Hribal afirma os animais como entes que produzem história. São agentes ativos de suas vidas, com capacidade de agir intencionalmente nos contextos das relações multiespécies que são travadas no contexto do trabalho. Não são, desta forma, personagens estáticos, elementos alegóricos de uma paisagem própria às narrativas da história humana.

O giro paradigmático proposto pelos estudos multiespécies provoca recursividades potencialmente relevantes para a compreensão e construção dos espaços de juridicidade e discursos de normatividade. O Jurídico passaria a ser tencionado em sua tradição tipicamente humanista. O espelho narcísico do Direito – o sujeito de direito abstrato universal como pedra angular da tradição jurídica ocidental, destinatário último e único do Direito – passa a ser questionado e problematizado.

Até mesmo a noção própria de Direito Animal passaria por uma reorientação. Falar de Direito Animal em um sentido multiespecífico significaria reconhecer que há outras entidades para além do estatuto do Animal que interatuam e se interpelam mutuamente com espécies animais em suas existências. Nesse contexto, a vegetalidade, mineralidade, ancestralidade, deidades são condições que passariam a ter um papel de relevo na conformação da dogmática animalista.

A noção de sujeito de direito passa a ser repensada a partir da consideração da agência animal (STEWARD, 2009STEWARD, Helen. Animal Agency. Inquiry, 52:3, p.217-231, 2009.; PEARSON, 2015PEARSON, Chris. Beyond ‘resistance’: rethinking nonhuman agency for a ‘morethan-human’ world. European Review of History, 22:5, p.709-725, 2015.; HRIBAL, 2007HRIBAL, Jason. Animals, agency, and class: Writing the history of animals from below. Human Ecology Review, p. 101-112, 2007.), da personalidade mais-que-humana (REGAN, 2001REGAN, Tom. Defending animal rights. Champaign: University of Illinois Press, 2001.; FRANCIONE, 1995FRANCIONE, Gary. Animals Property & The Law. Filadélfia: Temple University Press, 1995.; WISE, 2014WISE, Steven. Rattling the cage: Toward legal rights for animals. Cambridge: Da Capo Press, 2014.), da comunicação interespecífica (HOSTETTER et al., 2001HOSTETTER, Autumn B.; CANTERO, Monica; HOPKINS, William D. Differential use of vocal and gestural communication by chimpanzees (Pan troglodytes) in response to the attentional status of a human (Homo sapiens). Journal of Comparative Psychology, v. 115, n. 4, p. 337, 2001.; ZUBERBÜHLER, 2000ZUBERBÜHLER, Klaus. Interspecies semantic communication in two forest primates. Proceedings of the Royal Society of London. Series B: Biological Sciences, 267, p. 713-718, 2000.), da neurobiologia das plantas como campo insurgente (STRUIK et al., 2008STRUIK, Paul C.; YIN, Xinyou; MEINKE, Holger. Plant neurobiology and green plant intelligence: science, metaphors and nonsense. Journal of the Science of Food and Agriculture, v. 88, n. 3, p. 363-370, 2008.; TREWAVAS, 2016TREWAVAS, Tony. Plant intelligence: an overview. BioScience, v. 66, n. 7, p. 542-551, 2016.), da senciência e consciência de animais não humanos (LOW, 2012), da Teoria da Mente adjudicada a primatas (KRUPENYE et al., 2016KRUPENYE, C., KANO, F., HIRATA, S., CALL, J., & TOMASELLO, M. Great apes anticipate that other individuals will act according to false beliefs. Science, v.354, n. 6308, p. 110-114, 2016.; CALL & TOMASELLO, 2008CALL, Josep; TOMASELLO, Michael. Does the chimpanzee have a theory of mind? 30 years later. Trends in Cognitive Sciences, v. 12, n. 5, p. 187-192, 2008.), da inteligência artificial e personalidade de agentes eletrônicos (TEUBNER, 2006TEUBNER, Gunther. Rights of non‐humans? Electronic agents and animals as new actors in politics and law. Journal of Law and Society, v. 33, n. 4, p. 497-521, 2006.; KURKI & PIETRZYKOWSKI, 2017KURKI, Visa AJ; PIETRZYKOWSKI, Tomasz. Legal personhood: Animals, artificial intelligence and the unborn. 2017.).

A monocultura jurídica ocidental igualmente poderia ser repensada a partir da referência às cosmopolíticas e ontologias outras que reorientam as possibilidades das bases éticas para sociedades com tipologias das relações humanidade-animalidade-vegetalidade-mineralidade-deidade-ancestralidade distintas da modelagem ocidental (DESCOLA, 1998DESCOLA, Philippe. Estrutura ou sentimento: a relação com o animal na Amazônia. Mana, v. 4, n. 1, p. 23-45, 1998.; VIVEIROS DE CASTRO, 1996VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio. Mana, v. 2, n. 2, p. 115-144, 1996.; COUTINHO, 2017COUTINHO, Juliana Fausto de Souza. A cosmopolítica dos animais. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado em Filosofia). Programa de Pós-Graduação emFilosofia, Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2017.). Nesse contexto, as narrativas ameríndias saltam aos olhos como potenciais chaves explicativas e generativas de sistemas normativos não-hegemônicos.

Para falar do Direito no contexto multiespécie, há uma necessidade de alargamento semântico e significativo de conceitos como opressão, violência, controle, poder, direitos humanos como construções assentadas em um mundo também pluriespecífico. Desta forma, a vida nua (AGAMBEN, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer, o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2007.), as vidas matáveis, consumíveis são projetadas no contexto de comunidades assentadas em dispositivos de poder. A noção multiespécie não elide, por si, os aparelhos de violência. Por isso que a reflexão multiespécie não prescinde da posicionalidade enunciativa dos seus membros. Membros de uma comunidade multiespécie poderiam – e o fazem diuturnamente – estabelecer relações de violência estruturais. Há situações assimétricas de risco e vulnerabilidade entre componentes de uma comunidade. Ou seja, a necropolítica, no sentido proposto por Achille Mbembe (2018)MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2018., também está assentada em um mundo multiespécie.

O descortinar de um mundo multiespecífico traz consigo consequências para o âmbito do Direito que merecem análise, reflexão e proposição. Possibilidades de reorientação das noções estruturantes do Direito quais sejam “pessoa”, “coisa” e “relações”. O conceito normativo de família, por exemplo, poderia passar por uma releitura. O reconhecimento da pluriversalidade ontológica e cosmopolítica associada à inclusão multiespécie também possuem a capacidade de questionar o modelo de desenvolvimento econômico e o espectro de proteção ambiental. As noções do espaço urbano, rural e patrimônio também podem ser afetadas.

Diante desse contexto, cumpre traçar um percurso na discussão das repercussões jurídicas da reorientação dos mundos e identidades em termos multiespecíficos, com lastro em uma perspectiva decolonial do Direito e com assento no aporte teórico dos Estudios Criticos Animales e da Antropologia das relações interespecíficas.

O multi e as espécies

O termo guarda-chuva Estudos Multiespécie está longe de compor um agregado homogêneo de teóricos, teorias e práticas no que se refere a escopo, foco e métodos, longe de ser um projeto intelectual unificado. No entanto, há uma zona de compartilhamento, de intersecção entre os estudos que implica em propor a viragem paradigmática no modus de produzir compreensão sobre o mundo que leve em conta as diversas entidades, além da humana. Objetiva-se retirar a centralidade humana da teoria social uma vez que “viver mostra-se urgentemente como entreviver. Existir como coexistir. Evoluir como coevoluir. Morrer como entremorrer. Reagir como entrerreagir” (MARRAS, 2018MARRAS, Stelio. Por uma antropologia do entre: reflexões sobre um novo e urgente descentramento do humano. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, p. 250-266, 2018., p.256).

Apresento aqui a minha particular leitura sobre os mundos multiespécies. E frente a essa leitura me responsabilizo inteiramente pelos equívocos. Situo-me nas bordas de convergências entre pensamentos, teorias e práticas que, a meu sentir, podem produzir um tipo de abordagem fértil para os estudos das tensões e relações transespecíficas.

É nessa esteira que emaranho o Critical Animal Studies (BEST, 2009BEST, Steven. The rise of critical animal studies: Putting theory into action and animal liberation into higher education. Journal for Critical Animal Studies, v. 7, n. 1, p. 9-52, 2009.; ÁVILA-GAITÁN, 2017ÁVILA-GAITÁN, Ivan. El Instituto Latinoamericano de Estudios Críticos Animales como proyecto decolonial. Tabula Rasa, n. 27, p. 339-351, jul.-dic. 2017.), em sua vertente latino-americana, com o aporte teórico-prático da decolonialidade (DUSSEL, 1993DUSSEL, Enrique.1492: o encobrimento do outro; a origem do Mito da modernidade. Rio de Janeiro: Vozes, 1993.; QUIJANO, 2005QUIJANO, Aníbal. Dom Quixote e os moinhos de vento na América Latina. Estudos Avançados, v. 19, n. 55, p. 9-31, 2005.) para postular espaços de juridicidade não violentos vindicados aos animais e demais viventes bem como a etnografia multiespécie como prática atentiva.

Ao tomar de empréstimo a categoria analítica multiespécie, coloco-a em perspectiva para pensá-la em termos decoloniais. Acredito que o aporte teórico e a atitude decolonial são fundamentais para compreender, ser e se engajar criticamente em comunidades que articulam o humano e o não humano em um mesmo eixo de coconstituição.

Ao abordar o tema, Felipe Sussekind prenuncia uma noção do que vem a ser os estudos multiespécies através de um contra conceito, um o-que-não-constitui, ao expor que “uma abordagem que leva esse nome seria então aquela que não define a vida nos termos exclusivistas da vida social humana, e que, ao mesmo tempo, não toma a natureza como uma realidade objetiva exterior compartilhada por qualquer cultura ou por qualquer organismo” (2018b, p.162). Já Ogden, Hall & Tanita (2013OGDEN, Laura A.; HALL, Billy; TANITA, Kimiko. Animals, plants, people, and things: a review of multispecies ethnography. Environment and Society. v. 1, n. 5, p. 5-24, 2013., p.7), ao propor uma noção-ideia de Etnografia multiespécie, define-a

em sintonia com o surgimento da vida dentro de um conjunto mutável de seres agentes. Por “seres” estamos sugerindo tanto entidades biofísicas quanto formas mágicas que animam a própria vida. Grande parte da literatura considera a etnografia multiespecífica focada nas relações de múltiplos organismos (plantas, vírus, humanos e animais não humanos), com uma ênfase particular em compreender o humano como emergente através dessas relações (“tornar-se”). Nós expandimos nossa compreensão da etnografia multiespécies além deste foco em “organismos”. Essa abordagem vem de nossas preocupações sobre a reificação de perspectivas que vêem a vida limitada em corpos...

Em uma narrativa semelhante, na obra intitulada Humains, non-humains: Comment repeupler les sciences sociales, Sophie Houdart e Olivier Thiery (2011) apresentam a noção de não humanos que em muito se conecta com a ideia de multiespécie que intento formular. Ampliam sobremaneira o espectro de análise ao afirmar que “animais, moléculas, objetos técnicos, divindades, procedimentos, materiais, edifícios, todos estes vários ‘não-humanos’ são importantes para os humanos e não de maneira cosmética: as relações que temos com eles são um pouco o que somos” (HOUDART & THIERY, 2011, p.7, minha tradução).

Em texto seminal que introduz a edição especial sobre multiespecie studies do periódico environmental humanities, Van Dooren, Kirskey & Münster (2016, p.1), estabelecem, os contornos do que se compreende como estudos multiespécies a partir de uma lógica condominial, histórica e coevolutiva dos seres vivos ao consignarem que

os organismos estão situados dentro de profundas, e emaranhadas, histórias. E assim, para além da mera sobrevivência, formas particulares de vida, em toda a sua diversidade resplandecente, emergem de padrões entrelaçados de viver e morrer, de ser e tornar-se, em um mundo maior. A íntima relação entre uma flor e sua abelha polinizadora é aquela em que ambas as formas de vida são modeladas e se tornam possíveis através de um patrimônio comum, um entrelaçamento que Isabelle Stengers caracteriza como “captura recíproca”. Como tal, elas não simplesmente se encontram – esta abelha e esta flor –, mas, ao invés disso, a sua relação emerge a partir de histórias co-evolutivas, a partir de ricos processos de co-tornar-se. Este co-tornar-se envolve o intercâmbio e o aparecimento de significados, a imersão em teias de significação que podem ser linguísticas, gestuais, bioquímicas e muito mais.

Pensar o multiespecífico significa quebrar a ideia de um ambiente estático, palco-picadeiro de um sujeito focal ou específico moderno, um Eu-cartesiano pousado nos ombros dos gigantes. Trata-se da compreensão de que esse “todo” é, na verdade, um plexo de ecologias de seres atuando de forma relacional e dinâmica, em continuum modelador. Felipe Vander Velden (2018)VANDER VELDEN, Felipe. Joias da floresta: antropologia do tráfico de animais. São Paulo: EDUFSCAR, 2018. advoga que essa multidão de seres vivos possui formas próprias de produção e ocupação de espaço que desafia fronteiras estatais, demarcações espaciais entre o urbano e o rural, o domesticado e o selvagem, a natureza e a cultura.

Por multiespécie compreendo o complexo de relações estabelecidas pela multidão de entes que habitam o imaginário e a realidade mundana. Essas relações permitem trocas, fluxos, representações, compreensões e constituições recíprocas dos sujeitos imbricados, da paisagem e dos modos de ser e estar. Essas relações possuem potência para reorientar – ao mesmo tempo que são orientadas por – os modelos ontológicos vigentes (DESCOLA,2015DESCOLA, Philippe. Par-delà nature et culture. Paris: Editions Gallimard, 2015.). Um sistema situado de afetação recíproca que concebe a existência como associações de co-tornar-se em dinâmica epistêmica-ecológica-pedagógica-política contínuas.

Há um espaço-tempo condominial no qual relações são possíveis e fecundas. Essas relações não são abstratas, senão dimensionadas na concretude do mundo, assentadas em um contexto geopolítico e histórico

Tampouco são performadas em sentido idílico como um eterno retorno a um espaço destacado pré-civilizacional, a uma contemplação de uma natureza essencializada onde residiria o belo e o justo. O bucólico, o puro, o pastoril romântico não são predicados necessários em espaços de compartilhamento multiespécies.

Longe de evocar uma simplificação ou redução categorial, o multiespécie dimensiona fatorialmente a complexidade na medida em que trato o multiespecífico não como apagamento genérico de entes descoporificados, senão como uma multidão de corpos complexos e situados que empreendem associações intra e interespecíficas.

Ao descortinar a pluralidade inserta na categoria abstrata animal, Lewgoy, Sordi & Pinto (2015LEWGOY, Bernardo; SORDI, Caetano; PINTO, Leandra Oliveira. Domesticando o humano: para uma antropologia moral da proteção animal. Ilha Revista de Antropologia, v. 17, n. 2, p. 075-100, 2015., p.79) fogem do reducionismo categorial a que me refiro ao consignar que

há todo um dispositivo biopolítico classificatório, técnico e informal que separa os animais “selvagens” versus “domésticos”, “domésticos de produção” versus “domésticos de companhia”, “selvagens rurais” (“fauna de conservação” ou “vida selvagem”) versus “selvagens urbanos” sujeitos a controle de zoonoses (ratos, pombos, insetos, etc.) e fauna de conservação em áreas de reserva no interior do meio urbano.

O reconhecimento do entrelaçamento das existências humanas e não humanas trazem à tona uma ecologia política que, a princípio, não elide a violência como um dos princípios organizadores da sociedade, muito embora traga à tona a possibilidade de respostas disruptivas e projetos político-pedagógicos para construir alternativas à violência estrutural do sistema moderno/colonial.

Outro ponto importante é que, ainda no espectro de análise contextual, o Sistema-Mundo Colonial (QUIJANO & WALLERSTEIN, 1992QUIJANO, Aníbal; WALLERSTEIN, Immanuel. ‘Americanity as a ‘Concept, or the Americas in the Modern World. International social science journal, v. 44, n. 4, p.549-557, 1992.) também projeta um sistema de valores de ordem global às comunidades multiespécies. Os modos de conhecer, ser, organizar, estar, são mediados por dispositivos de uma sociedade específica que (im)põe esse modus.

Essa sociedade, como sugere Grosfoguel, tem que ser nomeada! Um “sistema-mundo capitalista/ patriarcal/ ocidentalocêntrico/ cristianocêntrico/ moderno/ colonial” (GROSFOGUEL, 2011GROSFOGUEL, Ramón. La descolonización del conocimiento: diálogo crítico entre la visión descolonial de frantz fanon y la sociología descolonial de boaventura de sousa santos. Formas-otras: saber, nombrar, narrar, hacer. Barcelona: CIDOB, p. 97–108, 2011.). Adiciono a perspectiva especista e neoextrativista como predicativo desse Sistema-Mundo.

Os predicativos do Sistema Mundo Moderno-Colonial são incontornáveis e possuem recursividades relevantes como princípios de poder e controle de sujeitos, relações e culturas. Dar visibilidade ao predicado é dar visibilidade à violência subjacente e, por consequência, evidenciar a possibilidade de subversão.

E quando falo de violência pondero em sentido amplo, para considerar a violência simbólica, a violência epistêmica, a violência física, a violência psicológica etc. As relações ecológicas, interespecíficas e intraespecíficas, são relações políticas, econômicas, jurídicas, éticas, estéticas, metafísicas.

Nesse sentido, o exemplo da etnografia proposta por Anna Tsing é seminal. Seu percurso em busca dos cogumelos Matsutake (Tricholoma matsutake), fungos raros e valorizados do ponto de vista econômico, permite a imersão em uma estrutura internacional da cadeia de commodities e pensar a rota global do capitalismo na qual encontra-se inserido estes fungos.

Esta espécie de cogumelo, uma iguaria de alto valor comercial apreciada no Japão, emerge nas raízes das árvores, como o Pinheiro Vermelho Japonês. O relato da experiência etnográfica aponta para as paisagens nas quais emergem os cogumelos, em processo de simbiose com esses pinheiros.

O trabalho da antropóloga permite a compreensão das interações mais que humanas e do próprio mundo humano a partir dos cogumelos, quando afirma que os “fungos são indicadores da condição humana” (TSING, 2015aTSING, Anna. Margens Indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Ilha Revista de Antropologia. v. 17, n. 1, p. 177-201, 2015a., p.185). E é a partir dos cogumelos que a autora analisa as “costuras do capitalismo global” (TSING, 2015aTSING, Anna. Margens Indomáveis: cogumelos como espécies companheiras. Ilha Revista de Antropologia. v. 17, n. 1, p. 177-201, 2015a., p194) sem remover os sujeitos do mundo do capital, das classes e da regulação. Sua análise dispensa o bucolismo ou busca utópica, mas percebe essas costuras como uma abertura ao questionamento.

Outro trabalho que vale a referência é a etnografia de Vander Velden (2018)VANDER VELDEN, Felipe. Joias da floresta: antropologia do tráfico de animais. São Paulo: EDUFSCAR, 2018. sobre a circulação de animais silvestres submetidos à rota do tráfico internacional de animais. Evidencia bem como os movimentos, circulações e transações se perfazem em uma rede local de atores do norte do Brasil. O relato etnográfico levado a cabo em Rondônia, na cidade de Porto Velho, busca caracterizar a circulação ilícita da fauna silvestre no país e no mundo, a partir dos encontros e intersecções dos múltiplos sujeitos envolvidos. As interações com pessoas que comercializam e realizam a circulação de animais silvestres e de outra parte a relação com os Karitiana, povo indígena de Língua Tupi-Arikém que habita a região, permitiu ao autor adensar as reflexões sobre as razões e motivações que conduzem os sujeitos a esta prática.

Na verdade, a tradição ocidental humanista rejeita ou tem dificuldades em perceber outridades não-humanas como presenças e, por conseguinte, rejeita as ideias multi, ademais do fato de estarmos em um mundo cujas dinâmicas são performadas de maneira intrinsecamente pluriespecíficas. Assim, penso que o humano posto pela tradição humanista, e tal qual compreende-se vulgarmente (monoespecificamente), não existe.

Quando falo da Colonialidade minar o multiespecífico, na verdade estou afirmando que o dispositivo de poder colonial (ideia -> ação) se projeta no mundo (material) multiespecífico, violentando-o para forjá-lo como um mundo monoespecífico. E é nesse sentido que a mim parece salutar compreender a Colonialidade como dispositivo de poder que mina também a comunidade multiespécie, ao forjar um modelo apriorístico e universal do que é o mundo, como se constitui, quais transações se estabelecem, sob que base epistemológica se assenta, que cosmopolítica a rege, qual rota ontológica se estabelece e quais classificações sociais se impõem. Há um mundo (aqui incluído a dicotomia Natureza/Cultura ou Naturezacultura no sentido de Haraway) reduzido e centrado no humano.

No giro multiespécie, a outridade não-humana é posta em cena não como um passivo ambiental estático, um pano de fundo cenográfico, mas como projetores de agência. A natureza não é vista de forma morta, destituída de ação senão em conexão, viva e interatuante (MARRAS, 2018MARRAS, Stelio. Por uma antropologia do entre: reflexões sobre um novo e urgente descentramento do humano. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 69, p. 250-266, 2018.). No entanto, há uma pluralidade de perspectivas e formas de inserir as relações interespecíficas na construção do Social.

Há uma série de estudos etnográficos que enfocam as relações entre humanos e demais seres, como os Elefantes (LOCKE, 2017LOCKE, Piers. Elephants as persons, affective apprenticeship, and fieldwork with nonhuman informants in Nepal. Journal of Ethnographic Theory, 7 (1): 353–376, 2017.), as relações entre primatólogos e demais primatas (SÁ, 2013bSÁ, Guilherme. No mesmo galho: antropologia de coletivos humanos e animais. Rio de Janeiro: 7Letras, 2013b.), Corvos (VAN DOOREN, 2019VAN DOOREN, Thom. The Wake of Crows: Living and Dying in Shared Worlds, Columbia University Press:New York, 2019.), Onças (SUSSEKIND, 2014SÜSSEKIND, Felipe. O rastro da onça: relações entre humanos e animais no Pantanal. Rio de Janeiro: Editora 7Letras, 2014.), extinção de espécies animais (ROSE, VAN DOOREN & CHRULEW, 2017ROSE, Deborah Bird; VAN DOOREN, Thom; CHRULEW, Matthew. Extinction Studies: Stories of Time, Death and Generations. Nova Iorque: Columbia University Press, 2017.), Fungos (TSING, 2015bTSING, Anna. The mushroom at the end of the world: on the possibility of life in capitalist ruins. Princeton: Princeton University Press, 2015b.), Dendezeiros (LODY, 1992LODY, Raul Giovanni. Tem dendê, tem axé: etnografia do dendezeiro. Rio de Janeiro: Pallas Editora, 1992.), Mandioca (CAMPOS, 2016CAMPOS, Marilena Altenfelder de Arruda. Na roça com os Pataxó: etnografia multiespécie da mandioca na aldeia Barra Velha do Monte Pascoal, Sul da Bahia. Tese (Doutorado em Ciências), Piracicaba: Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, 2016.), Ratos de laboratório (SOUZA, 2013SOUZA, Iara Maria de Almeida. Vidas experimentais: humanos e roedores no laboratório. Etnográfica, vol. 17 (2), p.241-268, 2013.; CARVALHO, 2016CARVALHO, Marcos Castro. Producing quimeras: lineages of rodents, laboratory scientists and the vicissitudes of animal experimentation. Vibrant, v. 13, n. 2, p. 160-176, 2016.), Aedes aegypti (SEGATA, 2016SEGATA, Jean. A doença socialista e o mosquito dos pobres. Iluminuras. v. 17, n. 42, p.372-389, 2016.), Minhocas e Formigas (TAYLOR & PACINI-KETCHABAW, 2015TAYLOR, Affrica; PACINI-KETCHABAW, Veronica. Learning with children, ants, and worms in the Anthropocene: towards a common world pedagogy of multispecies vulnerability. Pedagogy, Culture & Society. v. 23, n. 4, p. 507-529, 2015.).

As Etnografias de comunidades indígenas sul-americanas expõem uma miríade de possibilidades outras de pensar as condições de humanidade e animalidade (GARCIA, 2018GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018.). Os sistemas ontológicos propostos por Philipe Descola (2015)DESCOLA, Philippe. Par-delà nature et culture. Paris: Editions Gallimard, 2015. e o Perspectivismo-multinaturalismo exposto por Eduardo Viveiro de Castro (2018) dão cabo desta análise.

De acordo com Garcia (2018GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018., p.182)

o que vincula política e epistemologicamente parte da produção etnológica sul-americana atual aos chamados “estudos multiespécies” é o esforço que ambos empreendem na compreensão conceitual de variadas formas de vida que se correlacionam, sem recorrerem a simbolismos ou sobrecodificações.

A atentividade frente ao regime coletivo de (con)vivência salienta a diversidade como modo constitutivo e abre espaço para um modelo de compreensão e ser interespecíficos das espécies, no sentido proposto por TSING (2015).

As etnografias dos povos ameríndios evidenciam a diversidade de relações que esses povos estabelecem com entidades não humanas. “As casas são repletas de animais que podem superar o número de seres humanos em uma residência. São macacos, jacus, quatis, jacamins, corujas, araras, tucanos, cotias, pacas, tartarugas, porcos e até filhotes de jaguares, criados pelas mulheres, crianças e, em alguns casos, por homens” (GARCIA, 2018GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018., p.187).

Os mundos ameríndios são fundamentalmente mundos multiespecíficos, onde entidades não humanas são percebidas como possuidoras de semelhante substrato de interioridade (DESCOLA, 2015DESCOLA, Philippe. Par-delà nature et culture. Paris: Editions Gallimard, 2015.). Compartilha-se, assim, um estatuto de condição comum, geralmente predicativos que o naturalismo ocidental reivindica apenas ao humano.

É como se todos compartilhássemos da condição humana ainda que biologicamente não-humanos. O elemento de distinção seria dado pela fisicalidade dos entes, uma roupagem que esconde uma essência compartida entre humanos, plantas, animais, ancestralidades e deidades.

Garcia (2018)GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018. expõe a cosmovisão dos Guajá, comunidade indígena do Maranhão, através da noção de espécies que se interconectam pelo “andar junto” (wata pyry) que traduziria um estar na aldeia em relação com uma diversidade de espécies.

A noção de criação é expandida para abarcar atos de cuidado e atentividade interespecíficos. E nesse sentido, para os Guajá o que se cria não se come. Garcia (2018)GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018. exemplifica diversas relações de criação entre espécies animais não humanos. De forma semelhante a outros povos amazônicos, os Guajá não possuem uma palavra para a categoria animal, de um ponto de vista genérico, mas possuem palavras para diferenciar o animal caçável (ma’amiara) e o animal criável (hajma).

Outro ponto relevante da cosmontologia Guajá, ainda concernente à atentividade multiespécie diz respeitos aos cuidados com filhotes de espécimes animais que foram caçados. Os heimá, como são chamados, são criados como membros da família. Macacos, Porcos do mato, cotias etc. As mulheres, inclusive, costumam amamentar os filhotes lactentes. Não há embaraço ou impedimento à amamentação transespecífica, muito em função da concepção segundo a qual somos todos entes que compartilhamos dos mesmos predicativos de interioridade, desta forma somos todos semelhantes com roupagens externas distintas.

Os Matis, indígenas da Amazônia brasileira, designam wiwa os seres familiarizados, aqueles entes animais e vegetais que se inserem no sistema de responsabilização decorrente da esfera de influência humana, aqueles que coabitam os shobos (ERIKSON, 2012ERIKSON, Philippe. Animais demais… os xerimbabos no espaço doméstico matis (Amazonas). Anuário Antropológico, II, p.15-32, 2012.). Para os Matis, os espaços humanos são concebidos em relacionalidade com os espaços animais e vegetais. “A muda de um cipó estimulante (tachik) torna-se, por exemplo, tachik wiwa após ter sido transplantada para a proximidade de uma habitação, num local que facilitará sua colheita posterior.” (ERIKSON, 2012ERIKSON, Philippe. Animais demais… os xerimbabos no espaço doméstico matis (Amazonas). Anuário Antropológico, II, p.15-32, 2012., p.18).

Os xerimbabos – animais não humanos inseridos no âmbito afetivo-familiar – são incluídos nos espaços domésticos, “são por vezes enfeitados com miçangas, levados nos braços e, sobretudo, são enterrados após a morte” (ERIKSON, 2012ERIKSON, Philippe. Animais demais… os xerimbabos no espaço doméstico matis (Amazonas). Anuário Antropológico, II, p.15-32, 2012., p.21). Assim como os povos Guajá, as Matis também amamentam os xerimbabos, e assim como procedem com os bebês humanos, oferecem comida pré-mastigada aos filhotes. As cosmontologias ameríndias forjam mundos plurais e pluriespecíficos ricos em complexidades e que podem ensinar saberes relevantes ao Direito. Saberes estes que foram silenciados historicamente, reputados como epistemologicamente inferiores, incautos e incivilizados.

Há duas dimensões que julgo relevantes para a compreensão da humanidade em uma acepção multiespécie: somos condição de possibilidade de comunidades multiespécies e, ao mesmo tempo, pertencemos a comunidades multiespécies. Em nossos corpos habitam múltiplas formas de vida que interatuam coletivamente. Cada corporalidade humana é, em si, uma multidão que atua concomitantemente como zona de encontro – e nesse contexto em um sentido próximo à noção de ambiente – e como membro de sua própria comunidade corporal multiespécie – estabelecendo relações simbióticas e parasitárias.

Nesse sentido, cabe a reorientação dos axiomas “os animais são bons para pensar”, “os animais são bons para conviver”, “os animais são bons para comer”, para afirmar também que o ser humano – expansível essa consignação a outras espécies animais – como criatura boa para conviver-dentro (em uma imersão simbiótica e/ou parasitária, como zona de contato), e conviver-com (em um espectro relacional extra corpóreo, em uma zona de contato).

Por outro lado, os padrões de ser, estar, sentir, tornar-se são co-constituídos em uma rede emaranhada de espécies e espécimes. Essa perspectiva apaga, em certa medida (ou ao menos as deixa mais porosas), as dicotomias humano x não humano, natureza x cultura, uma vez que inscreve a multitude de viventes como corresponsáveis recíprocos pela construção de comunidades de (sobre)vivência. Van Dooren, Kirksey & Munster (2016)VAN DOOREN, Thom; KIRKSEY, Eben; MÜNSTER, Ursula. Multispecies studies: Cultivating arts of attentiveness. Environmental Humanities. v. 8, n. 1, p.1-23, 2016. expõem essa condicionalidade recíproca com o exemplo da relação estabelecida entre a abelha e a flor para afirmar as modelagens de vida através de um patrimônio comum.

Uma das possíveis críticas à perspectiva multiespécie poderia ser o centramento dado à noção própria de espécie. E de certa forma a crítica procede na medida em que há um processo de colonização dos sujeitos a uma moldura previamente determinada pelo modus taxonomista de conhecimento científico, artificialmente imposto.

Há uma tipologia taxonômica que agrupa entidades pelas similaridades na mesma medida que as separa pelas diferenças. Com isso não são percebidos os agenciamentos subjacentes às relações, fluxo e trocas.

No entanto, a tentativa não é de superação categorial e negação da noção de espécie. Segundo Garcia (2018GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018., p.195) “a própria ideia de espécie, ela mesma, pode ser repensada etnograficamente, sem necessariamente termos que negá-la ou excluí-la. Apenas usá-la como mais uma ‘ficção’ em nossas análises passível de problematização por diversos povos ameríndios”. E é justamente nesse sentido que emprego a ideia de espécie atrelada ao multi.

Como afirma Eduardo Viveiros de Castro (2013VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. The notion of species in history and anthropology. Biozoo, v. 10, n. 1, 2013., p.3) “a diferença entre as espécies não é, para começar, anatômica ou fisiológica, mas comportamental ou etológica (o que distingue as espécies é muito mais seu etograma – o que comem, onde habitam, se vivem em grupo ou não, etc. – do que sua morfologia”. Garcia (2018)GARCIA, Uirá. Macacos também choram, ou esboço para um conceito ameríndio de espécie. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. n. 69, p. 179-204, 2018. afirma que a priori dois animais não serão da “mesma espécie” apenas pela sua morfologia ou etologia. Para o autor “etologia e morfologia não são um pressuposto em uma noção ameríndia de espécie, que escapa a um essencialismo característico dessa noção. O caráter relacional (ou relacionalista) é a tônica” (2018, p.200). E é esse enfoque relacional que o multiespécie tenciona evidenciar em detrimento da fixadez taxonômica. O Multiespécie não se trata propriamente de uma indiferenciação que apaga as especificidades do vivente, senão o reconhecimento da pluralidade de diversidade e perspectivas-narrativas de mundos que se inserem dentro desse contexto.

A normatividade jurídica multiespécies e (de)colonialidade

Que tipos de realidades emergem quando se desestabiliza a dicotomia natureza/cultura? (SERNA & DEL CAIRO, 2016SERNA, Daniel Ruiz; DEL CAIRO, Carlos. Los debates del giro ontológico em torno al naturalismo moderno, Revista de Estudios Sociales, 55, p.193-204, 2016.). E mais, em mundos povoados por entidades com agência, perspectiva de si, do outro e dos mundos, que tipo de normatividades seriam construídas? Como esses entes partilham espaço e paisagem em seus mundos? Qual o papel dispensado ao Direito oficial nestas dinâmicas?

Certas correntes nortistas da Ética animal (SINGER, 2010SINGER, Peter. Libertação animal. São Paulo: Martins Fontes, 2010.) representam os animais não humanos como pacientes morais em vez de agentes atuantes na vida social. Por consequência os animais seriam vistos como alguém ou algo incapaz de responder. Responder no sentido de emissão de ação direcionada e autônoma. Estariam em estado de passividade, quase que redutível ao estatuto de coisa (ainda que esses autores intentem retirá-los desta condição), mas que seria uma coisa vulnerabilizada capaz apenas de sofrer danos (REGAN, 1998REGAN, Tom. The nature and possibility of an envrionmental ethic. In Environmental Philosophy: from animal rights to radical ecology, pp. 19-34, Upper Saddle River NJ: Prentice Hall, 1998.).

O Processo de filhotização (INGOLD, 2000INGOLD, Tim. The Perception of the environment: essays on livelihood, dwelling and skill. Londres: Routledge, 2000.) alimenta uma exacerbação da maternagem (LEWGOY, SORDI & PINTO, 2015LEWGOY, Bernardo; SORDI, Caetano; PINTO, Leandra Oliveira. Domesticando o humano: para uma antropologia moral da proteção animal. Ilha Revista de Antropologia, v. 17, n. 2, p. 075-100, 2015.) mediante uma paixão animalitária (DIGARD, 1999DIGARD, Jean-Pierre. Les français et leurs animaux: ethnologie d’un phenomene de societé. Paris: Fayard, 1999.) dispensada a certos animais específicos tidos como Pets. Esses Pets seriam ao menos vistos como sujeitos, mas sem agência, destinatários da ajuda animalitária da “causa animal” (PASTORI & MATOS, 2017PASTORI, Érica Onzi; MATOS, Liziane Gonçalves de. Da paixão à “ajuda animalitária”: o paradoxo do “amor incondicional” no cuidado e no abandono de animais de estimação. Caderno Eletrônico de Ciências Sociais, v. 3, n. 1, pp.112-132, 2017.).

Já a proposição multiespécie percebe os animais, assim como os dendezeiros (CARDOSO, 2016), como fazedores de mundo.2 2 De acordo com Cardoso (2016, p. 272) “o dendê é planta de urubu, comida de pássaros como o papagaio ou de animais como a paca, óleo e atrator de caça para os humanos, e também para estes últimos fonte de histórias contadas. É interessante compreendermos como o dendê produz suas relações e a textura de seu mundo, seu modo de agir coordenado com “outros”. Outros, desafiando fronteiras e limites”. Como possuidores de agência e um estatuto próprio, como atores morais que se relacionam com o mundo e com humanos em um estado de não passividade.

E nesse contexto, os animais imprimem sua nota no mundo. Existem, persistem e resistem. Opondo resistência intencional aos desígnios humanos, inclusive (HRIBAL, 2003HRIBAL, Jason. “Animals are part of the working class”: a challenge to labor history. Labor history, v. 44, n. 4, p. 435-453, 2003.). Há aqui um reconhecimento dos animais como sujeitos corporificados (não necessariamente no sentido estritamente jurídico-dogmático do termo).

O reconhecimento da condição de pessoa ou sujeito atribuível a entes não humanos não estabelece a priori uma simetria das relações com humanos, até mesmo porque nas esferas de intrahumanidade essa simetria relacional não é factualmente verificável, mas tão somente fetichizada via estruturas normativas abstratas.

Os termos do debate jurídico sobre o estatuto do “Sujeito de Direitos” são alimentados pelo substrato ontológico que se encontra diluído na tessitura do Social. As sociabilidades tecidas sob um aparato monoespecífico típico do naturalismo ocidental referendou um modelo de Sistema Jurídico que projeta os animais como recursos afeitos à ideia de coisa ou artefato. De acordo com Lewgoy & Segata (2017LEWGOY, Bernardo; SEGATA, Jean. A persistência da exceção humana/The persistence of the human exception. Vivência: Revista de Antropologia, v. 1, n.49, p. 155-164, 2017., p.156) o regime ontológico naturalista reduz

uma pluralidade de entes (os animais não humanos) a uma categoria residual da “humanidade”, definida pela inexistência dos traços como razão, consciência e linguagem, que singularizam o humano ... Nesse regime, o estatuto jurídico dos animais oscila entre a ideia de objetos.

A ponderação que coloco no que se refere à disputa por afirmação e reconhecimento da causa animal é em que medida percebem animais como sujeitos-com-agência corporificados ou em que medida não conseguem superar a diferenciação especista que reivindica proteção apenas aos animais desejáveis ou de companhia. Ou seja, acabam por recair no naturalismo ocidental que criticam em suas narrativas? Encontra-se o discurso hegemônico da ética animal cristalizado em uma narrativa de um “humanismo dissociativo [que] cristalizou taxonomias de diferença entre “nós” e “eles”” (SÁ, 2013aSÁ, Guilherme. Afinal, você é um homem ou é um rato? Revista de Antropologia, v. 14, n. 1/2, p.243-259, 2013a.)?

Os regimes ontológicos são nutridos por aparatos pedagógicos que visualizam as crianças, na primeira infância, igualmente como pacientes morais, ao invés de vê-las como sujeitos produtores de sentidos compartilhados. E essa máquina antropológica permite uma pedagogia da singularidade humana que é naturalizada e normatizada desde os primeiros momentos da infância, pelas institucionalidades que rodam o infantil: família, escola, mídia, Estado, etc.

Essa disposição repercute nos modelos normativos de pedagogias postos pelo Estado, os conteúdos mínimos das regulações curriculares, os moldes de relações que são ensinadas como naturais (animais da fazendinha, animais como alimento, Natureza como recurso inesgotável, o homo mensura etc.)3 3 Chama atenção a disposição das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (MEC, 2013, p.161) que naturaliza a singularização da humanidade pelo caráter teleológico de sua intervenção no meio, “isto é, a capacidade de ter consciência de suas necessidades e de projetar meios para satisfazê-las, diferencia o ser humano dos outros animais, uma vez que estes não distinguem a sua atividade vital de si mesmos, enquanto o homem faz da sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência. Os animais podem reproduzir, mas o fazem somente para si mesmos; o homem reproduz toda a natureza, porém de modo transformador, o que tanto lhe atesta quanto lhe confere liberdade e universalidade”. para limitar os exemplos ao escopo da análise aqui proposta. O rompimento com essas normatividades especistas antropo(logos)cêntrica permite reorientar os modelos de Escolas, engajadas com uma realidade multiespecífica.

A condição de sujeito no sentido multiespécie que proponho é a de um sujeito concreto, corporificado e especificado no espaço-tempo. Não um sujeito abstrato universal como predicado existente a priori e de forma indiferenciada a todos aqueles que o sistema jurídico vindica a ficção da condição de persona jurídica.

A noção de sujeito em um sentido decolonial e multiespecífico revitaliza e oxigena a discussão jurídica sobre o estatuto das coisas e das pessoas para pensar nas condições de possibilidade para alargar o espectro de proteção projetados na noção de sujeito de direito, para fazer incidir a algumas espécies animais benefícios diretos do sistema de direitos. Retira-se a cristalização e a fixidez da categoria Sujeito de Direito e Pessoa no sentido jurídico para compreendê-las como porosas, socialmente negociadas, maleáveis e contingenciadas.

Os pórticos do fórum, desta forma, estão se abrindo aos sujeitos individuais não humanos que reclamam ao Judiciário uma resposta eficiente frente as violações de suas prerrogativas básicas de direito. No entanto, não considero que o Direito tenha total capacidade para articular as copresenças de um agregado multiespécie. Na verdade, há uma tendência mundial de inflação legislativa como se o Direito desse (ou devesse dar) cabo de todas as dinâmicas sociais através do controle da regulação.

Nesse sentido, o Direito não deveria figurar como substituto das outras esferas do social (política, amor, religião, arte, economia), em que pese haver questões juridicamente relevantes nesses setores do mundo e que não fogem à regulamentação. O que quero dizer é que a partir de uma visão inflacionada do Direito, e em certa medida a visão do Direito como imanência imperial, promove-se um engessamento das dinâmicas sociais. O Direito deveria agir como institucionalidade de garantia de liberdade coletivamente mediada. E não de um projeto civilizatório colonial.

Outra questão que se coloca é a ampliação da noção de agregado familiar para um sentido que extravasa o humano e incorpora os afetos mais-que-humano. A noção ampliada de família passa a inserir certos animais como membros natos.

O Direito passa a regular esse novo agregado familiar a despeito do código civil brasileiro reputar esse animal familiarizado como bem, consoante art. 824 4 São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. . Ou seja, na tentativa de se adequar a uma realidade emergente, o judiciário brasileiro vem em certa medida relativizando o disposto no código civil para considerar que certos animais possuem interesses e que esses interesses podem preponderar frente aos interesses dos animais humanos tutores. Essa realidade já se manifesta nas tomadas de decisão dos magistrados ao sentenciar pela guarda compartilhada de animais tendo em conta o melhor interesse do animal não humano ou atribuição de pensão alimentícia para animais não humanos.

No entanto, a aproximação desses animais e dos fluxos de afetos subjacentes a noção de família trazem a reboque consequências próprias desses espaços dispensados especificamente aos humanos. A proximidade das espécies companheiras também sujeitam-nas à participação dos espaços de violência familiar. O compartilhamento, na condição de violentável, de fluxos contínuos e estruturais de violência.

A criminologia verde antiespecista tem demonstrado como os animais têm sido utilizados no contexto do crime, notadamente no que se refere às ligações existentes entre violência contra animais e violência doméstica. A estrutura de controle de sujeitos vulneráveis é semelhante. Estar no âmbito familiar significa sujeitar-se a possibilidades violências como maus tratos, abusos sexuais etc.

O sistema de coabitação e de trocas interespecíficas estabelecida com a domesticação dos Pets acaba por nutrir um mercado multimilionário e preencher espaços de afetos que esses humanos não conseguem preencher intraespecificamente. Outro fenômeno refere-se ao compartilhamento de afetos em situação mútua de vulnerabilidade, com o caso dos animais humanos e não humanos em situação de rua. Outra questão que é reflexo da aproximação entre humanos e não humanos domesticados refere-se ao rompimento unilateral de relações mediante abando.

Há ainda as questões afeitas ao Direito Ambiental e Direito Urbanístico e Econômico. Modelos ontológicos e ecológicos definiriam formas diversas de conceber o conceito jurídico de ambiente equilibrado. As normas ambientais possuem uma moldura ampla de conformação jurídica em seu processo de concretização. Põem-se em jogo cosmopolíticas e modelos econômicos de desenvolvimento. Um tal equilíbrio homeostático do ambiente poria em jogo também a multiplicidade de perspectiva, inclusive de outros seres e não só de outras ontologias não-hegemônicas. A mediação de conflitos socio-ecológicos contemporâneos poderia ser vista e respondida de forma distinta.

Geralmente esses desastres são percebidos e sentidos apenas sobre a perspectiva da perda da vida humana e dos bens materiais desses sujeitos humanos e todas as repercussões econômicas. Não se visualiza que ali subjazia uma comunidade multiespécie interatuante e que sumariamente fora dizimada. Todas as multitudes de relações entre espécies e relações simbióticas e complexas de co-constituição e produção de espaço-mundo. Se desconsidera que ali há um caldo plural e potente de experiências e vivencias de troca entre diversas espécies. E há em certo sentido não idílico uma homeostase social que é quebrada com os desastres e que jamais retornarão ao estado de coisas anterior. Há uma disruptividade ambiental e intergeracional. Sanções legais alguma poderão fazer retornar ao anterior estado das coisas ou até mesmo remediar as vidas humanas e não humanas ceifadas. No sentido da criminologia verde o dano ambiental passa a ser reavaliado. Há nessa relação do dano ambiental um sistema de morte de relações.

Sob o contexto da ocupação do espaço urbano, as vidas humanas e não humanas podem se relacionar em um sistema como de existências insertos em dejetalidade. Nesse sentido, os lixões são comunidades multiespécies que emergem em um contexto de total e estrutural desconsideração pluriespecífica. Comunidades de sobrevivência, onde a morte e a putrefação são os nortes epistêmicos e ontológicos. O esquecimento jurídico dessas vidas torna vidas apagáveis ou inexistentes. O sistema de garantias de direitos fundamentais não chega nesses espaços.

Ainda no contexto das disruptividades atinentes às alternativas cosmopolíticas temos os chamados Direitos da Natureza, consignados em países latino-americanos. O Novo Constitucionalismo Latino-americano apresenta-se como um movimento constitucional com intenções de disruptividade em relação ao modo hegemônico de constituição de Estado e Direito que podem projetar um modelo multiespecífico de relações jurídicas. Abre um espaço constitucional para debater as relações entre humanidade e natureza em termos que destoam da ética tradicional da ecologia capitalista. Desloca substancialmente os valores constitucionais subjacentes à produção do Estado para pensar em termos de Bem Viver e não de Viver Bem.

Considerações finais

Os marcadores sociais são construídos assentados em rotas ontológicas específicas que, em certa medida, pré-condicionam os modos de constituição e performatividade dos seres e dos mundos. Há um espaço que afirma os modos de conhecer e predicar como relacionais e empíricos: interespecificamente e intraespecificamente.

Até mesmo na resposta contra hegemônica ao modelo ontológico naturalista-ocidental. Ou seja, o que se trama na vida social é fruto parcial de uma cosmovisão situada e nossa relação de aceitabilidade ou não aos termos negociados internamente. Os predicativos do alter e ego são mediados pelo aparato de conhecimento e valores de cognição dessa estrutura ontológica que cria e recria mundos situados geopoliticamente.

Conceber comunidades multiespécies como associações com interesses recíprocos e trocas mútuas faz emergir, por um lado, a compreensão de que esse espaço-tempo dispensado aos viventes propiciaria a possibilidade de compartilhamento de afetos transespecíficos. A atentividade, a abertura cognitiva e emotiva frente ao outro, seriam factíveis aos membros que coconstituem sua historicidade coletivamente.

Para tanto, um modelo performativo alternativo ao naturalismo ocidental seria necessário. Ou ao menos reorientação dos termos negociados nesta rota. As diferenças de interioridade estabelecidas pelas sociedades ocidentais na relação humano/não-humano não deveriam implicar, necessariamente, em espaços de domínio violento dos seres. Ou seja, as diferenças apesar de não se solverem não seriam suficientes para estabelecer um sistema de hierarquia apropriativa. As rotas decoloniais e as cosmovisões ameríndias são exemplos de rotas epistêmicas e ontológicas para a construção de alternativas transespecíficas.

Por outro, se considerarmos que dispositivos de poder podem fincar assimetrias nos fluxos de trocas, estaríamos diante de um processo de governabilidade com um potencial grau de crueldade implícito que imporia técnicas de controle ao humano e demais membros da comunidade. Assim comunidades multiespecíficas seriam paridas em típicos modelos ontológicos de diferenciação.

Nesse contexto, as diferenciações de interioridade e fisicalidade são utilizadas como elementos retóricos de instrumentalização do outro. O naturalismo-ocidental replicaria em escala global um tipo de ontologia que naturaliza a violência como elemento constitutivo e necessário da sociedade. Nesse sentido, a vida do outro torna-se desqualificada, destituída de elemento vital e reportada como uma vida menor. A matabilidade impõe-se como retórica da existência narcísica do Ego.

No atual quadrante geopolítico do Colonialoceno, a Colonialidade projeta-se como padronagem da vida e dos modos de ser, fazer, estar e tornar-se em escala Global. Os marcadores sociais de violência alargar-se-iam, assim, para incluir entidades matáveis no sentido Angambemiano. A necropolítica é, também, multiespecífica.

Com isso, quero afirmar que pensar e agir nos termos multiespecíficos significa transitar em um mundo onde a pluriversalidade e a não-violência é uma possibilidade de princípio organizativo interespecífico da sociedade e, ao mesmo tempo, é deparar-se com um trânsito congestionado de fluxos de violência e matabilidade.

Nesta linha de raciocínio, Eben Kirksey (2015)KIRKSEY, Eben. Species: A Praxiographic Study. Journal of the Royal Anthropological Institute, 21, 758-780, 2015. expõe os ônus e bônus da visibilidade. Segundo o autor a visibilização ou reconhecimento de uma entidade (animais, plantas, fungos) pode significar novas oportunidades para construção de novas formas de vida e de vivê-la, mas pode também significar a exposição à exploração, submissão e regimes invasivos de controle. Em ambos os casos há uma abertura cognitiva na tessitura do social que nos permite moldar e performar o mundo aos termos por nós negociados (transespecificamente).

Se considerarmos a vida como permeada por projetos políticos, epistêmicos, ontológicos, então a decolonização multiespécie torna-se um imperativo ético, político e um balizamento possível para construção de normatividade jurídica em termos não violentos. E, assim, decolonizar as relações entre espécies para pensar as performatividades do Ser, do Saber, da Natureza e do Poder desvestidos de uma matriz colonial de constituição, bem como projetar rotas apagadas como significantes e alternativas situadas possíveis de vivência interespecífica.

Diante da lógica disposta nessas considerações, resta ao Direito oficial expor suas contingências, suas opções metodológicas e políticas. Isso porque o Direito enquanto sistema de ação é institucionalidade situada no tempo-espaço e consequentemente reflexo de historicidade, contexto político e caldo cultural local. O Direito se presta a um projeto de civilização.

Uma das recursividades para o Direito que já começam a impulsionar o sistema jurídico é a reconfiguração do conceito normativo de família. A reorientação do conceito objetivaria propor uma nova entidade familiar na qual entidades para-humanas também comporiam relações de afeto e de trocas mútuas. As novas composições familiares permitem algumas considerações críticas e interseccionais. A ampliação da noção de família para inserir demais animais traz ônus e bônus para animais não humanos. As relações de trocas podem ser tanto mutuamente benéficas (troca de afetos, disposição alimentar, abrigo) como maléficas (inserção dos animais como instrumentos ou destinatários de violência doméstica)

Pensar o multiespécie em termos decoloniais significa reconhecer que há dispositivos de poder que permeiam as relações e da necessidade de desvelar e enunciar modelos contra hegemônicos de relações. Dessa forma, pensar o Jurídico em termos de possibilidades aos animais e não em termos de clausura fetichista é importante.

Segundo Juliana Coutinho a questão transita do Direito à política na medida em que haja “coabitação por diferentes entes de diferentes mundos que, no entanto, se encontram e superpõem” (2018:2428). A autora arremata afirmando que “é essa tendência de elevação da humanidade a um ideal que não se verifica historicamente, em prejuízo da admissão do comportamento animal real que costuma acompanhar as discussões em torno de direitos e moralidade (2018, p.2430).

O sentido que proponho de interações multiespecíficas leva em conta as considerações de Juliana Coutinho (2017)COUTINHO, Juliana Fausto de Souza. A cosmopolítica dos animais. Tese de Doutorado. Tese (Doutorado em Filosofia). Programa de Pós-Graduação emFilosofia, Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2017., segundo a qual não existe inocência, tampouco devemos desejar ocupar esse lugar contra todo resto dos viventes, mas pode existir responsabilidade, a possibilidade de responder. Ao solapar os conceitos modernos que excepcionalizam o antropos repaginamo-lo à luz do estar com e tornar-se com retirando o humano do seu isolamento metafísico.

  • 1
    Como referente explicativo da influência da intervenção humana sobre os sistemas biogeofísicos do planeta Terra, para além da concepção escatológica do Antropoceno, vejo o reconhecimento dessa nova Era como potência pedagógica transformativa, no sentido proposto por Taylor e Pacini-Ketchabaw (2015)TAYLOR, Affrica; PACINI-KETCHABAW, Veronica. Learning with children, ants, and worms in the Anthropocene: towards a common world pedagogy of multispecies vulnerability. Pedagogy, Culture & Society. v. 23, n. 4, p. 507-529, 2015., como espaço aberto para novas conformações pedagógicas desvencilhadas da matriz de poder exclusivista e monoespecífica, para adjudicar possibilidades outras de relações menos destrutivas. Um momento propício pra reconfigurar nossos sistemas de pensamento e ação. Nesse sentido, referenciais como Crititical Animal Pedagogies, Education for Total Liberation, Common Worlds Pedagogies são aportes teóricos relevantes.
  • 2
    De acordo com Cardoso (2016, p. 272) “o dendê é planta de urubu, comida de pássaros como o papagaio ou de animais como a paca, óleo e atrator de caça para os humanos, e também para estes últimos fonte de histórias contadas. É interessante compreendermos como o dendê produz suas relações e a textura de seu mundo, seu modo de agir coordenado com “outros”. Outros, desafiando fronteiras e limites”.
  • 3
    Chama atenção a disposição das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (MEC, 2013MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. 2013. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/docman/julho-2013-pdf/13677-diretrizes-educacaobasica-2013-pdf/file>. Acesso em dezembro de 2018
    http://portal.mec.gov.br/docman/julho-20...
    , p.161) que naturaliza a singularização da humanidade pelo caráter teleológico de sua intervenção no meio, “isto é, a capacidade de ter consciência de suas necessidades e de projetar meios para satisfazê-las, diferencia o ser humano dos outros animais, uma vez que estes não distinguem a sua atividade vital de si mesmos, enquanto o homem faz da sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência. Os animais podem reproduzir, mas o fazem somente para si mesmos; o homem reproduz toda a natureza, porém de modo transformador, o que tanto lhe atesta quanto lhe confere liberdade e universalidade”.
  • 4
    São móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2019
  • Aceito
    11 Maio 2020
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